Volume 1

Capítulo 17: Enganos…

O dia amanheceu, e Nimbus despertou com os olhos inchados, resultado das horas em que havia chorado durante a madrugada. 

O peso da tristeza ainda o consumia, mas quando Lonios o chamou para o desjejum, ele permaneceu na cama, sem forças para se levantar. Só alguns minutos depois, ele finalmente se ergueu. 

Colocou as roupas limpas que lhe haviam dado, semelhantes às usadas pelos guardas do castelo, mas sem o elmo ou a armadura. 

Evidentemente, não houve tempo para providenciar vestes adequadas para um escudeiro.

Após se vestir e afivelar o cinto de sua espada, Nimbus saiu para caminhar no pátio. 

Sua aparência era quase idêntica à dos guardas, exceto pela falta dos acessórios e pela postura mais reservada. Foi então que notou que Lonios estava ao seu lado.

— Nós partiremos no final da tarde, Nimbus. Se quiser, pode nos acompanhar e se despedir no porto. 

Aqui, a multidão será menor do que em Aldair, então será mais fácil se aproximar. Também sairemos sem chamar atenção, afinal, partir com duas naves não é um evento grandioso. 

Além disso, fui designado para a nave mais antiga, enquanto Sãr Flavius, Portos e Araniz seguirão para a nave nova.

— Não quero ver isso! — exclamou Nimbus, interrompendo Lonios. Sem dizer mais nada, ele saiu correndo, deixando o cavaleiro sozinho no pátio. 

Subiu as escadas rapidamente, indo direto para o quarto. Lá, se jogou na cama e, em um misto de dor e frustração, chorou até cair no sono. O tempo passou sem que ele percebesse.

Quando acordou, já era quase noite. Lembrou-se da missão perigosa que aguardava Lonios e temeu que essa fosse a última vez que o veria. 

Sentiu um aperto no peito, pois a ideia de não se despedir de seu mestre o torturava. Com o passar dos dias, Lonios se tornara mais do que um simples mentor — ele se tornara um amigo, alguém tão próximo que Nimbus o via quase como uma figura paterna.

Desceu as escadas apressado, mas não encontrou nenhum cavaleiro. Ele então perguntou a um dos serviçais onde todos estavam.

— Senhor, eles partiram há algumas horas. Acho que já estão indo — respondeu o empregado.

Nimbus não teve tempo de refletir sobre a forma como foi tratado, pela primeira vez chamado de "senhor", como se fosse alguém importante. 

Sua mente estava completamente focada em encontrar Lonios antes que fosse tarde demais.

Sem hesitar, correu até o pátio e falou com um dos cavalariços, pedindo um cavalo para se dirigir ao porto. 

O cavalariço foi rápido, entrando no estábulo e retornando com o cavalo pronto para a viagem. Ele ajustou a sela com agilidade, e, antes que Nimbus tivesse tempo de dizer algo, o homem entregou o animal com um simples “Aqui está, senhor”.

Nimbus montou no cavalo sem dizer uma palavra e partiu em direção ao portão do castelo. Ao se aproximar, os guardas o reconheceram e abriram os portões sem questionar. 

O garoto galopou em direção às docas, pressionando o cavalo até seus limites. Logo, avistou as naves.

A primeira nave era familiar — a Brand, a mesma que havia retornado da expedição anterior. 

A outra, no entanto, era imponente, duas vezes maior e mais alta do que a Brand. Seu formato estranho, pouco aerodinâmico, lembrava o corpo de um quadrúpede deitado, com o traseiro empinado.

A parte dianteira da nave era dividida em três seções: uma cabine de comando no centro, com uma "pata" em forma de caixa de cada lado, onde estavam as turbinas de direcionamento. 

A parte traseira era mais alta e possuía um posto de observação no topo, com duas enormes turbinas em cada lateral. 

Nimbus ficou aliviado ao perceber que as naves ainda não haviam partido, o que lhe dava a chance de se despedir de seu mestre.

Quando Nimbus chegou ao porto, desceu do cavalo e o deixou amarrado no estábulo, onde outros animais do castelo também estavam. 

Em seguida, seguiu em direção ao cais, determinado a encontrar Lonios. O movimento no local era intenso; centenas de pessoas circulavam de um lado para o outro, carregando todo tipo de carga. 

Era uma verdadeira confusão. Muitas pareciam perdidas, sem saber ao certo o que fazer, em contraste com a organização que ele conhecia em Aldair.

Nimbus percorreu o cais várias vezes, já sendo tarde e com o horário de partida se aproximando. 

