Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 31: CAMPER

O olhar na sua direção era tão frio quanto as pedras de granizo.

“Escuros como um ônix negro”, lembrou Bel, da primeira impressão que teve daqueles olhos.

Gabrio emitia fagulhas elétricas por todo o corpo, sem dúvidas, estava sob o efeito da Ligação Astral. Naquela competição, aquilo interligava o corpo e mente do jogador com a arma.

As Relíquias da Calamidade tinham um poder fora do comum, dentro de cada uma havia uma entidade poderosa, diziam ser almas de criaturas mitológicas que possuíam vontades próprias.

Dentre os vários desafios de usar aquela coisa, dominá-la era um dos maiores, pois, caso contrário, acontecia exatamente o que estava presenciando, a arma dominava o usuário.

— E aí?! Quem é você, oitava? — perguntou Bel, diante do silêncio dele.

A ruiva foi ignorada. Porém, a resposta veio sem palavras, sua pele arrepiou.

Em um piscar de olhos, Gabrio surgiu na sua frente, tentando perfurá-la com a espada.

Scarlet esquivou com um giro no ar para o lado, em seguida, bloqueou outra tentativa de ataque, uma após a outra.

O novato atacava sem parar.

— Ah! Velocidade de um raio?! Que apelão! — reclamou ela.

Gabrio se movia deixando o rastro elétrico no ar, seus movimentos estavam tão rápidos que a ruiva mal os via. Contudo, os arrepios na nuca previam de ondem viriam.

O choque entre as adagas e a espada emitiam uma explosão de luz dourada.

Scarlet lançou a adaga verde e movimentou os dedos, utilizando seus fios fantasmas para controlar a lâmina.  

Ele defendeu o corte, mas a arma não parou, continuou atacando sozinha, se movendo no ar. Do outro lado, Scarlet apareceu efetuando golpes com a adaga azul.

Gabrio foi obrigado a se preocupar com ambos os lados, era como lutar com dois oponentes.

A ruiva aumentava a intensidade dos golpes, testando o limite da velocidade dele, para sua surpresa, acompanhou mais do que esperava. No entanto, rompeu sua defesa e a adaga azul passou cortando seu ombro direito.

O possuído girou a espada e a cravou no chão, a área foi afetada por uma forte descarga elétrica. Rapidamente, a ruiva desviou saltando no ar e se afastou.

— Usou um ataque duplo para neutralizar minha velocidade. — A voz veio de Gabrio, mas não era a dele, o tom grave e rouco soava semelhante a um rosnado.

— Ora! Olha quem resolveu falar! — disse Bel, cruzando as adagas na defensiva.

— Inteligente, mas... decepcionante! — bramiu ele.

— O quê?! Eu vou te quebrar sua espada enferrujada! — retrucou indignada.   

Gabrio ergueu uma das mãos, segurava uma pedra de gelo. De imediato, seus braços assumiram a propriedade do elemento, ficaram esbranquiçados e soltando o vapor frio.

Scarlet ficou sem entender, mas o arrepio a alertou.

As pedras de gelo vieram de todas as direções, por um segundo, não foi comprimida entre duas montanhas de granizo, desviou com um salto para trás, porém, as pedras a perseguiam.

Gabrio aproveitou a abertura e atacou com a espada, em um corte diagonal.

A ruiva bloqueou o golpe, contudo, o granizo finalmente atingiu. Sobre sua cabeça, a pedra desceu espremendo-a no solo em um forte impacto. Logo, outras dezenas de pedras gigantes vieram no mesmo local.

O novato tentava soterrá-la com o gelo.

Scarlet se levantou dando pulos em sequência, tentando evitar as pedras e lançou uma das adagas para cima.

— Minguante... Absorver! — ordenou ela.

A lâmina verde penetrava a chuva de granizo, cada golpe acertado e as pedras sumiam, drenadas pela adaga. Com o uso dos fios fantasma, conseguia movimentar a arma ao redor, chicoteando-a no ar e em alta velocidade.

O novato estava parado, sorrindo ao vê-la se defender.

— Usou essa tática pra neutralizar uma das minhas adagas, tirando minha vantagem da arma dupla — sugeriu Bel, era sua vez de analisar a estratégia do seu oponente. 

Gabrio posicionou a espada, se preparando para mais uma rodada do combate.

— Inteligente, mas decepcionante! — disse ela, revidando ao seu comentário anterior.

— Essa batalha só começou! — proclamou ele, com seu tom feroz.

