O Meu Caminho Brasileira

Autor(a): Rafael AS

Revisão: Rafael-AS


Volume 1

Capítulo 29: Tentação das chamas

No começo, ia perguntar à Aithne no que deveria me concentrar. Porém, assim que ela colocou as mãos nas minhas costas, senti como...

Era como se começasse a ter consciência de todo meu corpo. Sabia onde estava cada órgão e, aos poucos, descobria a localização até de alguns vasos sanguíneos, se contraindo ritmicamente e entregando um sangue rico e oxigenado aos músculos.

Talvez dizer que sabia disso era errado. Eu era tudo aquilo. Quando percebi, já não me sentia mais sentado na cama, mas flutuando; flutuando por cada órgão, por cada parte do meu corpo, como se fôssemos um só.

Tudo que via em mim estava contaminado por um azul da cor de um oceano profundo. Da sensação flutuante, passei a sentir como se rodasse, lenta e suavemente, como se observasse um redemoinho nascendo naquele oceano. O centro da rotação era um ponto entre o estômago e o abdômen, onde jazia um calor que se espalhava pelo corpo.

Isso era... paz. Uma paz serena e harmoniosa. Respirava profundamente em relaxamento. Via o ar entrando e se espalhando pelos pulmões, enchendo os vasos sanguíneos de um azul ainda mais intenso, que tonificava ainda mais a aura do meu corpo...

Aquela lentidão, porém, começou a se perder. A cada minuto que passava, mais rápido e intenso se tornava o redemoinho. A velocidade trouxe grande instabilidade à harmonia, que foi sendo cada vez mais perdida, até o movimento nem ser o de um redemoinho, mas de agitações caóticas e descompassadas entre si. Algumas partes rodavam, enquanto outras se expandiam e retraíam, e outras nem sequer vibravam.

Notei que o fluxo do fluido azul, que julgava ser mana, estava obstruído em alguns pontos, como uma grande pedra que sufoca o fluir de um rio. Havia alguns desses bloqueios em partes bem remotas, como em alguns dedos ou na pele. Esses não pareciam dificultar muito o fluxo. Porém, no peito...

Nele havia uma massa redonda e pesada. Ela espremia o fluxo do lado esquerdo do corpo, de tal forma que a mana se comprimia e era esguichada ao passar por ela. Por causa disso, a distribuição de mana entre os dois lados do corpo estava muito desigual e turbulenta.

O fluxo de mana continuou a se intensificar contra minha vontade, e a obstrução no peito se fez ainda mais proeminente. Com a distribuição muito desigual de mana, meu lado esquerdo ficou com cada vez menos mana. A sensação era igual à asfixia: uma acidez angustiante pelos membros que gritava para ser resolvida. A dor tomou meu peito por completo.

Comecei a respirar muito, na capacidade máxima dos pulmões, mas era como não tivesse respirado nada. Precisava de mais oxigênio, urgente. A asfixia arranhava meus pulmões e me fazia crer que desmaiaria a qualquer momento.

— A-Aithne... — tentei chamá-la, com uma voz fraca e vacilante.

— Michael? — disse ela com um tom de voz preocupado.

Quase que imediatamente, o fluxo de mana se tornou muito mais lento, e a obstrução no peito se tornou imperceptível. Percebi que, com pouca mana percorrendo o corpo, a massa redonda praticamente não impedia a passagem.

Finalmente conseguia respirar bem, e o fiz em grandes e desesperadas arfadas, suor escorrendo por todo corpo.

— O que aconteceu? — perguntou ela, ainda mais preocupada.

Mesmo com a cabeça rodando e doendo, conseguia imaginar o rosto dela com as sobrancelhas unidas em apreensão e os olhos me encarando com intensidade.

— Tem... um nó no meu peito. 

— Ah... Realmente tinha algo estranho lá — sussurrou ela, desanimada. — Desculpa, estava tentando investigar... Isso doía?

— Sim...

— Que droga... Agora entendo por que o Flamel não conseguia usar feitiços avançados...

Nós dois demos um longo suspiro juntos, mas talvez por razões diferentes. Enquanto eu pensava no trabalho que teria para consertar isso, ela deveria estar revendo algumas memórias antigas com Flamel.

— E como podemos consertar isso? — perguntei-lhe, um pouco abatido.

