Volume 1

Capítulo 7: Luva Branca

O fim do semestre estava chegando e as festas de cada série já haviam começado. Eles não economizaram nem com a dos novatos, fiquei sem palavras ao ver os luxuosos pratos que cobriam as mesas de um dos maiores salões de festa da academia.

As duas turmas participavam juntas, então, mesmo com fossem apenas os novatos, o lugar estava cheio. Raymond, Daniel e eu conversávamos com os garotos que vinham de situações parecidas com a nossa. Os homens estavam em seus uniformes, mas a maioria das garotas usavam vestidos sexys com seus escravos demi-humanos seguindo logo atrás. A gente se esforçava ao máximo para tentar não ficar com os olhos grudados nos decotes das mulheres.

— Acho que esse é um F-cup1...Tosse, quero dizer, a comida aqui é incrível, não é? — Voltei meu olhar para a mesa onde Daniel atacava um prato cheio de carne.

— É a minha primeira vez em uma festa tão grande. — Ele comentou entre as mordidas. — A academia é mesmo incrível!

— Daniel, não fala com a boca cheia. — Raymond estava incomodado com o nosso amigo. — Mas é mesmo difícil acreditar que eles consigam preparam festas tão grandes para cada ano. A capital realmente tem muito poder. Barões do interior como nós não chegam nem aos seus pés.

Isso era verdade — e o objetivo deles era esfregar esse fato na nossa cara. Luxion havia comentado sobre o assunto uma vez, a academia fazia essas festas para mostrar aos nobres do interior a riqueza e o poder da capital. Até mesmo os riquinhos mimados deviam ficar impressionados ao vê-la ostentar daquela forma.

Daniel observava os outros convidados. — A maioria das garotas da turma normal também estão de vestidos. Quase nem uma veio de uniforme.

Raymond levantou os óculos. Seus olhos estavam grudados em uma garota magrinha que era bem do tipo dele. O cara era mesmo um pervertido no armário.

— O preço de um vestido pode variar muito. Pelo que me disseram, é possível encontrar alguns por mais ou menos dois mil dhias.

Duzentos mil ienes2 por um vestido?! Era para isso ser barato?

Foi então que, Marie, o centro de todos rumores que circulavam na academia, fez sua aparição... usando o uniforme da academia. Sussurros começaram por todos os lados no momento da sua entrada. Bem, graças a ela, ninguém ligou para a estudante bolsista, Olivia, que também estava com o uniforme.

“Que estranho, a filha de um visconde deveria ter dinheiro suficiente para comprar um vestido”. Fiquei observando a Marie caminhando em direção ao grupo do príncipe enquanto pensava nisso. Um sorriso caloroso se formou no rosto dos cinco maiores nobres da academia ao cumprimentá-la, embora Julius tenha ficado chocado quando percebeu o que ela vestia.

— Porque você não está usando um vestido? — perguntou o príncipe.

— É-é que... eu não tenho dinheiro para comprar um. — Marie respondeu envergonhada, sem dúvidas de que agia assim apenas para agradá-los.

Os cinco falaram quase ao mesmo tempo: — Se você tivesse falado isso antes...

— Ver um uniforme em meio a tantos vestidos passa uma sensação refrescante e única. — Jilk falou com um sorriso. — Mas, caso queira, posso providenciar um para a próxima festa. Conheço uma loja ótima aqui na capital, tenho certeza de que eles possuem algo perfeito para você.

— N-não precisa, não posso aceitar algo tão caro. — Marie tentou recusar sacudindo a cabeça para os lados.

A forma modesta com que ela respondeu apenas alimentou a empolgação dos garotos, fazendo os cinco insistirem ainda mais em ajudar, como se estivessem competindo pela sua afeição.

Não que isso importassem para mim. Figurantes tinham uma única missão naquele lugar: conseguir uma parceira. A festa era uma ótima oportunidade para isso. Os veteranos falaram que não era incomum ver casais se formando em eventos assim.

— Muito bem, vocês dois estão prontos? — perguntei enquanto olhava para os meus amigos.

Daniel colocou seu prato na mesa. — Claro, já comi o suficiente.

Raymond arrumou seus óculos. — Temos que dar o nosso melhor está noite.

— Olha! Têm três garotas conversando bem ali! Talvez a gente tenha sorte.

