O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 26: O Começo

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O Leilão dos Mestres Começou!

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Assim que o número chegou no zero, meu corpo inteiro tremeu em uma gigantesca flutuação espacial. Lembrei-me imediatamente do dia em que morri. Era uma sensação muito parecida.

O espaço tremia, mas era apenas comigo e a minha cabeça doía muito. Isso continuou por um tempo até que pisquei por um momento e, quando reabri os olhos, estava em um espaço completamente branco.

Por sorte, Cristal ainda estava ao meu lado. Fiquei muito aliviado e percebi que a guarda dela estava alta. Seus olhos investigavam o lugar.

Aquele espaço branco parecia infinito em todas as direções. Olhando para baixo, senti que poderia despencar naquele abismo de luz e nunca mais voltar.

Não poderia saber o tamanho da sala.

— Olá! — gritei, mas não havia eco, entradas de ar, ou qualquer coisa que poderia ao menos me dizer o tamanho da sala.

Era uma imensidão vazia.

Se eu ficar muito tempo aqui, acho que enlouqueço.

De repente, como se para atender meus desejos, uma pessoa surgiu. Ela sentava-se de frente para uma mesa também branca e tinha papéis na mão.

Era uma senhora bonita. Deveria ter cerca de 35 anos, um cabelo loiro que caia abaixo da cintura, amarrado em um rabo de cavalo. 

Seus olhares eram sérios, como o de uma professora estrangeira, e seus traços ocidentais fortes ressaltavam isso.

Porém minha surpresa veio um pouco depois, quando notei seu tamanho e seis coisas marcantes que pousavam nas suas costas.

A mulher possuía mais de quatro metros de altura e havia três pares de asas conectadas na suas costas. Eram incríveis se comparadas as minhas.

A aura que emanava dela era simplesmente majestosa e resplandecente, porém sua expressão era o contrário do que eu chamaria de “majestosa”.

Engoli em seco um pouco com a situação estranha. Ela permaneceu em silêncio olhando os papéis.

— Hm. Com licença...? — Tentei dizer algo, mas fui interrompido.

Sem nem me olhar nos olhos, interrogou com frieza:

— Nome?

? Nome?

Quando disse isso, ela levantou a cabeça e instantemente estalou a língua com uma expressão de descontentamento.

Senhora, eu também não gostei da sua cara se quer saber. Claramente, não disse isso em voz alta. Eu não sabia onde estava e nem se era perigoso.

— Se não tem nome, deixarei em branco. Pelo menos entende o que eu digo, criatura?

— Eu tenho nome, senhora — respondi um pouco irritado. Me contive o máximo possível para não piorar a situação.

— Então por que não falou quando perguntei...?

Se isso fosse atendimento ao cliente, eu daria 0 estrelas, sinceramente. Se fosse possível, daria estrelas negativas.

— Bem, por que eu responderia a uma moça de meia-idade em um lugar desconhecido? — provoquei quando perdi um pouco a paciência.

Uma veia surgiu na testa dela quando falei sobre a meia-idade, mas ela forçou um sorriso falso. Deu alguns toques ansiosos na mesa com a ponta dos dedos durante o processo.

— Me diga logo qual é o seu nome? — Seu tom me fez parar de brincar.

— Kayn — respondi. Ela começou a anotá-lo no papel. — Posso saber onde estou?

— Não, não pode — falou friamente e os toques na mesa aumentaram. Ela tinha pressa.

— A senhora quer um suco de maracujá para se acalmar um pouco?

Ela não respondeu; ignorou-me completamente. Terminado de anotar, ela levantou-se e apenas perguntou:

— Essa é sua acompanhante? — Apontou para Cristal. Conseguia ver que estava ansiosa, pois batia com a ponta de um dos pés no chão.

— Sim, ela é.

— Então está ótimo. — Ela então estalou os dedos e ocorreu outra flutuação no ar. — Sou obrigada a dizer isso, portanto: seja bem-vindo ao Leilão dos Mestres, Kayn.

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Talvez fosse pela deslumbrante visão que se apresentou na minha frente, ou apenas a confusão que senti com o encontro passado, mas o enjoo que sentia com frequência não me ocorreu. A irritação causada pelo conflito com senhora de meia-idade também se foi.

