Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 2: Duquesa Minami

Completamente embasbacada com a beleza e imponência da pessoa diante de si, Ryota demorou algum tempo para perceber que o silêncio estendido entre eles era porque ela tinha demorado para responder à pergunta dada pela duquesa.

A moça, que tinha permanecido perfeitamente parada, analisava com suas belas esferas esverdeadas como joias uma Ryota completamente sem-graça lutar consigo mesma para encontrar palavras para dizer algo.

— A-Ah! Isso! Ryota, esse é meu nome. Aham... É um prazer te conhecer também.

Assim ela se engasgou completamente para falar, endurecendo o corpo, mas finalmente algo saiu de seus lábios secos.

Maaaaano do céu, ela é linda de morrer! Então, realmente existem pessoas escolhidas pelos deuses para serem tão perfeitas assim? Quero dizer, ela é bonita, mas ao mesmo tempo de dá um pouco de medo quando fica me encarando desse jeito...

Os pensamentos da garota que suava da testa às pontas dos pés não eram sem fundamento. Afinal, apesar da beleza de Fuyuki Minami ser de fato estonteante ao ponto de se parar para admirar sem sentir o tempo passar, havia nela uma aura fria que não permitia que ninguém se aproximasse. Os olhos verdes que brilhavam semicerrados pareciam analisar tudo e todos. Havia uma delicadeza em cada movimento que fazia parecer que a donzela viera de outro mundo.

Até a forma com que sorriu, como uma verdadeira anfitriã gentil, após ouvir Ryota falar, era bonito. Na verdade, o tom de voz dela, que tinha um tom de alguém maduro, porém delicado, também era bonito.

— Acredito que tenham tido uma dura viagem até aqui. Por favor, acomodem-se para que possamos conversar. Sora, peça um pouco de chá para nós.

— Imediatamente.

Depois de assim dizer enquanto passava os olhos por todos em sua sala, ela deu as ordens, então o guardião solicitado fez uma reverência e sumiu em um piscar de olhos. Sem perder tempo, a duquesa balançou os cabelos brancos como a neve quando se sentou em sua poltrona de couro alta, parecendo ter pousado numa nuvem, e apoiou os cotovelos na mesa.

— A-Ah, sim... — Ryota assim murmurou enquanto se sentava na cadeira confortável ao lado de Zero, de frente para a mesa de Fuyuki. Kanami, no entanto, se prontificou a ficar ao lado esquerdo de sua mestre, com as mãos atrás do corpo e a cabeça levemente inclinada para baixa — C-com licença, então.

— Não precisa ficar nervosa, Ryota. Por gentileza, gostaria que se sentisse em casa. Será muito bem tratada aqui.

A garota que foi chamada pela duquesa mais uma vez trocou olhares com a bela moça, que pareceu apertar os olhos em sua direção por o que pareceu um instante antes de desviá-los quando uma empregada na casa dos trinta anos entrou na sala com uma bandeja e serviu o chá em silêncio.

Apenas Kanami e Sora — que, tão rápido quanto foi embora, voltou — permaneceram de pé, um pouco atrás de sua mestre, um de cada lado, sem se servirem da bebida.

Após a empregada sair, Fuyuki pegou sua xícara que tinha entalhes delicados em dourado e azul e deu um gole no chá. E então pareceu apreciar o calor que vinha dela quando voltou a vista para a dupla diante de si.

— Muito bem. Acredito que não precisamos enrolar a respeito de nosso encontro, pois suponho que Zero deva ter explicado de tê-la convidado até minha residência. Ou melhor, tê-los convidado, peço perdão pelo deslize. Ouvi a respeito do incidente no vilarejo de Aurora, ao sul... E sinto muito por sua perda. Como está o senhor Jaisen? Suponho que Eliza os tenha recepcionado no salão, também.

— S-Sim. Ela foi muito atenciosa comigo e com ele. O tio Jaisen está inconsciente ainda, mas parece que vai ficar bem...

