One Vision Brasileira

Autor(a): üMobius


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 2: Precisamos Conversar

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— Esse quarto… — disse Kanitsu, arrumando o cabelo e entrando. — Você… dorme aqui? Tá uma zona!

O chique… Quarto, formado por pilhas de comida enlatada, instantânea e várias xícaras já usadas por todo canto. Roupas jogadas aos montes, formando pequenas montanhas que facilmente se tornariam alvo de um escalador. Até no ventilador do teto havia copos de comida.

Diferente do habitual, Kitsuia apenas ficou parado vendo o amigo chutar os copos, para abrir caminho. Seus olhos pesaram, franziu o cenho e caminhou junto a ele, calado.

— Olha... — Suspirou pesado, virando de costas. — Precisamos conversar. Vamos sair daqui.

— Eu não tô afi-

Bam!

Seco e abrupto foi a batida contra a parede. Parado contra a parede, o pálido não teve tempo para reagir a nada, sentindo o pescoço sendo apertado pelo braço do amigo, forte o suficiente para prendelo, mas não forte para machuca-lo.

— Não perguntei se você quer. Vamos e pronto.

Levantou a sombrancelha, cético. — Acha que pode vir aqui e me arrancar daqui? — Tentou levantar o braço para sair do aperto, relutou e se debateu, mas nada fez efeito. — Ch! Continua o mesmo de sempre… Se quer tanto conversar, vamos lá pra fora — finalizou, desistindo e abaixando o abraço. 

— Serei breve, prometo. — Parou de prensa-lo contra a parede. — Aonde quer ir?

— Em uma cafeteria aqui perto. Meu café acabou e preciso de mais.

Kanitsu repensou em primeiro momento como abordou o amigo. Por mais que nesse momento realmente estivesse extremamente nervoso, não poderia envolver outras pessoas e, mesmo se quisesse, a chance de dar errado era muito alta. No final das contas, concordou. Afinal, sabia também o porquê daquele acordo ser na cafeteria: o vício do jovem em café.

“Ele nunca parou, não é?”, pensou, amarrando o cabelo para trás com um pequeno cordão.

Então, o garoto pegou novamente o costumeiro moletom preto, colocando o capuz. Deu alguns tapinhas no próprio peito para tirar a poeira e pulou da sacada, esperando que o laranjinha tivesse a mesma ação. 

— Não vai descer?

Hah… — Sua resposta foi apenas um suspiro longo e pesado, mas também acabou cedendo e desceu. — Vou na frente, se voltar pra lá eu te mato.

Enquanto andavam pelas ruas, Kanitsu notou que Kitsuia evitava constantemente olhar para ele e também para os lados, apenas olhando para baixo.

 

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Logo assim que chegaram, uma atendente conversou rápido entre os dois e os guiou para a mesa vazia ao fundo do estabelecimento.

A cafeteria se prendia ao modelo rústico e simples, não sendo muito chamativa, mas se tornou agradável aos olhos de todos os moradores, e Kitsuia não era exceção. Por ser perto, sempre passava às vezes para comprar um pequeno pacote com grãos de café, sempre de torra média.

Com o tempo, as atendentes já sabiam onde o jovem sempre sentava e como gostava do ponto do café: sempre quente ou quase morno. Em dias de frio, durante a madrugada, sendo frequente vê-lo por lá, mas não por muito tempo. 

Já que mesmo aparecendo às vezes, a frequência das visitas diminuiu e muito. Certa vez uma garçonete ensinou ele a moer o café de maneira mais prática e eficaz. Curioso como é, prestou atenção aos detalhes e anotou.

Desde então aprendeu a moer o próprio café, diminuindo as visitas noturnas drasticamente, tornando-se quase nulas.

— Olá, o que vão pedir hoje? — Observando os dois, sorriu para ambos.— Temos um prato com Baozi com alguns acompanhamentos 

Kanitsu levantou o dedo indicador até a altura de seu ombro. — Traga para mim apenas uma xícara de café, por favor. E você, Kitsuia, vai querer alguma coisa?

Se espreguiçou por alguns instantes e disse em tom suave e preguiçoso. — Apenas o Baozi e o de sempre.

— Ok! Trarei seus pedidos em alguns minutinhos. Aproveitem bastante! E… fico feliz de vê-lo por aqui, senhor. — Anotou o pedido, saindo logo em seguida.

Oh… Então ele já deu as caras por aqui.”

Eles andaram até aquele local, mas nem tinham reparado o céu nublado, e logo começou a chover. "Droga… Está chovendo e eu deixei a porta da sacada aberta…" Algo que fora de crivado na alma por sua avó — na base do tapa —, sempre manter o quarto organizado. 

Entretanto nunca conseguia lembrar disso, mas sempre se arrepiava só de pensar no sermão que iria ganhar se chegasse em casa com aquele quarto todo molhado pela chuva.

