O Desafio de Tone Brasileira

Autor(a): Matheus P. Duarte


Volume Único

O Desafio de Tone

Aviso: Está é uma obra de ficção, a qual retrata navios reais em uma situação hipotética, mas qualquer semelhança com pessoas é mera coincidência.

 

Era junho de 1944. Eu estava a bordo do navio a mim designado, o cruzador pesado de reconhecimento Tone. Entre sonhos e pesadelos, passei toda noite anterior inquieto com a batalha que estava por vir.

A um mês fui nomeado como comandante deste navio, mas só agora recebi minha primeira missão, a de escoltar um dos maiores porta-aviões da honorável Marinha Imperial Japonesa, Taihou.

Tamanha honra, em outros tempos, seria aceita de muito bom grado por mim como membro da família Kovalskyo, entretanto, os tempos mudaram e, a cada dia que se passa, começo a duvidar cada vez mais de nossos ideais e dos próprios rumos desta guerra.

Meu antecessor massacrou dezenas de homens neste navio, mesmo à frente da torre de comando, diante de todos os seus subordinados, todos eles prisioneiros ingleses rendidos em uma operação feita alguns dias antes.

Se não bastasse esse evento deplorável para manchar nossa reputação, ouvi também relatos de massacres na indochina, na Coreia e nos nossos próprios campos de prisioneiros.

— Será que tenho motivos para me sentir honrado? — falei para mim mesmo.

De toda forma, preciso me arrumar para começar o dia, mesmo com as poucas horas de sono que consegui ter.

Olhei os arredores de meu quarto diretamente para meu conjunto de roupas passado e pendurado. Peguei minhas botas e calcei. Depois foi a vez do meu uniforme. Botão por botão, foi se fechando. Por fim, coloquei meu cap de comandante, dando uma última olhada no espelho, então parti para assumir meu posto.

— // — // —

— Oficial presente!

Já na torre de comando, fui recebido por meus subordinados, com todos parando suas atividades para prestar continência a mim.

— Descansar.

 ordenei logo de imediato e continuei caminhando em direção às janelas

— Relatório.

direcionei esta pergunta ao meu primeiro imediato que me acompanhava.

— Estamos a cerca de 200 quilômetros das Filipinas. Nenhum inimigo foi avistado, senhor.

— Ótimo. Alguma mensagem do comando da frota?

— Não, apenas que continuamos batendo o caminho com nossos aviões de reconhecimento em cerca de uma hora.

Parando próximo às janelas, tirei uma boa vista dos navios que compunham nossa frota. Os destroyers Fubuki e Shigure estavam mais na parte de trás de nossa formação. O navio irmão de meu cruzador, Chikuma, ficava na frente junto conosco, com nosso porta aviões no centro de nossa formação.

Depois de confirmar visualmente nosso status, voltei para meu imediato, preocupado com um detalhe.

— Disse em uma hora? Os voos de reconhecimento não estavam sob responsabilidade de Chikuma agora pela manhã?

— Parece que eles estão tendo alguns problemas com uma de suas catapultas e temem que se usarem muito a outra podem também danificá-la.

— E deste modo prejudicar nossa capacidade de alerta antecipado.

Respondi meu imediato enquanto finaliza sua frase, fazendo-o se curvar para confirmar minha resposta.

Mais uma vez dei uma bela olhada para os navios da frota, enquanto pensava sobre nossa situação, fazendo-me chegar a conclusão de que realmente era a melhor escolha a se tomar.

Por mais imponente e avançado que era nosso porta-aviões, as batalhas que enfrentamos eram tão ferozes eu foi nos dada a ordem de poupar a maior quantidade de recursos possível para caso entrarmos em combate, por tanto, a responsabilidade do reconhecimento aéreo ficou a carga de nós, cruzadores feitos especificamente para este tipo de missão.

— Pode confirmar o recebimento da ordem. a Taihou.

— Sim, senhor.

Ele bateu continência e repassou a ordem ao operador de rádio.

Alguns minutos depois, vi meus homens correndo pelo convés para prepararem as catapultas de lançamento.

Possuímos um total de 6 aviões de reconhecimento que podiam ser usados em missões de ataque leve. Todos eles eram modelos M6A1, capazes de carregar torpedos se necessário, embora não passassem de hidroaviões, bastante limitados em velocidade e manobrabilidade.