Ryota respondeu baixinho, brincando com os dedos no colo. Ela estava bastante desconfortável com toda a pressão dos olhos sobre ela. Percebeu, também, que falar sobre o “incidente” de Aurora a deixava bastante mal, também. Se possível, gostaria de evitar o assunto, mas a duquesa não parecia propensa a fazer isso.

— Fico feliz em ouvir isso — disse ela, então suspirou profundamente — Infelizmente, esta não é a primeira vez que um lugar desses é repentinamente atacado.

Um lugar desses...?

— Mania, a Entidade da Insanidade; e Shai, o Fatiador Mascarado. Esses dois foram os responsáveis pelos atentados que assolaram muitos vilarejos e cidades nos últimos anos, principalmente ao sul de Thaleia. Mas é a primeira vez que aconteceu um em tão pouco tempo... Houve somente uma diferença de duas semanas entre um e outro.

— Pouco... Tempo?

Fuyuki falou um pouco sobre a dupla e, à pergunta meio baixa de Ryota, voltou seu olhar para ela. Porém, foi Zero quem explicou:

— Há duas semanas, uma outra cidadezinha no sul foi invadida... Ou melhor, tentaram invadir.

— Três dos meus guardiões estavam lá e puderam impedir o atentado, embora não tenham se encontrado diretamente com os responsáveis. Graças à eles, com as informações viajando rapidamente, o grupo conseguiu evacuar a cidade rápido o bastante para que nenhuma baixa fosse registrada. — Fuyuki cruzou os braços, franzindo as sobrancelhas — Mas, ainda assim, não esperava que fossem agir tão rápido.

Ryota piscou, refletindo em voz alta:

— Eles são realmente imprevisíveis, não é...?

— O problema é que a distância entre Porto das Correntezas e Aurora é muito grande. — Zero abriu a mão — E não seria possível viajar de um lugar ao outro em tão pouco tempo, caso não possuíssem algum meio de transporte. Houve um caso muito parecido há umas duas décadas atrás, entre uma cidade de Urânia e outra de Thaleia, mas, ainda assim, é bastante suspeito.

Os três países restantes — Thaleia, Urânia e Polímia — haviam se unido num só faziam-se apenas algumas décadas, e, mesmo tão próximos, ainda era impossível fazer uma travessia tão rápida entre os lugares. Se atravessar cidades na mesma região já se fazia necessário um par de dias, entre países era praticamente impossível naquele período de tempo. Eles não poderiam somente pegar um trem ou alugar algum veículo como pessoas comuns.

Afinal de contas, eram duas pessoas bastante conhecidas. Mas, mais do que conhecidas, a dupla era claramente um ímã de problemas e possuíam uma aparência e personalidade deturpadas e chamativas demais para não serem notados. Era difícil de imaginar que algo assim poderia acontecer.

O máximo que eles podiam deduzir era que eles tinham algum meio de transporte diferente para viajar entre os lugares. O que era ainda pior, considerando que isso fazia com que eles simplesmente pudessem ir à qualquer lugar à qualquer momento que bem quisessem sem qualquer adversidade.

— Duas décadas... 

Cara, se isso aconteceu também há tanto tempo... Quantos anos tem aquela garotinha??

Mania não parecia alguém na faixa da idade adulta. Não apenas por sua altura, mas também por seu tom de voz e aparência que lembrava alguém no máximo na faixa dos vinte anos. Mais do que isso seria exagero.

Não que fosse impossível de acontecer de uma pessoa possuir uma aparência bem diferente daquilo que sua idade real representava. Porém, ainda assim, era bastante estanho.

— Mania e Shai são dois seres procurados há muitos, muitos anos. Não existem muitas informações sobre eles e os poucos sobreviventes deliram quando tentam falar a respeito do que se lembram. Ou seja, todas as informações que temos em nossas mãos são apenas uma pilha de palavras sem sentido ditas por loucos que mal conseguem se lembrar do que comeram esta manhã. E, mesmo aqueles que parecem sãos o suficiente para dizer do que se lembram, a maioria não consegue descrever o que aconteceu em ordem, muito menos ligar uma informação à outra sem começar a delirar.

 — Algumas pessoas até cometem suicídio. — A duquesa fechou os olhos quando Kanami completou sua fala em voz baixa sem qualquer emoção na voz.

