Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 47: Reta Final (2)

Anna continuou ocupando o quarto fornecido pela universidade. Apesar de tudo, sentia-se bem consigo mesma. Sua bondade excessiva havia em fim cedido espaço a um ressentimento contra o pai abusivo, diluindo a culpa que sentia por tê-lo denunciado.

No fim Lucio foi solto após o julgamento, mas a sentença imposta havia lhe tirado os direitos de pai sobre a filha, tornando Anna uma mulher independente. Desde então, Lucio entregou-se ao alcoolismo e agora passava os dias lamentando suas mágoas para os seus companheiros de manguaça.

Enquanto isso, em outro bairro da capital, Ronan tinha sua rotina determinada. Ele acordava, ia para a universidade, prestava atenção na aula, depois ia à biblioteca — onde encontrava Anna estudando sobre os assuntos que a interessava.

Às vezes até arriscava conversar com ela, apesar de não terem muita intimidade, no fundo sentia-se compelido em demonstrar solidariedade, pois ela tinha passado por tanta coisa nas últimas semanas.

Em uma terça-feira à tarde, Anna foi à Biblioteca Universitária falar com Ronan enquanto ele fazia a leitura de um guia sobre manipulação para iniciantes. O rapaz ocupava uma mesa entre duas largas estantes.

Esgueirando-se pela beirada, Anna se aproximou em passos cautelosos. Sem produzir ruído algum, ela se pôs atrás dele e, numa pegadinha premeditada, soltou a pilha de livros que carregava, na mesa onde ele estudava com uma concentração de outro mundo. O estrondo reverberou pelo segundo andar da biblioteca, chamando a atenção dos mais próximos.

— Pelos deuses Anna! Você quase me matou — ele disse após se recuperar do susto, com um meio sorriso estampado no rosto.

Ela retribuiu o sorriso.

— Estamos virando camaradas de estudos, não acha?

— Verdade, viemos aqui quase todos os dias.

— Ronan! — ela o chamou com um tom misterioso. — Há alguns dias eu fiquei aqui até tarde. E quando estava saindo, eu te encontrei conversando com uns rapazes no pátio da frente. — Os olhos de Ronan se arregalaram. — Eu pude ver vocês todos rindo de alguma coisa. Na hora eu não dei bola e fui para casa, mas desde então eu te vi com eles mais algumas vezes. E eu queria muito te perguntar: o que você faz depois que sai da biblioteca, e quem são aquelas pessoas?

Ronan respirou fundo, abaixou a cabeça, olhou para a mesa e fechou os olhos.

— Promete que não vai contar para ninguém?

Os lábios de Anna se contraíram num sorriso malicioso.

— É claro que não vou, você pode confiar em mim.

Ao todo o relato levou quinze minutos. Nos dois primeiros, Anna ficou o encarando com desconfiança, mas conforme ele gesticulava e narrava suas aventuras pós-aula e pós-biblioteca, Anna flagrou-se entusiasmada, envolta por um manto de empatia.

Surpresa por descobrir o lado oculto do rapaz, sentia-se privilegiada, alguém que detém o segredo para algo maravilhoso, mas que infelizmente, não poderia contar a mais ninguém, por enquanto, pois ele tinha um plano para revelar a carta que escondia na manga.

Ele olhou de um lado para o outro, espiou até mesmo as frestas das estantes que os cercavam e quando julgou seguro, perguntou:

— Promete que não vai contar?

— Eu, Anna Ambrosio, prometo não contar o segredo de Ronan Briggs a ninguém.

— Obrigado. — Sem saber o porquê, sentiu que poderia confiar nela.

Anna puxou da pilha de livros sobre a mesa, o exemplar presenteado pela amiga e empurrou-o com os dedos em direção a Ronan, que pegou para si e leu o título em voz alta:

— Uma análise sobre os infrutíferos estudos da conjuração curativa. — terminada a leitura, encarou-a. — Precisa de ajuda com alguma coisa?