— Podemos começar agora. Consigo ir lentamente removendo partes da obstrução. Apesar disso, exercício físico ajuda muito também.

— Exercício físico? — falei, estranhando essa informação. — Por quê?

— Um corpo saudável e bem-preparado tem mais energia, capta mais oxigênio e produz mais mana — disse ela, explicando com tanto cuidado como se eu fosse uma criancinha. — Tudo isso ajudaria você a ter mais resistência e força nas meditações, e em tudo, na verdade.

— Isso faz sentido. Até para estudar ajuda. Se não me engano, uma das poucas regiões do cérebro que tem uma forte neuroplasticidade, e que até está associada ao armazenamento de memórias, tem muito mais produção de neurônios se a pessoa fizer exercícios físicos intensos regulares. Acho que é hipocampo o nome.

— Ok, senhor sabichão. — Ela expirou profundamente. — Lamento te informar, mas não tenho ideia do que seja um neurônio ou “neuroprasticidade” — Ela riu. — De qualquer forma, você já está recuperado? Vamos recomeçar? Quero tentar desobstruir um pouco mais...

A verdade era que meu peito ainda doía e minha respiração não estava recuperada. Mas não queria decepcionar a Aithne, então fiz que sim com a cabeça e fechei os olhos.

Após certo tempo, tudo começou de novo.

 

 

— Ah... Ah... — respirava pesado, a camisa encharcada de suor. Estava debruçado sobre a cama, sem forças, com uma ânsia de vômito querendo me levar a um possível desfecho pútrido.

Aithne estava da mesma forma. Recompondo-se, ela limpou o suor da testa com o braço e praguejou:

— Caralho. Controle de mana nunca foi meu forte. Mas se fosse para explodir algo...

Não sabia ao certo se a intenção dela ao dizer aquilo era diminuir a frustração de ainda ter bola entupindo meus canais de mana, ou se queria apenas defender o próprio orgulho. Independente disso...

— Você tem uma boca e tanto, hein?

— Cala a boca — respondeu ela num tom ríspido que mais parecia de encrenqueira de boteco. Era engraçado ver uma nobre falando assim.

De qualquer forma, nossa sessão havia finalmente terminado. Dei um suspiro longo e relaxado, satisfeito por não ter que passar por outra sessão de asfixia. Pelo menos hoje não.

No fim, conseguimos remover um pedacinho minúsculo da desobstrução. Algo em torno de um grãozinho de arroz. Ainda era progresso, mas exageradamente pequeno. Não sabia se deveria ficar feliz ou triste.

— Apesar de tudo — continuou ela —, você até que é bom com controle de mana, não é?

— Não tenho ideia.

— Hum. — O tom dela foi seco e rápido, como se, além de frustrada, estivesse desinteressada em dar longas explicações depois do esforço.

— Obrigado, Aithne — disse-lhe, com um pequeno sorriso, tentando animá-la. Ela merecia ao menos um pouco de gratidão.

Não recebi uma resposta dela, e aproveitei do silêncio momentâneo para descansar um pouco. Fechei os olhos e relaxei por alguns minutos, até começar a estranhar a quietude dela.

Encarei-a e a vi sentada de pernas cruzadas e olhos fechados. Um vapor laranja misturado com vermelho circundava seu corpo, sem nenhuma das cores se fundirem, mas constantemente se revezarem. Um calor irradiava dela e chegava no meu corpo; até o ar se tornava mais quente e seco.

Da face concentrada dela, um sorriso estranhamente tranquilo se abriu, como se estivesse em casa, de volta ao lugar em que pertencia. A mana que a circundava parecia ser tão viva quanto a feição dela, com o mesmo calor das frases carinhosas recheadas por palavrões que costumava praguejar. Afinal, o calor que conforta também pode queimar...

Naquele estado de meditação dela, Aithne aparentava ser uma só com o fogo. A forma como se sentava e meditava me lembrava a de um monge que se dedica a ser um com a natureza.

— Vem cá — pronunciou ela. As palavras que saíram de sua garganta fizeram um vento abafado e suave abraçar minha face, como uma brisa de verão. — Vou te mostrar o que é mana elemental.

Queria lhe perguntar se realmente já poderíamos treinar, uma vez que ainda estava me recuperando da sessão anterior. Mas...

Sem perceber, meus olhos a fitavam repletos de brilho e vida, como uma criança que vê um truque de mágica pela primeira vez. Aquilo era, de fato, mágico. Surreal. Fantasioso. Muito além do que um feitiço ou uma runa poderia prometer. Aquilo era... Lindo e majestoso.

Nada lhe perguntei, apenas me aproximei dela. Aithne pediu que me virasse, e assim o fiz. Ela colocou as mãos nas minhas costas, e...

Delas soprou uma onda calorosa, quente talvez até demais, que invadiu minha coluna como se a pertencesse. A energia se espalhou lentamente por todo meu corpo, indo do pescoço à cabeça, da barriga aos pés...

Cada poro da pele vibrava com aquela energia, se abrindo e começando a suar. Cada músculo se relaxava e se revigorava...

Não era como se meu corpo descansasse com o relaxamento, mas como se permitisse aguardar para, assim que precisasse, se abrir forte e explosivo como um vulcão, com forças nunca antes vistas. Sentia-me como um gás que, embora tranquilo, bastaria uma faísca para explodir em fogo ardente.

Com o tempo, parei de sentir as mãos dela. Pareciam ter se dissolvido dentro da energia que me envolvia.

Tal como o fluxo de mana mais cedo, a corrente da mana de fogo começou a mudar dentro de mim. Tornou-se uma tranquila espiral de fogo. Era como se chamas circundassem com suavidade pelo meu ser, sempre entorno daquela região no abdômen.

Igual antes, não conseguia mais me sentir sentado na cama. Como se meu corpo estivesse descolado de mim, passei a rodar junto das chamas, a ser elas. Sentir assim com o fogo era bem mais magnífico e indescritível do que com mana pura. Era, afinal, uma força da natureza que me invadia, maior que eu, me revitalizando por completo.

Ao mesmo tempo, sentia meus membros se aquecendo crescentemente. Suor transpirava intensamente por todos os poros possíveis, tentando expelir um calor que irradiava de cada fibra do corpo. Minha pele ardia, vermelha e ardente.

O estado de entorpecimento era tamanho que tudo se fez difuso e impreciso; sentia tudo e nada sentia. Minha mente meramente registrava tudo, quase sonâmbula.

Daquele estado tão puro e harmonioso das chamas, porém, algo aconteceu; uma memória me invadiu com violência.

Vi-me sangrando com a cabeça contra a parede. Cyle estava à minha frente, me encarando com um rosto distorcido repleto de ódio e desprezo. Ele carregava um soco, prestes a me matar. Seria o fim da minha vida, que terminaria esmagada contra o concreto.

Lembrava-me como, até aquele momento, tristeza e descrença me consumiam. Não entendia como isso foi acontecer, como alguém poderia ser tão violento em público. Estava assustado e com medo. Nunca me metia em nenhuma briga, sempre evitando confusão. Mas naquele momento, encarando-o face a face, não podia escapar, e minha vida corria risco...

Foi uma fagulha. Uma pequena fagulha, mas que incinerou toda a raiva adormecida em meu peito. Encarei-o com ódio, raiva, vontade de viver, de revidar, de sobreviver. Aquele sentimento ferveu em todo meu corpo, tanto antes quanto agora. 

Enquanto mergulhava naquela memória, o harmonioso fogo que rodava ao meu redor se desestabilizou; passou a vibrar explosivamente, como se quisesse se expandir e sentenciar o mundo às chamas e à destruição. Não havia mais ordem, mas desejo de crescer, se alastrar, de consumir e de tudo queimar.

A amargura enchia meus pulmões com um gosto ácido, e a cada respiração mais ela alimentava o fogo em mim, como se fosse gasolina alimentando a fogueira. 

A sensação latejante queimando meu peito passou a ser também física. Sentia a carne entre minhas costelas fervendo por dentro, uma dor agonizante que me fez ranger os dentes e soltar um gemido rouco e áspero, direto do fundo da garganta em chamas.

— O que foi? — A voz dela se fez preocupada.

A pergunta dela não mudou em nada, e nem conseguiria responder. A dor apenas aumentava. Talvez o fogo fosse consumir o mundo, talvez pudesse envolver Cyle e dar-lhe uma morte lenta, dolorosa e cruel, que nenhum grito por socorro impediria sua carne de ser assada viva. No entanto, a quem o fogo se dirigia primeiro era a mim, corroendo-me por dentro, comendo cada tecido do meu peito.