Eu havia aparecido no topo de uma enorme escadaria em um salão colossal — daqueles que só se via em filmes. Duas escadas desciam para um andar abaixo, formando uma espécie de parábola na descida.

O chão era coberto inteiramente de um tapete vermelho macio que brilhava e parecia nunca poder ficar sujo. Conseguia sentir o quão macio era mesmo estando calçado.

Cortinas brancas e vermelhas decoravam as salas ao lado do andar em que eu estava, além de joias, quadros, itens mágicos de valor imensurável e criaturas poderosas que ficavam presas atrás de vários vidros translúcidos.

Meu coração acelerou com uma visão dessas. Era tão deslumbrante quanto o salão do trono da minha vida passada — talvez fosse ainda mais; não! Com certeza era mais em todos os sentidos da palavra.

Boquiaberto, meus olhos piscaram três vezes. Minha mão tremia e tive que me apoiar no corrimão para não cair no andar debaixo.

Quando fiz isso, consegui ver o primeiro andar — aquele abaixo de onde eu estava. Havia milhares de seres abaixo. Todos estavam acompanhados — em duplas.

Suas vestimentas, tamanhos, costumes, aparências e portes eram tão diversos, tão mirabolantes e tão desconexos que se me falassem.

Você está no circo, Kayn! 

Eu ainda duvidaria. Qual circo poderia ter tanta diversidade? Além disso, eu conseguia sentir.

Cada uma das duplas, sem nenhuma exceção sequer, daqueles que estavam abaixo possuíam pelo menos a força de um goblin campeão.

E a grande maioria era mais poderosa do que eu.

Em alguns poucos casos esparsos, em que um dois era um pouco mais fraco que um goblin campeão, a criatura ao seu lado superava em muito o poder de um. Ninguém teria pensamentos negativos em relação a eles 

Instantaneamente olhei para Cristal. Nossos instintos nos diziam: perigo! Perigo!!! Quase como uma sirene. Ficar nesse lugar era extremamente perigoso.

Quando pensei em fugir, as mensagens do sistema tocaram.

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O Leilão dos Mestres!

É um evento organizado anualmente com o objetivo de ser uma reunião entre os mestres de masmorra de todo o mundo.

Aqui, ocorre um evento que dura 7 dias. Com o primeiro dia sendo uma grande festa, e os restantes sendo Leilões organizados pelos próprios mestres e pelo Criador.

No Leilão é possível comprar tudo e qualquer coisa! Uma oportunidade única para aqueles que tiveram a sorte de receber um pouco da graça do Criador.

Requisitos para Participar: Masmorra Grau 2

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Com essa mensagem, também veio um dúzia de outras informações, que ficaram presas na minha mente. Porém todas bem desconexas.

Cristal se aproximou vendo minha confusão e deu algumas lambidas no meu dedo.

— Estou bem. Pode se acalmar.

De repente, mais pessoas foram aparecendo por uma misteriosa fenda atrás de mim. Eu os investiguei com os olhos. 

Vinham sempre em duplas e com aparências diversas. Havia goblins, homens-lagarto, mortos-vivos, elfos, vampiros, anões, gigantes e muitas tantas criaturas que precisaria de um bestiário completo para saber quem eram.

Quando o número chegou a cerca de mil, eles pararam de aparecer. Todos possuíam expressões parecidas com a minha.

Choque, medo, vislumbre e aquele traço de arrogância intrínseca que eu via em mim mesmo. Aquela inveja repugnante.

Eu não era narcisista, longe disso na verdade. Sabia que pessoas como eu eram bem problemáticas.

Um dos que apareceram empurrou os demais e se colocou ao meu lado perto das escadas. Ele não deu atenção para mim e apenas abriu um grande sorriso, como se tivesse conquistado algo.

Suas orelhas afiadas e o cabelo de cor dourado forte logo fizeram-me reconhecer sua raça.

— Elfo Superior. — Deixei escapar em um suspiro.

Ele então virou os olhos na minha direção e me olhou de cima a baixo — o que não era muito difícil por ele ser muito mais alto que eu. Parecia me avaliar, me analisar por completo, mas ele não me media como pessoa.

