O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 31: O Hobgoblin no Comando (1)

Hoje eu acordei com um pressentimento ruim.

O chefe saiu e agora o pai aqui estava no comando.

Eu estava dentro do meu pequeno quartinho que chamava de laboratório. Havia alguns chifres de coelho sobre a mesa e o livro de Magia de Fogo para Iniciantes que o chefe me deu.

Talhado em um pedaço de madeira estava meu nome: Gleen. Precisava ser sincero, eu não gostei do nome, mas foi o chefe que deu, então era isso que importava.

Talvez um nome como Snake Black Dragon ou Hawk Red Eyes combinasse mais com meu estilo.

Entretanto eu tinha confiança no chefe. 

Se ele disse que eu mereço esse nome, então é esse nome que eu mereço.

O chefe era simplesmente incrível. Claramente eu o chamava de mestre e não de chefe, chefão, chefinho, mas, por alguma razão, achava bem mais respeitoso chamá-lo de chefe.

Na realidade, gostaria mesmo era de chamá-lo de irmãozão.

Ah! Que vergonha...

Ainda bem que ninguém poderia ler minha mente. Esse tipo de pensamento impróprio era inaceitável. 

Antes de sair, o chefe me deixou no comando de tudo, então era isso que eu faria. Comandaria da melhor forma possível.

Esse pressentimento não deve ser nada demais.

Terminado meus experimentos da manhã, eu saí do laboratório. Logo um pequeno duende se aproximou com alguns relatórios e um objeto alongado.

— O duende trouxe o que o senhor pedira.

— Ótimo. — Ele me entregou um pedaço de madeira talhado com alguns círculos mágicos e com uma grande pedra de mana na ponta. — O núcleo do campeão parece ter estabilizado bem. Bom trabalho.

— Este duende agradece o elogio. Este duende que vós fala pode contar-lhe sobre o relatório?

— Claro, claro... Pode prosseguir — disse enquanto testava o manuseio do cetro.

— O estoque de comida está ótimo. Ainda não descobrimos uma maneira eficaz de preservar os alimentos, todavia, com a quantidade abundante de coelhos caçada pelos guerreiros, não temos problemas com comida.

— O núcleo da masmorra sustenta nossos corpos. A comida serve apenas para saciar os desejos e para aumentar a força de nossos guerreiros. Ainda não chegamos ao nível de preocupação para com isso.

Como a masmorra sustentava nossos corpos, comida era mais um desejo carnal do que uma necessidade. 

Contudo também comprovei que goblins que se alimentavam bem tinham um porte físico melhor, além de serem mais propensos a evoluir.

— Passe o relatório de evoluções.

— Sim, senhor. Tiveram mais quinze goblins caçadores, mais sete goblins elites, dois goblins lutadores e o senhor vai gostar de saber disso... — O pequeno duende parecia entusiasmado.

— Diga-me. 

— Ocorreu uma evolução racial.

Isso era maravilhoso. Além de mim e do Aaron, o soldado de ossos, não ocorreram outras muitas evoluções raciais. 

Havia evoluções de grau todos os dias, mas evoluções de raridade eram realmente raríssimas.

— Quem foi?

— Aquele Coelho Chifrudo que o mestre capturou. Aparentemente ele gosta de descer até o primeiro andar para comer a grama de lá. Ele acabou se encontrando com um grupo de goblins e ocorreu um confronto.

— Ele dizimou eles completamente, não é?

— O duende não tem conhecimento sobre os detalhes, mas é dito que ele foi encontrado em uma enorme poça de sangue.

Era previsto. Aquele coelho tinha suas estatísticas e nível no máximo há muito tempo. Obviamente estava esperando um impulso para quebrar o limite racial.

— Onde ele está?

— Está sendo cuidado pelas irmãs.

— Pelas irmãs...?

❂❂❂

Andamos rapidamente até a casa das irmãs meio-orc. As garotas viviam no segundo andar, porém em uma área separada somente delas.

O mestre construiu um pequeno lugar agradável para viverem. Havia um laguinho florido, uma casa de madeira para comportá-las em um pequeno bosque afastado.