— Meu Deus! — gritou ela, embora não conseguisse escutá-la bem. Minha consciência estava distante, envolta num crepitar flamejante muito mais barulhento que suas palavras. — Eu vou... — Já não podia ouvi-la mais...

As chamas abraçaram e envolveram minha mente. Perdi-me nelas tão profundamente que, quando abri os olhos, vi apenas um mundo de fogo.

Olhei para os arredores, mas tudo estava em brasas, como se fosse o próprio inferno. O espaço aberto era muito maior do que o quarto em que estava há segundos atrás.

Naquele lugar, era impossível ver do que o chão ou o teto eram feitos. Havia apenas fogo e um crepitar ensurdecedor aos ouvidos. Um calor me invadia com tal vigor que, embora não doesse, me dava uma agonizante sensação de que a pele se derretia como líquido. Queria abrir à força meu peito para arrancar de mim todo calor.

Não gosta do fogo, querido? — Ressoou uma voz feminina por detrás de mim, cantada de forma tão afinada e melódica que parecia um coral de violinos.

Antes que pudesse me virar, um par de mãos suaves tamparam meus olhos. Delas se emanou um calor muito mais intenso que o da Aithne, mas muito mais reconfortante e simpático que aquele inferno.

A energia das mãos dela invadiu e percorreu minha cabeça com tal leveza que fiquei sem reação. Era como se me segurasse nos braços, com uma brisa tão refrescante me acariciando...

Quando as mãos se retiraram da minha face, uma mulher estava diante de mim. Seus cabelos, de um profundo laranja avermelhado, brilhavam com chamas intermitentes. Os olhos, vermelhos como vinho maduro, encaravam os meus, com uma força que parecia poder transformar montanhas em cinzas com o mero desejo.

A pele era alva, avermelhada em incontáveis pontos, inclusive por entre os seios delicados e harmoniosos que pouco eram escondidos pelas chamas. A cintura fina fazia contraposição aos quadris largos, enquanto as pernas, com silhueta lasciva e hipnotizante, desciam até não poderem ser vistas no fogo infernal.

Você quer colocar o mundo em chamas, não quer? — disse ela com um pequeno sorriso. — Quer destruir todas as crueldades e todos os monstros misteriosos e perversos, até sobrar apenas as cinzas? Quer trazer justiça, queimar até os ossos aqueles que seguem o caminho da maldade, como o Cyle? Quer fazer aquele homem pagar por seus pecados contra o menino?

Nenhum pensamento cruzou minha mente, como se a presença dela fosse tão intensa e avassaladora que não havia outra escolha senão venerá-la pelo olhar. Sentia como se meu corpo fosse puxado para ela, como se eu lhe pertencesse. Meus lábios se abriram, prontos para concordar com ela. Era uma ordem maior, maior que eu mesmo.

Não só a moça, mas a proposta também era tudo que mais queria. Ter força e poder. Colocar Cyle de joelhos e fazê-lo se arrepender, sentindo o mesmo desespero que me fez passar. Destruir toda a maldade daquele mundo, sentenciar o mal às cinzas. Era um poder inimaginável e tentador. Se realmente o tivesse, poderia fazer sofrer o homem que torturou o garoto, com muito mais força do que ficar meramente escondido no armário...

— Eu...

No entanto, as memórias de raiva e de vontade de destruição foram permeadas por uma compaixão súbita, escondida no peito. Queria tudo queimar, mas e se acabasse queimando também o que amo? Aquilo que mais queria não era a pura destruição. Mais que caos, queria trazer conforto e paz ao menino torturado. Queria descobrir as dores que atingem a Violette e confortá-la, abraçá-la. Queria trazer sossego à aflita Aithne... Eu...

Se me entregasse às chamas, poderia acabar queimando não só a maldade, do mesmo modo como que em momentos antes o fogo me devorava vivo. Era o que instintivamente sentia. Um poder perigoso. Afinal, ao se queimar uma floresta por raiva das hienas traiçoeiras, se queima também os outros animais...