Então fomos em direção a batalha. Nosso objetivo? Chegar em qualquer garota que estivesse disponível. O clima da festa devia ter deixado elas de bom humor. Talvez uma delas abaixasse seus padrões o suficiente para aceitar o pedido de casamento de um de nós. Na situação que estávamos, a gente nem ligava se a garota já tivesse um amante.

— É o que? Já se olhou no espelho?

— A sua casa fica aonde? Não estou interessada.

— Caipiras como você devem procurar por garotas que saíram do mesmo fim de mundo. Meu noivo tem que ser, no mínimo, alguém com o ranque de visconde. E você ainda vem de uma região fronteiriça?... É melhor parar de se iludir.

— Esses garotos desesperados são mesmo nojentos. Não percebe o quão desagradáveis vocês são?

— Busco um homem que tenha mais recursos, então nem fala comigo.

— Você não chega nem aos pés do príncipe ou daqueles próximos a ele.

Até os seus servos, seus amantes demi-humanos, riam de nós. Eles sabiam que não podíamos tocar neles, já que, se um homem humano atacasse o escravo de uma mulher, uma investigação severa iria ocorrer para encontrar e punir o culpado, por isso agiam dessa forma.

— E-espera, só escuta a gente um pou...

Uma das garotas levantou a bochecha sinalizando para o seu servo. Um demi-humano do tamanho de um armário veio jogando a gente para longe. Elas começaram a rir quando nos viram jogados no chão. Alguns garotos fizeram o mesmo enquanto outros apenas enviavam olhares empáticos.

— Saiam daqui — falou a dona do demi-humano enquanto suas amigas riam. — E tentem estar um pouco mais apresentáveis na próxima festa. Espera, talvez já seja muito tarde para vocês. A única coisa que lhes resta é rezar para que tenham mais sorte em outra vida. Bem, até mais, seus caipiras.

***

— Vai a merda! — gritou Daniel enquanto saiamos do salão. — Como essas garotas podem ser tão convencidas?!

Raymond se jogou em um banco, abraçou os joelhos e começou a olhar para o céu noturno. — Ela basicamente falou para a gente morrer e tentar de novo... Fizemos alguma coisa para merecer isso?

Essa tinha doido em mim também, e, para piorar, aquela já era a minha segunda vida.  Não era legal ouvir que ainda precisava de outra.

O som da música acompanhada por risadas alegres saia do salão de festa. Nós três fugimos daquela situação humilhante enquanto as mulheres da turma avançada e seus servos riam. As garotas da normal olhavam para a gente com pena ou simplesmente evitavam encontrar os nossos olhos.

“Que patético...”

— Eu já ‘tô cansado de tudo isso. — Acabei deixando essas palavras escaparem.

Daniel queria dizer alguma coisa, mas fechou a boca e olhou para o lado. Raymond também ficou em silêncio. Como herdeiros de baronatos, nós tínhamos que nos casar com uma dessas senhoritas nobres. Como futuros representantes de nossas casas, deveríamos ter uma esposa com a posição tão alta quanto a nossa. Caso contrário, os outros aristocratas começariam a se afastar, dizendo coisas como: “Tem algo de errado com aquele território. ”

Meu pai teve que se casar com a Zola porque os riscos de não o fazer superavam em muito o sofrimento que ele passaria. Quem falhava em seguir os costumes, seria chamado de bárbaro pelos outros nobres. E, com a sociedade o excluindo, as regiões vizinhas ao seu território teriam a desculpa perfeita para invadi-lo em uma guerra. Esse tipo de perigo alimentavam o medo e o desespero dos meninos na academia, o que acabou resultando na situação que estávamos.

Eu e o Daniel sentamos ao lado do Raymond e começamos a olhar para o céu.

— Tenho me sentido meio mal só de pensar em mulheres nos últimos tempos — confessou Daniel.

— Entendo como você se sente. — disse Raymond. — Se não conseguimos uma noiva antes da formatura, vamos ser considerados a escória da sociedade. Mulheres não tem que enfrentar esse tipo de pressão.

Não era como se todas as garotas da academia fossem ruins, contudo, proporcionalmente, a maioria ainda era. Devia ser por isso que tantos homens odiavam seus dias como estudante.  

— Quando me contaram que alguns caras ficam tão enojados de mulheres que decidem ir atrás de outros homens, eu só ri da ideia. — Eu disse, me lembrando do que o Lucle havia contado. — Isso foi no começo do semestre, não faz nem seis meses, e já não vejo mais nenhuma graça nisso.

