O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 43: Hardgart

Ragnar abriu os olhos e se deparou com a paisagem decadente do santuário.

De volta ao presente, encontrou o pequeno urso Mikken deitado na borda do Círculo de Convergência Natural. Aqueles olhinhos fechados e respiração intermitente o fizeram suspeitar de que estava dormindo.

Preferiu não o acordar, em vez disso decidiu ir visitar Hardgart, o pai do filhote e líder dos ursos pardos no santuário. Pensar nisso o fez lembrar da memória nada agradável da conversa que teve com ele ao chegar no refúgio, mas não havia escolha, era tudo ou nada.

Deu o primeiro passo, depois olhou para Mikken e se entristeceu ao vê-lo em sono profundo, pois adoraria que o pequenino o acompanhasse. Aceitando a situação, afastou esses pensamentos e se pôs a caminhar.

Não demorou para ouvir um berro.

— Ragnar, me espere!

Mikken disparou atrapalhado pelo caminho de pedra. Em poucos segundos parou ao lado do druida, esbaforindo com a língua de fora.

— Dormindo daquele jeito parecia até que estava hibernando.

— Desculpa, mas você ficou um tempão sentado com os olhos fechados. Para aonde vamos agora?

— Nós vamos fazer uma visitinha ao seu pai.

— Eba! — o pequeno comemorou erguendo-se nas patas traseiras.

A caminhada foi recheada de conversas despretensiosas e histórias vividas e ouvidas pelos dois, o que não dizia muita coisa vindo do jovem urso, pois viveu confinado no interior do refúgio, e, graças a isso, ouvia as desventuras do druida com os olhinhos abertos e as orelhas eriçadas.

— É sério que você fez amizade com uma serpente?

Ragnar confirmou com um gesto de mão e ainda sugeriu:

— Eu posso chamá-la agora se quiser conhecê-la.

Mikken parou de andar.

— Mas ela não vai me morder? Meu pai disse que cobras são perigosas.

— De jeito nenhum. Ela se chama Lady Plissken, mas eu a apelidei de “Cobra Amiga”.

— Não sei… — falou baixinho, voltando a mancar.

— Mikken, eu prometo que ela não fará nada. Lady Plissken é dócil como uma capivara.

— Capivara? — perguntou pendendo a cabeça para a direita.

— Esqueça essa parte. Você quer ou não conhecer a Lady Plissken?

— Está bem, eu aceito, mas você promete que ela é dócil?

— Prometo. — Recuou alguns passos e encarou o druida com uma sutil desconfiança.

— Como você pretende chamar ela?

— Assim — Ragnar mentalizou o comando de invocação e assoviou para acrescentar um efeito sonoro.

Lady Plissken, a cobra amiga de escamas alaranjadas, apareceu ao seu lado. Mikken grunhiu de susto e correu cambaleando até se esconder trás de uma pilastra ao lado da passagem.

Devagarinho ele esticou a cabeça para fora do pilar. Seu olho espiou o druida e a grande Serpente Imperial enrolada ao lado dele.

— Pode vir. Não precisa ter medo, não é, Lady Plissken? — Ragnar fez carinho na cabeça da serpente, que sibilou em satisfação.

O pequeno urso manteve o olhar desconfiado, tremendo. Após reunir coragem, saiu de trás da pilastra e mancou devagarinho até parar em frente à cobra, que aproximou a cabeça escamosa até raspar em seu rosto peludo.

— Viu só? — disse Ragnar. — Dócil como um sabiá.

— Como um o quê? — Mikken perguntou enquanto a serpente se enrolava em seu corpo.

— Esquece… — E voltou a caminhar.

— Ragnar, você pode pedir para ela parar? — A serpente havia se enrolado de sua cabeça até as patas de trás.

O druida equipou a Perdição das Víboras e a utilizou para desferir batidinhas no flanco da serpente.

— Já deu, solta ele.

Lady Plissken sibilou irritada, mas soltou o filhote e retornou para o lado de seu mestre.

— Então, meus amigos, vamos indo?

Tanto o filhote de urso quanto a rastejante imperial acataram o pedido. Juntos os três cruzaram o interior do santuário e a trilha no matagal até chegarem na entrada do Santuário.

A visão de Ragnar se resumia à trilha de terra, a grama alta nas laterais e o céu azul nublado. Entre as várias coisas que o perturbavam, Hardgart, o líder dos ursos pardos, era a maior delas.

Àquela altura a conversa animada que vinha tendo com o pequeno filhote havia terminado. Sua atenção estava focada nas folhagens que os cercavam, pois como bem sabia, Hardgart costumava ficar escondido para surpreender invasores.

De passo em passo avançou pela trilha, evitando fazer qualquer barulho. Porém, Mikken optou por uma abordagem nada sorrateira.

