Volume 1 – Arco 2
Capítulo 14: Coelho Coelhinho
Quevel não acordou pro jantar.
Ele realmente estava cansado, mal se moveu na cama, mesmo com Ahrija o chamando, não deu.
Elia também não tentou, ele realmente parecia muito cansado daquela viagem, deixaria que dormisse.
Mas algo ainda mexia em seu ser.
Aquele olho.
Ainda não sabia o que era, mas sabia que era um presente de Pollux, provavelmente tinha a ver com a magia astral que ela tinha, será que tinha herdado como presente?
Enquanto Ahrija lavava a louça, foi até o quintal, já era noite, a lua já era alta quando saiu. Estava bonita.
Respirou fundo, concentrando na sua própria mana, conseguia sentir pelo corpo com mais fluidez que antes, quase como era na sua antiga vida.
Quase.
Ainda faltava polidez e prática, tinha a teoria devido as suas memórias, não demoraria para chegar lá, ao menos aos poucos conseguiria.
Encarava a ponta dos dedos, o primeiro passo para um humano conseguir praticar magia era conseguir manifestar sua aura, descobrir que tipo de magia iria conseguir praticar, diferente dos draconianos que desenvolviam núcleos de mana, a mana no corpo humano era solta e fluida.
Tinha a teoria, tinha agora as veias de mana sem impurezas, era possível!
Mantinha a concentração olhando seus dedos, sentia o corpo todo formigar, os olhos estavam tão sérios, era uma das poucas vezes que poderia se ver aquele brilho determinado em seu olhar.
As veias de mana formavam desenhos brilhantes pelo braço, brilhos que iam do azul ao amarelo, até a ponta dos dedos, conseguia sentir sua mana completamente, mas ainda não manifestava sua aura.
Mais um pouco.
Só mais um pouco…
Respirou fundo, focando ainda mais naquilo, o primeiro passo foi dado, só precisava de determinação, só mais um pouco.
Aquele brilho começou a se expandir pelas pontas dos dedos, formando luvas, parecia vivas, dava para ver os pequenos brilhos se movendo pelas mãos:
— Consegui! Eu consegui!
Elia sorriu olhando as mãos tão animada, se conseguiu manifestar a aura quer dizer que iria conseguir praticar magia livremente, um tipo de magia que não conhecia, teria que aprender a teoria dela do zero, mas mesmo assim estava feliz.
Ter uma aura completamente diferente do que tinha na vida passada, realmente separando a sua vida passada da de agora, na vida passada tinha algo assustador e celeste, e agora tinha algo brilhante.
Era diferente!
O coração estava acelerado, o rosto doía de tanto sorrir, os olhos bicolores brilhavam de animação.
Ela realmente conseguiu aquele feito! Iria mostrar uma surpresa para sua mãe!
Não soube se perdeu a concentração.
Mas sua aura cresceu rapidamente, explodindo em pontos brilhantes, deixando a princesa cega por um tempo, piscando com os olhos ardendo:
— Alteza! — Ouviu Ahrija chamar.
Não via mais que o vulto de Ahrija se aproximando de si, mas Eliassandra deu uma risada daquilo, uma risada feliz daquela situação toda:
— Eu consegui! Eu consegui!
— O que você conseguiu, menina louca?
Ahrija reclamou puxando a amiga risonha para dentro, o curioso é que mesmo com aquelas risadas altas e a explosão de luz, Quevel sequer se moveu! Parecia uma pedra dormindo, ele não mentiu sobre o quão cansado estava.
Ahrija continuou reclamando quando percebeu que a visão de Elia estava prejudicada pela explosão de luz que teve:
— Diferente de vocês, dracônicos que é muito raro não desenvolver núcleo e ficar sem praticar magia, humanos podem facilmente ficar sem isso. — Elia explicava balançando os pés sentada na cadeira alta.
— Ah, vocês não têm núcleo. Sempre me perguntei como faziam magia.
— Temos veias de mana, mas algumas pessoas têm elas entupidas de impurezas.
Ahrija parou o que fazia para olhar a princesa, impurezas…? Seria aquilo que ela cuspia quando estava desacordada? Voltou a lavar os pratos enquanto conversava com a menina de cabelos brancos:
— Manifestamos nossa magia por meio das auras, cada aura significa um tipo de magia que podemos manifestar.
