Paladinos da Noite Brasileira

Autor(a): Seren Vale


Volume 1

Capítulo 3: Justiça ou vingança?

    Johnny olhou o celular a cada minuto, esperou que o irmão entrasse pela porta.

— Já está tarde, vou procurá-lo.

— Johnny, ele é um paladino, deve estar tudo bem.

    Rose tentou acalmar Johnny, o que pareceu dar certo ao ver que o garoto sorriu.

— Você tem razão. — Johnny olhou para o celular uma última vez. — Está na hora de meus remédios. — Ele sorriu para Rose antes de deixar a mesa.

      Johnny encarou seu reflexo no espelho, seus cabelos pretos contrastavam com os olhos castanhos brilhantes. Sua feição era alegre e calma, mas o que chamava atenção no garoto era uma mecha branca presente em seu cabelo desde o nascimento, característica de uma condição genética chamada piebaldismo. Essa peculiaridade também se manifestava em sua sobrancelha e cílio direito.

       Ele segurou um frasco de remédio em mãos e decidiu jogá-lo ralo abaixo antes de deixar o banheiro. Embora seja feliz e alegre, Johnny sabia que algo faltava em sua vida, e muitas vezes reprimiu seus sentimentos ruins para não afetar sua vida social.

— Vovó, vou parar de tomar meus remédios. — Johnny sentou ao lado da senhora.

— Fale com seu pai.

— Tudo bem! Tenho certeza que ele vai dizer “sim”, afinal são só placebos. — Johnny serviu um copo de suco para si. 

— Sei disso faz um ano. — Johnny sorriu vitorioso e olhou para o celular. — Vou atrás do Martin!

     Rose fez menção de se erguer e ir atrás do Johnny, mas foi impedida pelas mãos enrugadas da Mary.

— Deixa ele ir! — disse a senhora ao ver seu neto sair pela porta.

      O relógio marcou 23:00 em ponto. Johnny contemplou a floresta a frente, sem pensar duas vezes, adentrou a escuridão e avistou uma cabana em caos. Ele hesitou, deu dois passos para trás, mas ao escutar sons de tiros, correu para averiguar.

     Duque tentou se defender e proteger Martin dos estilhaços de vidros. Martin por sua vez, juntou cada bala do chão. Ele abriu o tambor da arma, simultaneamente quebrou a cruz dourada com os dentes e derramou o líquido que havia dentro do objeto.

    Desde os primórdios dos tempos, Paladinos usaram armas divinas e poções para igualar-se a criaturas que entraram no caminho humano. Esses bravos caçadores possuíam algo chamado — energia espiritual — o que os ajudava na batalha contra seres das trevas, muitos se igualaram a essas criaturas.

— Johnny!

     Martin gritou e atraiu a atenção do Duque, o que levou-o a ser atingido por estilhaços de vidro. Os mesmos estilhaços saíram do corpo do Duque, carregaram consigo sangue e entranhas, dirigindo-se ao teto.
Martin olhou para cima; as rachaduras causadas pelos estilhaços indicaram que, em questão de minutos a cabana desmoronaria.

— Duque, faz um favor? — Martin disparou várias vezes em vão, já que seu inimigo desviou facilmente. — Tire meu irmão daqui!

— Mas ...

     Johnny olhou horrorizado para o que acontecera. O garoto fez menção de entrar na cabana, mas Martin negou com a cabeça. Ao olhar para cima, ele percebeu que a cabana estava prestes a desabar, tudo ao seu redor iria ceder, incluindo seu irmão mais novo.

— Você é imortal, proteja meu irmão! Vou atrasá-lo!

     Martin correu em direção a Lebre Branca e o derrubou, ao mesmo tempo em que Duque correu em direção a Johnny para afasta-lo dali. O movimento de ambos fez com que a cabana desabasse e caísse sobre Martin e Lebre Branca, no mesmo momento Duque protegeu Johnny dos escombros com o próprio corpo.

— Martin! — Johnny empurrou Duque e dirigiu-se aos escombros.

     Os olhos castanhos do Johnny encheram-se de lágrimas e revelaram a intensa dor que o garoto sentiu. Ele tentou retirar o maior número de madeiras, telhas dos escombros e percebeu que algo se mexeu lá dentro. Para sua surpresa, uma mão com luva branca fazia sinais estranhos. Com sua atenção presa naquela mão intrigante, Johnny não notou os estilhaços que voaram em sua direção por trás. Por sorte, Duque estava ali para protegê-lo.