— Podemos conversar agora? — disse o laranjinha, pondo as mãos firmes sobre a mesa.

— Sobre o que quer falar? Já vou avisando que eu pago pelo meu Baozi — disse o pálido, mas ao colocar a mão no bolso, percebeu que algo faltava. — Retiro tudo que disse.

— Não é sobre isso que eu quero falar! Me refiro a Taisuru.

Kitsuia não nunca demonstrou reações exageradas com certa frequência, mas ao ouvir aquele nome sendo proferido, seu rosto estampava certa raiva e desgosto.

O nome Taisuru Akushon vem de um colégio renomado em Tóquio. Todos o conhecem e sabem da sua capacidade de capacitação de jovens. Esse colégio é conhecido no mundo como “gerador de talentos”, pois boa parte das pessoas famosas que se aventuram por portais já passaram por lá.

Ainda cético, mas com a voz pesada. — Hah.. Esse mesmo assunto de novo? Já disse, não vou para essa maldita escola só porque você quer. Tira essa ideia maluca da cabeça.

Até que a atendente chegou com os pedidos, deixando cada um com seu respectivo cliente. Contudo, na xícara do Kitsuia veio um desenho feito na espuma, em forma de floco de neve.

— Vai ser bom pra você, seu desenvolvimento precisa aparecer. Está com medo do despertar? Sua avó lhe colocou lá, deveria ser grato por estudar na maior escola de Tóquio.

Mesmo com as palavras que saiam da boca do melhor, para ele soou como uma pequena afronta, o garoto virou o rosto e disse com firmeza:

— Não, eu não vou. Medo do despertar!? Pfff! — debochou. —Você sabe muito bem o que aconteceu há um ano… — Sabia muito bem da fama imposta ao colégio e que seria perfeito a qualquer jovens, porém. — Não.

Kanitsu o conhecia melhor do que ninguém. Sabia o motivo pelo qual se recusava tanto para sair de casa e ir se aventurar no novo colégio, mas mesmo assim, o desejo de tê-lo por perto não cessou.

— Você precisa ir. Querendo ou não — disse com firmeza, tomando um pouco do café. — Ela não é qualquer escola.

Sabendo do renome do lugar, não gostava nenhum pouco da ideia de ir parar nele, para ele, era como se estivesse sendo preso em uma gaiola com um bando de pessoas que não o conheciam — essa era a desculpa dele. Mesmo demonstrando certa resistência, não negou que era uma oportunidade única. Afinal a taxa de aceitação na Taisuru é quase nula. Muitos já desistiram antes mesmo de tentar a vaga.

As 999 mensagens eram dele, Kanitsu, que tentava chamar seu amigo para conversar e tentar um acordo, afinal não pretendia ir sozinho. Só que não era apenas esse o motivo..

Dias e dias tentando e nada da resposta, chegou até perguntar para a avó do garoto, mas a resposta nunca veio. O garoto se isolou tanto ao ponto da comunicação ser impossível. Dias como esse, vendo o na rua, eram raros ao extremo.

Surpreso por ter saído daquele quarto por algumas vezes, o laranjinha entendeu na hora porque quis vir aqui. O único lugar onde se sentiu confortável para entrar sem desistir na entrada, por isso começou a mudar a abordagem. Se existia algum lugar que quisesse ir, tornaria mais fácil convencê-lo.

"Não é que eu não queira…"

Sentimentos podem ser expressados de diversas formas pelos humanos, e o Kanitsu conhecia ele como a palma de sua mão e sentia que seu amigo desconfortável, então decidiu recuar por um tempo, até que se acalmasse. Se continuasse resistindo a proposta, poderia ficar com raiva e se trancaria novamente.

E, então, mudando a abordagem. — Olha… Eu não queria te pressionar assim, só pensei que seria bom pra você esquecer um pouco do passado. — Desviou o olhar.— Eu, você e a Hapura sempre estivemos juntos pra tudo nessa vida, dessa vez temos novamente a oportunidade de ficarmos juntos e você diz que… não vai? Depois de um ano separados, você quer mesmo colocar essa parede de gelo entre a gente… Obviamente não deixaremos de sermos amigos, mas…

Com toda essa exposição, Kitsuia se sentiu horrível por dentro, sentindo um aperto no peito. 

Ouvir esse discurso fez amolecer um pouco a decisão tão firme de nunca mais frequentar uma escola. Todos os seus sentimentos gritavam que ele deveria ir. Que deveria deixar passado, no passado, e seguir em frente, mas ao mesmo tempo a insegurança tomou conta. Circundando em linhas de raciocínio, deveria se entregar ao medo ou sair desse poço de covardia.

Sua garganta travou.