— Eu... Quero, mas... — Era dilacerante a vontade de me conectar com aquela mulher, de concordar com ela, de aceitá-la. Contudo... — Não, não quero as chamas cegas. — Essas palavras foram as mais difíceis da minha vida. Meu coração batia tão forte que parecia que explodiria a qualquer momento.

Os olhos dela se estreitaram como lâminas prontas para me decepar. O fogo ao redor se tornou mais intenso e robusto, cobrindo-a até os quadris. O novo calor, ainda mais intenso, fez meu sangue começar a borbulhar por dentro. Mesmo que não sentisse dor, vi a pele dos meus dedos vibrando com a ebulição do sangue. Repulsa e nojo recobriram minha boca...

Por entre as chamas, ela caminhou até mim e encostou a mão na minha clavícula. O dedão começou a acariciar o nó do meu pescoço gentilmente, e as chamas ao redor dela se fizeram mais amenas e doces. Meu corpo voltou ao normal. Seu olhar, outrora raivoso, me encarou com um carinho suplicante.

Michael... Você não me quer? Veja, poderia destruir reinos, fazer o mal pagar com o mal. Teria todo poder às suas mãos. Deixe que o fogo lhe envolva. Deixe que ele faça parte de você. Torne-se um comigo.

A volúpia que me atingia era maciça, e em grande medida não conseguia esconder. Ela era um ser maior que tudo que já vi, e suas palavras doces e convidativas, seu corpo harmonioso e perfeito, seus olhos penetrantes e provocantes... Tudo me convidava a mergulhar em fogos desconhecidos, em suspiros ainda mais calorosos e ofegantes...

No entanto, mesmo que meu corpo protestasse contra minha escolha, balancei a cabeça para os lados, negando. Tudo acontecia muito rápido, não sabia quem era ela e nem onde estava, mas de uma coisa tinha certeza: esse não era o meu caminho. Não era isso que queria para minha vida, não importava o quão grandioso soasse.

— D-desculpa, eu... — Minha garganta se recusava tanto a falar tais palavras que me sentia como se tivesse que rasgar meu peito para expressá-las. — N-não é isso que eu quero para mim...

Em vez de ficar mais furiosa, a mulher deu um longo suspiro. O fogo oscilou junto da respiração dela, no mesmo tom contemplativo.

Você é mais difícil do que imaginei...

Olhando-me nos olhos, ela se aproximou ainda mais de mim, a mão dela acariciando a base do meu pescoço. Colocou os lábios próximos do meu ouvido e sussurrou:

Ainda nos encontraremos mais vezes, Michael. Estarei te aguardando...

Plantou um beijo logo embaixo da orelha, quente mas suave, como o fogo de uma lareira, distante da tempestade de fogo que me recebeu neste lugar.

Após as palavras dela, o mundo foi se escurecendo até se tornar um breu. Ainda ouvia o farfalhar do fogo, mas cada vez mais distante, até virar um silêncio completo.

Daquele vazio, comecei a ouvir uma voz distante mas familiar:

— Michael...

Não conseguia entender mais que meu nome, e nem identificar bem a voz.

— Michael! Você...

Era da Aithne. Podia sentir o desespero em sua voz. Queria ouvi-la mais, entendê-la... Eu quero...

— Michael! Você está-

— Aithne! — gritei, enquanto me sentava na cama, de volta ao quarto. Estava repleto de suor, a pele vermelha como fogo e com a respiração ofegante.

Meus olhos se conectaram com os dela, apenas para ver que seu rosto estava pálido e assustado. Ela me agarrou e me puxou num abraço apertado. 

— Fiquei tão assustada! Você não respondia, e seu corpo estava fervendo!... Era para você estar morto daquele jeito... Achei que fosse te perder também...

— Aithne...

— Desculpa, desculpa mesmo. Nunca imaginei que... — hesitou ela, deixando as palavras morrerem.

Não sabia bem o que havia ocorrido, mas...

— Está tudo bem, Aithne... Está tudo bem. Estou aqui com você. — Confortá-la era mais importante do que tudo. Teria tempo de sobra no futuro para refletir sobre o que acabou de acontecer.

Após um minuto, ela deixou o abraço ir e me encarou com uma expressão... confusa, cheia de sentimentos diferentes que eu não soube bem como interpretar.

— O que diabos... aconteceu com você?

Discord da Obra



Comentários