Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 54: O Rei do Sul (4)

Quando saiu da barraca, Patrique avistou Daniel e seus homens brandindo lanças contra o invasor oculto atrás de uma barraca não incendiada.

Patrique correu até lá para ajudá-los.

Testemunhou as faces suadas dos agressores também brandindo lanças, mas escondidos por detrás de uma parede de escudos redondos.

Os oponentes se moviam a passos lentos, Daniel e seus homens não compartilhavam da mesma formação, suas lanças apontavam inofensivas contra os escudos de madeira pintados em cores variadas.

Os defensores recuavam, intimidados por verem seus golpes aparados na madeira. A primeira baixa aconteceu, o rapaz que perguntou a Patrique sobre o futuro, minutos atrás, foi perfurado, atingido por um golpe de lança certeiro no coração.

A formação dos colegas recuava rumo ao fim do corredor formado por tendas, terminando numa larga barraca de armamentos. Patrique disparou até ficar a poucos metros deles. Respirou fundo, tomou coragem, pulou para dentro da formação e correu para trás em direção à barraca.

Ao ver o que tinha lá dentro, chamou dois dos doze soldados juntos a Daniel para que adentrassem no local.

— Sabem atirar com arcos longos? — perguntou assim que eles chegaram.

Eles assentiram.

Ótimo.

— Já entenderam né? — perguntou apontando para uma das barracas em chamas ali perto.

Um lampejo de esperança tomou o semblante dos dois.

Munidos de arcos longos e aljavas, os três saíram da barraca de armamentos. Retiraram a primeira flecha, encaixaram-na entre o indicador e o médio, levaram-na ao arco, puxaram a corda pesadíssima e sentiram os músculos arderem graças ao esforço descomunal.

Aguentando a dor, os três levaram os projeteis contra as chamas consumindo a tenda mais próxima, aguardaram a madeira das flechas incendiar, e miraram contra a parede de escudos.

— Agora! — ordenou Patrique.

Cada um sentiu as chamas esquentarem a mão esquerda quando as setas dispararam numa velocidade arrebatadora. Duas delas atingiram os escudos de madeira, mas apenas uma incendiou.

A outra teve sua chama apagada durante a trajetória. A última perfurou o elmo de um invasor, que caiu no chão, enquanto o portador do escudo em chamas teve de recuar para apagar o fogo.

Daniel foi sagaz, aproveitou-se da abertura e ordenou seus homens a estocarem pela brecha aberta por seus criativos arqueiros.

Dois mercenários caíram sem vida no chão, perfurados em pontos vitais e um recuou devido às dores trazidas pelo ferimento não letal que sofrera.

Agora a vantagem de não possuírem uma linha defensiva tornou-se uma vantagem, pois as lanças inimigas, apesar de terem o mesmo cumprimento, ficavam nas mãos da segunda fileira, que se protegia atrás dos guerreiros brandindo escudos e espadas curtas demais para investirem.

Patrique tinha que agir rápido. Seus amigos continuavam recuando. Apesar do terreno ganho com a investida, tudo dependia dele e dos seus dois arqueiros. A distância entre os três e os lanceiros amigos já era menor que doze metros.

— Esperem até a flecha incendiar pra valer.

Eles acenaram mais uma vez.

Os três repetiram o processo, mas aguardaram o crepitar das chamas consumindo a madeira enquanto sentiam o calor em seus rostos.

— Disparar!

As três flechas zuniram, irradiando uma parca luz pela trajetória até acabarem aparadas pelos escudos. Duas atingiram o mesmo alvo.

Daniel repetiu o processo e mais dois mercenários caíram no chão, mas ao recuarem, um dos amigos foi repelido num contra avanço, recebendo uma perfuração profunda no ombro. Daniel ordenou-o a se retirar, o que ele fez ao se arrastar e chorar, deixando uma trilha de sangue para trás.

O comandante inimigo ordenou que apressassem o passo, a primeira linha avançou de forma ousada, ganhando mais cinco metros. Os lanceiros da segunda fileira os acompanharam.

Patrique observou a tudo horrorizado. Acabaram de ser trancados entre as barracas que contornavam o perímetro em “U”. E a única saída larga o bastante foi tomada pelo avanço repentino.

As vielas entre as tendas eram muito estreitas e todos poderiam ser mortos caso tentassem fugir por elas.