Daniel e o Raymond concordaram com a cabeça. A pior parte era que algumas mulheres também gostavam de objetificar os romances entre homens, assim como a minha irmã. Aquele mundo já estava perdido.

Um novato entrava na academia →As garotas eram tão cruéis que ele começava a odiá-las →Se relacionava com outros homens para conseguir ter o mínimo de afeição em sua vida →As fujoshis faziam a festa.

Esse era o ciclo que se repetia todos os anos. Uma verdadeira espiral de podridão3... foi mal, tinha ficado mais legal na minha cabeça. Tive que pensar em outra coisa já que cadeia de podridão4 não se encaixa nessa situação. Mas espera, será que dá para usá-la?

Ficamos em silêncio por um tempo, até que percebi que não havia mais musica vindo do salão. Olhei para o meu relógio de bolso e confirmei que ainda não hora da festa acabar. Talvez a banda estivesse fazendo uma pausa — no entanto, as risadas também tinham parado. Quando me concentrei um pouco, pude ouvir alguém... gritando?

— Ei, não parece que tem alguma coisa estranha acontecendo? — perguntei.

Raymond olhou para o salão. — Agora que você falou, parece que ‘tá tendo uma briga.

— Querem ver o que aconteceu? — O Daniel levantou. — A gente nem tem que entrar, é só dar uma espiadinha pelas janelas.

Reymond hesitou. — Acho melhor evitar passar ainda mais vergonha. Se alguém ver, a gente vai virar motivo de piada... Bem, mesmo falando isso, eu também ‘tô bastante curioso para saber o que aconteceu.

Enquanto tentávamos descobrir a melhor forma de saciar nossa curiosidade, uma garota saiu apressada pela porta do salão. Ela olhou para todos os lados e veio correndo quando viu onde estávamos. Percebi que a menina usava o uniforme da academia, porém, só notei que era a Olivia quando chegou bem perto.

— Leon! Isso é ruim!

***

Quando retornei ao salão de festa percebi que o clima do lugar estava tenso. Os nobres recuaram para perto das paredes, tentando se afastar ao máximo da confusão que se desenrolava no meio.

— O que diabos aconteceu? — perguntei a Olivia.

— Começou com uma pequena discussão, mas...

Marie se escondia atrás dos cinco personagens namoráveis. Havia alguém novo ao seu lado, um servo elfo de cabelos loiros e olhos azuis. Pelo visto, o Kyle tinha decidido aparecer.

Angelica estava na frente deles, gritando com uma voz vacilante que mostrava sua angustia. — Porque não me escuta?! Eu... Tudo o que fiz foi pelo bem da Sua Alteza!

O príncipe a encarava com frieza. — Não consigo ficar ouvindo suas desculpas. Simples assim.

— Espera! Você sabe exatamente o tipo de garota que ela é. Então porque ainda a aceita?!

Olivia sussurrou para mim. — É... A Angelica viu a Marie segurando as mãos de um garoto que não era o príncipe e ficou furiosa. Então ele falou que não via motivo para se estressar com aquilo.

“Então ele não se importa em ver a Marie dando em cima de outros caras? Esse príncipe tem mesmo a mente aberta, não é? Eu com certeza ficaria irritado se algo parecido acontecesse comigo.”

Marie, ainda em seu uniforme, se escondia atrás do príncipe. Ela fazia bem o papel de princesinha indefesa, devia ser por isso que aqueles cinco queriam tanto protegê-la. Por outro lado, a Angelica parecia brilhar ainda mais maquiada naquele vestido vermelho.

O contraste entre as duas era evidente. E enquanto a Marie tinha cinco homens de altíssima classe e um escravo ao seu lado, a Angelica não tinha ninguém.

Brad deu um passo à frente. — É patético ver o estado que a filha dos Redgrave chegou. Apenas olhe ao redor. Nem uma única pessoa aprova o que você está fazendo.

Angelica olhou por todo o salão. Seus seguidores, que sempre aproveitaram os benefícios de estarem aliados a filha de um duque, desviaram o olhar. Contudo, os alunos que já não gostavam dela não se seguraram, eles sorriam de orelha a orelha enquanto assistiam.   

— Você por acaso sabe o que essa mulher fez? — questionou Angelica, irritada. — Não foi com apenas um. Ela...

— Nós já sabemos — declarou Chris Fia Arclight, o garoto com o cabelo azul claro.

?! — A filha do duque não conseguiu esconder sua surpresa.

