Paladinos da Noite Brasileira

Autor(a): Seren Vale


Volume 1

Capítulo 22: Sonho

      Johnny olhou para a xícara de chá recém-enchida e, em seguida, para Pandora, que usava um chapéu roxo combinando com seus olhos. O relógio na parede tocou e fez um barulho que incomodou o garoto.

— O que foi? — Pandora disse, enquanto servia mais chá a Sam.

— Eu sinto como se já te conhecesse. — Johnny disse, colocando a xícara de volta à mesa.

— Já ouviu falar em reencarnação? — Pandora sentou-se sobre a poltrona em frente a Sam e Johnny. — Talvez nós nos conhecemos em vidas passadas. — Ela pausou por um momento e olhou a escuridão atrás dos garotos. — Ou talvez me conheça como Morgana.

      O relógio na parede marcava meia-noite, emitindo um som intrigante que preencheu a sala. Da escuridão atrás dos garotos, surgiu Carmila, que os atacou sem hesitação.

— Você me deve essa! — Morgana disse a Carmila.

— Ele está vindo. — Carmila tentou atingir Johnny. — A Lebre Branca virá se eu não conseguir o capturar.

     Morgana, que estava sentada na poltrona até então, observando sua casa ser destruída, levantou-se e foi até Sam, puxando e jogou-o contra a parede.

— O caos em você, algo que me pertence!

— Johnny! — Sam gritou com medo de ser morto pelas garras de Morgana.

— Aguenta ai! — Johnny correu  pelas escadas, perseguido por Carmila. Ele achou uma porta e se trancou lá.

    Johnny retirou o casaco  que faz parte do seu uniforme. Dentro dele havia um bolso, onde guardava uma pistola, a mesma arma que Martin usava. Ao abrir a porta novamente, Johnny se deparou com uma casa totalmente diferente. A luz solar entrava pelas janelas e um cheiro de comida queimada preenchia o ar.

— Johnny! — Uma voz feminina chamou pelo garoto. Era uma voz familiar para ele, a voz de sua mãe. — Você está pronto para ir?

    Uma versão  criança do Johnny passou correndo por ele em direção à voz da mulher.

— Eu posso levar o boneco do Ultraman? — O pequeno Johnny segurou o brinquedo enquanto sorria.

     A voz da Morgana assustou Johnny; ela estava ao lado e observava a cena.
— Que criança mais fofa! — Ela olhou o pequeno Johnny. — O que foi que você fez nesse dia mesmo?

— Minha mãe... ela me abandonou no zoológico, como um animal.

     Morgana sorriu e abriu a porta atrás de si, mudando completamente o cenário.

— Mas não é sua culpa. — Morgana disse ao ver a neve cair sobre seus cabelos negros.

     Ao observar os degraus da casa, era possível ver o pequeno Johnny sentado lá que contemplava a neve caindo.

— Está na hora de entrar!

     A voz autoritária assustou Johnny, que entrou de pressa na casa, com medo das consequências se não obedecesse.

— Vem, vamos ver. — Morgana caminhou até a janela da casa e observou o cenário lá dentro. As sombras projetadas na janela deixava, subentendido o que acontecia na casa.

— Ele batia na minha mãe e me prendia em um quartinho de limpeza. Eu sentia muito ódio dele.

— E isso nos leva! — Morgana abriu a porta da casa e fez o cenário mudar novamente. — É por isso que seu coração nunca vai ser puro, você sente ódio des de criança.

     O pequeno Johnny puxou uma cadeira da mesa da cozinha; as vestes do garoto, sujas e esfarrapadas, mostram a realidade da negligência que sofria de sua mãe.

— O que está fazendo? — Ela perguntou ao ver o garoto pendurado, tentando alcançar o balcão aéreo.

— Estou com fome.

— Vai trocar de roupa logo, vamos encontrar seu irmão no zoológico. — Ela disse em tom autoritário. Em suas mãos, segurava  um pó compacto, que usava para cobrir o hematoma em sua pele.