— Ô Paaai! — ele gritou. — Paaaaaai! Tem um druida querendo falar com você…

Um farfalhar de folhas chegou ao ouvido de Ragnar. Assustado, girou nos calcanhares e procurou por indícios de onde ele poderia estar. E, quando voltou seu olhar à esquerda pela terceira vez, viu as folhas se remexendo e uma sombra amarronzada se aproximando.

A face do grande urso pardo brotou com a mesma irritação de quando o druida chegou ao refúgio naquele dia.

— Mikken. — Sua voz transbordava incômodo. — O que você está fazendo ao lado desse homem sujo?

— O Ragnar? — Olhou para o dito-cujo. — Ele é meu novo amigo.

— Eu não falei para não se meter com estranhos? Ainda mais um druida sujo que se transforma em um daqueles de ferro…

— Papai, eu sei, lembro muito bem de seus ensinamentos, mas ele é diferente.

Hardgart lambeu o rosto de seu filho, que gargalhou em alegria. Mas a desconfiança perdurava em seu olhar, então se aproximou do druida para questionar:

— O que você quer comigo?

— Você conhece a cripta onde foi sepultado o necromante?

— É claro que conheço.

— E quando foi a última vez que esteve lá?

— Já faz alguns anos.

— Dentro da cripta?

— Não, claro que não. A entrada é proibida para ursos comuns. E por que está me perguntando?

— Porque estive lá hoje, e seu filho também.

O pai se voltou para o filho, que admitiu sem remorsos:

— É verdade, foi lá que viramos amigos.

Hardgart rugiu com ferocidade.

— Você entrou em um lugar proibido sem a minha permissão? Quantas vezes eu já te falei para nunca sair do interior do santuário?

Mikken tombou para trás com o susto tomado.

— Me desculpe — choramingou. — Eu só queria ver aonde o druida estava indo.

— Estou decepcionado com você, mas quero que me conte o que viu lá dentro.

O pequeno se levantou com dificuldade e contou o que ele queria saber:

— Não tinha nada de legal lá, só uma parede quebrada e um buraco beeem fundo no chão, só que não tinha nada lá dentro.

O grande urso pardo encarou Ragnar.

— Ele quis dizer que a tumba estava vazia? — A tensão transparecia em sua postura inquieta.

O druida anuiu com um aceno de cabeça.

— Isso é grave, muito grave — disse Hardgart.

— Por quê? — Mikken queria saber.

— Você já esqueceu da história sobre a guerra de cem anos atrás? Os ursos de ferro deveriam ser os protetores da tumba do rei necromante. Apenas eles eram capazes de entrar na cripta. Portanto, eram os únicos que podiam atestar que o corpo realmente estava lá, mas se o lugar foi violado e o corpo do maldito desapareceu, eles deveriam ter nos avisado. Esse é um problema sério que concerne a todo o santuário. Druida, se o que meu filho falou é verdade, então preciso ir ver com meus próprios olhos.

— A cripta não irá a lugar nenhum, fique à vontade — respondeu Ragnar.

O grande urso rosnou exibindo os dentes.

— Está bem, me perdoe, eu o acompanharei.

— Ótimo, mas espere um momento, os líderes das demais espécies precisam saber disso.

— Quanto mais gente, melhor.

***

Mais tarde, após andarem muito pelo interior do santuário, o grupo de Ragnar, Mikken e Hardgart recebeu os três outros líderes do refúgio. E, juntos, os seis foram até a cripta de Mergraff.

Eles desceram a longa escadaria e adentraram na antessala onde o último mecanismo de segurança, a trava com buracos para as patas de aranha, foi destruída pelos invasores que teriam roubaram o corpo.

Os seis pararam ao redor do túmulo violado.

— Impossível — disse Knudsen, o líder dos ursos vermelhos.

Enquanto isso, Troel, o chefe dos ursos cinzentos, encarava a montanha de terra escavada. Quando terminou, falou aos presentes:

— Torvell terá que se explicar.

— Se explicar? É mais do que óbvio que ele e seus cúmplices estão envolvidos nisso tudo — disse Inga, a ursa de pelos pretos riscados de branco. Era a líder dos ursos rajados, aqueles cujos pelos possuíam uma cor dominante e outra secundária.

A insatisfação dos quatro líderes fez Ragnar temer que a situação pudesse escalar para uma ruptura do refúgio, levando-o a se questionar se estava fazendo a coisa certa.

O arrependimento de Bjorn, lembrou da conversa com o mestre, de como ele se arrependia de ter deixado os ursos negros se apoderarem do ferro fundido, produto de seu ritual.

Talvez eu esteja ajudando a trazer justiça a este santuário, mas também posso o estar levanto a uma guerra civil.


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