Estava vendo meu valor como ser vivo e — pelo rosto que fez em seguida, na sua cabeça — eu não valia muito.

Por que todo mundo é mais alto que eu?, perguntei-me, mas deixei isso de lado.

Logo ele virou o seu rosto e passou a me ignorar. Tentou descer as escadas que levavam ao andar abaixo, porém algo caiu do céu, interceptando-o e impedindo-o de prosseguir.

Era um enorme golem. Reconheci sua raça como um cavaleiro de ferro. Um ser inimaginavelmente mais poderoso do que o meu eu atual.

O corpo dele era todo feito de um metal resistente e robusto, fazendo-o ter uma aparência meio oval e um peso simplesmente avassalador.

Com base na minha investigação, também percebi que, mesmo ele caindo de uma altura considerável, as belas escadas continuavam intactas.

Com o surgimento do monstro, todos deram um passo atrás, incluindo-me. Assustado com a aparição inesperada, o elfo arrogante caiu no chão, tremendo todo. De repente, enquanto naquele estado, a sua sombra tremulou como se estivesse viva.

Alguém começou a surgir dela. Era também uma elfa, porém tinha a pele amorenada, olhos castanhos claros, cabelo branco longo amarrado em um rabo de cavalo.

Usava roupas coladas sob uma malha de couro leve e um calça escura também coladinha. Parecia não ter mais de 18 anos e carregava um par de adagas negras nas mãos.

Ela não era particularmente o meu tipo, mas poderia ser tratada como uma jovem modelo no meu antigo mundo.

— Mestre, o senhor está bem? — perguntou, colocando-se na frente do mestre.

— Ah! Mate essa criatura que ousou me atacar!

A elfa que surgiu logo olhou para o monstro na sua frente. Elfos negros tinham um potencial incrível, mas era óbvio que ela ainda era muito jovem e pouco experiente. 

Segurou com firmeza as suas lâminas e engoliu seco. Obviamente estava aterrorizada com o golem — quem não estaria? — porém não deu para trás.

Além de gigantescos, cavaleiros de ferro eram estupidamente poderosos. Quanto maior fosse um cavaleiro de ferro, mais forte ele era e aquele estava quebrando recordes de tamanho. Poderia até não ser uma ameaça em questão de velocidade, mas em resistência e força bruta...

Um simples elfa negra, por mais talentosa que fosse, não poderia lidar com tal adversário.

O mestre dela, contudo, pareceu não compreender os temores dela, ou apenas ignorava, não se importando com isso. Continuava a gritar para que ela o atacasse ininterruptamente.

Meus olhos rapidamente como os de Cristal e ela parecia agradecer por não ter aquele sujeitinho como o seu mestre. Eu sem intenção concordei com a cabeça.

Quando tudo parecia perdido, uma voz ressoou pelo grande salão, chegando aos meus ouvidos.

— Rocks, querido, acalme-se. Assim você assustará nossos prezados convidados. — Era um voz mecânica, mas ainda sim vívida. — Perdoem o meu Rocks. Ele gosta de conhecer os novatos.

Olhei na direção que surgiu e pude observar a bela dama que se apresentou.

Possuía uma pele que brilhava na cor prata, reluzindo nas luzes do salão. A moça parecia desnuda, entretanto não tinha partes íntimas para esconder, ou que pudessem constrangê-la.

Se a elfa negra parecia uma modelo, essa parecia uma atriz. Recatada, impecável, com passos lentos e suaves, sem desperdício de movimento. Assimétrica.

Além disso, possuía literais pernas de lâmina feitas de um material diferente do corpo. Elas cortavam o ar enquanto ela caminhava lentamente subindo as escadas.

— Vamos, Rocks, abra caminho. Não é todo ano que conseguimos ver tantos novos convidados.

O enorme golem obedeceu a dama de aço que surgiu e abriu caminho, assim pude ver seu rosto. Se deus tivesse descido à terra e, com seus próprios dedos, moldasse aquela face, eu acreditaria. 

E não foi só eu que fiquei surpreso. Várias pessoas soltaram suspiros ao ficarem sem ar. Ela era realmente uma joia rara.



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