Anna percebeu que ele não viu o nome do autor. Talvez agora não seja uma boa hora, ela pensou, mas de qualquer forma, fez o convite:

— Você gostaria de me ajudar numa pesquisa? — disse puxando o livro de volta para si. — Eu já convidei a Nat, mas ela acha uma perda de tempo estudar algo que foi largado às traças — ela complementou guardando o livro na bolsa.

Ronan levou a mão ao queixo, coçou a barba escura e rala, e refletiu por alguns instantes.

— Não sei Anna… minhas notas estão acima da média, mas não acho ser uma boa ideia eu me focar em outras coisas.

— Para com isso. Tuas notas são altas e sua manipulação melhorou muito desde o primeiro dia.

— Nem tanto… nem tanto… — disse coçando a nuca. — Mas eu acho que posso ajudar sim.

Os olhos de Anna brilharam.

— Muito obrigado. — Ela levou sua mão ao braço dele. O garoto enrubesceu de nervoso. — Amanhã nos encontraremos aqui, nesta mesa, pode ser?

— Pode sim — respondeu um tanto acanhado.

Enquanto Anna recolhia seus livros esparramados na mesa, Nathalia surgira por entre as inúmeras estantes que rodeavam os dois colegas.

— Te achei sua praga de Lince! — pestanejou a garota de cabelo dourado. — Você prometeu que iria vir lá em casa hoje. — Foi então que Nathalia percebeu o rapaz. — Ah! Oi Ronan, tudo bom? — perguntou em tom burocrático.

— Tu-tudo sim, e com você?

— Tudo ótimo… Anna! Vamos indo?

Com todos os livros empilhados em seus braços, ela respondeu:

— Vamos… tchau Ronan, até amanhã — disse sorridente, abanando a única mão livre.

— Tchau, até amanhã — ele se despediu observando um caminhar gracioso, entre suspiros de admiração.

Durante as semanas finais do primeiro semestre, Ronan e Anna pesquisaram a fundo os livros que poderiam conter um registro, um parágrafo, uma frase ou apenas uma nota de rodapé sobre a conjuração curativa. Para a infelicidade da dupla, todas as informações encontradas eram redundantes ou não levariam a lugar algum.

Quando as férias chegaram eles continuaram a frequentar a biblioteca. No dia 10 de julho, uma quarta-feira, eles subiram ao terceiro andar da biblioteca pela primeira vez. Pesquisaram e anotaram qualquer informação relevante encontrada nas pilhas de livros sobre a larga mesa que ocuparam entre três estantes empoeiradas.

Frustrado pelos resultados até então infrutíferos, Ronan questionou a amiga:

— Anna… há um tempo eu venho querendo te perguntar uma coisa.

— É mesmo? Pode perguntar. — As palpitações aceleraram.

— De onde veio seu interesse pela conjuração curativa?

Anna suspirou decepcionada, mas sentia que devia ao rapaz uma explicação, por isso abriu o jogo.

— É por causa do meu pai… — disse ela com pesar. — Tudo que eu ouvia dele na minha infância era “minha filha… — começou imitando a voz grave de Lúcio —… não se meta com essas bruxarias, ou vai terminar como a sua mãe”.

Curioso, mas apreensivo, Ronan emendou uma segunda pergunta:

— O que aconteceu com a sua mãe?

— Ela morreu durante a guerra. Foi convocada por julgarem ser uma conjuradora competente. Lutou ao lado do meu pai e morreu em seus braços.

Tão romântico. Tão trágico.

— Me desculpe por ter perguntado.

Anna o encarou com um sorriso e acariciou o próprio cabelo.

— Não se preocupe com isso. Eu acredito que a conjuração curativa possa trazer alívio para onde a conjuração só trouxe a desgraça. E, de alguma forma eu sinto que posso confiar em você… Ronan.

— Obrigado — foi tudo que ele conseguiu dizer.



Comentários