     Passou-se alguns minutos, a mulher chamou Johnny, que correu até ela com um boneco do Ultraman em mãos.

— Posso levar o boneco do Ultraman? — Johnny sorriu para ela.

— Tudo bem. — Ela colocou uma mochila nas costas do garoto. — Olha, pode não parecer, mas a mamãe gosta muito de você.

       Johnny confirmou com a cabeça e sorriu.

      Fazia alguns minutos que ambos esperavam por Martin no zoológico. A moça estava impaciente, olhava para os lados a cada momento em busca de qualquer sinal de Martin. De repente, uma mensagem chegou em seu celular, fazendo-a ficar mais atenta ao dispositivo, na esperança de ser uma notificação de Martin ou alguma explicação para o atraso. A ansiedade aumentava enquanto a mensagem permanecia aberta, revelando o desenrolar de uma possível reviravolta na situação.

— É seu irmão! — Ela leu a mensagem para si. No texto Martin dizia que não poderia ir, que havia surgido um imprevisto. A  mulher, ao ler a mensagem, sorriu para Johnny. — Seu irmão já, já vai chegar!

— Sério? — Johnny disse empolgado.

— Olha, espera aqui que ele já vem! — Ela colocou Johnny em um banco.

— Eu estou atrasada para trabalhar, então espere ele aqui.

     O garoto observou a mulher se afastar cada vez mais. Ele não estava preocupado ou com medo de ficar sozinho, afinal seu irmão mais velho viria ao seu encontro.

— Um tempo depois, eu descobri que esse dia era um feriado e as pessoas não trabalham em feriado, muito menos o zoológico abre nos feriados nacionais. — Johnny disse ao observar sua versão criança sentada no banco, esperando o zoológico abrir e seu irmão chegar. — Ela me abandonou porque não queria me deixar com o papai.

— Se não, ela teria que pagar a ele. — Morgana disse e caminhou até um chafariz da praça. — Os humanos são tão interessantes; ela abandonou a própria cria por uma questão de dinheiro. — Morgana sinalizou para Johnny a seguir até o chafariz — Olhe a água.

     Johnny se aproximou da água e, inesperadamente, Morgana o jogou dentro do chafariz.

— Olha só onde estamos! — Morgana deu uma boa olhada em volta e percebeu que Johnny já havia reconhecido o local: a cabana de Duque, onde Martin morreu.

— Não! — Johnny gritou. Ele correu com os olhos fechados, para longe dali, para longe de Morgana.

— Espere, onde você pensa que vai?

— Eu já entendi o que você está fazendo. — Johnny disse enquanto corria de olhos fechados. — Você se alimenta das lembranças tristes das pessoas!

      Johnny sentiu uma brisa em seu cabelo; o cheiro de flores tomou conta de seu entorno. Ele abriu os olhos e viu Rose e Yuri, junto com a sua versão criança. O trio se jogava terra e lama enquanto riem alto. Sam desenhava estrelas e luas na terra. O garoto olhou diretamente para Johnny que se assustou.

— Vamos ver o que vai acontecer! — Morgana disse e escorou-se no muro.

     Johnny começou a rir, o que deixou Morgana em alerta.

— Uma lembrança falsa!

— Foi o chá, não foi? Nesse momento, eu e o Sam estamos desacordados. A questão é: a partir de que momento comecei a sonhar?

     O que pareceu ser uma lembrança se tornou real para Morgana. Yuri e Sam começaram a agir de forma independente.

— Demoraram! — Johnny disse ao ver que ambos se colocaram ao seu lado.

    Morgana deu um passo para trás, sem acreditar que consegui ser engana por eles.

— O tio Daniel, o Duque e seu pai, foram atacados pela Carmila. Ai eles pediram para nós virmos te resgatar. — Yuri disse empolgado.

— Crianças tolas, vocês se colocaram em meus domínios! — As pontas dos dedos da Morgana se escureceram. — Aqui, eu sou onisciente.

     A lembrança se desfez e, antes de serem separados, Johnny advertiu os amigos “Tenham lembranças felizes com nós três!”

 



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