Volume 2: Correntes invisíveis.
Capítulo 2: Convergência.
No olho da tempestade, Harkin analisava as possibilidades como peças de um jogo perigoso.
Runas de supressão jamais funcionariam.
O poder de Eiden não era um fluxo contido — era um oceano em colapso.
— Se eu montar um arranjo... desvio em vez de supressão... redistribuir o excedente... — murmurou para si mesmo.
Sim. Poderia funcionar.
Mas usaria suas cartas. Mostraria mais do que queria.
E ainda assim…
Seus olhos se encontraram com os de Serafina.
Por um instante, uma lembrança se acendeu. A voz de sua irmã, Gabriela, ecoou em sua mente:
“Nós perdemos muito, mas agora que temos capacidade... temos que lutar por aqueles que não podem. De que adianta poder, Harkin, se você não proteger quem precisa de você?”
Um sorriso escapou, suave e involuntário.
Serafina o observou com estranheza.
“Por que ele sorriria... agora?”
Sem dizer uma palavra, Harkin se moveu. Colocou-se diretamente abaixo de Eiden, onde a pressão era maior.
O roxo de seus olhos se intensificou, irradiando pelo rosto como veias de luz viva.
Sua mana explodiu.
Uma avalanche de pressão recaiu sobre todos.
Não era como a de Eiden — mas era densa, afiada, viva.
Okini cambaleou. Pietro rangeu os dentes. Serafina sentiu os joelhos cederem.
Markus, atento, lançou seu sobretudo sobre os ombros de Sera.
A pressão cessou para ela.
— Garoto — disse Markus, franzindo a testa.
— Que diabos você está fazendo?
— O velho tá fora de si — respondeu Harkin, os olhos fixos no céu.
— E tirando minha mãe, acho que ninguém conseguiria pará-lo. E como Nerio é bem longe daqui... a gente vai ter que improvisar.
As reações vieram como lâminas ocultas:
“Esse idiota vai sabotar os acordos que lutamos tanto pra conseguir.”
“Pressão absurda... o que mais esse bastardo tá escondendo?”
Pietro e Okini pensaram boquiabertos.
“Filho da puta. Escondeu tudo quando lutamos. O que mais ele pode fazer?”
Drake cerrou o punho. Seu olhar queimava.
Serafina apertava o sobretudo de Markus, o olhar fixo em Harkin.
“Ele é... completamente diferente do que imaginei.”
— O que você tá planejando, garoto? — perguntou Markus.
— Estabilizar a energia do velho.
— E algum bastardo como você conseguiria fazer isso? — cuspiu Drake.
Harkin o encarou.
A rispidez na voz foi cortante:
— Eu não vou ouvir merda de quem tá tremendo por causa da minha mana.
Se aproximou de Drake e o agarrou pelo colarinho.
A autoridade naquele gesto foi tão intensa que até Markus hesitou.
— Se não vai ajudar, não atrapalha. Entendido?
Jogou Drake para trás. Ele tropeçou, mas se manteve em pé.
Por um momento, quis revidar.
Mas então… viu os olhos de Harkin.
Os olhos dele estavam iguais aos de Eiden.
— Se todo mundo já terminou as perguntas e respostas, aqui vai:
Se ajeitando, continuou:
— Eu não sou páreo pro velho. Mas tenho uma peculiaridade que demoraria horas pra explicar. Então, por favor... apenas sigam minhas instruções. Se o conselho for metade do que deveria ser, vão chegar logo.
Ele se posicionou no centro do quintal.
Os ventos uivavam como bestas em agonia. Raios começaram a cair ao redor.
— É agora ou nunca.
Sua mana explodiu mais uma vez.
Runas começaram a surgir no solo, queimando o ar em círculos perfeitos.
Um brilho púrpura-escarlate tomou conta do ambiente.
Cada traço era uma linha de energia. Um fio entre o caos e o controle.
Se errasse... não haveria segunda chance.
O suor escorria de sua nuca. Seus dedos ardiam com o esforço de manter os traços precisos.
— Essas runas convertem a energia do velho em mana natural — disse, ofegante.
— O mesmo princípio das antenas de transmissão. Só que... num campo instável e em tempo real.
Ele completou o círculo e infundiu energia:
— Essa é a formação básica. Preciso de apoio.
Fiquem ao meu redor. Inclusive você, playboy idiota.
Eu vou diluir a carga dentro do que cada um de vocês aguenta.
“Que ele faça seu teatro.” — pensou Drake.
“No fim, é só um bastardo tentando provar algo que nunca poderá ser.”
Mesmo assim... ele se juntou aos outros.
Formaram um quadrado. Uma linha energética ligou seus corpos.