Um arrepio lhe percorreu, e Ryota abraçou os próprios braços, inspirando fundo. As passagens do que viu em Aurora saltavam em sua mente, mas ela tentou suportar a pressão. Mais do que isso: O medo do que aconteceria quando Jaisen finalmente abrisse os olhos a encobriu novamente.

Quer dizer, ele já havia aberto os olhos antes, mas não estava inteiramente consciente das coisas ao seu redor. A garota temia que, quando este momento chegasse, o mundo se tornasse uma verdadeira bagunça. Ela temia que Jaisen se tornasse mais uma dessas vítimas.

Zero deu um olhar discreto a Ryota quando ela disse, ainda com a voz baixa:

— B-Bom... Ainda bem que o tio Jaisen não sofreu de nada disso...

— Foi apenas sorte. — Kanami censurou seu irmão com um olhar afiado, mas ele não pareceu se amedrontar e continuou — Para ele, e para vocês, que saíram ilesos.

— ... Ilesos? — Ryota ciciou irritada em voz baixa para o gêmeo, que a encarou. Ela quase se ergueu da cadeira para contar o quão terrível era o estado de Jaisen e Zero depois do embate com a Entidade. Sangrando, desmaiados, quase mortos. Quando se lembrou de como Zero caiu em seus braços, como sentiu o corpo dele ficar leve, ouvindo as últimas palavras dele antes de desmaiar completamente ensanguentado... Ryota grunhiu e cerrou os punhos.

Teria sido muita sorte não ter se erguido pra socar aquela carinha lisa se Zero não tivesse chamado sua atenção apertando sua mão na cadeira por baixo da mesa, como que pedindo paciência. Ryota engoliu em seco e apenas desviou o olhar. Fuyuki não alterou sua expressão ou discordou do apontamento de Sora.

— Senhorita Minami, posso perguntar uma coisa?

— Vá em frente, por favor.

Quando assim pediu permissão para falar, ela não estava mais com medo. Havia, porém, um tom de frustração em sua voz. Ryota mordeu os lábios antes de continuar:

— Ouvi falar que a senhorita esteve bastante envolvida com os atentados... No caso, mais ciente deles do que outras pessoas. — Fuyuki assentiu e se surpreendeu um pouco quando, pela primeira vez, Ryota a encarou nos olhos sem temer — É verdade que quer nos ajudar?

Suas íris azuis tremiam um pouco pela ansiedade da resposta. Precisava disso para se decidir. Tinha de ter certeza... De que Jaisen estaria seguro e estável antes dela seguir seu caminho. 

A duquesa analisou o perfil da garota que lutava para permanecer séria, escondendo seu nervosismo e frustração, e deu um sorriso de lado. Que, por um momento, pareceu estranho para Ryota. Principalmente pelo jeito que suas sobrancelhas se dobraram. Como se a olhasse com um sentimento diferente da neutralidade.

— Mas é claro, minha querida. — Fuyuki piscou, passando os olhos para Zero — Acredito que meu guardião deva ter falado a respeito, embora, com poucos detalhes.

— Sim, isso mesmo.

— Portanto-

— Mas — Sora e Kanami pareceram ficar levemente irritados por Ryota ter interrompido a duquesa, mas nada disseram — A senhorita não aceitaria dois estranhos sem mais nem menos em sua casa, não é? Não estou querendo ser ingrata nem nada. Desculpe se soei grosseira. Na verdade, preciso te agradecer, porque estava muito preocupada com o estado de meu tio caso ele não pudesse descansar apropriadamente em algum lugar, logo.

Ryota apertou um pouco a mão que segurava a de Zero.

— Mas, assim como em Aurora, onde as pessoas vindas de fora eram completos estranhos para nós, provavelmente a senhorita deva pensar o mesmo de nós. E eu não a culpo se for o caso. Mas gostaria de saber... Se estou certa, ou não.

Ryota engoliu em seco quando terminou de falar. Porque ela estava pressionada e com medo, sim. Porque ela estava suando, também. Mas, também, porque tão horrível quanto falar sobre o atentado em Aurora, era ver os outros que sabiam sobre tratá-la como uma coitada.