Normalmente, cruzadores pesados carregavam um máximo de 3, mas o Tone foi projetado com quatro torres duplas de canhões de 203mm todas na proa, deixando a polpa livre para carregar um número maior.

Nossas missões eram mais voltadas para o reconhecimento de seções particularmente agitadas nas linhas de frente, por isso mantinhamos uma excelente blindagem e poder de fogo, mesmo com esta carga extra. Este era exatamente o mesmo caso do nosso navio irmão, o Chikuma.

Não havia necessidade de haver dois de nós nesta formação, mas as perdas acumuladas em nossa marinha fizeram com que fossemos obrigados a fazer a atual escolta deste modo, uma tarefa muito mais apropriada para outros navios como os cruzadores da classe Mogami ou Takao, talvez até mesmo maiores, como couraçados.

Algo em torno de meia hora havia se passado, o suficiente para estarmos prontos para o lançamento de nossos batedores, quando de repente meu primeiro imediato chegou até mim.

— O comandante da frota deseja falar com o senhor.

— Ligue-me com ele em uma linha segura.

— Certamente.

Ele se virou em direção ao oficial de comunicações, que imediatamente transferiu a ligação para um telefone ao lado do meu posto. Ao levá-lo contra meu ouvido, pude ouvir claramente a voz de meu antigo mentor.

— Capitão Kovalskyo, bom dia.

— Bom dia, comandante Takashi.

— Dormiu bem?

— Fiz o possível, senhor. — Respondi com franqueza, pois ele era um dos poucos com quem poderia ser realmente sincero.

— Espero ter sido o suficiente. Temos um problema. Um dos aviões de Chikuma avistou inimigos sobrevoando a uma certa distância de nós. Estamos sendo seguidos.

— Americanos?

— Não, Britânicos.

— Qual nosso plano?

— Eles ainda não tem certeza que os avistamos. Vamos rumar para o arquipélago de Kovalskashi. Eu quero que você e os outros navios de escolta fiquem por entre as ilhas e os rochedos para emboscar seja quem for que estiver atrás de nós. O Taihou ficará mais distante de vocês, atrás de uma das ilhas, para nos escondermos.

— Entendo, senhor. Mas porque vir falar diretamente comigo e não apenas emitir uma mensagem?

O silêncio permaneceu por alguns poucos, mas longos segundos, até ele responder em tom bem humorado.

 — Haha. Porque eu queria ser respeitoso com meu melhor aluno — Logo em seguida completou em tom melancólico — Pelo menos uma única vez…

— …. Entendi…

— Foi uma honra, Kovalskyo.

— Digo o mesmo, senhor… — falei em tom de despedida, com o telefone parecendo mais pesado do que nunca.

Após olhar mais uma vez para o horizonte, virei-me para nossa nau-capitânia e prestei continência. Poucos instantes depois, dei a fatídica ordem ao timoneiro.

— Mudar rota para Kovalskashi. Acompanhe o restante da frota.

— Entendido.

— Imediato, ordene que todas as estações de batalha estejam em alerta máximo e diga para os M6 que não estão em missão de reconhecimento serem armados com torpedos, mas não façam alarde. Estamos sendo seguidos. Iremos levá-los para uma emboscada.

— Sim, senhor.

Depois de me certificar que todos os preparativos haviam sido feitos, olhei da janela da embarcação direto para nosso destino, um punhado de pequenas ilhas no horizonte, imaginando como continuar a batalha que iria se suceder.

— // — // —

Duas horas se passaram. Estávamos entre as ilhas e os rochedos, escondidos dos olhos dos ingleses.

Taihou se camuflou ao lado da maior ilha e de sua irmã menor do arquipélago coberta pelos flancos leste e oeste e com seus aviões de caça prontos para decolar assim que a batalha começasse.

Dividimos nosso setor com linhas horizontais e verticais, formando quadrantes que vão, respectivamente, de 1 a 10 e de A a J, com as tropas distribuídas da seguinte forma: Taihou no F5, entre duas ilhas, Tone no H1, Chikuma no H8, Shigure no I4 e Fubuki no G7.