Chris olhou para trás, onde a Marie se encolhia de medo, e sorriu. A forma com que ele sempre agia passava a típica imagem de um espadachim sério e rígido, era raro vê-lo demostrar qualquer emoção. As garotas que assistiam a cena pareciam hipnotizadas.

“É porque ele é bonito, não? Tem que ser porque ele é bonito. Sim, com certeza é porque ele é bonito.”

— A Marie me salvou — disse Chris. — Ela sempre esteve lá quando eu precisava desabafar. A única coisa que quero... é poder protegê-la.

Não era qualquer um que conseguia se confessar daquela forma em frete a boa parte da academia. Até eu senti um pouco de respeito ao ver aquilo.

— Pra que tanta enrolação — reclamou Greg. — Só fala de uma vez que gosta dela.

Jilk usou uma mão para cobrir o sorriso em seu rosto. — Vocês têm razão. A Marie é mesmo uma mulher incrível. No entanto, tenho certeza que eu sou aquele que mais a ama.

A Angelica olhou para o príncipe sem conseguir dizer uma palavra.

O Julius parecia incomodado. — Nós podemos ser amigos, Jilk, mas não posso te perdoar por isso. Eu sou aquele que mais ama a Marie.

Assim que ouviram essas palavras, as garotas que observavam a cena começaram a soltar gritinhos agudos por todo o salão.

— Você também ouviu isso?!

— Quero que um deles diga isso para mim!

— Que inveja. Ai ai, melhor me controlar, não quero descer tão baixo quanto aquela filha do duque.

Insultos e risadas podiam ser ouvidos no meio dos gritos. Os olhos de Angelica se voltaram para o chão enquanto ela cerrava os punhos. — Então... Devo entender que a Sua Alteza não planeja terminar com essa farsa quando sairmos da academia?

O príncipe desviou o olhar. — Nunca irei encontrar outra mulher como ela na minha vida. Angelica, eu não te odiava antes de entrarmos na academia, mas nunca irei perdoá-la por continuar tentando machucar a Marie.

Vozes femininas ecoaram por todo salão.

— Ouviu isso? Agora acabou de vez para a filha do duque.

— Ele basicamente acabou com o noivado na frente de todo mundo, não é?

— Ótimo, eu nunca suportei essa garota.

Elas riam e debochavam da Angelica sem medo já que a sua posição tinha sofrido outro grande golpe pelas palavras do Julius.

— Será que é assim que as garota se sente quando veem um harém? — sussurei para mim mesmo. — Dói só de olhar.

— Aconteceu alguma coisa, Leon? — perguntou Olivia, inclinando a cabeça para o lado.

Daniel e Raymond ficaram em choque quando viram o rosto da enfraquecida filha do duque.

— E-ei, mais alguém ‘tá sentindo que vai dar ruim? — perguntou Daniel.

— Sim... — concordou Raymond. — Parece que ela vai pular em cima daquela menina a qualquer momento.

Para mim o rosto da Angelica mostrava outra coisa, ela parecia conformada, como se tivesse desistido de tudo. A luz que uma vez brilhou em seus olhos havia desaparecido, permitindo que a escuridão tomasse o lugar.

De repente, mão dela se moveu, jogando algo em direção a Marie.

Hein? — Marie só olhava, perplexa, enquanto o objeto batia levemente contra seu corpo e caia no chão.

Era uma luva branca.

— Pega logo, sua vagabunda — exigiu Angelica. — Não posso deixar uma bruxa imunda como você continuar seduzindo a Sua Alteza e seus amigos!

— É mesmo — sussurrei. — Quase me esqueci sobre o evento do duelo.

Pegar a luva naquele momento era o mesmo que aceitar uma partida contra a pessoa que a lançou.

Raymond entrou em pânico. — Para de falar essas palavras que a gente não entende, Leon! Você ao menos entende o significado desse duelo?

Quando ele falou isso, eu finalmente me toquei, aquilo não era apenas uma disputa entre a filha de um duque e a de um visconde. Alguém iria representá-las na hora da batalha, e como a Marie estava bem próxima do príncipe, aquele duelo poderia ser visto como uma luta entre o Julius e a Anjelica.

Os homens tinham que lutar por si mesmo durante um duelo, era considerado vergonhoso ter outra pessoa em seu lugar, as mulheres, no entanto, não tinham esse problema. Durante a campanha do jogo, o personagem namorável com o maior nível de afeição se ofereceria para representar a protagonista quando a vilã lançasse a luva branca. Contudo, a forma com que as coisas estavam desenrolando não parava de me passar uma sensação ruim...