— Na verdade... já acabou! — informou ela, torcendo os lábios em um bico. — Essa sua estratégia usou muita energia. 

Clin!

O aplicativo de Gabrio bipou.

Restrição!

Uso de Energia Mágica Bloqueado!

Felizmente, Gabrio não possuía recursos suficientes para manter uma Ligação Astral por muito tempo.

— Não! Me dê uma batalha digna! — bramiu ele, tentando investir na direção dela, mas seu corpo caiu, no primeiro passo.

Clin!

Uso de Energia Física Bloqueado!

Se não fosse pela Restrição, a espada drenaria até última gota de poder do novato. Por conhecidência, o efeito que aplicou nele com o objetivo de impedir que sua combustão o matasse, também serviria para limitar o uso imprudente da Relíquia da Calamidade, aquilo saia melhor que encomenda. 

Scarlet puxou as adagas, o gelo parou de segui-la.

— Ah! Fica pra próxima! — falava abaixando ao seu lado — Até que foi divertido, mas agora, por favor... devolva meu novatinho!

— Maldita... deusa... da lua... — O som da voz dele foi cadenciando.

Clin!

Uso de Ligação Astral Bloqueado!

— Olha aí, meninas! Alguém conhece vocês — disse ela, para as duas adagas.

As armas vibraram agitadas, parecia um protesto.

— Não! Se comportem! Já chega por hoje! — ralhou ela, em seguida, as armas sumiram.

Scarlet observou seu pupilo abrir os olhos, como se despertasse de um pesadelo.

— Olá, Dark! — saudou ela, animada.

***

Gabrio olhou a sua volta, a chuva do granizo gigantesco continuava, a cidade não tinha mais figura, o local inteiro era apenas uma zona cheia de crateras, destroços e corpos esmagados, o sangue das vítimas escorria com o gelo derretido.

— Que merda aconteceu comigo? — perguntou ele, diante do caos que via.

— Ah! Bem... depois eu explico! — disse ela, estendendo a mão para ajudá-lo a levantar.

Ele aceitou, ainda tonto das ideias.

— Cadê o Gunner? — perguntou Gabrio.

— Ah! É verdade — Bel levou uma das mãos a testa, se empolgou tanto que esqueceu do atirador. — Aquele covarde fugiu assim que você ativou a Ligação Astral.

— Fugiu?! — indagou, confuso. Não parecia nada do estilo de Gunner.

Bel fechou os olhos e se concentrou.

— Achei ele! — informou.

 Seu olhar seguiu para a direção do atirador.

— Fica aqui — mandou Scarlet. — Vou resolver isso.

Gabrio se esforçava para continuar em pé.

— Como assim?! — protestou ele. — Vai me deixar aqui desse jeito?

Scarlet Moon o encarou por cima dos ombros e sorriu, sumindo em um piscar de olhos. Aquilo deixava claro, a resposta era sim.

***

Gunner atirava nas pedras de gelos, o tamanho exagerado delas começava a incomodar. Lógico, para um atirador, quanto maior o alvo, mais fácil de se acertar. Porém, aquilo estava custando muitos dos seus recursos, era quinta bazuca que usava.

“Talvez devesse ir embora! Espera aí... por que não fui ainda?!”, pensou ele, não entendendo a sua hesitação. Afinal, estava na companhia de Scarlet Moon, a jogadora mais caçada pelo clã supremo, um suicídio ambulante para qualquer companheiro.

O atirador puxou o celular, bastavam alguns cliques para sair daquela partida.

— O que tá fazendo?! — disse a voz aveludada.

“Falando do demônio... Não... a Rainha Demônio.” Gunner virou para encarar a ruiva.

— Oi, mestra! Como está o Noob?! — perguntou risonho, retornando o celular ao bolso.

— Não tá pensando em fugir de mim, né?! — indagou ela, com o olhar estreito.

— Mestra! Jamais! — negou Gunner. — Preciso muito dos seus...

— Chega!

O comando dela o silenciou.

— Cansei dessa sua brincadeirinha! — relatou exasperada.

— Mestra... eu...

— Disse pra não brincar com a minha paciência...  — Scarlet deixou fluir sua combustão azul, as chamas irradiavam de todo o corpo. — Infelizmente, pra você... acabou.

Gunner a sua frente não conseguia movimentar a ponta dos dedos, o medo o congelou completamente, o atirador possuía consciência de que se efetuasse qualquer movimento em falso conheceria a morte ali mesmo.