Eu não gostava muito do lugar, porém era uma visão bela. Gostava mais de lugares onde homens se provavam homens: campos de batalha.

Uma brisa agradável perambulou pelos arredores. Quando estava para abrir a porta, fui atacado por um enorme objeto.

Uma escuridão assaltou minha visão e conseguia apenas sentir um par de melões redondos.

Estendi a mão enquanto tentava identificar o que era. Era suave, macio ao toque e eram simplesmente enormes. Uma sensação quente e eu senti como se afundasse neles.

Além disso, havia um perfume gostoso. Um odor um pouco salgado e com uma leve acidez no final, mas ainda delicioso.  

— Quanto tempo planeja ficar aí? — Uma voz doce soou de cima. 

Percebendo meu erro, dei um salto para trás. Lá estava ela, cabelo dourado que chegava perto das costas com as pontas enroladinhas para baixo.

Um corpo volutuoso, um par de seios enormes que ainda deixavam aquela sensação quente na minha mão. O rosto, normalmente rosada, tinha um rubor avermelhado e, apesar de tentar parecer durona, ela estava envergonhada.

— Oi, Inês. Sua irmã Anna está? 

Inês era a segunda irmã mais nova, logo atrás de Anna. Era a mais tímida delas, quase não parecendo uma meia-orc. No entanto, também era a mais gentil de todas.

Por possuir algumas habilidades especiais desconhecidas, o mestre disse-me para prestar atenção nela, pois, quando voltasse, investigaria. 

— Ela saiu para dar banho no coelho perto do laguinho — respondeu ela, abrindo um pequeno biquinho com os lábios.

Hm. Agora não...

— O que foi, Inês. Fiz alguma coisa — Olhei para trás e vi que o duende observava tudo.

Agora era tarde demais.

— Você nunca vem me visitar e, quando vem, é para falar com a minha irmã ou resolver um problema.

Eu suei um pouquinho. O duende olhou entre mim, e a jovem orc e eu não pude deixar de suspirar. Não queria mostrar esse meu lado para os subordinados, porém era inevitável.

— Prometo que amanhã mesmo faço uma visita e também lhe prometo um presente. Então não fique assim.

Ela abriu um grande sorriso, desfazendo o biquinho, logo correu para dentro da cabana envergonhada.

Olhei para trás e vi o duende desviando os olhos.

— Isso aqui fica entre nós dois.

— O duende viu e escutou absolutos nadas.

— Que seja assim. Vamos ao laguinho.

❂❂❂

O lago era perto da casa, então não demoramos muito para chegar lá, mas o duende já me apressava para ir resolver outros assuntos.

— Anna! — exclamei quando não vi ela por perto. 

O laguinho era pequeno, então era possível ver de um lado ao outro de qualquer ponto dele. Mas eu estava com pressentimento ruim durante a manhã.

— Duende, se eu demorar muito quero que chame o ogro e alguns goblins caçadores. Entendeu? Fique aqui.

— O duende obedecerá.

 Rapidamente corri mais fundo dentro do andar. Eu já havia feito um mapeamento da área, então sabia onde cada pau e cada pedra ficava.

Eu adoraria poder entrar em uma briga ao invés de ter que ficar procurando um coelho e uma meia-orc no meio da mata, porém era isso que eu precisava fazer.

Após alguns passos na mata, descobri folhas e galhos quebradiços. Finalmente vi uma pegada. Coloquei a mão. Era recente.

— Anna! — Sem resposta.

Estalei a língua. Sem o mestre aqui, não poderíamos saber se ocorresse uma invasão surpresa. No entanto era impossível; coloquei uma dúzia de servos para observar a entrada.

Se acontecer alguma coisa com Anna, o mestre não me perdoará. Ele nunca me deixará chamá-lo de chefe.

Comecei a correr desesperado, saltei por entre as árvores e, de repente, escutei um estrondo poderoso.

Uma cortina de fumaça subiu próximo de mim e vários galhos e lascas de madeira foram jogados contra minha direção. Uma árvore parecia ter explodido.