— Angelica, você me decepcionou. — A paciência do príncipe havia se esgotado, só era possível ver desprezo no olhar que enviava a sua noiva — Marie, pegue a luva. Você me tem ao seu lado, então não se preocupe. Eu serei o seu representante nesse duelo.

— Não posso permitir que a Sua Alteza fique com toda a glória sozinho. — Jilk entrou na conversa. — As regras da academia não limitam o número de representantes que alguém pode ter em um duelo. Então eu também me ofereço.

Greg socou a palma da própria mão. — Parece interessante, então pode contar comigo. Não importa qual seja o oponente, eu vou vencer!

— É por isso que eu evito retardados que nem você — disse Brad, com um tom irritado. — Dito isso, não posso ignorar aquele “vagabunda” que você falou antes, Angelica. Quando a partida acabar, irei fazê-la se desculpar com a Marie. E acho que nem preciso falar que também vou participar.

Chris cruzou os braços sobre o peito. — Tenho bastante confiança em minhas habilidades com a espada. Servirei como a lâmina da Marie nessa batalha.

Marie enxugou as lagrimas que enchiam seus olhos. — Obrigado, pessoal... Eu ainda estou um pouco assustada, mas ter vocês aqui comigo me enche de confiança. Aceitarei esse duelo, Angelica. Nós iremos te derrotar juntos.

Kyle suspirou surpreso ao ver sua mestra atuando como uma verdadeira heroína. Ele era um personagem que gostava de fazer alguns comentários rudes, mas tinha uma aparência fofa para compensar. — A mestra é mesmo uma tola. Se esqueceu que eu também estou aqui? Farei tudo o que for possível para poder ajudá-la.

Marie sorriu. — Obrigado também, Kyle.

“Pelo visto, eu estava certo.”

— Essa é a rota do harém inverso — falei.

— E lá vai ele, de novo falando merda sozinho — resmungou Daniel. — De qualquer forma, o que será que vai acontecer com a filha do duque agora? Acho que ninguém na academia é louco o suficiente para encarar cinco pessoas de uma vez, muito menos aqueles cinco.

Raymond concordou com a cabeça. — O príncipe sempre tira as melhores notas da turma e os outros também são muito bons. Nenhum garoto vai conseguir lutar contra os cinco. Além disso, dizem que é quase certo que o Chris vai herdar o título de Santo da Espada do seu pai. Não tem como alguém ganhar desse cara.

A maioria dos garotos já não gostavam de lutar, para começo de conversa, e nem aqueles que estavam dispostos iriam querem enfrentar o príncipe. E pior, aquilo não era só um treino — era um duelo real. Até mesmo os seguidores que eram realmente leais a Angelica evitariam ao máximo participar daquilo.

Os olhos da Angelica procuraram por todo o salão, no entanto, nenhum garoto levantou a cabeça.

O Greg decidiu provocar: — Ei, o que é isso pessoal, não tem ninguém bondoso o suficiente para ajudar essa menina aqui? E alguns de vocês costumavam segui-la por todos os lados. Até eu vou sentir pena dela se as coisas continuarem assim. — Ele se voltou para a Angelica. — Foi você que pediu por esse duelo. Não pense em desistir só porque ninguém quer lutar por você.

As pessoas começaram a zombar mais ainda quando a situação da Angelica ficou clara. Alunos eram proibidos de procurar representantes fora da academia. O motivo implícito por traz dessa regra era basicamente: “É um duelo entre crianças, não podemos deixar um adulto interferir.”

No jogo, a Angelica iria se humilhar ainda mais quebrando aquela regra.

As outras garotas nobres foram implacáveis em seus comentários.

— Ei, quem quer apostar no quanto aquela menina vai conseguir se envergonhar?

— Vai acabar com ela indo chorar no colo do papai dela. Não tem como esse duelo funcionar. Ninguém quer representá-la.

— Quem sabe, talvez ela lute por si mesma. Seria muito bom vê-la apanhando até ficar azul.

Quando o semestre começou, essas mesmas garotas nem levantariam a cabeça quando vissem a Angelica. Não conseguia acreditar no quão rápido a atitude delas havia mudado. Devem ter achado que como aquele era o fim do noivado entre os dois, o status social que ela tinha não valeria mais nada. Para essas mulheres, a vida da filha do duque já estava acabada.

“Acho que, no jogo, ela acabou sendo forçada a viver com um cara horroroso no interior.”

