Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 1

Capítulo 22: Reencontro com a Deusa

 

Lá estava ela.

Após ter dito para Noah ir na frente, Kurone seguiu as sacerdotisas até a grande construção, localizada no centro da capital. O único a adentrar na catedral vazia foi o jovem caminhando lentamente pela nave.

"Entre e você a encontrará." Essas foram as últimas palavras ditas por Inri, a sacerdotisa chefe. 

De fato, ele a encontrou lá.

Um corpo esbelto em um vestido fino. Os cabelos longos e os olhos grandes eram exatamente como se lembrava. Aquela era a estátua de Cecily, a deusa que o reencarnou naquele mundo estranho. A estátua parecia ter deixado ela um pouco mais alta, um rosto mais sério e seios avantajados. Aquela era a prova dos fetiches de quem quer que esculpiu a estátua de pedra. 

— Nos encontramos de novo. — O jovem parou em frente à estátua da deusa. — Será que preciso me ajoelhar e fazer uma oração? — As últimas palavras de deboche ecoaram pela nave da igreja, mesmo falando tão baixo, como aquilo foi possível?

A vista de Kurone ficou turva gradualmente e uma dor de cabeça surgiu repentinamente, obrigando-o a sentar ao lado da estátua com as mãos sobre a cabeça.

Em segundos, o cenário à frente se transformou. Os bancos de madeira desapareceram, a luz que adentrava pelas janelas foi desligada. A alma de Kurone foi transportada para outro lugar. Um mundo separado daquele que estava há alguns segundos. 

Aquele mundo aparentemente infinito era familiar ao jovem, assim como a mulher esbelta de pernas cruzadas sentada no trono dourado.

— Toda vez que nos encontramos você está no chão, quer tanto assim ver a calcinha de uma deusa?

— Que tipo de deusa é você!?

O jovem levantou-se do chão que não estava nem frio, nem quente. Naquele mundo — se assim podia chamar — o tempo passava de maneira diferente e as próprias leis da física não funcionavam ali. 

— Não temos muito tempo, por isso vou logo direto ao ponto… You're fucked!

Apesar de falar como sempre, a deusa tinha uma expressão melancólica no rosto. Era como um soldado indo dar a notícia a família que o filho deles faleceu na guerra. Uma notícia assim sempre começava com um pedido de desculpas...

— O-o quê?

Sorry

—...

— Eu realmente, realmente, não imaginava que aconteceriam tantas coisas assim… Eu devia ter suspeitado que eles também estavam em Andeavor.

— Não tô mais entendendo nada, Cecily.

— É simples. O ataque dos orcs, o sequestro de crianças, a falsa acusação da marquesa Sophiette, o desaparecimento da princesa, a explosão na carruagem do marquês Edward, a crise em Fallen e em outras cidades… Sabe o que tudo isso tem em comum? 

Percebendo o silêncio do jovem, ela continuou: 

— Tudo isso é culpa dos demônios.

Kurone engoliu seco ao escutar “demônios”. Sabia que ora ou outra encontraria um ser dessa raça, mas esperava que fossem do tipo pacífico.

— Eu te falei, não foi? Aquele mundo está sofrendo o ataque do rei demônio. O único reino que não foi atacado por eles era Andeavor, por não fornecer nenhum valor estratégico. É um reino governado por corruptos e em breve traria sua própria destruição. 

— Eu te mandei para Andeavor porque achei que não tinha como você se envolver com os demônios… Mas eu me enganei. Sorry.

— Quer dizer que tudo que aconteceu até agora é culpa deles, dos demônios? 

— Infelizmente sim. Isso está além do que você e eu podemos fazer. 

— Como assim, você não é uma deusa? Normalmente, são deusas quem mandam heróis para derrotar o rei demônio!

— Ah! Isso é trabalho da Annie! Eu sou Cecily, a deusa do tempo, aquela que mais tem compaixão pelos humanos!

"Que autoestima, mesmo nessa situação… será que ela sabe sobre o título de “Deusa dos Hereges”?”

— Mais uma vez, sorry! Eu quero me desculpar pelos problemas que te causei. Vou te dar outra chance, mesmo que eu leve um puxão de orelhas...

— Outra chance? 

— Sim! Vou te reencarnar de novo! Mas dessa vez, em um reino definitivamente longe das garras do rei demônio.

— Você pode fazer isso?

— Já te disse, sou a deusa do tempo, nada é impossível pra mim! A menos que você não queira… Você não quer? 

O jovem engoliu seco para a pergunta da deusa. Se dissesse sim, poderia recomeçar de novo. O ataque de orcs aconteceria novamente? Sophia seria acusada falsamente? Considerando que o ataque dos orcs foi culpa dele, talvez os moradores estivessem a salvo da segunda vez e as crianças não seriam sequestradas. 

— A propósito, dessa vez, a Rory não vai com você...

— Quê!?

— Infelizmente, existem certas restrições a respeito da Rory. Acredita que eu levei um esporro do chefe porque eu a mandei com você, inacreditável, né?

— Ela não vai...

— Não fique assim, acho que já está na hora de te falar um pouco da verdade. Não é a primeira vez que Rory vai até Andeavor... Ela tem os próprios objetivos, e usou você como uma peça, mas não fique com raiva dela, tá?

—...

— Acho que até ela concordaria com a ideia de reencarnar você mais uma vez... O último companheiro dela morreu por conta dos demônios...

— Entendo... Cecily, onde a Rory está no momento?

— Não consigo encontrar. Deve ser um local protegido por magia demoníaca, mas ela está viva.

— Então, provavelmente a Rory foi sequestrada pelo tarado que controla orcs e pode ser vítima dele...