Mas a já escassa esperança sumiu quando um pelotão de besteiros reforçou as fileiras inimigas. Os homens de Daniel lamentaram. Dois largaram as lanças e tentaram fugir, mas foram abatidos pelos virotes das bestas.

Atrás da formação amiga, Patrique não desistiu, repetiu o processo e os dois outros arqueiros o acompanharam, o horror era nítido em suas faces. Não houve tempo para dispararem, pois foram perfurados por setas.

Graças ao sadismo do destino ninguém fora atingido em algum ponto vital, Patrique recebeu o golpe no braço direito, perfurando a cota de malha.

O arqueiro mais a esquerda teve seu meio elmo removido pelo virote que raspou em seu cabelo, deixando um rastro vermelho no couro cabeludo.

Enquanto o último caiu no chão ao ser alvejado por dois disparos, um no meio da coxa e outro na cintura.

Estava tudo perdido…

Inutilizado, Patrique jogou-se no chão fazendo pressão no braço ferido enquanto tentava conter os lamentos como podia. Um a um o pelotão de Daniel foi massacrado pelos projéteis das bestas.

Os corpos dos falecidos marcavam com sadismo o recuo do pelotão, agora a pouco mais de cinco metros da barraca que os encurralaria, a mesma tenda onde Patrique encontrou os arcos.

Em questão de segundos o último soldado da formação foi alvejado, restando apenas Daniel, Patrique e um dos arqueiros, pois o outro havia sucumbindo a perda de sangue.

O sargento brandiu a lança contra invasores e avançou com toda coragem que pôde reunir, mas meia dúzia de setas o perfuraram, manchando as três espadas em seu tabardo, de vermelho, Daniel tentou permanecer em pé apoiando-se em sua lança, mas não conseguiu, largou-se ao chão, tombando de frente.

Estrondos ininterruptos ressoaram pelo acampamento em chamas.

Patrique observou com impotência os seus carrascos. As bestas foram recarregadas, os atiradores levantaram suas armas e miraram em seus alvos, mas hesitaram. Os mercenários contemplaram amedrontados a chegava da cavalaria.

Nem ousaram se defender.

Os lanceiros largaram suas hastes e tentaram fugir por de onde vieram, porém, dezenas de cavalos atropelaram os fujões. Os cavaleiros munidos de lanças perfuraram os que não cederam ao impacto dos equinos.

Não houve luta, apenas um massacre. Os salvadores não utilizavam armaduras pesadas, apenas uma couraça prateada de aço fino e um meio elmo com viseira. Um deles desmontou e veio com um passo apressado em direção à Patrique.

— As três espadas de Belfort — ele constatou em voz alta. — Está tudo bem? — Parecia preocupado, de verdade.

Eles trajavam um uniforme de cor azul e cinza, mas não ostentavam nenhum símbolo.

— Estou sim, obrigado — Patrique respondeu tentando não demonstrar dor — Mas… quem são vocês?

— Somos a cavalaria leve despachada de Lincevall. Viemos até aqui para ajudá-los na travessia — disse enfaixando o braço de Patrique com a tira de pano que rasgou de uma tenda parcialmente chamuscada.

— Chegaram bem na hora!

— Foi fácil encontrá-los nessa escuridão, quando avistamos as chamas lá de longe, nós viemos o mais rápido possível.

— Agradeço mais uma vez, mas vocês precisam encontrar meu pai.

— Me desculpe, mas nossa prioridade é encontrar o rei Henrique.

— É ele mesmo — disse Patrique em meio a risos.

O cavaleiro processou aquela informação durante um tempo.

— Então você é o…

— Patrique Belfort, o futuro governante do sul. — Tentou não se gabar.

— Você sabe onde ele pode estar?

— A ultima vez que o vi, ele tinha partido em direção oeste. A proposito, como se chama o cavaleiro que me salvou?

— Só um momento.

Ele virou-se e foi de encontra a sua unidade, seus colegas não haviam descido das montarias. Após uma breve conversa, os cavaleiros montados partiram apressados na direção oeste, como instruído por Patrique.

O cavaleiro-salvador retornou para responder a pergunta que ficou pendente:

— Me chamo Daniel, eu sou o sargento deste pelotão de cavalaria leve.

Patrique riu, riu daquele nome, daquele cargo e da ironia do destino.



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