Angelica ainda tentava se fazer de durona, contudo, enquanto ela olhava por todos os lados do salão, pude ver que ela estava em pânico.

Nossos olhos se encontraram.

A garota de cabeça quente que nunca pensou nas consequências de suas ações mostrava apenas desespero naquele rosto. Seus olhos imploravam por ajuda, como se soubesse que seria inútil, mas não conseguisse se conter. Depois de alguns segundos, ela virou o olhar para o chão e rangeu os dentes. — Mesmo... se ninguém me representar...

Greg soltou uma risada sarcástica. — Qual é o problema? O que aconteceu com aquele papo de um minuto atrás?

Os outros futuros grandes nobres também olhavam para ela de forma fria. O mais indiferente vinha do príncipe. Estava claro que a antiga relação entre os dois já não valia mais nada para o Julius. — Angelica, espero que tenha se preparado para isso. Foi você que lançou a luva. Não pode voltar atrás agora.

Não sei o porquê, mas acabei dando um passo à frente.

Olivia agarrou o meu braço e olhou um pouco aflita para mim. — É... O que você vai fazer?

“Sério, porque não é você que está lá?”

Naquele momento, a Marie ocupava o lugar que deveria pertencer à Olivia. Não, isso está errado. Aquilo não era apenas “ocupar”; ela roubou o papel da protagonista.

“O que eu vou fazer?”

A resposta para isso já estava clara.

O Daniel também tentou me parar. — Seu idiota. Para que se meter naquilo? Não tem como vencer!

Raymond falou logo após. — A gente já sabe como isso vai terminar. Mesmo que, de alguma forma, você consiga vencer, vai ter milhares de consequências. Esqueceu que o oponente é o príncipe!

Apenas sorri ao ouvir isso. — Bem, sabe... Eu só odeio muito esses caras.

Nunca fui próximo da Angelica. E mesmo simpatizando vendo todo o desprezo que se voltou para ela de uma hora para a outra, eu tinha meus próprios motivos para fazer aquilo.

Empurrei as pessoas para o lado e comecei a atravessar a multidão. Todos voltaram seus olhares para mim.

— Ei, aqui pessoal! Eu me ofereço para ser o representante dela no duelo! — Levantei minha mão casualmente e caminhei para o meio do salão.

Por todos os lados, as pessoas me encaravam como se dissessem: “Esse cara não sabe ler o clima?!”

 Ignorei a todos.

Greg deu uma olhada no meu rosto. — E quem é você?

Pelo visto, aquela era uma pergunta sincera. A minha realidade como figurante era realmente dolorosa.                                                                                                                            

Brad me examinou da cabeça aos pés e então falou num tom de superioridade: — Acho que ouvi histórias sobre um jovem aventureiro que teve grande sucesso em uma viajem. E que depois disso ele saiu de sua casa para se tornar um barão independente. Será que estão falando de você?

Bem, considerando meu status baixo e notas medianas, não era surpresa que não tivessem me notado antes.

— Deixa isso pra lá por enquanto, Angelica, me aceite como o seu representante no duelo. Vai, anda.

Ela estava hesitando. — É-é, hm...

— Vamos lá, só diz que aceita. Não precisa fazer mais nada além disso.

— E-eu lhe reconheço como meu representante — gaguejou Angelica, ainda confusa.

Satisfeito, me virei para o príncipe. — Tudo pronto, então. Eu, Leon Fou Bartfort, serei o representante dela nesse duelo. Meus oponentes serão vocês cinco, não é? Queria confirmar as regras da partida, mas, antes disso, as duas podem deixar mais claro o que está em jogo?

Marie olhava incrédula para mim. Era óbvio que ela nunca pensou que alguém fosse aparecer.

Já fazia algum tempo desde que comecei a observá-la através do Luxion, as informações que coletamos com o tempo só agravaram as minhas suspeitas... porém, depois de ver essa reação, eu tive certeza de que estava certo.

A Marie era como eu — uma forasteira. Alguém que conhecia a história do jogo. Ela também devia ter reencarnado naquele mundo ou ter passado por algo parecido.

Achei que isso significava que a Marie era uma mulher em sua vida antiga, no entanto existiam alguns homens que gostavam de jogos otome. Mas ele teria que se uma pessoa que não se importava em manipular outros caras com o objetivo de construir um harém reverso...

“Sabe, de qualquer jeito, continua uma merda. Mas, se eu tivesse que apostar, diria que é uma garota.”

