Volume 4
Capítulo 211: Saudação (Dolorosa E) Tardia
— Hmm… você está mais calmo do que eu esperava, mesmo após a sentença… — Hyze pôs a mão no queixo e refletiu por alguns momentos. Os olhos que possuíam um brilho incomum amarelado permaneciam a maior parte do tempo fechados, abrindo-se apenas quando uma emoção que ela não conseguia controlar vinha à tona.
— Bem, eu quero saber pelo menos os motivo de eu estar sendo condenado à morte. — Kurone tentava permanecer frio, mas podia sentir o estômago revirando e a palpitação do coração aumentando a cada nova palavra proferida e escutada.
De tudo, não cogitou a chance de Hyze sugerir isso, a xamã parecia saber de algo valioso sobre Kurone, ou melhor, perigoso, pois ela desejava matá-lo.
— Acho que a resposta é bem clara… não? — A Deusa-Elfa apontou para o rosto do jovem, exatamente para as veias arroxeadas provindo do Sigilo de Azrael em seu peito.
— Ah, é sobre isso que eu queria falar com você, dona Hyze. Como é que eu…
— Eu sei… — a xamã cortou o jovem de repente, deixando a confusão na mente dele. A resposta para o que ela “sabia” veio em seguida: — Eu já lhe falei… estive lhe observando… por isso já sei o que quer.
— Ei, pera aí, se você já sabe o que eu tô querendo, então por que tá dizendo que vai me sentenciar à morte!?
Apesar de dizer aquilo, uma luz já havia se iluminado na mente do jovem. Desde que chegou ali, a xamã só esteve se referindo a ele como “Vassalo da Morte”, mesmo sabendo todos os nomes e pseudônimos que ele possuía.
Os olhos hostis de Kurone cerraram-se e uma aura forte espalhou-se pelo local, fazendo o elfo de armadura negra ao lado entrar em posição defensiva, mas Hyze fez um sinal com a mão e pediu para o companheiro se acalmar.
“Nie, me ajuda a organizar meu pensamento e vê se tô certo.”
[Eu pensei o mesmo. Pelo que presenciamos, o Vassalo da Morte é uma existência perigosa e poderosa, poucas pessoas conseguiriam derrotá-la, até mesmo Lao Shi hesitou daquela vez…]
A notícia que Rory morrera em Eragon, vinda por meio do Arquifeiticeiro, na ilha Lou Souen, foi o gatilho para que o Vassalo despertasse prematuramente. Na época, mesmo não estando com força total, Lao Shi ficou de joelhos e não pôde fazer nada.
“Então, matar o Vassalo da Morte enquanto ele ainda tá fraco é mais eficiente, é o que essa desgraçada tá querendo dizer.”
Ele riu discretamente antes de dar a má notícia:
— Me desculpa te desapontar, dona Hyze, mas o Vassalo da Morte não tá exatamente no meu corpo, mas sim em um lugar conectado a ele. Mesmo se você me matar, o Vassalo vai continuar vivo e vai encontrar outro corpo compatível.
À risada dele, Hyze abriu os olhos, mostrando aquele amarelo incomum e cativante, e disse em um tom sombrio:
— Acho que você não sabe de nada, menino. Você não tem ideia de quem realmente é… não é mesmo?
“Quem sou eu?” Kurone já se fez esta pergunta inúmeras vezes, mas jamais obteve uma resposta concreta. Segundo Azrael, ele nascera simplesmente para servir de receptáculo do Vassalo da Morte.
Estava destinado a ser alguém infeliz e consumido pela insanidade.
Na versão de Annie, ele, na verdade, nasceu apenas para matá-la e finalmente livrá-la da prisão que era o centésimo piso do Hangar dos Mortos.
Mas qual era a verdadeira versão? Quem era realmente? O antigo Kurone Nakano não teria uma resposta para isso, mas Loright al Mare sabia exatamente o que responder:
— Aí, dona Hyze, você acha que é sabichona só porque fica me stalkeando vinte e quatro horas por dia?! — Ele deu alguns passos, assustando o elfo de armadura negra ao lado mais uma vez. — Sossega aí, capacho, que eu não vou mexer na velha. Eu só quero que ela saiba quem eu sou!
— E quem você seria… Vassalo da Morte?
— Eu sou Loright al Mare, atualmente sou o novo Arquiduque do Inferno… não, não é apenas isso. Meu nome ou meu título não importam, afinal eu sou o irmão-marido-melhor-amigo-conselheiro da Nie!
[A-ah! N-não acredito que você fa-falou isso em voz alta!! Que vergonha!]
Certa vez, a deusa dissera-lhe que, quando duvidasse de quem era, bastava se lembrar dessas palavras. Ele não sabia a verdade sobre a sua existência, mas a sua relação com Annie bastava.
Lothus, sentada ao lado e silenciosa até o momento, apenas lançou um leve olhar curioso. Claro, alguém com o título de Pregadora da Razão era esperta o suficiente para desconfiar de Kurone desde a primeira vez que ele trocou de corpo com Annie.
Ver isso provavelmente levou a demônia idaten a supor que havia alguma divindade envolvida com o jovem, e se ela conhecia a deusa Annie das lendas, bastava juntar as peças. Talvez fosse esse o motivo de ela sorrir amigavelmente ao ver ele tendo conversas via telepatia com a companheira.
— Menino… você não entende nada, assim como naquela época. Amor, amizade, emoções tolas… nada disso importa aqui… não podemos deixá-las nos dominar. Sua companheira, aquela mulher sem utilidade, é mais ignorante que você… Eu repito, você não…
— O que exatamente que eu não entendo, coroa? — Kurone deu mais alguns passos, deixando para trás a sua fala polida e o respeito que usava para tratar a xamã. Seu lado delinquente não suportava mais escutar a velha.
Ele podia suportar tudo que jogassem em sua direção, mas não permitiria que desrespeitassem Annie na sua frente. Não era apenas por a deusa ser meiga, frágil e sensível às palavras, mas sim porque era um insulto ao que a garota representava.
No fim, Annie salvou-o de uma vida infeliz e segurou sua mão quando pensava em sucumbir à insanidade.
— Agora você que vai me escutar, coroa. Se você tá me stalkeando esse tempo todo, sabe que eu só tô aqui porque quero ajuda pra me livrar dessa coisa — ele direcionou o dedo para as veias no rosto. — Se você não consegue me ajudar, então paciência, eu cumpri minha missão de escoltar a Lothus em segurança.
“Nie, fica de olho nesse desgraçado nas minhas costas, eu nem falo dele tentar me esfaquear, mas sim tentar fazer a Lothus de refém.”
[Também cogitei isso quando chamaram a Lothus para vir, mas e quanto ao…]
Kurone viu Edward Soul Za de canto de olho, o marquês-loli não falou desde que chegou ali, qual era o propósito em chamá-lo para aquela reunião?
— Não somos seus inimigos… menino. Peço desculpas se minhas palavras o ofenderam… se você deseja realmente saber o motivo por trás das minhas palavras, eu posso lhe mostrar… mas é algo sem volta.
O jovem olhou para Lothus, ao que a garota devolveu um aceno positivo com a cabeça. Apesar de tudo, a demônia idaten tinha uma confiança estranha na xamã Hyze.
— Com licença, creio que minha presença é desnecessária aqui — Edward falou sem hesitação, ele agia como uma verdadeira garotinha que enganaria quem não soubesse de sua identidade. — Então, posso ir?
— Edward Soul Za… você ainda não percebeu que está em território inimigo… nós repudiamos os atos de Azazel van Elsie, não vá pensando que somos neutros apenas por não termos agido ainda…
Era uma ameaça, no entanto o marquês-loli não ousou mover um dedo para entrar em posição de batalha. Todos sabiam da verdade: o elfo de armadura negra conseguiria decapitar qualquer um no momento que desejasse.
— Oh, então planejam me utilizar como uma moeda de troca, mas será que minha mestra Azazel dá tanto valor assim a um subordinado?
— Não se encontram monstros tão frios com facilidade, menino… certamente você é um subordinado precioso para aquele ser… contudo, a pessoa que você deveria temer é o jovem ao seu lado, está muito relaxado próximo a um inimigo.
— Ah, creio que o senhor al Mare não tem tanto desafeto por mim, apenas o senhor Baal nutre um interesse incomum por ele e pediu para que o capturassem, mas eu pessoalmente não tenho nada contra ele.
Edward falava com muita certeza, o que significava que ele sequer imaginava a verdadeira identidade do homem chamado “Loright al Mare”.
“Esse Baal parece depositar muita fé em mim mesmo, será que ele é um admirador secreto?”
[Acho que não é hora de se preocupar com isso, neste ritmo a xamã Hyze vai…]
“Eu sei, acho que não tem mais o que fazer.”
— A verdadeira identidade do menino ao seu lado é Kurone Nakano, alguém que sua mestra pensa ter matado em Eragon… — Hyze disse sem hesitar, seus olhos de tom amarelado fixaram-se nos dois, como se ela estivesse curiosa para saber qual seria a reação deles.
Edward parecia tentar processar aquela informação que ele próprio jamais teria descoberto, mas o trabalho de seu cérebro foi interrompido por uma dor aguda repentina.
Kurone aproveitou por essa ser uma das poucas vezes que o marquês baixava a guarda e o golpeou com um chute rápido, o ataque preciso no rosto infantil fez Edward cair no chão, atordoado.
Lothus e o elfo de armadura negra ao lado arregalaram os olhos para aquela velocidade inesperada do jovem. Ele esteve segurando o impulso por muito tempo, e essa oportunidade perfeita não poderia passar batida.
Tocando o rosto infantil com as mãos frágeis e trêmulas, Edward juntou forças para ficar de pé e encarar o garoto que a atacou, ainda com a mão na face.
— Pa-parece que nos reencontramos mais uma vez, senhor Nakano. É um prazer revê-lo, desculpe-me pela saudação tardia, mas o senhor se disfarçou muito bem...