Abaixei-me para me proteger e esperei a explosão de poeira e madeira cair, logo me levantei e fui na direção do impacto, saltando por entre os destroços de várias árvores.

— Anna! 

— Estou aqui.

Quando sai de dentro da fumaça, eu vi a Anna sentada no chão acariciando o pelo branco de um coelho.

Mas eu não me atrevi a me mover. O pequeno no colo dela parecia apenas um coelhinho, mas havia uma aura. Uma certa pressão que eu sentia que poderia me engolir.

Mestre...

A única presença que me causou um terror neste nível foi o próprio mestre. Claro, a pressão dele era absurdamente maior. A imagem dele ordenando que o goblin traidor fosse morto ainda assombrava meus pesadelos às vezes.

Aquele coelhinho felpudo, de olhos vermelhos e pelo branquinho, tornou-se algo perigoso.

— Anna, saia de perto dele. Você não pode sentir, mas ele é perigoso.

Olhei profundamente dentro dos seus olhos por um segundo, mas sua expressão me confundiu. Ela apertou os lábios levemente e tentou esconder um sorrisinho, como se não quisesse rir na minha cara.

Mas ela não resistiu.

A sua risada ressoou e meu rosto instantaneamente ficou vermelho.

— Ah! Que droga...! Eu nunca deveria ter vindo aqui para começo de conversa. 

Me virei e tentei fugir. Não sabia onde enfiar minha cara.

— Calma, Gleen — Ela agarrou meu braço. — Agradeço pela preocupação, mas está tudo bem. Ele é inofensivo. 

— Inofensivo? — Eu olhei os arredores.

O coelhinho inofensivo havia destruído completamente o ambiente ao redor. Uma força massiva que talvez fosse mais poderosa que a do goblin campeão e o ogro.

— Estou falando sério. Eu que pedi para ele me mostrar seu poder.

— Ele entende o que a gente diz?

— Sim. Ele entende.

— Ah. Interessante. — Cheguei perto do pequeno, coloquei o meu cajado por trás do pescoço e me agachei. Nunca havia feito essa pose antes, mas estranhamente me sentia confortável. — Hey, guri, me mostra seu poder.

O coelho olhou com seu par de olhos vermelhos. Notei somente agora que o chifre em sua testa havia desaparecido. Ele então virou-se.

Vai me obedecer. Ainda bem.

Foi apenas um pensamento infeliz. Logo depois de se virar, ele chutou uma montanha de terra sobre meu corpo.

Quando disse montanha não era um eufemismo, o desgraçado cobriu meu corpo de terra da cabeça aos pés com apenas uma patada no chão.

— Ah! Seu desgra... — Raramente eu me deixava levar, mas aquele coelhinho merecia uma lição.

— Gleen! Pare de se comportar como um bebê goblin! 

A jovem meia-orc agarrou o coelho no seu colo e levou ao ombro, protegendo-o da minha fúria.

O desgraçadinho ainda colocou uma língua para fora na minha direção. Eu o encarei olho no olho e fiz um gesto demonstrando que eu estava de olho nele.

— E então, o que você veio fazer aqui? — perguntou Anna.

Percebendo sua atenção em mim, rapidamente escondi meus dedos atrás das costas. Expliquei a situação e ela pareceu entender.

— Agora que terminou e viu que está tudo bem, pode voltar aos seus serviços.

— Por que eu sinto que você não gosta de mim?

— Eu não gosto de ninguém que tenha intenções com minhas irmãs, ou você acha que não percebi?

Eu engoli seco e virei na ponta dos pés.

— Estou saindo! Fique de olho no coelho e o mande falar comigo mais tarde. — Eu queria meter o meu pé dali o mais rápido possível.

— Espere. — Ela agarrou meu ombro. Como ela podia ser tão rápida!?

— Diga. — Virei a cabeça um pouco nervoso e vi um sorriso assombroso.

— Minha irmã gosta de você. Não magoe ela. Entendeu? Acene com a cabeça se entendeu. — Eu acenei. — Ótimo! Pode ir.

Soltei um suspiro e sai correndo o mais rápido que minhas pernas permitiam.

 

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