Paladinos da Noite Brasileira

Autor(a): Seren Vale


Volume 1

Capítulo 7: Vislumbre da humanidade.

    O odor forte de peixe que emanava da cozinha fez Rose descer as escadas para averiguar o que havia acontecido. Lá, ela se deparou com Daniel que afiava uma faca sobre a bancada, com um peixe já morto e pronto para ser fatiado.

— Olha só, esse peixe tem mais vida que você, tio Daniel.

— E vai ter mais que você daqui a pouco — Daniel disse e decapitou o peixe.

    A campainha tocou. Rose correu para abrir a porta com um sorriso no rosto, que se desfez ao ver Sueli.

— Ah, é você!

— O Daniel esta?

— Tio Daniel! — Rose gritou repentinamente, o que assustou a moça — É para você!

    Sueli adentrou a casa e percebeu uma diferença entre à última vez que esteve ali; o cheiro de incenso não estava tão forte dessa vez.

— Daniel, eu realmente queria me desculpar por aquilo que eu disse no outro dia. Fui insensível e não deveria ter mencionado a história da maldição. Estava apenas deixando meu medo e ignorância falarem por mim.

    Daniel deu um sorriso sutil e disse: “Que tal um beijo de amor verdadeiro”

— Não custa tentar! — Sueli moveu uma mexa loira que estava caída sobre o rosto do Daniel.

     Os dois se aproximaram um do outro, e seus lábios se encontraram num beijo apaixonado e caloroso. O momento foi mágico, como se o universo estivesse conspirado a favor desse gesto romântico. No entanto, a magia do momento foi interrompida quando uma voz surgiu ao fundo.

— Eu vou contar para o meu pai! — Rose se fez presente, o que fez os dois cortarem o beijo.

— A Sueli vai ficar para o jantar, vou ao mercado buscar um refresco — Daniel disse, ao retirar o avental que usava.

    Daniel estava sorrindo e feliz, como nunca havia sido visto antes. Vendo a felicidade do Daniel, Rose decide estreitar os laços com a mulher.

— Então, você faz poções? — Rose quebrou o silêncio que pairava sobre o local.

— Sim, faço diversas poções. Mas também saio para exterminar demônios e vampiros.

— Sério! — Rose disse sorrindo. — O meu pai pediu para eu não contar, mas tudo bem se for para você. Eu vou ser a próxima Paladina Azul.

    Sueli percebeu o semblante da tristeza da Rose.

— Não é isso que você quer?

— Bem, não.

— Quando tinha sua idade, eu nunca quis ser uma Paladina, mas aceitei isso. E hoje em dia, me arrependo a cada minuto de não ter fugido desse mundo.

    Alguém bateu à porta e ignorou completamente a campainha que havia ao lado. Distraída com Sueli, Rose não olhou antes de abrir a porta, um erro fatal para ela. Assim que abriu, foi atingida por um abjeto cortante no centro da barriga. Lebre Branca olhou fixamente para Rose, enquanto afundava o fragmento de vidro na barriga da garota.

— Sueli! — Rose empurrou a porta, junto ao ser vestido de branco.
Com a mão que estancava o sangramento, Rose correu até a cozinha à procura de algo. Sueli, sem entende, foi até a garota preocupada.

— Rose! O que aconte...

    Sueli foi atingida pelas costas sem ter tempo de terminar a frase. Os fragmentos de vidro cravados nas costas da mulher foram puxados de volta e deixaram vários buracos na pele da mesma.

— Cadê!

     Rose achou o que procurava: uma arma carregada. Sem hesitar, ela atirou várias vezes em direção a Lebre Branca o que deu tempo assim dela correr até as escadas. Antes de subir, Rose hesitou ao ver o corpo ensanguentado de Sueli sobre o chão. Ao olhar diretamente para os olhos estáticos da moça, foi perceptível a morte.
     Temendo ser a próxima, Rose correu e trancou a porta do quarto. A garota largou a arma, já sem balas e segurou firmemente o celular sujo de sangue.

— Vai, atende! — disse a si mesma, na espera que Silver atendesse o celular. Na segunda tentativa Rose desistiu e ligou para Daniel. Este atendeu de primeira.

— Tio Daniel, você precisa voltar, o Lebre Branca...

“A terra clama por purificação, o imperador retornou para dar início a uma nova era. Os portais se abriram trazendo uma nova era para a humanidade.”

    Ecoou a voz no celular, embora a voz não pertencesse a Daniel, o tom doce era família para Rose. A chamada foi encerrada. Rose perdeu cada vez mais sangue e, temendo ser o fim, ela olhou para a janela do quarto, quebrou o vidro e antes que ela pulasse, o celular tocou.

“Você vai ser uma ótima Paladina Azul, deixando sua amiga aqui.”

— A Sueli está viva?

   Rose escutou um som de respiração pesada na chamada, o que a assustou ainda mais. Não querendo acreditar a garota pulou pela janela e correu o máximo que podia enquanto segurava o ferimento.

    Dentro da casa Sueli rastejava na tentativa de escapar do Lebre Branca. A atmosfera de humilhação e dominação que pairava no local assustou Sueli.
    A fim de humilhar e minar a moral da mulher à sua frente, Lebre Branca retirou a veste desta. O sentimento de raiva tomou conta de Sueli que tentava lutar contra seu algoz.