De E3 e E5 a F3 e F5, encontrasse a ilha irmã da maior do arquipélago, com a última ficando em E6 e E7 a F6 e F7.

Do outro lado lado, na posição H1, cobrindo nosso flanco norte, está outra ilha muito pequena, mais para um rochedo, com outra similar ao lado de Chikuma. No caso de Fubuki e Shigure, com ambos nas extremidades das ilhas principais, escoltando diretamente a retaguarda de Taihou e cobertos por pequenas ilhotas.

Segundo nossos radares, os aviões chegarem relativamente perto de nós para nos acompanharem, mas deram meia volta ao verem nosso grupo se dividindo em 3 e principalmente por conta de seu alvo principal ter entrado entre as duas ilhas, dificultando sua manobrabilidade e facilitando o trabalho das antiaéreas, não que quisessem ser visto para começo de conversa.

Obviamente eles tinham as mesmas tecnologias que nós, talvez até melhores, por isso nos escondemos por entre as ilhas, na esperança que elas fossem o bastante para enganar seus radares, além de servirem como uma proteção bastante generosa para nós.

  Uma vez com todos nós devidamente posicionados, olhei para meu imediato. — Quero um relatório da situação.

— Nosso avião de reconhecimento disse que a frota inimigo está se aproximando. Ela é composta de 1 porta-aviões, aparentemente da classe illustrious, 1 cruzador de batalha, certamente o Renown, já que o outro navio semelhante, o Repulse, já foi afundado. 2 cruzadores, provavelmente ambos da classe Dido e 2 destroyers não identificados. A estimativa é que nos alcance em no máximo 2 horas.

— Não estão em muito maior número que nós, mas aquele cruzador de batalha me preocupa… — baixei a cabeça por um instante e mordi o lábio, depois continuei — Houve alguma alteração no plano?

— Não, senhor. O comandante disse para prosseguirmos com o combinado.

— Ótimo. Peça para servirem o almoço adiantado —

Imediatamente ele se virou e foi passar a ordem, mas o interrompi no meio do caminho.

— Diga para os homens aproveitarem bem… Sem pressa… —

Shimizu aceno com a cabeça, melancólico. Depois de alguns segundos, ele bateu continência e partiu, imaginando o que estava por se seguir…

— // — // —

Algumas horas se passaram, mas pareciam dias, com todos a bordo do navio roendo as unhas e fazendo suas orações. Os operadores das armas haviam checado e re-checado se estava tudo em ordem, desde os sistemas de tiro até a lubrificação das engrenagens e munições e é claro dos sistemas de radar e das aeronaves de combate.

Um tanto impaciente, mas precisando me manter atualizado, perguntei ao meu primeiro imediato, Shimizu.

— Qual é a localização atual da frota inimiga?

— Está prestes a entrar em nosso quadrante, pela área A2 e A8, com o porta-aviões, escoltado pelo cruzador de batalha, um cruzador e um destroyer sendo o primeiro grupo e o restante, um cruzador e um destroyer, o segundo.

— Dividiram as forças, mas ainda mantiveram uma boa escolta para seu porta-aviões, como esperado. Avise ao comandante da frota para mandar seus caças decolar e começarem a fazer um perímetro defensivo à volta dele, mas não ataquem, seguiremos com o plano de emboscada daquela mensagem codificada. —

Meu subordinado assentiu e partiu.

Através de um código secreto contido na conversa que tivemos antes, meu superior avisou que iria me passar os planos de batalha e assim o foram recebidos através de uma linha específica codificada e depois decodificada. O plano era esperar até o último segundo…

— O alvo adentrou a área de combate. Os cruzadores seguidos dos destroyer tomaram a dianteira em formação de ataque.

— Como o esperado, eles vão vir bater o caminho e deixar o porta-aviões deles para trás. Coloque o navio em posição para disparar os torpedos a estibordo e preparem para lançar as aeronaves ao meu sinal.

Nos últimos minutos antes da batalha, revisei o plano em minha cabeça e procurei por alternativas, só para me manter distante de minha ansiedade e daquela agonizante espera.

— Senhor. Alvos a 12 km e se aproximando. Velocidade estimada 29 nós.

— Mirem no cruzador de batalha e disparem ao meu comando.