Harkin falou:
— Se preparem. Vamos aguentar até os reforços chegarem. Markus... vou entrar em transe quando começar a dissipar. Quando os outros chegarem, formem quadrados alternados com o seu. A formação precisa ser par. Se isso funcionar... estabilizaremos ele. E evitaremos o pior.
Sem esperar resposta, Harkin se sentou. Cruzou as pernas.
Antes de fechar os olhos, ele olhou Serafina e disse:
— Agora seria uma boa hora pra se afastar um pouco. Não leva a mal... mas agora você não vai ser de grande ajuda.
Okini estava prestes a xingar quando Serafina respondeu:
— Ok. Mas depois eu quero entender tudo isso.
Harkin a encarou com um leve sorriso no rosto.
— Pode deixar. Eu te explico o que você quiser saber.
Quando ela começou a se afastar, ele caiu em concentração profunda.
A tormenta desabou sobre ele como um grito ancestral.
A mana de Eiden descia em espiral — azul índigo, viva e agressiva.
Mas Harkin era o núcleo. O centro do vórtice.
As runas começaram a brilhar.
A energia de Eiden parecia vacilar, como se algo invisível a puxasse e forçasse a reorganização.
— Não sei o que ele tá fazendo... — murmurou Markus.
— Mas está funcionando. Continuem focados.
Drake, Pietro, Okini — todos fecharam os olhos e sustentaram o fluxo.
Cada rajada mágica passava por Harkin como uma lâmina.
Seu corpo tremia.
Cada célula queimava.
Sua alma parecia... aberta.
Mas ele permanecia firme.
As runas agiam como um filtro.
Mas mesmo com elas, era preciso um núcleo forte o suficiente para segurar o colapso.
Ele estava agindo como esse núcleo.
Ele estava enfrentando Eiden.
Sozinho.
Minutos se passaram.
A energia do imperador não cessou — mas desacelerou.
A tormenta virou correnteza.
Ainda perigosa. Mas menos imprevisível.
O peso nos ombros de Harkin era colossal.
Como se a existência de Eiden atravessasse seu corpo, milímetro por milímetro.
Seu nariz começou a sangrar. Os sinais físicos apareceram, um a um.
“Tenho que aguentar... a convergência tá funcionando. Mas esse velho do caralho tinha que ser tão forte?”
Seu corpo doía. Sua pele ardia.
E sua mente... estava se desfazendo em fragmentos.
— Droga, Harkin... quanto tempo mais você consegue aguentar? — perguntou Pietro.
Markus respondeu, seco:
— Menos de cinco minutos... numa boa estimativa.
Os medos de Pietro foram silenciados quando Leona, Kaius e Solomon pousaram com força ao lado de Markus.
— O que está acontecendo? — perguntou Leona, os olhos escaneando a cena.
— É muito bom ver vocês também — respondeu Markus, sem tirar os olhos do círculo.
— Mas agora não é hora pra explicações complicadas. Simplificando: papai tá fora de controle, Harkin apareceu com uma solução inusitada... e tá funcionando. Mas ele não vai aguentar sozinho por muito mais tempo. Façam uma formação padrão e ajudem.
Solomon observou Drake e percebeu os arranhões em seu rosto.
“Ele perdeu? Ou foi um empate...? Não importa. Se o pai agiu, discutiremos isso mais tarde.”
Sem mais perguntas, os recém-chegados se integraram ao arranjo mágico.
Quando se estabilizaram, o círculo contava com oito no anel interno e dezesseis no externo.
A torrente de energia fluiu como um rio transbordando. A pressão sobre Harkin dissipou de uma vez.
— Ele tava segurando tudo isso sozinho?! Quem é esse garoto? — alguém exclamou, pasmo.
— Não importa. Só estabilizem o arranjo! — gritou Markus.
O silêncio se instalou.
Todos se concentraram.
Mesmo com o reforço, a luta contra o poder bruto de Eiden era brutal.
Minutos se arrastavam como horas.
— Porra, velho... acorda! Eu tô no limite aqui! — rosnou Harkin entre dentes. — Vai ficar dando showzinho até quando...?
E então... finalmente, o ar começou a mudar.
O vento suavizou.
A densidade se dissolvia, lentamente.
Mas foi só por um segundo.
Um relâmpago desceu como uma lança, direto sobre ele.
Harkin, mesmo exausto, ergueu a mão direita instintivamente.
O trovão rasgou o céu e colidiu contra ele.
Sua prótese vibrou com a descarga, absorvendo parte do impacto. O tecido da capa se rompeu, revelando o braço mecânico.
Todos prenderam a respiração.
Os olhos se arregalaram.