Segundo Lonios, a saída seria antes do pôr do sol, o que indicava que estavam muito atrasados. 

Enquanto se aproximava de um canto mais escuro do cais, o som de risadas chamou sua atenção. Um grupo de homens bebia e se divertia na penumbra do crepúsculo.

Como não conseguira encontrar Lonios, Nimbus pensou em observar o grupo. Decidiu, então, se aproximar para ver o que estavam dizendo. 

— Ei, garoto, o que está fazendo aí? Venha se juntar a nós! Não seja tímido — disse um dos homens, com voz embriagada. — Soldados têm que ser unidos, não é? Vamos embarcar em uma viagem suicida, não vamos?

Talvez o confundissem com um soldado. Nimbus, timidamente, se aproximou e se sentou em um caixote ao lado deles. 

O cheiro de álcool era forte, e muitos estavam enrolando a língua, rindo sem se importar com sua falta de armadura, embora estivesse vestido como um soldado.

Entre goles e risadas, o grupo começou a contar histórias e a se vangloriar de suas experiências. 

Ofereceram-lhe um pouco da cerveja que bebiam, e Nimbus, embora temesse uma possível surra de dona Zeliudes, aceitou. 

Ele já havia bebido em segredo antes, e aquela cerveja, embora ruim, era ainda mais forte do que a que ele costumava tomar.

Apesar do gosto ruim, a cumplicidade entre os bêbados era contagiante, e todos estavam animados. 

Quando um deles, de forma desajeitada, derramou um pouco de cerveja sobre Nimbus, as risadas foram a resposta. 

O garoto ainda estava consciente, mas o álcool começava a tomar conta de sua cabeça. Então, as histórias começaram a ficar ainda mais espalhafatosas.

— Dizem que, anos atrás, um viajante viajou sozinho pelo éter em uma nave. Falam que ele conseguia domar os monstros do éter. Ele saltava sobre eles, acalmava as criaturas e as fazia voltar para as profundezas. Depois, ele as comandava, e sempre que surgia algum perigo, ele chamava a fera para lutar por ele.

Nimbus lembrou-se então das palavras de Lonios, que lhe havia falado sobre mulheres guerreiras que se tornavam mais fortes em combate, sobre homens que viam o futuro e outros que rastreavam o sangue. 

Seus pensamentos estavam confusos, e ele já não sabia ao certo se lembrava bem dos detalhes.

— Essa história não é nova, é mais antiga que isso. Eu ouvia quando era criança, e já estava desgastada naquela época — discordou um dos soldados.

— Não, aconteceu há pouco tempo. Eu conheço um homem que viu com seus próprios olhos. Aconteceu em uma dessas naves clandestinas que viajam pelo éter — retrucou outro soldado, com convicção.

Nimbus, interessado na conversa, começou a contar algumas histórias que ouvira de um velho marinheiro. 

A cerveja, sem dúvida, estava falando por ele, mas ele se sentia mais ousado. 

De repente, o grupo foi interrompido por um comandante, um homem imponente, o mais alto e forte que Nimbus já vira. 

O oficial se aproximou, e sua presença foi suficiente para fazer o grupo se calar.

— O que estão fazendo aí parados? — perguntou o comandante, olhando os soldados de forma severa.

Imediatamente, todos se levantaram e ficaram em posição de sentido, embora seus uniformes estivessem sujos de comida e bebida, e a maioria deles estivesse cambaleando. 

Nimbus, ainda com um sorriso bobo no rosto, continuava sentado, observando a situação.

— Nada, senhor Boagrius — respondeu um dos soldados, visivelmente nervoso.

— Nada?! Temos muito o que fazer e estamos atrasados para a partida! Ajudem a carregar a nave, peguem essas caixas e levem para a nave velha agora! — o comandante gritou, com um tom de incredulidade.

Os soldados, cambaleando e se atrapalhando, começaram a correr para pegar as caixas de madeira que estavam ali. 

Nimbus, ainda parado, não reagiu. Seu sorriso bobo permaneceu enquanto observava os outros sendo reprimidos.

— E você, o que está rindo? — perguntou o comandante, ao perceber que Nimbus ainda estava rindo.

— Nada, senhor, só esperando — o garoto tentou, sem sucesso, se levantar e ficar em posição de sentido, mas o mundo parecia girar ao seu redor.

— Que vergonha! Está tão bêbado que nem consegue se mover direito. Onde está sua armadura, soldado? — o comandante perguntou, agora começando a entender o erro, e aparentemente o confundindo com um soldado. 