***

    A poção lunar foi concluída e a felicidade na face do Duque era iminente. Mesmo que não estivesse completa, ele teve um vislumbre da humanidade novamente, o que o deixou contente.

— Jonathan Helsing!

    A voz brava e seria do Eliott ecoou pelo galpão e assustou todos ali. Ao ver o Paladino, Duque rapidamente pegou o frasco da poção, antes que o líquido fosse derramado em sua boca, ele recebeu um golpe na mão. Uma corrente queimou sua pele roxa, fazendo-o derrubar o frasco.
Johnny se colocou à frente do Duque e abriu os braços com um semblante sério.

— Não! Eu ainda preciso dele!

    Enquanto Johnny enfrentava Eliott, os olhos laranja do Duque pareciam encantados. Seu sorriso amarelo deixou as presas à mostra sua feição transmitia o mais puro amor.

— É você! — Duque esticou as garras em direção ao rosto do Silver, na tentativa de alcança-lo, mas logo recuou ao lembrar-se da sua aparência monstruosa.

— Em nome dos Paladinos, entregue-se! — Silver acertou o pescoço do Duque com a corrente, o que fez a pele do vampiro queimar.

— Johnny! — Duque gritou, na tentativa de se salvar.

     Eliott se aproximou dos frascos e poções que estavam sobre os caixotes, sua expressão era séria, tentou entender o que estava acontecendo.

— Essas poções?

— É a poção lunar, ele vai me ajudar a encontrar o Lebre Branca! — Johnny disse — deve haver outra! — Johnny procurou desesperado por outra poção.

— Silver, Solte-o! — Eliott deu sua ordem.

— Mas o quê!

     Contra a vontade, Silver soltou Duque, que caiu sobre o chão e tentou curar os ferimentos no pescoço. Eliott puxou um dos caixotes que havia no local sentou-se de frente para Duque.

— Qual é seu nome?

— Vai começar! — Silver revirou os olhos e previu todo tédio que se seguiria.

— Em que ano viveu quando era humano? Você deve ter uma história incrível para contar.

— Eu não me lembro, minhas lembranças são como flashs, não muito claras.

— Qual o interesse do Lebre Branca com você? — Eliott analisou Duque. — Muitos vampiro que não aceitam abandonar a humanidade desejam a morte, mas você quer viver. Por quê? Já não viveu o bastante?

— Eu quero poder viver, envelhecer e morrer conforme a vontade do destino. Ver a vida acontecer.

     Ao ouvir as palavras do Duque, Eliott apontou para a poção derramada no chão.

— Se você tomasse essa poção certamente queimaria de dentro para fora. A poção lunar não deve ser ingerida. — Eliott olhou para a garota que assistiu tudo, assustada. — Qual seu nome?

— Kristen! — Ela respondeu claramente, sem temer.

— Kristen, prepare outra poção!

    Silver fez menção em protestar, mas foi interrompido pelo seu companheiro, que sinalizou para a saída.

— A runa na cabeça dele, já viu algo assim?

— Nos relatórios sobre o Lebre Branca.

— Ele pode nos ajudar a parar o Lebre Branca.

— Mas se ele for um aliado do inimigo?

— Se for assim, eu mesmo, o Paladino Azul acabo com ele.

— Mas e o conselho?

— Eu me viro com os velhotes.

— Estamos perdendo tempo aqui, temos mais o que fazer. — Silver pegou o celular do bolso para ver o horário e percebeu duas chamadas perdidas da Rose. Ele pensou em retornar, mas logo lembrou que Daniel estava lá.

— A poção está pronta. — A garota anunciou aos dois.

     Eliott e Silver foram até o caixote onde a poção se encontrava.

— Aqui! — Silver entregou o colar que usava a Eliott. — Deve‐se banhar algo na poção, qualquer coisa que fique em contato com o “ser”.

     Silver colocou o colar em Duque; a pele roxa, os chifres pretos e as garras afiadas, desapareceram. Duque se aproximou de uma poça d’água que havia no chão, ansioso para ver seu lado humano após tanto tempo, mesmo que fosse temporário. Seus olhos laranja e as runas sobre o corpo foram mantidos, assim como as presas. Duque sorriu ao ver seu reflexo na água: a pele agora morena, o cabelo castanho e as covinhas nas bochechas eram detalhes que o tornam humano e o deixavam mais feliz.

— Se você retirar o colar, voltará à sua forma demoníaca — Eliott analisou as poções e materiais sobre os caixotes. — E quanto a você, garota, terá que retornar à sede dos Paladinos afim de se explicar.

— Por que ela vai ter que retornar, enquanto Sam está solto por aí? É porque ele é filho do Silver? — Johnny disse indignado.

— O Sam desistiu de ser um Paladino, cortando qualquer laço com a ordem, assim como ela, mas a garota segue vendendo poções ilegalmente.

— Mas foi o Sam que me contou sobre ela.

     Eliott entre olhou para Silver com um semblante significativo, e este logo compreendeu a mensagem de seu companheiro.

— Será difícil levá-lo de volta à sede, mas o Sam quebrou o juramento que fez ao sair de lá.

      Ao deixar a organização dos Paladinos, é necessário jurar que não se intrometerá nos assuntos dos andarilhos da noite novamente. Caso o juramento seja quebrado e descoberto, o desertor irá ser julgado pelo conselho dos anciões.



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