Me virei para a Angelica. — Bem, porque você decidiu desafiar ela? Seria muito bom se deixasse isso claro.

Ela me encarava como se não acreditasse que eu me joguei no meio daquela confusão. E então, após se recompor. — Só quero uma coisa, que a Marie fique o mais longe possível da Sua Alteza.

Murmúrios podiam ser ouvidos por todos os lados do salão.

— Você ouviu isso?

— Meu Deus! Será que é tudo por causa de ciúmes?

— Que cena triste. Como não conseguiu usar seu charme para reconquistar o coração do príncipe, ela decidiu apelar para a força bruta.

Angelica abaixou a cabeça e começou a ranger os dentes.

Voltei o meu olhar para a Marie. — Ok, agora é você, o que vai querer se vencer esse duelo?

O príncipe entrou na frente da Marie, bloqueando nossa visão dela. — Você está mesmo tão desesperada para nos separar? — disse Julius. — Parece que não entende quem é a verdadeira “bruxa” aqui. Mesmo que consiga fazer isso, eu nunca irei sentir nada por você!

— Eu sei disso — sussurrou Angelica. — Sei muito bem disso, mas tirá-la de perto da Sua Alteza é a última coisa que posso fazer como sua...

Bati uma palma e falei enquanto ignorava os olhares indignados ao meu redor: — Deixa esse papinho sentimental para outra hora. Fala logo, eu não tenho o dia todo, quais são as condições do duelo?

Marie saiu de trás do Julius e encarou a Angelica. — S-se eu ganhar, quero que você nunca faça essas coisas cruéis de novo. Não acho que é certo usar o poder da sua família como uma arma e forçar os outros a te obedecerem.

Aquelas palavras soavam estupidamente familiares. Na verdade, eu tinha quase certeza de que elas deveriam sair da boca da protagonista. A Marie só estava pegando as linhas de diálogo do jogo e repetindo sem mudar nada.

— Tudo bem. Então, se a gente ganhar, o relacionamento entre você e o príncipe vai ter que acabar. E, se perdemos, a Angelica terá que ficar longe de você. Agora, vamos falar sobre como vai ser esse duelo. O que acham de usarmos a arena e lutarmos com nossas Armaduras? É assim que a maioria funciona, não é?

Nunca eram muitos, mas duelos aconteciam todos os anos. Mesmo se fossem por motivos triviais, os garotos sempre ficariam animados para participar pela chance de se mostrarem para possíveis noivas. Normalmente, nós usávamos Armaduras — uma espécie de mecha — já que apenas o fato de possuir uma servia como prova da sua riqueza. Além disso, participando dessas lutas você conseguiria provar o próprio potencial de combate e ainda seria prestigiado, caso saísse vitorioso.

Chris parecia pronto para me cortar a qualquer momento, mesmo que não estivesse com uma espada naquela noite. — Acha mesmo que consegue nos vencer? É melhor desistir se não quiser se machucar. Alguém tão fraco quanto você não vai aguentar nem um minuto contra a gente.

Ele não fazia ideia de quem eu era, então deve ter assumido que era apenas outro daqueles sem nada de especial. Esse cara tinha certeza de que ia me dar uma surra.

— Como é que é? — perguntei. — Porque tem tanta certeza de que sou eu quem vai perder?

As pessoas começaram a rir por todos os lados.

— Ouviram isso?

— Ele acha mesmo que pode vencer! O garoto não conhece o lugar dele.

— Pelo menos esse cara tem talento para fazer as pessoas rirem!

— Que ridículo. Só podia ser um daqueles que virou barão por sorte.

Não eram só garotas zombando de mim agora, os homens tinham se juntado. Bem, até eu entendia o porquê. Aqueles eram os cinco nobres mais talentosos do primeiro ano e quase ninguém podia se comparar a eles em questão de status. Ninguém em sã consciência iria desafiá-los.

Greg começou a se aproximar, quase encostando o rosto dele com o meu. — Agora a pouco, vi alguns caras chegando em um grupo de meninas. Mas o servo de uma delas os mandou voando para longe e os três fugiram com o rabo entre as pernas. Você era um deles, não é?

Claro, esse cuzão já sabia a resposta.

— Você nem ao menos resistiu — destacou Greg. — Se está fazendo isso para aparecer, é melhor que o frangote de meia volta agora e evite ainda mais humilhação.

