Névoa Eterna Brasileira

Autor(a): Dimas Tocchio Neto

Revisão: KlayLuz


Volume 1

Capítulo 1: Solaria

Ano 1050 do Calendário da Névoa Eterna

Mais uma manhã se iniciou e ainda não acredito que não fizemos nenhum progresso na pesquisa da Névoa. Tudo o que sabemos era que ela apareceu mil anos atrás.

Mas chega de reclamar, era hora de levantar.

O sol entrou por uma pequena fresta na parede de madeira do meu quarto. Me sentei na cama, de onde tinha uma boa visão do ambiente. Na verdade, não era apenas meu quarto, mas — sim — toda minha casa. Apenas um cômodo.

Escute:

As paredes eram de madeira podre.

Meu telhado, pobre coitado,  feito de palha de trigo enrolada, era miserável, mas ótimo para vedar a chuva.

Havia minha cama de madeira e o colchão de palha.

Na lateral esquerda, uma pequena pia onde lavava minhas roupas à mão.

Perto da porta de madeira, deixei penduradas as minhas roupas de trabalho e a espada, uma herança de família. 

No centro da casa havia um pequeno guarda-roupas, onde deixei o jaleco de pesquisa.

E, para não esquecer, tinha a janela que deixava aberta durante a noite para pegar uma brisa suave.

Vamos lá. Me levantei, lavei o rosto na pia, escovei meus dentes, abri o guarda-roupa e coloquei meu jaleco e as botas pretas.

Deixarei a casa fechada hoje.

Me encaminhei à porta, mas quase me esqueci de pegar a espada.

Embora a ilha fosse bem segura, existiam seus perigos por aí, acredite.

Tudo pronto, hora de ir. Assim que abri a porta, uma forte luz bateu no meu rosto. O sol estava ofuscante demais! Acreditei que já eram 6 da manhã, embora não tivesse um relógio para confirmar.

As nuvens, eram como se tocassem os pés da ilha enquanto flutuavam pelos céus. Brilhava alto no céu, iluminando as ruas e casas com deslumbre.

Respirei fundo. Senti o ar fresco e limpo. Era um dia perfeito para começar minha rotina diária de estudos e pesquisas práticas.

Morava afastado do centro da ilha, mas tinha uma vista sempre linda para a cidade. A estrada até lá era pavimentada com pequenas pedras cinzas, colocadas uma do lado da outra, e todas em formato hexagonal. Gostava de reparar. 

Nas laterais da estrada, havia grandes campos de lavoura de trigo e milho. Aqui, ao lado da estrada, existiam alguns postes de luz guiando até a cidade.

No horizonte da ilha, residia um grande rio cristalino que circulava por toda a ilha, sempre a refletir o brilho. Daí que vinha o nome Solaria.

Após alguns minutos, cheguei na entrada da cidade, localizada no centro da ilha e se estendia até a parte norte, onde ficava o porto. Diversos barcos voadores chegavam e partiam, movimentando a área.

A entrada era muito imponente, com um grande muro que circundava toda a cidade, adornado com cores em azul e dourado. Em cima dos muros, os arqueiros permaneciam sempre de prontidão.

Aqui estou eu, no portão da entrada, esse feito de aço puro e tão grande quanto o muro. Ele era composto de grades e, na entrada, dois guardas com armadura dourada e expressões sérias me encaravam.

— Bom dia, David. Acordou cedo, hein? — falou o guarda da direita.

— Sim, senhor. Hoje o dia vai ser longo, Aelar — respondi.

Aelar Escudomar, embora tenha um rosto sério com uma cicatriz que cortava seu olho esquerdo, era sempre gentil comigo.

— Tentando entender sobre a Névoa de novo, né? 

— Sim, embora tenha se mostrado um grande desafio. Resta persistir.

— Vai dar certo, David, acredite. Pode passar.

— Obrigado, Aelar. Até mais tarde.

Ele me conhecia desde criança e sempre me deixou entrar na cidade com grande facilidade, sem que eu precisasse mostrar minha identificação, diferente do outro… Gerald, ah!, aquele lá me odeia, não sei o porquê.

Ao entrar na cidade, sempre me tomou à vista: as casas possuem detalhes intricados de engrenagens e tubos, e os telhados são adornados com pequenas hélices que giram com o vento; as ruas, feitas de mármore importado de Exóryxi, reluziam sob o sol num contraste deslumbrante.

A rua da cidade era repleta de cores e vida, as casas eram construídas com tijolos que brilhavam em diferentes tons ao longo do dia. Tais minerais, todos trazidos da ilha mineradora de Exóryxi.

Flores exóticas cresciam pelas calçadas e as árvores tinham folhas de várias cores.