Okini foi a primeira a reagir.
— Harkin… seu braço...
— Agora não — respondeu ele, ofegante. — Depois eu explico.
O velho tá acordando...
Correntes elétricas dançavam em volta dele. Os olhos, antes intensos, agora brilhavam como faróis púrpura.
A nova demonstração de poder arrancou olhares dos nobres e senadores que começavam a chegar.
— Aquele é o poder do imperador... Como ele tá usando isso? — alguém murmurou entre os aristocratas.
Ignorando os cochichos, Harkin se moveu até Serafina.
Parou diante dela, olhou em seus olhos.
Então, erguendo novamente a mão direita, interceptou um novo raio que desceria sobre ela.
— Acho que isso conta como um ponto a meu favor, certo? Fica atrás de mim, por favor.
Ela assentiu, muda.
Ele se virou para o grupo.
— Depois haverá tempo pra explicações. Agora, protejam-se.
Ele não representa mais uma ameaça à cidade, mas ainda...
Um trovão interrompeu a frase.
O céu inteiro estremeceu.
Um raio colossal caiu sobre Eiden como um pilar de luz.
O clarão foi tão intenso que por um momento parecia que o próprio sol havia descido sobre a capital.
E então… a voz distorcida ecoou pelos céus:
— Eu sou Visra Empera. Que os céus se lembrem de seu imperador.
O céu respondeu.
Raios começaram a cair em cascata por toda a cidade.
As construções — torres, cúpulas, vitrais, colunas — pareciam presas dentro de uma imensa gaiola de Faraday.
A ressonância reverberava em cada parede.
A energia estalava no ar, viva e feroz.
Por alguns segundos, o mundo tremeu.
E então, o pilar de luz que envolvia Eiden explodiu, rasgando as nuvens.
A tempestade foi empurrada para além do horizonte.
O céu... se abriu.
Gordon chegou bem na hora em que tudo terminava.
O olhar confuso passou por cada rosto presente.
— Que merda aconteceu aqui? Por que esse tumulto todo?
— Pergunta pro seu protegido — respondeu Solomon, seco.
— Protegido? — Leona olhou para ele, surpresa.
As dúvidas pairavam no ar como fumaça...
E então, Eiden desceu.
Seu corpo colidiu com o chão com peso e propósito.
Ele ergueu o olhar para Harkin.
Observou a energia que ainda vibrava ao redor do garoto.
“Ele não deveria ser capaz... mas fez. Talvez... talvez haja mais nele do que eu imaginei.”
Eiden caminhou até ele.
A voz foi firme, mas sem agressividade:
— Você tem uma hora para arrumar essa bagunça. Depois, quero você no palácio. Temos muito o que conversar, e você... não vai mais fugir de mim se quiser continuar aqui. Entendido?
Harkin o encarou de volta.
Uma veia pulsava até a lateral de sua cabeça.
O maxilar travado.
O olhar, firme.
Ele apertou o punho direito. A prótese rangeu sob a força.
— Entendido.
Eiden assentiu.
— Ótimo.
Ele olhou para os netos e disse:
— Pietro e Okini, garantam que ele seja pontual.
Os dois não questionaram.
Depois de ver a resposta que esperava, o imperador virou-se para os demais:
— O resto de vocês... voltem comigo.
A tempestade havia se dissipado, mas o silêncio que ficou era mais pesado que o trovão.
Relâmpagos ainda ecoavam distantes no horizonte, resquícios de uma fúria que agora se desfazia. O quintal estava destruído, o ar ainda carregado de ozônio e tensão não resolvida.
Serafina deu alguns passos para longe dos outros.
Seus olhos castanhos vagavam pelo caos ao redor — e então pousaram em Harkin.
Ele estava quieto. Diferente.
O olhar distante, como se ainda estivesse dentro do furacão que acabara de conter.
Ela se aproximou.
— Acho que você não é quem eu pensei que fosse — disse com a voz baixa, mas firme.
— Príncipe de Nerio... e do Império ao mesmo tempo.
Harkin soltou um meio sorriso, cansado.
Mas não respondeu.
Ela desviou o olhar para o chão, como se sentisse que havia falado demais.
— Foi bom te conhecer — completou, dando as costas a ele.
Harkin hesitou.
Sua mão quase se ergueu para impedi-la...
Quase.
Mas algo dentro dele freou o impulso.
Ele sabia como era perder. Sabia como era tocar algo bom... e ver escorrer pelos dedos.
E talvez, no fundo, achasse que não merecia aquilo.
Serafina deu mais um passo.
Foi quando ele finalmente agiu.
Tocou suavemente o braço dela. Não a segurou. Apenas... tocou.
Ela parou.