— Não se preocupe, uma hora ele vai cansar dela e matá-la. Assim que morrer, ela volta para esse mundo e... Enfim, não fique triste, Rory está acostumada com o sofrimento. Ela provavelmente ficaria brava comigo por te preocupar... Mas e aí, vamos começar logo os preparativos?

— Claro...

Perfect! Vamos ver aonde vou te reencarnar...

— Você não entendeu.

— Eh? What?

— Eu vou salvá-la.

— Você está brincando? Não ouviu o que te falei? Rory usou você para alcançar objetivos pessoais, sem falar que ela é imortal e você não, se morrer em Andeavor...

— Você é idiota!

— Ehh?

— A partir do momento que chegamos em Andeavor — o jovem cerrou os punhos —, o nome daquela garotinha mudou para “Rory Nakano”, isso significa que ela é minha irmã!

— Eh?

— Me usou para tentar “alcançar objetivos pessoais” o caramba! — Ele bravejou, jogando a franja para o lado e mostrando olhos hostis. — É pra isso que irmãos mais velhos servem! Eles ajudam irmãzinhas a alcançarem seus objetivos, sem exigir explicações ou lógicas!

— Ehh? I-Isso que dizer que...

— Eu vou salvar aquela loli tsundere! Não importa se ela foi capturada por um humano ou demônio, vou quebrar a cara de quem fizer ela chorar! DEFINITIVAMENTE NÃO VOU PERDER OUTRA IRMÃ POR SER FRACO DEMAIS!

Apesar de declarar a própria fraqueza e que possivelmente podia acabar morto, a voz de Kurone, junto a sua pose, o fizeram parecer um herói legal de romances de fantasia.

Wow! Que maneiro... Me desculpe por ter subestimado você.

— Quê?

— Uh! Não importa. Você escolheu um caminho repleto de espinhos, Kurone Nakano. Aquela garotinha que você diz ser sua irmã é como uma filha pra mim, se você está alegando que pode ajudá-la, então espero que faça isso, se não, vou mandar sua alma para o inferno.

— Fechado! Eu com certeza vou salvá-la.

— Que garoto determinado, sendo assim, vou te dar outro mimo, mesmo que eu acabe levando outro puxão de orelha.

— O que você vai fazer?

— Fique paradinho aí! Eu não dei antes porque com certeza você ainda não estava pronto para usar, mas é uma emergência… Eu vou te dar… o "Olho Sagrado"… name cool, né?

— Olho Sagrado?

— Sim. Mas já aviso que isso vai te dar uma dor de cabeça ao usar. Essa habilidade vai te permitir discernir demônios de humanos. Para não te matar, vou te dar apenas um dos olhos.

— Eh? Pelo nome eu esperava alguma coisa mais útil!

— Vai querer ou não?

— D-desculpe, desculpe, eu aceito.

— Então… F-feche os o-olhos… E não abra, tá? Se fizer isso, eu vou ficar muito, very, zangada!

— S-sim.

O jovem, que até o momento tinha poucas habilidades, fechou os olhos. Embora tivesse dito aquilo, qualquer habilidade naquele momento seria útil, mesmo que fosse uma habilidade para descascar cebolas ou falar com animais.

Ele não podia ver, mas sentia que Cecily estava parada em sua frente, se preparando para fazer algo.

— E-está pronto?

Balançando a cabeça de forma afirmativa para a mulher, Kurone se preparou para o que aconteceria a seguir. Cecily, que estava completamente corada, também se preparou para começar o ritual.

A mulher se aproximou do rosto do jovem. Cada vez mais perto. Estava tão próxima que podia sentir a respiração quente. O Ritual para aprender o "Olho Sagrado" se iniciou.  

Uma sensação macia. Era o que descrevia agora o que os lábios de Kurone sentiam.

"Não pode ser… Não me diga quê!"

Desobedecendo a Cecily, o jovem abriu os olhos e viu a deusa a sua frente. Bem a frente. Os rostos estavam unidos pelos lábios se tocando.

— EHHH? I-I-I-IDIOTA! Eu disse para você não abrir os olhos!

Kurone foi arremessado com força por Cecily que virou de costas rapidamente.

— N-NÃO PENSE ERRADO! Isso é só p-pra concluir o ritual! 

— C-Cecily…

— O-o que ainda faz aqui! Vai logo embora! Você já tem o “Olho Sagrado"… N-não me diga que ainda quer me humilhar mais?

— N-não é nada disso! É só que…

— O tempo acabou! Hora de voltar!

Um buraco se abriu abaixo do jovem e o sugou, fazendo-o cair em queda livre pela escuridão.

O acordar foi doloroso. A sensação era como de ter caído de um prédio de três andares — Uma vez, na vida passada, chegou perto de cair dessa altura. O jovem rolou pela nave da igreja, segurando a barriga instintivamente, mesmo que não sentisse qualquer dor. Era um castigo de Cecily por desobedecer e abrir os olhos?

Kurone olhou para a estátua da deusa à sua frente. Ele estava de volta à catedral. A memória retornava lentamente. Lembrou-se que escolheu o caminho mais difícil, aceitou o "Olho Sagrado" e foi beijado pela deusa. Essa última parte fazia a cabeça do jovem doer, como se uma Cecily corada estivesse dando socos em seu crânio naquele exato momento.

— Droga! Que deusa estranha... — O jovem relembrava da cena enquanto tocava os próprios lábios. — Então, o que faço agora?

— Creio que eu posso te ajudar, meu caro irmão conterrâneo.

Quem o surpreendeu foi Inri, a sacerdotisa chefe da seita de Cecily.

“Conterrâneo?”

— Não temos muito tempo, mas eu tenho um plano dado a mim pela graça da deusa. E por algum motivo, a grande Cecily também pede para te esbofetear.

Depois de um tapa bem-dado no jovem, Inri passou a explicar o "plano revelado pela deusa".



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