Agora sim, esse cara sabia como ameaçar alguém de verdade. Bem, isso era o esperado de uma pessoa com tanta experiência em combate.

“Temos que respeitar eles. São um grupo de homens louváveis dando tudo de si para proteger essa pobre garotinha indefesa.”

No entanto, se alguém visse a cena por outro angulo, ele com certeza pensaria que a Angelica era quem estava sendo intimidada.

Sim, um grupo realmente louvável.

Ah, me perdoe, então vamos ter que resolver isso na conversa? — perguntei da forma mais amigável possível. — Você é do tipo que prefere um debate ao invés de uma luta? Que pena, nunca fui bom nisso. Mas não posso me esquecer que foi o nosso lado que demandou o duelo, então, já que insiste, acredito que não tenho outra opção. Iremos usar as palavras neste caso. Vamos resolver isso em um palco com juízes e tudo mais.

Uma veia saltou na cabeça do Greg, ele odiava aqueles que só sabiam lutar com as palvras.

Jilk entrou na conversa. — Vamos usar nossas Armaduras em partidas de um contra um. Porém, temos cinco do nosso lado. Então, se conseguir encontrar mais pessoas que queiram participar até o dia do duelo, você está livre para adicionar até quatro no seu time para lutarmos em condições iguais. E já que as férias de verão estão quase chegando... Eles devem liberam a arena para nós no dia seguinte a cerimônia de encerramento.

Eu acenei com a cabeça, agradecido por ele ter explicado tudo de forma clara. Dito isso, não havia muitos dias sobrando. Seria quase impossível conseguir pessoas o suficiente até o duelo.

— Um contra cinco, né? — falei enquanto coçava o queixo. — Bem, já que vou enfrentar só um de cada vez, não deve ter problema.

Jilk enviou um olhar cético para minha direção. — Você acha mesmo que consegue nos enfrentar? É algo raro nos dias de hoje, mas ainda há duelos que resultam em fatalidades.

Houve um tempo onde os representantes tinham que duelar com suas vidas em jogo, entretanto, na academia, isso acabou se tornando obsoleto. Atualmente, a pessoa só morreria se tivesse muita má sorte.

Ah, não se preocupa, eu vou ficar bem — assegurei a ele. — Mas, se importa em responder uma dúvida minha?

Depois de uma curta pausa, Jilk disse: — O que foi?

— Porque parecem tão confiantes de que vão sair ilesos dessa? Bem, eu acho que sei o motivo... Todo mundo quer parecer legal na frente da garota que amam. Mas não acha muita ingenuidade pensar que não serão vocês aqueles a morrer?

Jilk cerrou os olhos. Era meio perturbador ver alguém que era sempre tão calmo perder a paciência. — Eu ouvi histórias sobre as suas conquistas, mas parece que todos estão te superestimando. Você nem mesmo é capaz de medir a força do seu oponente.

— Já chega, Jilk. — O príncipe Julius interrompeu e olhou para mim. — Você disse que seu nome era Leon? Nós não estamos de brincadeira. Espero que também esteja pronto para isso.

Maria assistia a nossa conversa com uma expressão genuína de confusão. Ela com certeza não esperava que os eventos se desenrolassem dessa forma. Já era meio tarde para entrar em pânico. Para começo de conversa, você não deveria ter provocado a Angelica se quisesse evitar dor de cabeça. E agora, por culpa dessa menina, eu tive que me meter no problema.

“Odeio ser o centro das atenções, sempre fui uma pessoa tímida.”

— Tenha certeza de se despedir da sua namoradinha, Príncipe — provoquei. — E não esqueça, os outros quatros não serão afetados mesmo se o seu time perder. Então esteja pronto para chupar o dedo enquanto assiste seus amigos aproveitando o amor dela sem você por perto.

O olhar do Julius ficou afiado.

“Foi você que concordou com essa condição. Não adianta ficar bravinho comigo agora.”

Por que esse príncipe não se preocupava com o fato de que todos futuros grandes nobres desse reino estavam sendo seduzidos por uma única mulher? E pior ainda, ele começou a agir como se a Angelica não existisse quando eu apareci.

“Seria muito bom se esse idiota percebesse que a noiva dele continua aqui.”


Notas:

1 – É o maior tamanho de sutiã no Japão.

2 – Por volta de 10.000 reais.

3 – A tradução direta de fujoshi (腐女子) é garota podre/corrompida.

4 – “Cadeia de podridão” se refere a ideia de que a filha de uma fujoshi também será uma fujoshi.



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