Harkin ainda não conseguia encará-la por completo.
— Você não me quer por perto...? — perguntou, a voz quase um sussurro.
Ela respirou fundo.
Harkin recuou um passo, instintivamente.
Ele odiava como a vulnerabilidade o fazia sentir pequeno. Frágil. Exposto.
— Eu sei que minha presença te causou problemas, Sera... — disse, com o olhar baixo.
— Mas preciso saber, sinceramente, você quer que eu vá embora?
Por um instante, ela não respondeu.
O silêncio se alongou, pesado.
Em sua mente, a voz de seu avô ecoou, suave e cheia de vida:
“Sempre que você tiver dúvida se deve confiar em alguém, olhe em seus olhos profundamente. Os olhos são o espelho da alma, Pequenina. As palavras podem mentir... mas a alma nunca esconde.”
Ela inspirou com força, e então se virou.
Olhou nos olhos dele. De verdade.
Os olhos de Harkin não eram só púrpura.
Eles carregavam peso. Culpa. Cansaço.
Mas também... algo que ela não esperava.
Sinceridade.
Uma verdade dolorida. Uma abertura rara.
Algo que ele provavelmente não deixava ninguém ver.
Ela deu um passo à frente, invadiu o espaço dele.
Levantou a mão — e em vez de tocá-lo de imediato, apenas pairou sobre o rosto dele.
Harkin não se moveu. Mas cada músculo em seu corpo parecia em alerta.
“Você tá perto até demais... mas não me incomoda.”
Pensou ela.
“Só que eu não sou nada. Por que ele teria interesse?”
Mas então, num ato de coragem silenciosa, Serafina encostou sua testa na dele.
Foi só isso.
Nada além.
Um gesto simples.
Mas para os dois... foi como atravessar o Véu.
O tempo parou por alguns segundos.
A respiração dele tocando a dela.
O silêncio entre os dois mais honesto do que qualquer palavra.
— Eu... gosto da sua presença, Harkin — disse, baixinho.
— Mas... se quiser que eu me afaste... tudo bem.
Harkin fechou os olhos por um segundo.
E pela primeira vez... se permitiu apenas respirar.
— Eu não quero que vá — respondeu.
Ela se afastou suavemente.
Sem pressa. Sem medo.
— Ótimo — disse, agora com um sorriso leve.
— Mas se quiser continuar por perto... você ainda tem muito o que explicar.
Ela se virou e começou a caminhar em direção à casa, dessa vez devagar, como quem ainda estava aberta a ser seguida.
Harkin ficou parado, olhando suas costas sumindo entre os destroços do jardim.
Então tocou os próprios lábios, onde ainda restava o calor do silêncio que dividiram.
Um sorriso tímido brotou, pequeno, real.
— Não esperava que ela fosse ser tão direta... Mas eu não vou fugir disso. Se for pra me machucar... que seja.
Ele inspirou fundo, ergueu uma das mãos para trás — e com um gesto, desfez o círculo mágico. As runas queimadas desapareceram. A terra voltou ao normal. O caos do quintal foi selado.
— Agora que isso tá resolvido... o que você quer saber?
O som das cigarras voltava aos poucos. O ar ainda carregava estática, mas o quintal finalmente parecia um lugar habitável.
De longe, dois pares de olhos observavam a cena em silêncio.
Okini cruzou os braços, o olhar afiado e a expressão carregada.
— Ela tá caidinha por ele, né? — disse em voz baixa, sem disfarçar o descontentamento.
Pietro bufou, as mãos nos bolsos.
— Acredite... você não é a única descontente com esses dois aí.
— No fim, vamos acabar sendo as babás. Eu dela. E você... dele.
Okini passou a mão no rosto, exasperada.
— Como se já não bastasse o Império inteiro prestes a explodir. Vem esse dois… Eles já não passaram da idade pra esse tipo de drama mágico?
Pietro deu um tapinha leve no ombro dela, meio rindo, meio conformado.
— Bora. O imbecil vai ter que explicar tudo pra vocês duas.
Mas a gente precisa garantir o que o vovô exigiu: uma hora. Nem um minuto a mais.
— E quanto a você, não precisa de explicações?
Pietro encarou o horizonte por um instante antes de sorrir de canto.
— Nah... eu já conheço esse idiota melhor do que todo mundo nesse império.
Okini viu Pietro sorrindo e apenas assentiu.
Enquanto caminhava, pensou:
“Faz sentido... se ele ficou fora por quase dois anos, deve ter sido nessa época que se conheceram.”
Puxando Okini com ele, os dois começaram a caminhar até Harkin e Serafina, como quem está acostumado demais a apagar incêndios alheios.
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