— Vamos acabar com isso — disse ela, dando um passo na direção do atirador.

“Foi bom enquanto durou...” Gunner fechou seus olhos aceitando seu destino.

— Não! — gritou ele, abrindo os olhos novamente. — Não vou desistir da vida assim!

Gunner sacou seu revólver, as chamas vermelhas circularam a arma.

— Isso! Assim que eu gosto! — revelou Scarlet, seu sorriso cada vez mais largo. — Detesto presas imóveis.

“Então o bicho-papão sem piedade existe mesmo.” Gunner estava observando uma fração do poder dela.

Uma das lendas que mais o assustava, era aquela qual ninguém viu de perto o rosto de Scarlet Moon, os que ousaram se aproximar demais morreram sem deixar vestígios.

Os mais inteligentes deviam correr assim que avistassem o cabelo ruivo na partida. Porém, tantas jogadoras pintavam o cabelo de vermelho para se beneficiar dessa lenda, nas partidas que esteve encontrou tantas farsantes que imaginava que a verdadeira já devia estar morta, cometeu um erro fatal.

O atirador suspirou e abaixou a arma.

— Por Buda! Quem tô tentando enganar? — disse ele, guardando a arma na cintura. — Eu nunca seria páreo pra você.

Scarlet esticou a mão, convocando a adaga.

— Não espere misericórdia — disse ela, caminhando na sua direção.

“Desculpa... vou ter que me juntar a vocês!”, lembrou Gunner, de uma promessa antiga.

O atirador ajoelhou no solo, baixando a cabeça.

— Vamos terminar logo com isso — pediu ele. — Só seja rápida.

Scarlet ergueu a adaga e desceu em sua direção.

— Mas... o quê?! — Gunner abriu os olhos, lentamente, ainda estava vivo.

Scarlet passou a lâmina do seu lado, não o atingiu.

Hihi! Hihihaha! Hi! Hi! Hihihahaha!

A ruiva gargalhava levando as mãos a barriga.

— Foi mal! Eu só estava brincando — limpava as lágrimas do riso com a ponta dos dedos.

Gunner ficou boquiaberto.

— Pode se acalmar, nunca matei ninguém que não me desse motivo — falava estendendo a mão para ele.

O atirador retribuiu o aperto, ainda pasmo.

 — Não acredite em toda a história que escuta por aí — informou ela.

Gunner levantou, tentando se soltar do aperto de mãos, mas ela continuou firme. Com a outra mão, Scarlet o segurou pelo braço e o puxou para baixo, a força foi o suficiente para que suas pernas cedessem e ficasse de joelhos de novo.

O atirador utilizou o braço livre para não cair de peito no chão, quando levantou a cabeça, a adaga dela estava posicionada a centímetros da sua garganta.

— Você me ofendeu duas vezes — mostrava sua feição irritada —, a primeira foi no trem, me chamou de baixinha e a segunda de fraca no jogo dos zumbis...

Aproximou seus lábios do ouvido dele.

 — Não vai haver terceira, ok?! — completou.

O atirador assentiu, engolindo a própria saliva.

A adaga dela desapareceu e, pela segunda vez, iniciou sua sessão de gargalhadas.

— Você só tem tamanho... Hihi... É muito fácil te assustar! Hihi... — disse ela, entre os risos.

“Mas que... Sua...” Gunner a xingava, em pensamento, de tudo que podia imaginar.

Com um puxão, o ajudou a ficar de pé.

— Vai ficar me sacaneando? Caramba! — reclamou, sem saber se ia mesmo morrer ali, cansado da indecisão.

— Do jeito que está levando a vida é desperdício do seu talento — relatou ela.

Gunner se afastou, sentindo o coração na garganta.

— Com essa chuva — disse ela, abrindo os braços. — Meus poderes são bem limitados, talvez você tivesse uma chance de vencer nessas condições.

— Sério?! — falava com seu tom debochado — Vencer a Rainha Demônio?!

— Você poderia ter tentado — rebateu ela. — Não existe ninguém invencível, todos têm uma fraqueza... todos!

“Sim... Ele também deve ter uma”, pensou Gunner e, pelo tom da ruiva, talvez tivessem pensando na mesma pessoa.

Em um pequeno intervalo de tempo esteve próximo de molhar suas roupas de baixo. Por fim, começou a rir da situação.

— Você é completamente maluca — relatou ele, na direção da ruiva sorridente.