Do lugar onde estava, era impossível ter contato visual com eles, pois somente a parte traseira do navio, onde ficavam os tubos de torpedos, podia ser vista. Tudo que podia fazer era confiar nos outros para serem meus olhos e ouvidos.

— 10,9 km… 10,7… 10,4… 10,1…

— Disparar! — Com um grito, finalmente dei a ordem de iniciar a batalha.

— Torpedos lançados. Quatro minutos até o impacto!

— Toda velocidade a frente! Lancem o primeiro par de aviões de ataque e preparem os outros para lançamento imediato! Todos os canhões a bombordo! Mudar rumo para I5! Defesas antiaéreas em alerta máximo.

Proferi todas estas ordens com nervosismo. Meu ritmo cardíaco estava acelerado, mas minha determinação se mantinha inabalada. Por mais que estivesse dando ordens em batalha, esta era a primeira vez que participava de uma.

Rapidamente pude ver nossos aviões cruzarem pelas laterais da ponte de comando soltando fumaça de seus propulsores a foguete, necessários pelo peso extra dos torpedos. Felizmente, não podia ser vista ao longe pela nossa proximidade com a ilha e não durava tanto tempo para que fossem avistados enquanto ganhavam velocidade.

As torretas começaram a ir para o lado oposto da ilha, uma vez que precisávamos dar a volta para alcançar nosso objetivo e de todo o poder de fogo para correr até ele.

Ao chegarmos a uma distância segura, começamos a manobrar para a esquerda, para então darmos meia volta, foi então que meus olhos ficaram focados no outro lado da ilha por onde vinham nossos inimigos, na esperança de nosso plano ter dado certo.

Ao passarmos por ela, imediatamente enxergamos nosso destino, com um dos destroyers, Shigure, sinalizado para nosso navio em código Morse, uma medida necessária pelo bem do silêncio de rádio, para evitar interceptações.

— Capitão, Shigure confirmou o lançamento. 1 minuto até o impacto. Estamos a 1 minuto e meio do alvo. Aeronaves inimigas detectadas próximas ao comboio, inimigo, provavelmente escoltas.

— Ótimo, está tudo como planejado. Mande nossos aviões ficarem distantes e evitem se aproximar.

Como nossos inimigos possuem destroyers, tínhamos o receio de nosso ataque ser detectado pela sua hidroacústica comum nesse tipo de navio, então montamos um esquema para contornar isso.

— 40 Segundos! — gritou meu primeiro imediato.

Imediatamente comecei a olhar para as embarcações inimigas já visíveis, na esperança de não errarmos o alvo.

— 5, 4, 3, 2, 1… O alvo desviou! Mudança de rumo para 15 graus em direção a Shigure!

— Status da segunda salva!

— 11 segundos para o impacto! 5, 4, 3, 2, 1… Impacto! Renown danificado! 2 acertos a estibordo!

— Excelente! Quebrem o silêncio de rádio. Avisem a Taihou para prosseguir com o ataque à formação inimiga.

— Fomos avistados! O cruzador está abrindo fogo contra nós!

— Manobras evasivas! Disparem a vontade!

Ao finalizar minha frase, a primeira salva disparada contra nós atingiu o navio, fazendo-o tremer ao ponto deu cair. Quanto me levantei, pude ver nossa bateria principal disparar pela primeira vez. Um a um, pude ver nossos oito canhões dispararem contra nosso inimigo, com seu estrondo e clarão me fazendo meus dentes tremerem

Quando voltei a mim, perguntei ao meu imediato:

— Relatório de danos!

— Dois acertos no convés, danos mínimos.

Com meus binóculos em mãos, olhei para o cruzador de batalha que acertamos. Diversas bolhas de explosões antiaéreas podiam ser vistos ao seu redor, juntamente com aviões trocando tiros uns contra os outros. O impacto de nossos torpedos foi tão grande que o navio estava inclinado vários graus para sua direita, confirmando que havia uma inundação em seus decks inferiores.

Curiosamente, sua formação permanecia a mesma de antes, com os navios menores oferecendo todo o fogo antiaéreo que tinham para proteger seu navio principal. Seu destroyer disparava contra Shigure e seu cruzador contra nós, com Renown ainda se recuperando do tremendo dano inicial que sofreu.