— Eu não sei, senhor, acho que perdi na correria — respondeu Nimbus, enrolando a língua, tentando inventar uma desculpa.

— A cada ano que passa, me mandam soldados cada vez mais jovens e incompetentes! — gritou o comandante, furioso, e pegou Nimbus pelo cangote, arrastando-o pelo cais. 

— Olha só para você, parece um moleque. Se te visse na rua, diria que acabou de sair das fraldas!

— Vamos lá, um pouco de trabalho vai acabar com essa sua bebedeira. 

O oficial empurrou Nimbus até o arsenal do cais, pegou uma armadura de couro e um elmo de metal e jogou sobre o peito do garoto. 

— Está aqui seu raro, e não perca mais. O que está esperando? Vista!

Nimbus, sem querer arranjar mais problemas, começou a vestir a armadura. Nunca havia feito isso antes e o efeito “alegre” da cerveja o forçava a rir a cada tentativa malsucedida. 

— Maldição, venha cá. 

O oficial, impaciente, ajudou Nimbus a se vestir e apontou para um monte de caixas perto dali. 

— Corre para a nave e leve uma dessas caixas, para não perder a viagem. 

Quando Nimbus pegou a pesada caixa e colocou sobre o ombro, uma pancada forte o fez acelerar.

Era uma ideia brilhante: talvez ele conseguisse se passar por um soldado e embarcar na nave. 

Com sorte, poderia seguir viagem, mas sabia que, se fosse descoberto, Lonios faria a nave voltar. A única opção seria tentar se esconder até que fosse tarde demais para retornar.

Ao subir a rampa da Brand, Nimbus notou os cavaleiros fiscalizando a entrada. 

Na porta, Sãr Adon de um lado, e Sãr Lonios e Sãr Elisis do outro, anotavam o que era carregado para a nave. 

Nimbus rapidamente moveu a caixa para esconder a cabeça no lado de Sãr Lonios e puxou o elmo sobre os olhos, quase tapando sua visão. Seu coração disparou ao passar pelos cavaleiros, mas, para sua surpresa, Sãr Lonios falou.

— Mais uma caixa de carnes secas de coelho, com essa são oito. Falta, mais sete. 

— Marcado, faltam sete caixas! — disse Elisis. 

Finalmente, Nimbus passou, seguindo os outros carregadores para dentro da nave. Lá dentro, tudo era simples, com as paredes de metal e várias portas. 

Após caminhar pelo corredor, desceu para um andar inferior, onde encontrou um grande salão com mesas e mais salas. 

Observou vários beliches de metal em um dos quartos.

Continuou a andar, entrando numa enorme cozinha. Lá, um lance de escadas levou-os até a despensa. 

Várias salas menores estavam cheias de mantimentos, enquanto no centro da nave, pilhas de caixas chegavam até o teto, amarradas com cordas. 

Nimbus levou sua caixa até uma dessas pilhas, e após os outros carregadores terminarem o trabalho, ele se escondeu entre as pilhas. 

Ali, deitado e tentando passar a bebedeira, ele adormeceu.

Quando acordou, percebeu o que havia feito. Quebrara quase todas as regras dos cavaleiros, mentiu sobre sua identidade e desrespeitou as ordens de seu mestre. 

Quando Lonios descobrisse, seria terrível. O velho faria Nimbus treinar até quase não aguentar mais, e depois o faria treinar ainda mais.

Mas então, o pensamento que o torturou foi outro. Dona Zeliudes, sua mãe, estava sozinha em Cenferum. 

Ele havia prometido vê-la ao menos uma vez por mês, como Lonios havia garantido, mas agora a havia abandonado. 

Quem cuidaria dela quando o racionamento fosse apertado? Se estivesse lá, poderia pedir ajuda ao Sãr Ahbran, mas agora tudo estava perdido.

A pior parte era que, se subisse ao convés, Lonios faria a expedição retornar ao continente, atrasando ainda mais a viagem. 

Ele se deitou novamente, com a cabeça latejando, ainda sob o efeito da ressaca.

Os dias passaram com Nimbus escondido na despensa da nave. A tarefa não era difícil; os cozinheiros pegavam as caixas mais próximas da porta e o porão era enorme, facilitando seu esconderijo. 

Ele se alimentava bem, com carne e frutas secas, e permaneceu ali por semanas, até a tão temida contagem de estoque.

⸸ ⸸‌ ⸸‌

Boagrius

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora