O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 23: Fuga

Ragnar corria pela estrada de terra. As bolsas presas em suas laterais chacoalhavam cada vez que suas patas de urso pisavam no chão. Skiff sentava em suas costas, espiando por trás do ombro os cinco membros da Pata Negra se aproximando a cavalo.

— Atire neles! — rugiu o druida, sua voz reverberou como um trovão.

— Mas você está chacoalhando muito…

— Atire!

O caçador puxou uma flecha da aljava e a encaixou no arco, porém, teve dificuldades em mirar o disparo com o tanto que o urso balançava. Então teve um lampejo do dia que treinou sua memória muscular.

Naquele dia, Ragnar e ele ficaram horas nos pastos perto de onde encontraram o Megalotauro. O druida lhe mostrou uma série de vídeos de caçadores profissionais em ação. Os disparos daquelas pessoas eram coisa de outro mundo, eles pegavam a flecha e a atiravam sem parar para mirar.

Skiff respirou fundo e baixou o arco, desfazendo a mira. Tomou coragem e repetiu o treinamento. A flecha foi tensionada com um puxão e solta de imediato. O projetil zuniu na direção dos cinco perseguidores, porém passou a um metro acima de suas cabeças.

Em vez de demonstrar decepção, Skiff relaxou e tentou mais duas vezes. A primeira teve o mesmo destino da anterior, mas passou mais perto. Já a segunda atingiu o braço do caçador cavalgando na ponta direita.

O alvo alvejado praguejou, e foi logo repreendido pelo feiticeiro liderando o grupo, que o mandou parar de chorar e começar a atirar suas.

Apavorado, Skiff viu o caçador adversário mirar uma flecha em sua direção. O projétil disparado veio em sua direção com uma precisão cirúrgica. Skiff tentou desviar, mas a seta atingiu sua perna, arrancando 25% dos seus pontos de vida.

— A não — reclamou. — Ele é forte!

— Fique calmo e não desista — Ragnar tentou tranquilizá-lo. — Foi um tiro de sorte.

Quando o druida acabou de falar, uma flecha se chocou contra sua pata traseira, mas foi defletida graças a camada de ferro.

— Eu estou achando que ele é bom… — disse Skiff, pesaroso.

— Então seja melhor do que ele.

Por mais estranho que parecesse, a voz de Ragnar soou calma e confiante.

Skiff prometeu a si mesmo não decepcionar o amigo, então preparou não apenas um disparo, mas uma sequência de três.

A primeira flecha saiu do arco e voou de encontro à cabeça do cavalo em que um guerreiro montava, fazendo-o relinchar. A segunda acertou o chapéu vermelho do caçador inimigo, enquanto a terceiro acabou perfurando o peitoral do sacerdote cavalgando na retaguarda.

Apesar do sucesso dos disparos, os Patas Negras se aproximaram o bastante para o líder deles, o feiticeiro trajando um manto verde musgo, conseguir conjurar feitiços.

Um feixe de luz azulada passou a centímetros do flanco direito de Ragnar.

— Ótimo, ele é um imbecil.

— Por quê? — perguntou Skiff, enquanto preparava a próxima sequência de disparos.

— Ele poderia nos prender no chão com um feitiço parecido com as minhas raízes.

— Sério?

O caçador mirou três disparos no feiticeiro, e dois deles acertaram. A vida do alvo caiu para a metade, mas um círculo dourado irradiou ao seu redor, restaurando sua vida.

O temor de Ragnar então se concretizou, correntes etéreas saíram de pequenos portais que abriram em seu redor. As correntes mágicas se enrolaram em suas patas, pescoço e torço, prendendo-o quase que por completo.

Em questão de segundos a dupla foi cercada pelos cinco perseguidores. Skiff desmontou de Ragnar e apontou seu arco com uma flecha preparada contra a face do feiticeiro do manto verde musgo.

Um estouro chamou a atenção de todos, o local onde aconteceu foi onde momentos atrás havia um urso aprisionado em correntes, mas agora havia um druida rodeado por oito bolsas vermelhas largadas no chão.

Skiff sabia de uma coisa: as bolsas largadas no chão poderiam ser tomadas por qualquer um. Ele também sabia que Ragnar fizera isso para poder se mover na forma humana, mas, se vacilasse, os Patas Negras poderiam tomar de volta todo o ferro que eles tanto se esforçaram em roubar.

***

Ao pé do morro da Fortaleza Toca dos Lobos, Havoc contemplava o céu azul com uma expressão melancólica. Na mão direita segurava a Lâmina de Salazar e, em seu pé direito, jazia o corpo da assassina Niki e do cavaleiro Artic.

Foi um duelo difícil, porém gratificante. Ambos lutaram bem, conheciam a movimentação básica dos duelos em realidade virtual, mas pecaram na técnica e na execução.

Fora os jogadores famosos e os profissionais, os únicos que a haviam derrotado foram: Zed, por ser quase 30 níveis mais forte; e o druida Ragnar, que neste momento fugia com todo o ferro da guilda.

Abatida pela tristeza, embainhou a espada, o ruído da lâmina deslizando para o repouso sempre a acalmava, pois era o anúncio de uma batalha vencida.

Agora mais calma, caminhou em direção à fortaleza. Um grupo de jogadores passou correndo ao seu lado. Pouco depois, o toque de uma notificação a fez conferir a mensagem recebida, vinda de Malorn, o feiticeiro liderando o grupo em perseguição ao druida.

Quando abriu a mensagem, a tristeza desapareceu de sua face, um sorriso otimista formou em seus lábios. “Acabem com ele”, foi a mensagem que enviou para Malorn.

O ferro roubado poderia ser substituído, mas o orgulho de um Pata Negra, nunca.

Ela correu em direção aos estábulos da fortaleza, montou no alazão mais rápido, e disparou rumo às coordenadas enviadas pelo amigo feiticeiro.

***

Nicole olhava para o contador piscando “11 horas e 58 minutos” em seu visor de realidade virtual. O tempo representava a penalidade sofrida por morrer no jogo, indicando que precisaria esperar 12 horas até poder retornar ao mundo virtual.

Ela se jogou em sua cama, observou os móveis limpos e as paredes decoradas com murais repletos de pôsteres de várias jogadoras profissionais.

Suas favoritas eram Anika e Juliet, as duas protagonizavam os maiores pôsteres. Porém, Anika era sua maior fonte de inspiração, a líder da Starfall, a equipe de Fortaleza, a que mais crescia no cenário competitivo nacional.

Olhar para as duas sempre a deixava motivada, por isso pegou seu celular e enviou uma mensagem para Artur, que logo respondeu, o que poderia indicar que também fora eliminado pela espadachim.

Eles trocaram mensagens até o amigo mencionar algo curioso, Skiff havia o adicionado nas redes sociais para dizer que também fora eliminado, e que Ragnar agora lutava contra os perseguidores.

Porém, na última mensagem de Artic, Nicole abafou uma risada, pois ele revelou o nome verdadeiro de Skiff, Samuel.

***

Havoc chegou tarde demais. O último integrante do grupo perseguindo o druida teve seu coração perfurado pela lança de Ragnar.

Ela tentou salvá-lo. Fez de tudo para que sua montaria cavalgasse mais rápido, bravejou ordens, açoitou o coitado, mas o equino não conseguiu se aproximar a tempo de ela salvar o feiticeiro Malorn.

Havoc testemunhou àquilo sem poder fazer nada. O avatar do amigo tombou no chão, juntando-se aos demais caídos.

Ela trotou para perto do traidor, que não se mexeu, mas quando ficaram a alguns passos de distância um do outro, Ragnar apontou para as oito bolsas vermelhas ao seu redor.

— Acabou, o ferro agora é meu — disse ele.

— Não se eu conseguir derrotá-lo. Eu sei que você precisa da forma de urso para carregar todo esse peso.

— Ainda assim você precisará me derrotar.

Havoc desceu do cavalo, se aproximou do druida e levou a mão direita ao cabo da espada, para desafiá-lo:

— Eu não queria admitir, mas treinei muito desde o dia que fui derrotada. Eu pretendia desafiá-lo quando estivesse confiante da vitória, mas parece que eu baixei a guarda para você e seus amigos.

Aquelas palavras despertaram um interesse em Ragnar.

— Você acha que pode me vencer?

— Eu me tornei mais forte, mais habilidosa. Eu derrotei seus dois amiguinhos não faz muito tempo. Então… sim, estou confiante de que posso derrotá-lo.

— Você está esquecendo que desde nosso duelo eu também fiquei mais forte. Agora eu possuo uma poderosa rotação de feitiços.

O ruído do puxar da espada ressoou pelo campo aberto.

— Que tal deixar este duelo mais interessante? — sugeriu Ragnar.

Havoc o encarou com uma expressão duvidosa.

— Como?

— Uma aposta. Se você vencer, o ferro é todo seu, e eu também lhe darei minha lança. Mas se eu vencer, você sai da Pata Negra e vem se juntar a minha guilda.

Ela fechou os olhos e respirou fundo, então falou:

— Minha resposta é não, mas eu gostaria de saber por que você me quer em sua guilda.

Ragnar apontou a lança na direção dela antes de dizer:

— Porque acredito que você tenha potencial para entrar no mundo competitivo.

Ela arregalou os olhos e abriu a boca para responder, mas tudo que saiu de seus lábios foi uma meia dúzia de palavras balbuciadas sem sentido. Havoc sacudiu a cabeça, respirou fundo e respondeu com sua típica postura comedida:

— Você está brincando?

— Não. A gente pode não se conhecer muito bem, mas eu já notei como você se dedica ao jogo, por isso gostaria muito de saber por que você joga.

— Eu jogo por…

Parecia que ela responderia à pergunta com sinceridade, mas percebeu que o druida poderia estar ganhando tempo para que mais de seus cúmplices pudessem vir ajudá-lo, afinal, era um traidor. Ao remoer esses pensamentos, Havoc cerrou os dentes e adotou uma postura agressiva:

— Essa conversa já foi longe demais. Eu vim até você para ter minha revanche e honrar minha guilda, e não para ficar respondendo as suas perguntas.

O druida gesticulou as mãos em um sinal apaziguador, tentando esclarecer:

— Essa guilda é uma perda de tempo. Eu sei que posso parecer fraco agora, mas confie em mim, por favor — Ragnar suplicou.

— Confiar em um traidor? Eu não sei qual é a sua, mas já estou farta de você, então prepare-se!

Ragnar segurou a lança com força e ficou em guarda.

A espadachim avançou em sua direção, segurando a espada para trás ela se lançou para frente com uma Investida, desviando do Raio recém-conjurado por Ragnar.

— Este é seu combo de magias? — ela caçoou estando a poucos metros dele.

Porém, quando se preparou para usar outra habilidade, um Jato D’água a empurrou para trás, causando uma pequena quantidade de dano e deixando-a enxarcada da cabeça aos pés.

— O quê? — ela se perguntou, então prosseguiu a sua investida, seus olhos captaram o druida batendo o cajado no chão.

Ele vai invocar raízes, pensou, prevendo com precisão a ação do oponente e reagindo com um salto para a direita. As raízes brotaram do chão e subiram tateando o ar, errando-a.

Havoc sorriu, mas foi logo atingida pelo Vento Gelado invocado por Ragnar. A rajada de ar possuía o efeito de congelar alvos molhados. E quando percebeu essa interação entre os dois feitiços, sentiu medo pelo que estava por vir.

O druida ergueu a Perdição das Víboras para o alto, invocando a habilidade Ira da Tempestade. Ainda de longe ele conjurou um Raio, a descarga elétrica serpenteou o ar e atingiu o peitoral congelado da oponente, causando o efeito “estilhaçar”.

Estilhaçar era o fenômeno advindo da combinação de um feitiço elétrico contra um alvo congelado. Ele amplifica o dano efeito elétrico, causa uma pequena explosão e remove o efeito congelado do alvo.

A combinação dos três feitiços arrancou 15% dos pontos de vida dela, o que a deixou ainda mais apavorada quando o viu correndo em sua direção sob o efeito da Ira da Tempestade.

Graças a agilidade aumentada, Ragnar desferiu estocadas, cortes e chutes que romperam o bloqueio da espadachim, que, apesar da situação desesperadora, tentou apenas se esquivar de seus golpes.

Ragnar sabia que, se Havoc não virasse a batalha a seu favor, ela logo estaria no chão, derrotada mais uma vez.

Mas eu não posso pegar leve, refletiu quando efeito da Ira da Tempestade cessou.

Ela viu as fagulhas pararem de sair do corpo dele, e sorriu, pois sabia que era hora do contra-ataque.

Tudo começou com uma investida que a deixou cara a cara com ele, então recuou a espada e usou a técnica Retalhar, que a lançou dois metros para frente, a lâmina cortou a lateral do druida e, por tê-lo acertado, ativou o efeito secundário da habilidade, uma reativação instantânea.

Ela sabia que reutilizar o Retalhar imediatamente seria previsível, então virou-se de volta para o oponente, baixou a espada e desferiu um Corte em Lua Crescente, diminuindo a defesa dele.

E só então reativou o Retalhar, quando estava a 1 segundo de perder o efeito. A espada o cortou mais uma vez, mas do lado esquerdo do peito.

Havoc mentalizou os próximos ataques, então os executou. Primeiro um Corte Duplo certeiro no braço, seguido de um Fatiar, um corte de cima para baixo que, ao acertar o inimigo, permite ativar sem custo a técnica Picar, um ataque triplo que paralisa o alvo se for usado após Fatiar.

Lá estava ele, o famigerado druida causador de mil confusões, à beira da morte, sem poder fazer nada. O efeito passou e ela praguejou por não conseguir encaixar uma segunda sequência de ataques.

Ragnar tinha uma expressão séria no rosto quando falou:

— Admito que você melhorou, e muito. Sinto muito por tê-la subestimado, prometo que não irá se repetir.

Ele encostou sua mão esquerda no peito e conjurou um feitiço curativo.

Havoc apertou a empunhadura da espada e avançou mais uma vez. Ragnar ergueu o braço e lançou um Raio, fazendo-a esquivar, seguido da invocação de Raízes, que ela também desviou com um passo rápido para o lado.

A espadachim usou sua investida, mas Ragnar previra a utilização da técnica de aproximação e, sabendo que ela não poderia emendar um Retalhar sem antes haver uma espera de 1 segundo, arremessou a lança contra Havoc e partiu para cima, transformando-se em urso de ferro no momento exato que a oponente esquivou do arremesso de lança.

Como previsto, ela usou Retalhar para fugir de sua forma animal empoderada, assim poderia esperar todas as habilidades voltarem do tempo de recarga pra tentar uma troca de ataques curta e favorável.

Mas Ragnar não iria permitir, ele avançou em fúria, seus olhos vermelhos fixados em sua presa, mas ela era rápida, afinal, espadachim é uma das classes mais ágeis do jogo junto do ladrão e do assassino.

Para sua vantagem a oponente corria desesperada, olhando vez ou outra para trás. Foi quando ela tirou os olhos dele para ver o caminho em frente, que Ragnar voltou a forma humana, conjurou um Raio, depois raízes, seguido de um Jato D’Água e um Vento Gelado, finalizando com mais um Raio assim que o feitiço retornou do tempo de recarga.

Quando toda a rotação de feitiços terminou, ele ativou a Ira da Tempestade, virou urso e aproveitou da agilidade aumentada para chegar a tempo de desferir a habilidade especial dos ursos de ferro, a Patada Atordoante.

A espadachim caiu no chão, suas esperanças se esvaíram em seu olhar.

Ragnar sentiu pena. Ela era boa, tinha potencial, mas faltava conhecimento de jogo para conseguir desviar de suas habilidades. Havoc tapou os olhos com o antebraço, e disse com uma voz chorosa.

— Como é possível?

Talvez já estivesse na hora de revelar um pouco de sua pessoa a ela.

— Eu já fui um profissional.

— Vai pro inferno. — No fim Havoc deu uma fungada.

E ele sentou ao seu lado.

— O que você quer? — Ela perguntou, ainda deitada, com o braço tapando seus olhos.

— Você — Ragnar respondeu sem titubear.

Havoc tirou o braço de cima dos olhos e o encarou.

— Hã?

— Você é habilidosa, tem muito potencial, muito mesmo. Mas te falta experiência. Eu venci você porque eu conheço todas as habilidades da sua classe, excluindo as habilidades únicas e limitadas que ainda não foram reveladas ao público.

— Se você é tão bom como pare ser, por que seu avatar é tão fraco?

— Isso eu não posso revelar, não agora.

Ela sentou no chão, engoliu o choro e respondeu à pergunta feita antes do início do duelo:

— Eu jogo porque eu quero ser uma profissional.

— Imaginei — Ragnar comemorou, sorridente.

— O que você quer de mim?

— Eu quero você na minha guilda… quando eu a criar.

— Não, obrigado.

Ragnar se levantou e caminhou em direção às bolsas com o ferro roubado.

— Por favor, pense bem na minha proposta. Você não irá a lugar nenhum estando na Pata Negra. Eu sei que fiquei pouco tempo com vocês, mas foi o bastante para ver o quão fracos e desleixados são, principalmente Zed.

Havoc permaneceu sentada no chão, quieta. Ragnar abriu o menu do jogo e navegou pela lista de amigos. Então olhou para ela, e enviou um convite de amizade.

— O duelo foi bom, a conversa está boa, mas está na hora de guardar o espólio. Havoc, pense bem na minha proposta. Entrarei em contato assim que chegar ao nível 20.

— Está bem.

Ragnar recuperou as oito bolsas, virou urso, e foi embora.


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