— Cuidado! — Duque foi em direção a Johnny e colocou-se na frente dos estilhaços que o feriram ainda mais. — Vamos sair daqui!

      Ele pegou Johnny, que se debateu e gritou.

— Não! Não posso deixar o Martin!

      Duque ignorou completamente Johnny, e personificou longas asas negras em suas costas, abriu e carregou o garoto para longe dali. A última visão que Johnny teve do local foi de Lebre Branca que emergiu dos escombros, no momento que segurou a cabeça do Martin. Ao presenciar essa cena, o olhar do Johnny transformou-se e transpareceu o mais puro ódio.

       Já longe do perigo, o Duque contemplou a paisagem quilômetros à frente: a cidade que nunca dormia, com sons de buzinas e luzes intensas. Tudo isso capturou seu olhar e o deixou encantado.

      Na tentativa de alcançar as luzes, ele estendeu a mão, mas logo recuou ao lembrar-se de que sua humanidade lhe fora tirada há muito tempo e restou apenas uma aparência horrenda. Antes que seus pensamentos se aprofundassem ele foi bruscamente interrompido por Johnny, que gritou e lançou várias pedras em sua direção.

— Desgraçado! Vou te eliminar desse mundo! Ou não me chamo Jonathan Helsing.

— Se quer direcionar seu ódio e sua raiva ao meu ser, tudo bem, mas a culpa não foi minha.

— Você é um demônio amaldiçoado, a culpa é sua sim!

      Johnny fez menção de partir para cima do Duque, mas foi surpreendido por garras roxas que o seguraram pelo pescoço.

— O que tem ali? — Duque apontou para a cidade à frente.

      Sem obter resposta, ele continuou encantado com as luzes e imaginou-se lá. Duque segurou Johnny pelo pescoço até que um som vindo do moletom do garoto chamou atenção.

— O que é isso? — Duque segurou o smartphone do Johnny em uma das mãos.

— Me devolva! — Johnny puxou o celular com dificuldade.

— Para que serve?

      Acidentalmente, o celular foi atendido. A voz masculina que ecoou do outro lado da linha deixou Johnny aliviado: — Johnny? Você está aí? — disse a voz em tom de preocupação.

— Papai! — Johnny puxou o celular das mãos do Duque ao mesmo tempo que gritou e chorou. — É o Martin, ele está morto, tinha um cara estranho de branco com umas orelhas medonhas lá!

“— Esta tudo bem, tente ficar calmo” — disse a voz do outro lado da linha.

— Como vou ficar calmo? O Martin, ele ... — retrucou Johnny, mas foi cortado antes de continuar.

“— Estava falando comigo mesmo!”

     A lição caiu, e Johnny, com raiva, arremessou o celular longe.

— Aquilo era seu pai? — perguntou Duque curioso.

— Vou voltar lá.

      Johnny ignorou Duque e começou a andar. Duque, por sua vez segurou o ombro do garoto e impediu ele de continuar.

— Salvei sua vida, você me deve uma. Seu irmão disse ter um jeito para que eu volte a ser um humano.

— Nunca mais vai ser um humano. A única opção para você é a morte. Aproveita e fica aí esperando a luz do sol e queime!

      Ao dizer tais palavras, Johnny deixou Duque para trás e andou pela estrada de terra, mas o que ele não contava era que seria seguido.

— Por que está me seguindo?

— Seu irmão pediu para te proteger. Se alguma coisa acontecer com você, a alma dele vai me atormentar e se tornar uma energia obsessora.

       Inevitavelmente Johnny pensou em Martin. Algumas horas antes viu o irmão mais velho pela última vez. Se ele soubesse o que estava por vir, certamente teria abraçado Martin mais vezes.

      Johnny parou por uns minutos à medida que o sol nasceu no horizonte. O garoto enxugou as lágrimas dos olhos, Duque, por sua vez, temeu encontrar seu fim naquele belo nascer do sol.

— Os italianos chama os espíritos de vingança recíproca de vendetta.

       A vingança atraiu cada vez mais Johnny, a retaliação agressiva, arriscar a ética, a moral e até mesmo a sanidade, a fim de trazer justiça para Martin e aniquilar seu algoz.

— O que difere a vingança da Justiça?

— A vingança é a forma mais pura da justiça, o famoso “olho por olho”, uma vida por outra. Como isso não é justo? A justiça é cega, a vingança não.

— Se você pensa assim.

— Temos muito a fazer!

— Temos? — Duque abriu suas longas asas a fim de fugir do sol.



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