Alguns mercados de alimentos e ferragem ficavam nas laterais da rua, em pequenas barracas de vendas.

Avistasse o grande castelo no centro da cidade, um gigantesco todo feito de rochas e aço. Ali morava o governador da ilha: o Conde de Vwer.

Enquanto ainda admirava o castelo, alguém segurou meu ombro.

Ao me virar, vi Dora Lykaion, minha amiga de infância.

Vestida com um jaleco branco, meticulosamente adornado com sutis bordados que lembravam engrenagens. Seus cabelos negros caíram soltos pelos ombros e seus olhos castanhos cintilaram por trás dos óculos redondos, realçando seu ar intelectual. Com uma varinha mágica na mão, ela personificava a fusão entre aristocracia e ciência.

— David, sempre perdido na beleza da cidade, não é? — Ela sorria.

— Dora! — exclamei e a abracei. — Você sempre aparece nos momentos certos. — Está pronta para mais um dia de estudos sobre a Névoa Eterna?

— Claro, claro. Vamos logo. — Dora pegou seus livros, que estavam numa pequena bolsa branca de alça no ombro.

Embora eu também fosse um aristocrata da ilha, minha fortuna não chegava perto da família Lykaion.

— Bem, então para a biblioteca de Solaria.

Avançamos pela cidade.

As ruas começaram a ficar mais movimentadas, até mesmo alguns Demi-humanos apareceram: alguns humanoides com características de lobos, outros de gatos. As casas tornaram-se mais nobres e, com paredes douradas e vermelhas, exibiam a fortuna e a prosperidade dos nobres… Se não me engano, Dora vivia por aqui.

O castelo no centro da ilha estava visível. Era gigantesco, devia ter cerca de 30 metros de altura, com várias torres em formato de cone. Em suas muralhas, vários canhões apontavam rumo ao oceano eterno, como se estivessem se preparando para uma batalha iminente.

— David, por que você tanto olha para o castelo do conde? — perguntou Dora.

— Tem algo errado, Dora. Os canhões do castelo nunca ficaram virados rumo ao oceano eterno.

— Não deve ser nada de mais, David. Não se preocupe com isso.

Huh… Verdade, devem estar em manutenção ou coisa do tipo. Mas, Dora, algo que não entendo, nunca vi o conde. Vivo aqui há dezenove anos e ele nunca apareceu em público.

— Para muitos é assim. Têm boatos de imaginação deliberada, mas a verdade é que o governador tem um grave problema de pele e não pode sair à luz do sol.

— É verdade.

Continuamos rumo à Biblioteca, estávamos bem próximos. No entanto, ao entrarmos numa estreita e sombria rua, percebemos que ela estava vazia e a luz do sol mal conseguia penetrar entre os edifícios altos que a cercavam. Três indivíduos encapuzados emergiram lentamente das sombras em nossa direção.

A rua, com suas construções altas e antigas, criava uma atmosfera opressiva, e as sombras se prolongaram mais que o normal. O ar estava impregnado de uma tensão silenciosa enquanto os encapuzados bloqueavam nossa passagem.

— Por favor, saiam da nossa frente, não temos tempo para conversas paralelas — falei com a voz mais grave.

Foi inesperado.

O indivíduo do meio puxou uma pequena adaga da sua cintura e a lambeu, mostrando seus dentes podres e amarelos enquanto tirava seu capuz.

Sério? Ladrões no centro de Solaria. Aff!

Ei! Seu engomadinho, é mió entregá tudo o que tá nas sua mão, ou se prepara pra morrê. — Ele apontou sua adaga para mim.

— Antes de ser ladrão, você podia fazer algumas aulas de português, viu? Ajudaria com as negociações! Hahaha! 

Queria o provocar.

Outro deles se aproximou de Dora.

— Olha que princesinha. não gostaria de dar uma voltinha conosco, gatinha? Invés de ficar com esse burguês — falou ele, com uma voz rouca e grave, olhando para o decote da Dora.

— É melhor vocês saírem daqui para o seu próprio bem — adverti-o.

— Como esse pivete tá abusado! — O terceiro trombadinha riu da minha cara.

Puxei a espada da bainha presa em minha cintura e revelei a lâmina vermelha como sangue.

Apontei-a para o primeiro bandido e falei alto:

— Aquele que encostar nessa mulher estará hoje mesmo no inferno! — Me preparei para a luta. Coloquei a lâmina à frente e uma das pernas para trás.

O segundo trombadinha, revoltado com a atitude, pegou no braço da Dora e a puxou com força para seu lado. Nesse momento, o primeiro bandido gritou de dor ao ver sua mão caída no chão e a minha espada com sangue no fio.