— Incêndio no convés. Equipe de controle de danos despachada. Três acertos em Dido,  sua torre de radar foi destruída. Taihou entrou em combate contra o porta-aviões inimigo. Chikuma e Fubuki estão sobre ataque.

A troca de tiros seguiu por mais alguns instantes, com todas as nossas forças rumando para trás das ilhas principais para criarmos um perímetro defensivo.

As explosões faziam o navio vibrar, jogando água por cima de nós como em uma tempestade. Os disparos dos canhões e as explosões antiaéreas iluminavam o local como um show de luzes em plena luz do dia.

Por mais que nosso ataque inicial tenha tido algum sucesso, foi só uma questão de tempo até as coisas fugirem do nosso controle.

— Capitão! Shigure está ficando encurralado. Eles vão avançar para desferir um golpe final contra Renown!

Com meus binóculos procurei nosso aliado. Ele havia tomado alguns danos do outro destroyer contra quem estava combatendo, mas sua ação desesperada não fazia sentido se não o desespero de seu capitão inexperiente e com medo de perder sua honra ao tentar recuar.

— Não, isso não está certo. Avisem para recuarem e que atraiam eles para os outros navios da frota.

— Eles desligaram o rádio, senhor. A situação de Chikuma e Fubuki também é incerta. Nosso porta aviões está sobrecarregado no combate contra o inimigo.

“Não precisa fazer isso!” Pensei sobre estas palavras enquanto cerrava os dentes e observava o desenrolar daquela manobra trágica por meus binóculos.

— Já sei…  Lançar torpedos a estibordo, alvo Dido. Mande nossos aviões de ataque atacarem ele de forma que os faça desviar em direção a eles como fizemos antes!

Nossas salvas continuavam a atingi-lo, mas não conseguimos dar o golpe final por causa de sua ótima manobrabilidade. A única maneira era tentar esta manobra ousada.

Nossos aviões, que estavam de longe observando a batalha, cruzaram sobre nosso navio em um voo rasante, a fim de conseguirem toda a velocidade que pudessem para lançarem seus torpedos. Eu pude ver as munições traçantes engolirem eles.

Assim como o esperado, o cruzador desviou para esquivar dos aviões de ataque e quando estava prestes a retornar para formação defensiva, um dos torpedos estava prestes a atingi-lo, agora incapaz de virar seu leme a tempo.

— Impac…

Antes que meu imediato completasse a frase, uma explosão me cegou. Nosso alvo se tornou um mar de chamas. Nós detonamos seu depósito de munições.

Naquele momento, um certo ânimo atingiu os outros ocupantes da torre de comando. Era o nosso segundo acerto do dia, mas toda celebração foi mitigada com uma notícia dada logo em seguida pelo primeiro imediato.

— Aviões destruídos, senhor.

Eles foram nossas primeiras baixas…

A batalha se seguiu de forma feroz e já podíamos ver Chikuma e Fubuki lutando no horizonte.

Shigure, ao contrário do que esperava, seguiu com seu plano e avançou contra Renown, mas desta vez, foram eles os atingidos por torpedos, o suficiente para partir seu navio ao meio.

“Ele morreu em vão… Droga!”

Cerrei os dentes com força enquanto via o navio se afundar.

Para piorar nossa situação, Renown estava de volta a ativa e estava apontando seus canhões para Chikuma, com ela estando completamente ocupada em sua própria luta.

O som e o clarão dos disparos era ensurdecedor, mesmo com nós estando a mais de 10 km de distância. Não é como se eu nunca tivesse visto um encouraçado disparar, mas sempre era uma experiência marcante, infelizmente, no mau sentido para nós.

Os canhões acertaram em cheio Chikuma em um ataque devastador.

De repente, uma voz fez com que voltasse a mim.

 — Torpedos a bombordo!!

— Manobras evasivas! Preparar para o impacto!

O outro destroyer que escoltava o cruzador de batalha aproveitou a nuvem de destroços de seu companheiro afundado para disparar seus torpedos em nossa direção.

Nosso cruzador era muito manobrável para seu tipo, mas não foi o suficiente. O navio tremeu tanto que quem não teve tempo de segurar em alguma coisa foi arremessado de encontro às paredes.

Eu estava no chão um pouco tonto por ter batido a cabeça, com um pouco de tontura e meus ouvidos estavam zunindo. Meu primeiro imediato veio correndo para me ajudar a levantar. Suas palavras não chegaram direito a meus ouvidos, mas meu instinto perguntou a ele do mesmo modo — Relatório de danos.

Algo como Sala de máquinas e inundação foi só o que fui capaz de entender, embora já tivesse pego novamente meu cape e voltado a observar a batalha.

O navio estava levemente inclinado e lento, deste modo consegui ligar as palavras de antes com o status atual de nossa embarcação.

O cenário estava irreconhecível do outrora pacífico arquipélago. Nuvens de explosões antiaéreas, combates aéreos, navios destruídos ou em chamas, homens tentando escapar das embarcações enquanto afundam. Tudo parecia um cenário vindo direto do inferno.

— Shimizu… Qual é a situação atual da frota? — Perguntei ao meu primeiro imediato com hesitação.

— Taihou foi atingida por bombardeios inimigos. Chikuma diz estar mal conseguindo se manter flutuando e o capitão cogita abandonar o navio. Fubuki se chocou contra o destroyer inimigo, com ambos estando em processo de evacuação, prestes a serem afundados. Renown se mantém firme, apesar dos ataques aéreos. Conseguimos controlar os danos causados pelos torpedos, mas nossos aviões de reconhecimento foram interceptados.

— Ainda temos chance! Comecem a disparar contra o destroyer que nos atacou. Tentem caçá-lo com o radar! Lancem nossos aviões restantes para encontrar ele!

Estávamos quase às cegas, mas isso significava que o inimigo também estava.

Mais uma vez, assim como no começo da batalha, vi meus aviões serem lançados pelas laterais da torre de comando. Imediatamente após isso, nossos canhões começaram a disparar.

Não tínhamos muita esperança de acertar um alvo pequeno e manobrável somente com sinais grosseiros de radar, mesmo com a correção dos disparos feito por nossos aviões, mas naquele momento, era tudo que podíamos fazer.

O som de tiros se seguiu por vários minutos, dez, quinze, quem sabe vinte minutos, o grande problema era que estávamos tão focados e não sermos atingidos por mais torpedos e em acertar nosso alvo que ninguém marcou o tempo.

De repente, nossos canhões pararam de disparar… O alvo havia sumido.

Um silêncio mortal se abateu sobre o campo de batalha. Será que conseguimos destruí-lo? Será interferência? E por que estamos em um completo silêncio?

— Shimizu, quero um relatório da situação.

— Sem sinal de rádio de longo alcance, perdemos a torre durante a troca de disparos contra o destroyer. Sala de máquinas e casco reparados.

— O que aconteceu com o restante da esquadra?

— Não sabemos, senhor. Nossos aviões de reconhecimento podem ver muita fumaça vinda de navios restantes, todos muito danificados, mas não sabemos se ainda estão operacionais.

— E quanto ao alvo que estavamos engajando?

— Em chamas, senhor. Os aviões podem ver homens evacuando o navio.

— Alguma coisa sobre Taihou?

— Não, aparentemente eles rumaram para o outro lado das ilhas, em direção ao porta-aviões inimigo. Não conseguimos avistá-lo.

— Faremos o mesmo. Mudar rumo para C3

Quando começamos a nos mover, a fumaça do cruzador que destruímos já tinha se dissipado bastante. O que encontramos foram pedaços de navios espalhados por todo lugar, alguns com marinheiros tentando se manter imersos, manchas de óleo e chamas queimando sobre as ondas, com corpos boiando e batendo em nossa embarcação.

— Devemos resgatar os marinheiros, senhor?

— Não… Não podemos parar, muito menos para o inimigo.

Aquelas palavras tocaram meu coração, enquanto eu encarava a distância as pessoas as quais eu estava me negando a salvar, mas não senti remorso. As coisas não podiam ser de outra forma. Não naquela situação. Não naquela hora…

Ao passar pelas ilhas, o céu brilhava vermelho vivo e raios de sol iluminavam meu rosto dentro da ponte de comando.

“Capitão Takashi… Onde está você?”

Pouco a pouco, na linha do horizonte, as munições traçantes brilhavam ao redor do sol já baixo no horizonte, prova de que a batalha ainda estava ocorrendo.

— Taihou está muito danificada! Ela está com o deck tão inclinado que já não é mais capaz de lançar aviões. Eles não tem muito tempo!

Pela primeira vez, meu imediato perdeu a compostura e se esqueceu de se referir a mim de forma respeitosa, mas não o culpava. Seria muita falta de consideração minha censura-lo depois de tudo.

— Preparar para disparar!

Eles ainda estavam fora do alcance de nossa bateria principal. Precisávamos nos aproximar o mais rápido possível.

— Senhor, nossos batedores reportaram um cruzador inimigo rumando para interceptar Taihou.

— Mande nossos aviões atacarem!

Meus torpedeiros se lançaram em direção ao último cruzador restante. Não sabia se teríamos tempo suficiente, tudo por causa das ilhas que outrora foram nosso escudo e agora eram o calcanhar de Aquiles para nosso radar, pois nos impediram de tê-lo avistado antes de estar tão próximo.

Com meus binóculos eu vi o cruzador ser atingido por alguns foguetes aéreos tímidos vindos de Taihou. Logo em seguida, ele manobrou já muito próximo de nossa nau capitânia.

— Eles irão disparar torpedos! Precisam agir agora!! — Gritei desesperado, enquanto tomava à força o rádio da mão de meu operador e voltei imediatamente para a janela.

Uma das duas aeronaves conseguiu se alinhar e lançar seu torpedo eficazmente, mas o outro, por algum motivo, não o fez.

“Não me diga que o torpedo emperrou!?”

Cerrei meus dentes com muita força e apertei meus binóculos como se quisesse quebrá-los.

Alguns segundos angustiantes que mais pareciam horas se passaram, até que nosso avião manobrou para cima.

— Ele não lançou… — Falei em voz baixa e um frio correu pela minha espinha.

Ao contrário do que imaginava, o avião não subiu para desviar do navio, pelo contrário, foi para conseguir mirar diretamente a ponte de comando e se chocar contra ela. A explosão do avião e o torpedo engoliram a parte dianteira do navio em fogo.

Eu encarei aquela situação com um misto de alívio e de respeito pela ação corajosa de meu subordinado.

— Ele conseguiu…

Minhas esperanças duraram pouco. No fim, uma grande explosão surgiu da lateral de Taihou, o suficiente para fazer o navio tombar. O som das explosões internas que se seguiram e do aço de um navio de 35 mil toneladas sendo retorcido ecoaram em um som ensurdecedor no meu coração.

Com meu peito apertado, prestei continência para meu comandante que agora estava sendo levado para o fundo do mar que se tornara seu túmulo. Minha boca ficou amarga e meu olhar foi lentamente se virando para meu último inimigo ainda flutuando. Logo em seguida olhei para Shimizu que possuía o mesmo olhar que eu. Isso falou mais do que qualquer outra ordem que havia dado.

Usando toda a velocidade de nossos motores, avançamos contra um navio 3x mais pesado que o nosso, escoltado por dezenas de aviões de combate.

— Mande todo o pessoal não necessário evacuar o navio. Mesmo se quisermos não podemos mais fugir… Esta é minha última ordem para você. Vá junto deles.

— Não! Eu me recuso a abandoná-lo, senhor!

— Você não vai me abandonar, vai só cumprir com a missão de evacuar todos em segurança.

— Com todo respeito, senhor, eu preciso manter minha honra!

— Do que importa sua honra se estiver no fundo do oceano? Vai ser egoísta e deixar sua família chorar só pra provar pros outros que você é corajoso?! — Eu podia ter aumentado meu tom, mas depois de respirar fundo, toquei seu ombro e olhei em seus olhos, antes de continuar — Honre a memória dos homens que morreram hoje vivendo a vida da melhor forma que conseguir e jamais deixa que os outros te digam o contrário.

Shimizu mordeu seus lábios e virou sua cabeça para o lado, cerrando seus punhos com força. Quando se acalmou, ele lentamente se colocou em posição de sentido e prestou continência, então partiu, sem olhar para trás.

Na torre olhei para as demais pessoas que lá estavam e acenei com a cabeça para que um por se retirassem, à exceção dos estritamente necessários.

Enquanto a batalha aérea dava seus últimos suspiros, aproveitei este tempo para que os outros pudessem escapar, mas não tardou até virarmos alvo dos ataques aéreos.

— Aviões de ataque a bombordo!

— Velocidade máxima! Disparem tudo que tiverem!!!

Nossas antiaéreas disparavam contra os navios inimigos de forma desesperada. Os aviões assobiavam em voos rasantes para lançarem suas bombas sobre nós. Algumas caíram sobre a água, outras atingiram nosso deck.

Pelo som do rádio, podia ouvir os gritos de meus homens ao serem atingidos pelas explosões.

Quando um avião metralhava nosso navio, faíscas saltavam ao impactarem a blindagem, estraçalhando qualquer um que acertassem.

Entre sangue, fogo e óleo, meus homens corriam para assumir as posições de seus companheiros caídos, sem por um segundo sequer duvidarem daquilo que deveria ser feito.

Quando finalmente o navio inimigo entrou no alcance de nossos canhões, somente quatro dos oito estavam operacionais.

Os disparos acertavam o navio, que não parecia se importar com eles e nossos torpedos não tinham alcance o suficiente para acertá-lo.

Enquanto os ataques continuavam e o navio queimava diante dos meus olhos, logo em frente à torre de comando, os aviões remanescentes de Taihou atacavam como podiam os aviões de ataque para nos proteger, mas não era o suficiente e aos poucos não sobrou nenhum.

Nosso motor estava danificado e já era irreparável. Nossos canhões já não conseguiam disparar sem muita dificuldade e nossas defesas antiaéreas estavam destroçadas, assim como os poucos que haviam sobrado para operá-las.

Quando tomei ciência do que estava acontecendo, ordenei a todos os remanescentes que abandonassem o navio e desta vez, fiz questão de comandar pessoalmente a evacuação.

O navio era como uma fogueira e já não podia mais se mexer devido a imensa quantidade de inundações.

Correndo pelos convés, meus homens carregavam os feridos como podiam, alguns eram até mesmo arrastados. Eu vi que precisava fazer alguma coisa, então comecei a ajudá-los.

Um dos homens gritava de dor por ter perdido um braço, enquanto os socorristas tentavam estabilizá-lo. Eu ajudei a segurá-lo. Quando o soltei, vi minhas mãos tingidas pelo vermelho.

Quando olhei para o lado, pude ver um homem se debatendo no chão enquanto sua perna queimava. Tirei meu casaco e corri para apagá-la. No momento em que terminei, pude ver que sua pele desapareceu e um cheiro nauseante que carne queimada encheu meus pulmões. Eu enrolei sua perna em meu uniforme, como um curativo e o arrastei até o barco salva-vidas.

Assim continuei atuando, até meu último homem deixar o navio, só então parti.

Nos botes, meus homens, a maioria feridos, possuíam um olhar morto em seus rostos. Todos estavam sujos de óleo e sangue e o sentimento de derrota era evidente em todos eles.

No horizonte, eu podia ver o porta aviões rumando para longe, fugindo, como o único navio restante daquela batalha. Ele era o responsável por tudo que havia testemunhado neste dia, mas não o odiava e sim o respeitava muito como um soldado. Lá estava o meu maior rival e ele havia vencido.

Quando me sentei, olhando para o chão do bote, encolhido e cabisbaixo, um dos meus homens me chamou.

— Capitão. O que vamos fazer agora, senhor?

Eu levantei a cabeça, olhei para onde vinha a voz e respondi ao jovem com um leve sorriso melancólico no rosto.

— Não precisa me chamar mais de capitão. Eu nunca mais poderei ser um.

— Mas o senhor nos ajudou a escapar! E sem o senhor jamais teríamos danificado tantos navios deles!

— Eu sou um ronin, perdi minha honra não afundando com o navio. Eu só não queria parecer hipócrita para o Shimizu. Eu só não queria morrer por uma causa perdida. Eu só não queria não poder ver mais minha família…

“O que o destino guarda para mim? É impossível dizer…”

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É só um conto, então já acabou, mas quem quiser contribuir eu agradeço: https://nubank.com.br/pagar/6psyw/8wjFKDf3X



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