O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 6: Finalmente livre

Quando o grilhão se dissolveu, Tércio olhou atônito para suas mãos, que agora estavam livres.

Mesmo tendo sido ele a propor quebrar as algemas antes de sair do Coliseu, não achou que Eliza aceitaria. E o que mais o chocou foi o fato de ela sequer ter refletido sobre as possíveis consequências de libertá-lo.

Talvez ela seja forte a ponto de não precisar temê-lo ou quem sabe é só uma idiota. Em qualquer um dos casos, ele teria de ficar atento, afinal essa era uma chance única.

― Você consegue andar? ― perguntou Eliza com uma voz gentil, estendendo a mão logo em seguida para ajudá-lo a se levantar.

Mas Tércio se apoiou em seus joelhos e, com um esforço momentâneo, ergueu-se sozinho, ignorando o gesto atencioso.

― Ótimo! Vamos andando ― disse ela, dando pouco importância para a atitude do garoto.

Nesse meio tempo, Kira, que estava aguardando do lado de fora da cela, quando viu o Grilhão de Selamento ser quebrado, recuou alguns passos, assustada. Seu rosto foi tomado por uma expressão que misturava surpresa e medo, enquanto seus olhos, arregalados, mantinham-se fixos sobre o perigoso condenado.

Quando o grupo terminou de resolver seus assuntos e decidiram deixar o deprimente cubículo ― um de cada vez ―, ela se afastou ainda mais, mantendo uma distância que julgava ser segura.

O temor que sentia era tão evidente que levou Eliza a estranhar a reação e arrancou um sorriso debochado de Kay. A assistente perdeu toda a confiança depois de ver o prisioneiro sendo libertado. E quem poderia culpá-la? Afinal, se fosse apenas a duquesa e seu mordomo, mesmo se estivessem irritados, eles procurariam agir da maneira mais diplomática possível. Porém o garoto, um criminoso, poderia matá-la apenas porque sentiu vontade. Se ao menos ele estivesse algemado...

― Tá olhando o quê, hein? ―Tércio percebeu a maneira que estava sendo encarado e não gostou nada daquilo. Então, em retribuição a falta de discrição da outra parte, fez a sua melhor careta de intimidação, com a testa franzida e as narinas dilatadas.

Kira levou um susto e quase tropeçou quando deu um passo para trás. De fato, não gostava nem um pouco de ver um criminoso andando pelo Coliseu sem as devidas medidas de segurança.

― Como vocês já estão prontos, por favor, sigam-me! ― A assistente tentou o seu melhor para não chamar a atenção e fingir que estava tudo dentro do planejado, mas sua voz saiu fraca e oscilante. Então, percebendo a própria insegurança, ela se virou e rumou na direção contrária a qual tinha vindo.

No entanto, antes que se afastasse demais, de repente parou e olhou para trás. Ao fazer isso, percebeu que Eliza e os outros estavam parados, fitando-a com insatisfação. Eles não demonstravam a menor vontade de segui-la. E isso era particularmente verdade para Tércio, que sabia o quão próxima aquela mulher era do diretor Nabal.

― Não sei o que está planejando, mas pretendo deixar o Coliseu imediatamente. ― sibilou Eliza através de um tom grosseiro.

― Eu compreendo. É por isso que os levarei até a saída. Porém, a pedido do diretor, eu os guiarei pelo caminho usado para transportar os prisioneiros. O diretor não quer um... assassino andando livre pelo Coliseu. ― Os olhos de Kira focaram em Tércio, demonstrando uma mistura de repugnância e medo.

― Aquele maldito! ― murmurou Eliza com uma expressão soturna marcada nos olhos.

No entanto, embora desgostasse da ideia de acatar o pedido de Nabal, a duquesa desejava sair daquele lugar o quanto antes, pois temia que o maldito anfitrião dos espetáculos sangrentos pudesse tentar alguma coisa enquanto estava debaixo de toneladas de terra. Assim sendo, guardando as reclamações que tinha para si, ela decidiu seguir a assistente através do emaranhado de túneis que compunha aquela parte do Coliseu.

E de fato, como já foi dito, a galeria subterrânea se estende para todos os lados, com braços que se separam e celas falsas que dão passagem para caminhos desconhecidos. Mesmo Tércio, que já tinha passado por ali antes, não sabia ao certo qual corredor escolher.

Dédalo, assim era conhecida a ala dos prisioneiros.

Passagens que não levavam a lugar nenhum, bifurcações que faziam você voltar para onde estava, celas que revelavam passagens secretas, escadas que subiam, serpenteavam e depois desciam de novo. Ali era uma verdadeira bagunça. E tudo isso era feito para evitar possíveis fugas.

No entanto, Kira já estava acostumada a andar pelo lugar. Ela seguia confiante pelo emaranhado de corredores, virando aqui e ali sem qualquer hesitação. Sabia muito bem para onde estava indo.

E então, depois de quase dez minutos, descendo rampas repentinas, atravessando paredes falsas e pegando trilhas duvidosas, eles enfim chegaram a uma escada que ficava em um longo e estreito túnel e subia por dezenas de metros, rumo à superfície.

Quando chegaram no túnel, que supostamente era uma das saídas do Coliseu, Kay ultrapassou Kira ― quase jogando-a no chão ― e assumiu a liderança do grupo.

E com isso, Tércio e os outros começaram a subir a estreita e extensa escadaria.

Andar por ali era bastante cansativo e escorregadio, já que os degraus, que eram feitos de terra socada, estavam molhados devido a água que escorria pelas paredes. E no menor desatento, seria fácil escorregar e rolar escada abaixo. Eliza era a prova disso.

Enquanto estava andando atrás de Tércio, por acidente pisou em uma parte mais “macia” e deslizou por uns dois degraus. Mas antes que caísse e descesse o resto rolando, fincou as unhas na parede e se agarrou feito um gato assustado.

Mesmo a assistente Kira não saiu impune. Ela escorregou umas três vezes e até mesmo caiu de bunda no chão, o que fez Tércio soltar uma risada desdenhosa, alta e dolorosa.

Os únicos que se livraram desse constrangimento foram Kay e o próprio Tércio. O mordomo era firme, sem o menor sinal de desequilíbrio. E o garoto, que estava descalço, confiou em seus dedos dos pés para se apoiar.

Contudo, a subida não foi nem um pouco fácil para ele.

Enquanto andava túnel acima, o jovem maltratado pelo carrasco começou a ofegar, tanto que precisou abrir a boca para inalar e expelir o ar. E quando chegou na metade, ele parou, apoiou-se na parede e abaixou a cabeça. O movimento de suas costas, subindo e descendo, podia ser visto através da camisa ensanguentada, cada vez mais irregular e debilitada.

O seu corpo fatigado estava chegando ao limite. A dor causada pelos ferimentos que não puderam ser curados continuava aumentando, irradiando para regiões do corpo que deveriam estar bem.

― Consegue continuar? ― perguntou a duquesa ao se aproximar, apoiando uma de suas mãos nas costas de Tércio.

― Sem problemas! ― respondeu ele, expondo sua teimosia.

Agora que enfim estava tão perto da saída, precisava estar na melhor forma possível, ainda mais existindo a possibilidade de ser emboscado quando saísse. Por esse motivo, Tércio fechou os olhos, respirou fundo ― uma, duas vezes ―, firmou o corpo e com uma determinação inabalável continuou a subida.

Eliza ficou parada por um tempo enquanto observava o garoto subir degrau por degrau, exercendo um tremendo esforço. Mesmo querendo ajudá-lo, não disse nada, apenas suspirou.

Depois de uma escalada que em certo ponto pareceu interminável, eles enfim chegaram ao fim do túnel, que estava lacrado por um alçapão de madeira.

Kay, que se encontrava na liderança, fez um gesto com a mão direita para Kira e ela entendeu de imediato o que precisava fazer. E apesar de não estar muito disposta, ainda assim tirou um punhado de chaves presas por um fio cinza e passou para o mordomo.

O molho possuía dezenas de chaves, uma diferente da outra, mas Kay não parou para pensar uma segunda vez quando pegou uma das chaves e abriu o alçapão. E isso surpreendeu a assistente, pois mesmo ela gastaria algum tempo para achar a certa.

Com extrema cautela, o mordomo abriu o alçapão e lançou um olhar atento, estudando os arredores, conforme espichava a cabeça para fora. Quando confirmou que não havia nenhum perigo, escancarou a passagem e saltou para fora.

E então, seguindo o exemplo de Kay, todos deixaram o Coliseu...

Era noite e do lado de fora se encontrava um bosque selvagem, com árvores altas e abertas no topo, espalhadas em todas as direções. No céu, poucas estrelas podiam ser vistas devido a densas nuvens que espalhavam seus tentáculos pelos quatro cantos. Uma brisa suave soprava, agitando a grama selvagem; e de longe, o coro de pássaros e criaturas anormais ganhava forma, produzindo uma cacofonia peculiar.

Quando cruzou o alçapão, Eliza se mostrou um pouco surpresa por ter saído no meio do bosque; Tércio, por outro lado, já esperava por isso.

― O vilarejo fica naquela direção ― informou Kira, apontando para um conjunto de luzes que cortavam as árvores.

Após dizer isso, ela fez uma graciosa reverência para Eliza e voltou para a escada, fechando a abertura atrás de si.

Os três foram deixados por conta própria, a céu aberto, e o mais comovido de todos foi Tércio, que mesmo cansado e ofegante, levantou a cabeça e respirou fundo. Ele poderia comemorar a liberdade sorrindo e pulando, e de fato era isso que queria fazer, mas ele preferiu se manter calmo enquanto estudava os arredores com bastante discrição.

Suas mãos estavam livres. A noite era uma camuflagem perfeita e em um bosque, ficava ainda mais fácil de sumir. Essa era sua chance de escapar...

― Se quiser correr eu não vou te impedir ― disse Kay, percebendo as intenções do menino. ― Mas dada a sua atual condição, você não irá muito longe. Com sorte, será devorado por monstros antes de morrer de exaustão. Se quiséssemos te capturar, teríamos feito isso no momento em que deixou o Coliseu. ― salientou, com um sorriso travesso.

“Esse mordomo...”, Tércio praguejou em seus pensamentos, sentindo-se frustrado por ter sido decifrado com tanta facilidade.

Porém, o estranho sujeito estava certo.

Ele estava ferido e cansado demais para realizar uma fuga bem sucedida, correria cem, talvez duzentos metros antes de começar a cuspir os pulmões para fora. E mesmo que tivesse êxito, esse bosque se encontrava infestado de monstros, só esperando uma chance de fazer um lanchinho.

Eliza, que estava estudando os arredores, virou-se para ele e falou:

― Não há necessidade de fugir. Você não é mais um prisioneiro e nem meu escravo ― garantiu ela, olhando Tércio nos olhos com toda a sinceridade que podia expressar. ― Vamos, minha carruagem está por aqui...

Usando a luz que vinha da vila como ponto de referência, a duquesa se embrenhou na mata sem ao menos ter certeza de que suas palavras tinham surtido efeito. E o mordomo, que parecia pouco se importar com o desfecho, a seguiu.

Indeciso sobre o que deveria fazer, Tércio, que foi deixado para trás, olhou mais uma vez para a escuridão cobrindo o bosque. A dúvida tomou conta de seus pensamentos e foi refletida em seu rosto através de uma expressão hesitante. Para ele, era difícil decidir se confiava naqueles dois estranhos ou seguia por aquele caminho incerto e repleto de perigos.

Mesmo que não tenha sido capturado ao deixar o Coliseu, ainda existia a possibilidade de ser traído e cair em uma armadilha. Mas por outro lado, Eliza havia o libertado e, por mais estranho que possa parecer, não sentia nenhuma hostilidade vindo dela.

Ele continuou parado por alguns instantes, encarando a profunda escuridão do bosque que parecia ser um excelente refúgio. Queria ir para lá, queria mesmo, mas...

Tércio olhou para Eliza e o mordomo, que já haviam se distanciado, e soltou um suspiro derrotado, antes de enfim tentar alcançá-los.

À medida que os três avançaram, a vegetação foi se tornando cada vez mais densa, até que ficou difícil de enxergar sem uma fonte de luz. Embora as árvores estivessem espaçadas entre si, o capim que crescia ao redor se esticava em longas tiras que passavam dos dois metros de comprimento.

Dessa forma, fazendo uso de um pedaço de madeira e musgo seco, que encontrou após quebrar tufos do matagal, Kay elaborou uma tocha improvisada e a acendeu com um Encantamento Mágico.

Usando o archote improvisado para iluminar o caminho, eles cruzaram o bosque, com Eliza abrindo uma trilha pela mata usando as próprias mãos. E após alguns minutos de caminhada, os três se viram em uma estrada de terra, larga o suficiente para caber duas carruagens.

Com a duquesa ainda na liderança, eles seguiram pela estrada, até que avistaram o clarão de uma pequena fogueira no meio da mata, do lado oposto ao que saíram.

Quando se aproximaram, um homem, vestindo uma armadura leve, de repente saltou de trás de um arbusto, assustando a mulher de cabelo roxo e o garoto coberto de sangue.

― Srta. Eliza, fico feliz em vê-la bem! ― disse o sujeito, exprimindo um cumprimento cordial, mas ainda assim empolgado.

― Kacio! ― suspirou ela, colocando a mão sobre o coração. ― Perdoe-me por fazê-lo esperar. Você teve algum problema enquanto nos aguardava?

― Não, problema algum. Mas... senhorita, quem é esse garoto? ― Kacio, o homem de armadura, olhou desconfiado para Tércio.

E não havia como culpá-lo, até porque, o garoto estava coberto de sangue e descalço, sem falar em suas roupas esfarrapadas, que por si só chamavam a atenção.

― Esse é o Tércio. Ele seguirá viagem com a gente ― introduziu Eliza, que exprimiu um sorriso agradável ao apresentar o menino.

― Entendo... É um prazer conhecê-lo ― Kacio estendeu a mão direita em uma forma de cumprimento, mas notava-se através de seu olhar cauteloso que ainda não havia abandonado a desconfiança.

Agora que o sujeito se aproximou o suficiente, Tércio enfim pôde vê-lo com clareza.

Kacio aparentava ter uns trinta anos de idade ― talvez menos ― e possuía cabelo avermelhado, cor de argila. Seu corpo musculoso, dotado de membros robustos, mostrava tal força que dispensava maiores explicações. E ele vestia uma armadura comum de couro que cobria em especial o peito e os ombros; nada muito chamativo, diferente do objeto em sua cintura.

O que mais chamava a atenção em seu equipamento era uma espada curta que estava guardada em uma bainha vermelho-sangue. A empunhadura tinha um tom enegrecido, com uma fita vermelha amarrada próxima da ponta.

Em outra ocasião, Tércio teria ignorado o gesto do desconhecido, mas ele tinha a impressão de que seria uma péssima ideia contrariar aquele homem. Era apenas seu instinto falando, entretanto Kacio parecia ser alguém perigoso.

E então, após um momento de hesitação, ele enfim cedeu e retribuiu o cumprimento.

Enquanto eles apertavam a mão um do outro, Kacio, de maneira discreta, correu os olhos sobre as feridas do garoto. Podia-se ver pela curiosidade em seus olhos que queria muito perguntar: “como diabos um menino conseguiu tais feridas?”, mas se conteve, pois isso não era da sua conta.

― Senhorita, passaremos a noite aqui ou seguiremos para a Vila Cinzenta? ― perguntou o homem, após se afastar do novo integrante.

― Bem... eu queria seguir para a próxima vila o mais rápido possível, mas como você pode ver, Tércio está muito machucado. Por isso eu queria tratar dos ferimentos dele primeiro ― admitiu Eliza, lançando um olhar de esguelha para o jovem maltratado.

― Não precisa. Eu estou ótimo! ― afirmou o acabado, rangendo os dentes para suportar a dor. Por mais que estivesse doendo, desejava se afastar dali o quanto antes.

― Entendo. Nesse caso, pegarei mais lenha para a fogueira. ― falou Kacio, ignorando o garoto.

Ei! Vocês estão surdos!? ― insistiu.

― Sendo assim, irei preparar algo para comer. ― Kay entrou na brincadeira e fingiu não escutar o que o menino estava falando. Mas fez isso apenas para provocar.

― EU JÁ DISSE... ― Tércio começou a se exaltar, mas, de repente, Eliza o agarrou pelo braço e o arrastou até uma luxuosa carruagem púrpura que estava estacionada ali perto.

Ele tentou se soltar, porém estava cansado e dolorido demais para conseguir ganhar qualquer luta. Além disso, apesar da aparência delicada e requintada, a duquesa era inesperadamente forte, do tipo: com um braço muito forte.

Quando chegaram à carruagem, ela obrigou Tércio a se sentar na entrada da cabine, empurrando-o pelos ombros, forçando seus joelhos a cederem.

― Vamos, primeiro se acalme. Não há com o que se preocupar. Nabal não ousaria vir aqui nos incomodar. ― Eliza tentou acalmar o garoto que se debatia tentando escapar.

― Mesmo que ele tentasse, eu chutaria aquele rabo murcho dele de volta para baixo da terra! ― bufou Tércio, cheio de confiança.

― É melhor não subestimá-lo. ― alertou ela. ― Se fosse tão fácil se livrar dele, eu já teria feito isso há muito tempo! ― sibilou, usando palavras frias

― Como assim? ― indagou Tércio, ficando quieto por um instante.

― Não é nada que você deva se preocupar. ― exprimiu um sorriso simpático. ― Agora... Deixe-me ver... ― murmurando isso, ela esticou uma mão para dentro da carruagem e começou a revisar algumas bolsas vazias que estavam sobre um acento. ― Ah! Aqui está! ― comemorou, pegando uma bolsa estranha, cinza e peluda na parte inferior, mas a metade de cima e a alça eram feitas a partir de um couro da mesma cor. Era quase como se alguém tivesse tosquiado a metade superior.

Eliza revirou a estranha bolsa ― que quando foi aberta deixou escapar um arquejo, quase como se estivesse tentando falar algo ― e de lá tirou um frasco verde, um tecido branco e um pedaço de algodão.

― O que é isso? ― perguntou Tércio, parecendo cauteloso. Algo no frasco verde fazia os pelos de sua nuca arrepiarem.

― Eu vou limpar suas feridas. Então tire suas roupas ― ordenou Eliza, fazendo um gesto com as mãos.

― Não precisa, elas já estão bem limpinhas, então... não precisa mesmo ― Tércio se adiantou, tentando escapar das garras da duquesa. Mas além de forte, ela era ágil e com um: “não seja bobo”, arrancou a camisa do garoto sem nem ao menos dar chance de ele reagir.

O bosque geralmente é um lugar silencioso, perturbado apenas pelo barulho dos insetos e um ocasional rugido anormal de fonte desconhecida. Mas nesta noite de sábado, ele foi assombrado pelos gritos estridentes de um jovem rapaz, que reverberou entre as árvores e espantou os animais.

Coisas como, “AI!”; “Para!”; “Isso arde!”, puderam ser ouvidas à distância.

Algum tempo depois... e muitos gritos mais tarde...

― Mas o que é essa coisa? ― exasperou Tércio com uma expressão azeda, apontando para o frasco verde.

Ele estava coberto de ataduras, como se tivesse sido remendado por trapos e retalhos, igual uma boneca de pano. Eliza tinha lavado o sangue seco do seu corpo usando a água de um odre que encontrou dentro da carruagem, depois limpou suas feridas e enfaixou as áreas contundidas, que de tão numerosas foi preciso cobri-lo quase por inteiro com faixas.

Ela queria dar a ele um conjunto de roupas novas para substituir aqueles trapos ensanguentados, mas como haviam partido sem ter tempo de fazer uma preparação adequada, Kacio e Kay não tinham trazido roupas para a viagem. Tércio teria de manter o frangalho que estava usando.

― Como eu disse, isso é uma pomada para suas feridas não infeccionar e também ajuda a sarar mais rápido ― explicou. ― Francamente! Gritar tanto por causa de uma pomadinha de nada! ― suspirou, impaciente. A “batalha” para conseguir limpar aquele garoto foi mais difícil do que havia imaginado.

― O chicote doeu menos! ― balbuciou Tércio, resmungando baixinho enquanto virava o rosto de lado para não ser ouvido.

― Mas devo dizer que estou impressionada por você ter ganhado daquele gigante. A maioria dos seus machucados são de pelo menos duas semanas atrás.

― Quatro dias, na verdade ― corrigiu Tércio. ― A vida na prisão não é fácil... Ainda mais se espancar um guarda enquanto tenta escapar algemado. ― Ele esboçou um sorriso arrependido, nada arrependido.

E enquanto Tércio estava se lembrando de sua primeira tentativa de fuga do Coliseu, Kay veio avisar que o jantar estava pronto.

Ao mesmo tempo...

Dentro do Coliseu dos Condenados, na sala do diretor, Nabal estava sentado em sua mesa, mirando sobre um olhar fixo as duzentas moedas de Mágitas empilhadas em sua frente.

Nesse momento, Kira entrou na sala e parou em frente ao diretor.

― Uma quantia tão grande por um pivete qualquer... O que ele tem de tão especial? ― murmurava Nabal para si mesmo. Não conseguia tirar esse pensamento de sua cabeça.

O diretor tornou a espalhar as moedas sobre a mesa e deslizou os dedos sobre elas. Em seus olhos podia-se ver ganância e satisfação por receber tal quantia sem ter feito muito esforço. Mas também havia dúvida e uma curiosidade que não podia ser saciada.

― Kira, vá se encontrar com Badu e peça a ele para que investigue o passado daquele garoto ― ordeno, após um momento de reflexão.

― Badu? O senhor fala do Cavaleiro das Palavras Encantadas? ― Kira ficou perturbada com o pedido do diretor.

― Sim. Ele me deve um favor e conhece alguns guardas da Prisão Real. ― respondeu Nabal de forma decisiva, mantendo um olhar ávido nas moedas de Mágitas. ― Além do mais, foi ele quem me vendeu aquele garoto.

― Entendido. Sendo assim, irei me preparar para a viagem ― dizendo isso, Kira deixou a sala.

Depois que ela saiu, o diretor passou os dedos de leve na cicatriz em seu rosto e murmurou em um tom pensativo:

― Está começando?

 



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