Eliassandra às vezes parecia uma pessoa bem mais velha falando, usando palavras que pareciam muito complexas para sua idade, mas Ahrija não reparava.
Ele era criança, apenas achava que ela era muito inteligente:
— Então… Você tem uma aura agora? — Ahrija estava enxugando as mãos.
— Acho que sim. Veremos depois.
Agora Elia já conseguia enxergar melhor, seus olhos ainda ardiam, mas ao menos Ahrija deixou de ser um vulto e agora era uma criança de verdade.
Esfregou mais os olhos e finalmente estava melhor, ainda sorrindo com aquela animação que não sabia que poderia ter, um passo mais perto de ter sua magia, era um a felicidade que não cabia em seu peito.
E agora, após escovarem os dentes e trocarem as roupas por mais leves, que eram de Ahrija, vale a pena lembrar que Elia não tinha tantas roupas assim, então foi obrigada a dividir com seu mais novo amigo, que era maior que ela. Era no mínimo uma cena engraçada já que as camisas do dracônico mirim viraram os vestidos da princesa, e ainda sim estavam folgados.
Por conta do sono pesado de Quevel, Ahrija e Eliassandra tiveram que dividir a cama, duvidavam que teriam força para mover ele da cama, mesmo que a cama originalmente fosse dele, afinal apenas os dois moravam ali, porque teriam outra cama não é?
— Então… Amanhã vamos ver sua magia?
A criança dracônica já estava aninhada no seu canto da cama, do lado do corredor como preferia sempre, Elia por sua vez estava com as costas contra a parede, abaixo da janela:
— Se tudo correr bem, sim.
— Eu vou adorar ver… — A voz de Ahrija foi ficando baixa, meio sonolenta.
Os olhos iam fechando aos poucos, enquanto Elia mantinha o sorriso calmo olhando seu amigo, era mesmo diferente ver uma pessoa dormindo calmamente assim, nem na sua casa tinha essa liberdade, já que desde sempre dormia sozinha naquele grande quarto.
Ficou ali, olhando Ahrija dormir, com a luz da lua iluminando seu rosto, tinha uma calma absurda naquele ambiente, as respirações tranquilas dos dois dracônicos se misturando num ritmo tão parecido.
Era calmo e engraçado de se observar.
Mas ainda sim, Elia não tinha sono, não se mexia na cama por medo de acordar o pequeno garoto ao seu lado, mas não sentia vontade nenhuma de dormir.
Sabe-se lá quanto tempo se passou quando viu uma sombra na janela, pela primeira vez naquela noite, Elia levantou, encarando a janela vendo uma figura que se assemelhava a um animal, não conseguia bem distinguir por conta da luz da lua, mas a criatura pulou da janela, fazendo a pequena princesa se aproximar da janela, queria ver!
A criatura tinha cores que se assemelhavam ao olho novo de Elia: Azul e Amarelo, era um… Coelho? Tinha longas orelhas e corpo redondinho, até olhou para trás para encarar a princesa e então voltou a pular.
Qualquer bom senso que Elia tinha foi jogado fora quando ela pulou pela janela, agradecendo mentalmente por ser um térreo e não um primeiro andar.
Continuou ignorando o bom senso enquanto corria atrás daquela criaturinha que parecia brilhar entre a escuridão da floresta negra. Elia tentava não cair, mas os tropeços eram inevitáveis nas raízes altas daquele local:
— Espera! — Tentou chamar a atenção da criaturinha.
Mas ela sequer olhava para trás, tão perto, tão longe, parecia que estava no alcance de suas pequenas mãos, e não conseguia pegar, era irritante, mas Elia não desistia de pegar aquilo. Cada vez mais adentro da floresta, se afastando cada vez mais da cabana que estava com Quevel e Ahrija.
A criatura de orelhas longas parou em cima de uma pedra alta, olhando para a princesa, parecia se divertir vendo aquela humana cansada, com as mãos apoiadas nos joelhos:
— Você! — Apontou o dedo para a criaturinha. — Quem é você? O que é você?
Mas a criatura não se manifestou muito além de abaixar as orelhas:
— Você não me entende né? Claro que não! Você é um coelho.
Resmungou olhando para a criaturinha, então caiu sua ficha: Estava perdida.
Completamente perdida na floresta negra.
Elia olhou ao redor, perdida, mas não em desespero, pensava que talvez fosse fácil voltar se apenas seguisse o mesmo caminho que veio, mas qual caminho ela veio?
Não lembrava!
A criaturinha que ainda estava em cima da pedra pulou para cima de Elia, a derrubando no chão, não machucou, mas com toda certeza assustou um pouco:
— Oi oi, calma lá, ainda não sei o que é você.
Mas a criaturinha apenas se esfregava em Elia, como se conhecesse a anos, como se realmente fosse dela. E bem lá no fundo… Eliassandra também sentia que aquela criatura coelho fosse dela:
— Eu te conheço não é? De algum modo…
Elia se rendeu fazendo carinho na cabecinha da criatura, finalmente reparando melhor em seus traços, era realmente um coelho com longas em tons de azul e amarelo, os olhos eram bem amarelos e brilhantes, as patinhas também eram amarelas, com pontos brancos que se assemelhavam as estrelas. Até o rabinho pompom era amarelinho. No centro da testa tinha uma marca idêntica ao olho bicolor de Elia.
Era difícil negar a semelhança entre elas, ao menos com aquele olho:
— Ok, você vem comigo pra casa, mas ainda sim, precisamos saber como voltar pra lá. — Colocou a criatura coelho no chão, bonitinha aos pés de Elia. — Agora… Pra onde?
Olhou ao redor, sim, a floresta negra era muito escura, especialmente a noite onde a lua sequer servia para iluminar o local, tudo parecia igual para ela. Bufou ficando emburrada, não sabia para onde ir de fato.
Olhei mais um tempo ao redor, até finalmente dar meia volta, para Elia fazia sentido, estava indo pra frente, iria para trás agora, talvez se andasse na possível direção contrária que veio, ao menos na cabeça dela fazia sentido:
— Então… Você não fala?
O coelho apenas moveu as orelhas, Elia deu uma risada, pois é, parece que não falava, mas lá no fundo a princesa sentia como se entendesse, como se tivessem uma especie de conexão. Será que era algo assim?
— Eu acho que preciso deu nome pra você. Bem… Você é um tipo de coelho, talvez eu devesse te chamar como uma das estrelas da constelação do Coelho? Acho justo.
Mas não sabia bem sobre estrelas, nunca se preocupou com isso, e agora estava ali tendo que pensar num nome para um… Coelho estelar?
— Você é o que? Coelha ou Coelho?
O animalzinho encarou Elia, e como se realmente se entendessem, apenas sorriu com o entendimento:
— Certo, não faz diferença, entendi.
Como? Não sabia, mas se entendiam mesmo que o primeiro contato de ambos fosse ali, era como se fossem conectados.
Mantinham aquele andar calmo, mas por dentro Eliassandra não deixava de pensar o que estava acontecendo, será que aquele coelho das estrelas era algo de sua aura? Sua magia invocou aquilo? Mas como?
Um presente de Pollux, talvez?
Mas seus pensamentos foram interrompidos quando o coelhinho parou de andar, ficando em alerta. E Elia acabou ficando em alerta quando notou passos quebrando alguns galhos ao andar.
Não deu tempo de se esconder, pois do meio de algumas árvores uma pessoa surgiu, um humano.
Um humano alto, meio mal vestido, tinha um cheiro estranho, e parecia surpreso ao ver Elia ali, sozinha na floresta:
— Eu não sabia que alguém estaria aqui.
— Eu estou indo pra casa.
Por mais que Elia tivesse uma aparência de criança, pequena e fofa, a voz era fria, o olhar era cortante, parecia que estava falando com um adulto à sua frente:
— Bem, eu posso te levar se…
— Não. Grata.
Apenas desviou o caminho para o lado, querendo sair do campo de visão do homem, mas esse não pareceu ter achado a ideia interessante, começou a seguir a criança que estava desacompanhada:
— Garotinha, é perigoso andar sozinha por ai.
— Não quero ajuda. — Elia repetiu começando a apertar o passo.
Mas ele não ia embora.
Era um saco.
Aquele corpo era pequeno demais, fraco demais, mesmo que estivesse usando ele à alguns anos, nunca tinha de fato lutado com ele, nem mesmo na sua vida passada, afinal sempre teve magia para ajudá-la.
Agora não tinha isso.
— Ei. Garotinha.
Elia continuava sua caminhada mais rápida, até começar a correr dele, mas ele não pareceu ter deixado barato, era claramente mais rápido que ela, mas por conta da distância que tinha pego antes conseguia se manter afastada.
Mas não por muito tempo.
Precisava arrumar um jeito de fugir.
Se ao menos soubesse para onde estava indo seria mais fácil, mas não sabia!
O coelho corria ao seu lado, parecia estar tão desesperado quanto ela, parecia que sentia o que Elia sentia, mas no momento não conseguia pensar nisso.
Só conseguia pensar em fugir!
Tentava não olhar para trás, mas o perigo iminente fazia seus pelos eriçarem de medo, fazia tempo que não sentia aquele medo de perigo.
Corria.
Corria pela sua vida.
Sentia que era pela sua vida que estava correndo.
Olhou para trás uma última vez, e ele estava ali em seu enlaço. E foi esse momento que pareceu ter colocado tudo a perder: Tropeçou numa raíz alta indo ao chão, nem ligou para os machucados que provavelmente teria:
— Peguei você.
— Eliassandra?
A voz rouca e surpresa que Quevel se fez presente no local, o homem parou com a mão a centímetros de Elia, que estava com os olhos assustados. Logo se levantou, com os joelhos ralados pela queda, mas a dor não era perceptível naquele momento:
— Que raios você está fazendo aqui? Não devia sair de casa no meio da noite. — Repreendeu encarando a princesa.
— Perdão… — Elia murmurou indo até o médico dracônico.
O homem estava encarando aquela situação, a criança humana segurando a calça do dracônico, os olhos de Elia, antes assustados, agora tinham um brilho frio, raivoso encarando o humano que a perseguiu:
— Ei, quem é você? — O homem falou alto.
— Sou o médico dela. Vamos.
Quevel pareceu não estar de fato preocupado com o homem, apenas se virou com Elia em seu enlaço, só queria voltar para casa e questionar por que ela achou uma boa ideia sair no meio da noite assim! Nem reparou no coelho que andava ao lado de Eliassandra:
— Ei! Você aí, é o dracônico da floresta negra não é?
— Já disse que sou apenas um médico.
Quevel parou de andar, respirando fundo, conseguiu ouvir o barulho da espada sendo tirada da bainha, não queria ter que lidar com isso agora, especialmente na frente de uma criança:
— Eu sou…
— Não ligo, o que você quer? — Quevel interrompeu a fala do humano.
Olhou por cima do ombro, vendo o humano com a espada apontada para si, não era possivel que lidaria com aquilo naquele momento:
— Eu vim te capturar, claro. Sabe quanto vale pele de dragão?
— Não sei. Não me importa.
Fazia anos que Quevel sequer lutava, muito antes até mesmo de adotar Ahrija como seu pupilo, e agora parecia estar sendo forçado àquilo. Se virou completamente para o homem, que mantinha a espada apontada em sua direção:
— Você quer mesmo fazer isso?
— Se me entregar a menina…
O humano sequer terminou de falar quando foi atingido por um soco direto de Quevel, se controlou esse tempo todo, mas aquela fala simplesmente foi além do que poderia suportar. Como alguém poderia ser tão nojento? O corpo do humano bateu contra uma árvore, mas aquilo não parecia ser suficiente para o machucar, não de forma definitiva:
— Eliassandra, continue andando.
— Mas…?
— Eliassandra, eu não estou brincando. Vai.
A voz era fria, cortante, firme, uma coisa que até agora não tinha ouvido, afinal ele sempre era divertido e calmo consigo e Ahrija, agora estava carregada de uma frieza que tinha visto apenas uma vez. Na sua vida passada.
Ouviu os passos da menina se afastando do local que estava com aquele humano que apareceu para testar sua paciência:
— Muito bem, vamos conversar agora, só nós dois.
Quevel deixou seus aspectos dracônicos ficarem mais evidentes, seu corpo ficando mais largo e o rosto se transformando em algo escamoso e mais assustador. O humano tremeu.
Conseguia sentir o cheiro que aquele humano exalava.
Ele estava com medo.
Elia e o Coelho
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