— Ser um Camper... é isso que quer?! — disse séria.

Aquela pergunta o perfurou mais fundo do que a adaga dela conseguiria.

O atirador se empenhava muito para manter a pose de forte. No entanto, tornou-se atualmente aquilo que mais odiava nos jogos de troca de tiros, um Camper.

Um tipo de jogador que só esperava em um lugar seguro, que ficava longe dos riscos e se aproveitava da distração dos que saiam em busca da verdadeira emoção, em muitos casos, eram chamados de covardes, medrosos e desprezíveis.

Gunner permaneceu em silêncio, não queria dar aquela resposta.

— Achei vocês! — gritou o Noob.

O novato chegava ofegante e cheio de hematomas, seus braços estavam da cor do gelo, evaporando a fumaça fria.

— Viu, você sobreviveu! — relatou Scarlet, na direção dele.

— Usei várias pedras de saúde e restauração! — explicou ele, aos gritos — Depois usei a manipulação elemental e também diminuí o tamanho das pedras, mas minha energia acabou de novo, então... comecei a correr pela minha vida!

— Meus parabéns! Tá quase um jogador de verdade! — zombou ela.

O Noob lançou um olhar furioso na sua direção.

“Esses dois... talvez... Sim, talvez no mundo normal virássemos amigos”, Gunner avaliou a possibilidade e um sorriso surgiu, o único que, desde do momento que se uniu a eles, podia dizer que era verdadeiro.

— Por que a chuva de granizo parou? — perguntou o Noob, o arrancando para a realidade novamente.

— Verdade, o jogo ainda não acabou — concordou ela.

Gunner puxou o celular.

Bem-vindo!

Sobreviva até o tempo acabar!

Quanto menor o tempo... maior seus problemas!

Os que restarem vencem!

Tempo restante: 49 segs

Boa sorte!

— Ainda faltam alguns segundos — relatou o atirador. — Será que o jogo...

A sombra que se projetou sobre eles fez seus olhos arregalarem. Partindo as nuvens, a pedra colossal descia cobrindo toda área do jogo.

— Tá de brincadeira?! — bramiu o atirador. — Isso vai destruir a cidade inteira! Não tem lugar pra fugir!

Gunner puxou o celular, estava disposto a usar um dos seus trunfos.

— Sobreviva até o tempo acabar... essa pedra é como se fosse o Boss — disse o Noob, finalmente, com um pingo de discernimento.

— Vamos pra próxima aula! — relatou Scarlet, empolgada.

A ruiva esticou a mão convocando sua adaga.

— Dark... aprendeu a usar suas habilidades, combustão e uma espada — explicava levantando a arma para cima — Agora aprenda a juntar tudo.

Scarlet concentrou as chamas vermelhas ao redor da lâmina aumentando seu dano, além disso, a combustão também amplificava seus poderes e o aumento de força era algo que herdou do jogo, uma de suas habilidades da classe de Lutador.

Corte Carmesim! — pronunciou ela, movimentando a adaga de cima para baixo.

A explosão de energia vermelha saiu riscando o ar, atingindo a pedra colossal. Diante dos olhos deles, uma ação rápida, o granizo gigantesco se desintegrou por completo.

O aplicativo bipou.

Parabéns! Campeão!

O jogador sobreviveu!

 — Tem certeza que tinha uma mínima chance de te vencer? — perguntou Gunner, de queixo caído.

— Ah, claro que não! — Scarlet riu, dando umas tapinhas nas suas costas. — Isso também era brincadeira! Era só pra te dar uma moralzinha. Afinal, vocês são dois fracotes!

Gunner e o Noob se entreolharam com vontade de xingá-la.

Com o fim da partida, o Reload  regenerou as roupas e ferimentos deles.

— Que tal voltarmos pra sua casa e me fazer uma sopa maravilhosa? — sugeriu ela, clicando na tela do celular.

O atirador suspirou desanimado, marcando o local no mapa.

— Como eu faço pra unir a combustão na espada? — perguntou o Noob, seus olhos brilhavam de curiosidade.

— Eu já mostrei, agora se vira! — rebateu Scarlet.

— Nossa... que ótima, professora — desdenhou o Noob.

— Dá seu jeito, mané! — zombou ela.

Ambos começaram uma série de provocações infantis.

Gunner observava a cena e o seu sorriso sincero veio mais uma vez, dois no mesmo dia, com certeza, um recorde.



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