“Você não sabe quantas vezes já fiz isso... Você não sabe quantas vezes retornei para aquele lugar. Quantas vezes revi aquele lugar... Mas não importa o quanto eu chore, tudo ainda parece pouco.”

Estando a centímetros de tomar uma decisão difícil, para muitos poderia parecer algo desimportante, e realmente seria, se não estivesse em jogo consequências do passado amargo do garoto… O acidente de anos atrás enraizou muito fundo na alma dele, por consequência essa era a corrente que o segurava por tanto tempo desde o ocorrido, ficando dias sem sair de casa e preferindo viver a vida virando noites e noites assistindo filmes ou jogando. Resultando na aparência pálida e o ínfimo corpo.

Kitsuia se levantou da cadeira e disparou tão rápido quanto um trem em movimento para a porta, ele não queria decidir a resposta naquele momento; estava tentando fugir novamente. 

Entretanto algo pesou no moletom, carregado de firmeza e determinação de que não iria deixá-lo sair novamente como se aquele problema não existisse, o derrubando no chão. E então…

O primeiro soco foi dado. O impacto sendo tão forte que chamou a atenção das únicas pessoas na cafeteria: as garçonetes. Estáticas, sem reação.

Respiração ofegante e pesada, saindo fumaça da boca de tão intenso. Sentado acima dele, Kanitsu com punho cerrado preparando outro soco, e assim o fez por diversas vezes com a mesma mão.

Kitsuia apenas ficou parado recebendo socos intensos. Sabia como o amigo se sentira, mas…

— POR QUÊ? — A voz antes calma, se tornou agressiva e falha, lágrimas começaram a transbordar em seus olhos. — Por que meu amigo está tão diferente…? Me diga! — Outro soco veio. — Você mudou totalmente e agora quer que eu desista de você, é isso que você quer? — finalizou, o debatendo contra o chão.

— Você… Você acha que eu não sei que tô diferente? Fiquei tanto tempo sozinho... Não sei mais agir como antigamente… — A raiva apareceu. — E por que você age como se meus sentimentos não fossem importantes? Eu passei por tudo aquilo sozinho! Faz ideia do quanto eu sacrifiquei naquele dia só para estar com esse maldito sorriso falso? Não, não sabe… É por isso que nunca vai entender…

Kanitsu travou quando ouviu, até tentou dizer algo, mas saiu apenas duas sílabas seguidos da expressão de tristeza com as lágrimas caindo sobre o moletom preto.

— Eu me tranquei… por vocês. — Surpreso, a respiração do laranjinha pulsou. — Eu não… aguentaria olhar para seus rostos de quem amo tanto do jeito que estou…

Todo o peso preso em sua garganta começou a transbordar, entalando cada centímetro e centímetros que poderia sair pelos cantos.

Palavras machucam mais do que um punho cerrado. Queria dizer tanto a ele, mes vê-lo chorando e tentando entender, o que se passava em sua cabeça não permitia.

Na verdade, não queria deixá-lo entender, afinal não importava quantas vezes ele lavava as mãos ou limpava os olhos, aquela cena sempre se repetia em sua cabeça. Assim como a chuva lá fora caia devagar preenchendo cada rua com seu barulho, as pessoas sempre buscam se proteger da chuva, por medo de se molhar com ela.

Mas o que fazer quando o coração transborda tristeza? Se fosse possível arrancar o próprio coração para não sentir mais nada; arrancaria sem nem pensar duas vezes. Como poderia esquecer algo tão profundo na alma? Esquecer não era o problema.

Nunca esquecemos o que queremos esquecer.

E por esse motivo queria tanto contar seus sentimentos mais profundos naquele momento. Mas como fazer isso se seu coração sangrava? Diferente de tudo já existente, os sentimentos sempre foram o mais complexo em toda existência… Afinal, Kitsuia é humano como todos.

— Aposta… 

Huh?

— Aposta… Vamos apostar. Se eu vencer, você vem comigo e me conta como se sente. Quero te arrancar desse lamaçal de incerteza.

Por um breve momento, levantou o canto do lábio um pouco, engolindo em seco. — Huh? Sabe que nunca perdi uma aposta nossa, não é?

Haha… Então essa será a primeira — disse, se levantando e erguendo a mão direita para levantar Kitsuia. — Você vai por duas semanas comigo sem reclamar. — Limpou as lágrimas do rosto com a outra. — E se mesmo assim você quiser ir, perderá a aposta.

Ainda confuso com a situação toda, ponderou por um momento. Deveria ir? Ainda são tantas incertezas, mas…

— Não faça me arrepender disso, idiota. — Finalmente, aceitando ser levantado. 

— Hehe. Até porque, se você não fosse amanhã, a Hapura iria te matar, haha!

Por fim, sentiu o frio subindo por todo corpo. — Não me lembra disso, por favor. Eu vou com você.

 

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