Cortei a mão do primeiro no momento em que seu companheiro encostou na Dora e já parti para cima do segundo bandido, golpeando sua coxa direita e fazendo-o soltar a Dora.

A levei para trás do meu corpo e me pronuncio:

— Acredito que vocês já devem ter aprendido a lição, então, por favor, saiam da nossa frente.

— Maldito, você vai pagar por isso! — berrou aquele que teve a mão cortada.

— Veremos isso agora!

Chamei alto pelos dois guardas que passavam.

— O que aconteceu aqui? — perguntou um dos guardas, perplexo com a cena.

— Esses três nos atacaram e tentaram nos roubar — respondeu Dora, um pouco assustada.

Um dos guardas logo percebeu que a mulher era Dora Lykaion, filha do duque Lykaion, um dos três assessores do governante de Solaria.

— Senhora Lykaion, sentimos muitíssimo por não vermos o que estava acontecendo aqui. Esses homens irão agora para a prisão e possivelmente receberão pena de morte por lhe atacar. — O guarda olhou com raiva para os três.

— Está tudo bem, deixe-os vivos, mas não permita que saiam tão cedo da prisão.

Após esse rápido incidente, os guardas prenderam os três e os levaram embora do local.

Eu e Dora saímos da rua e chegamos à rua principal de Solaria. Ali, nos sentamos num pequeno banco de madeira.

— Não temos manhãs tão movimentadas assim há muito tempo — disse Dora, rindo da situação.

— Verdade, eu achava que nem sabia mais usar minha espada… — Suspirei e estiquei meus braços para cima.

— Você sabe que isso é impossível, David, você treinou sua infância inteira desde que se tornou órfão.

Abaixei minha cabeça e juntei minhas mãos em cima das minhas pernas.

— Vamos encerrar esse assunto aqui. Devemos nos apressar para a biblioteca, eles estão nos esperando lá.

***

Chegando à entrada da biblioteca, vi o grandioso símbolo nela: uma gigantesca escultura de madeira em formato de livro que ficava acima da porta — também de madeira branca — com entalhes de símbolos científicos, como fórmulas e equipamentos de ciência. As paredes eram totalmente brancas e lisas, sem nenhuma pintura ou pichação e com grandes janelas de vidro transparente em formato retangular.

Abrimos a porta e, lá dentro, já estavam nos esperando na mesa central:

Eric, um pesquisador de química com 32 anos. Ele era alto e magro, com cabelos louros e olhos azuis. Alguém muito preciso e detalhista em sua pesquisa, habilidades que o faziam descobrir novas moléculas e reações químicas.

Fernanda, uma pesquisadora de astronomia com 28 anos. Ela era alta e magra, com cabelos castanhos e olhos verdes. Muito curiosa e estava sempre explorando os mistérios do universo.

E Helen é uma pesquisadora de biotecnologia, com 29 anos. Ela era alta e magra, com cabelos loiros e olhos azuis. Mestra em sua área, portadora de um sentido científico aguçado.

Essa era nossa equipe de pesquisa, que buscava investigar a Névoa Eterna, uma grande formação espessa de nuvens que se moldou a dez quilômetros abaixo das ilhas flutuantes. Essa formação apareceu há mil anos, ainda na era do ferro.

— Bem-vindos! — disse Eric, segurando um recipiente de vidro contendo um líquido verde dentro. — Agora vamos ao trabalho.

— Vocês se atrasaram, aconteceu algo? — perguntou Fernanda.

Dora explicou tudo o que estava acontecendo, de nós sermos parados e ameaçados por bandidos.

— Ainda bem que você estava com o David, Dora — disse Helen, com olhar de preocupação.

— Afinal, nada melhor que andar com o campeão de esgrima de Solaria — comentou Eric.

— Chega de conversa, pessoal, vamos ao trabalho! — Sorri, mas logo fiquei sério novamente. — Não podemos nos distrair, temos realmente muito trabalho pela frente.

A grande pilha de documentos à frente era mesmo desmoralizante, cheias de livros e papéis sobre a mesa no lugar.

A biblioteca de Solaria era um lugar mágico, com prateleiras e prateleiras de livros antigos e novos. As paredes foram cobertas por mapas e ilustrações de todos os tipos, que mostravam as ilhas flutuantes e os mistérios da Névoa Eterna. No centro da sala, há uma mesa de pesquisa, onde eu e minha equipe passamos horas estudando e analisando os dados que coletamos. Trabalhamos juntos por horas, anotando tudo o que descobrimos e discutindo teorias e possíveis explicações.

Nesse ponto, mal imaginava no que seria envolvido.



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