Era esse o sentimento que tinha quando os olhos de Fuyuki cruzavam com os seus. Com superioridade? Sim, mas também não algo diferente de empatia. Era mais uma caridade meio barata. E que Ryota, como alguém bastante sensível à mentiras e sorrisos que escondiam segundas intenções, quase sentia isso desenhado atrás do rosto bonito da duquesa.

Após escutar isso, Fuyuki alargou seu sorriso de forma elegante. Ela, novamente, voltou a exibir a forma com que sua própria existência era bonita. Era possível sentir o cheiro suave de seu perfume daquela distância. Sua pele pálida era tão branca e lisa quanto a neve. Suas unhas compridas e bem cuidadas indicavam dedicação no cuidado de sua aparência. 

Fuyuki era deslumbrante até nas coisas mais simples como piscar, abrir os lábios e suspirar discretamente. A sensação era de que estavam em patamares completamente opostos uma da outra, e havia certa pressão quando tentava olhá-la nos olhos — coisa que Ryota achava o ideal numa conversa, mas era muito difícil de se fazer.

Na realidade, não apenas olhar para ela. Pois, quando Ryota precisava se focar na duquesa falando, também precisava lidar com a pressão de ser muito bem observada por dois pares de íris vermelhas.

Depois de um gole de chá, Fuyuki finalmente falou:

— A senhorita não está inteiramente errada. Naturalmente, meu auxílio é dedicado diretamente ao meu próprio povo. Muitos deles foram vítimas dos atentados da Insanidade e precisaram recomeçar sua vida do zero. Entretanto, com direito a todo o meu apoio, seja na educação, no financeiro ou na vida social. — Fuyuki apoiou novamente os cotovelos na mesa, cruzando os dedos finos — Cada nobre é responsável pelo seu próprio território, e não estamos em condições para trabalhar com caridades... Principalmente agora, na Era Sombria. Considero sempre dar o melhor aos que estão sob minha responsabilidade, mas estaria sendo injusta se não envolvesse meus próprios guardiões nisso, não acha?

Ryota piscou por alguns momentos, tentando processar o que ela tinha dito. Fuyuki Minami não era uma mulher idiota. Era preciso pulso firme pra estar na liderança, mesmo que de um pequeno povo, e ela estava sendo um tanto generosa se propondo a ajudar pessoas fora do seu alcance — Aurora não fazia parte do ducado dela. 

Se isso era uma desculpa ou não, foi muito bem contada para convencer a garota. Ryota relaxou o corpo na cadeira.

— Portanto, me disponho a dar o mesmo auxílio a vocês nesse momento. — Uma mecha de seus longos cabelos brancos caiu na mesa com uma suavidade de tirar o fôlego — Meus guardiões, assim como meu povo, fazem parte da minha família.

Fechando os olhos, Ryota processou rapidamente a resposta da duquesa, com um alívio no peito. Não importava quais eram as intenções de Fuyuki por trás disso, porque, de verdade, não importava. Desde que Jaisen tivesse um futuro, desde que ele estivesse vivo, bem e saudável estava tudo bem. 

— ... Isso me deixa mais tranquila. Muito obrigada, senhorita Minami. E me desculpe por antes... Eh...

— Não precisa se desculpar. Na verdade, fico feliz que tenha perguntado a respeito.

Fuyuki respondeu Ryota, que novamente ficou nervosa, com naturalidade. Então, ainda com o mesmo sorriso de quando chegaram na sala, fez um movimento suave com o dedo indicador e do meio da mão esquerda, ao que Kanami deu um passo pra frente.

— Certo. Acho que nossa conversa chegou ao fim. Agora, acredito que seja um momento perfeito para que você possa descansar, não? Kanami, leve-a até seus aposentos.

— Como desejar.

A gêmea a olhou por um momento e Ryota se ergueu da cadeira, fazendo a reverência em respeito à duquesa antes de sair do cômodo. Ela sentia os olhares de todos em suas costas. Zero não disse nada, apenas sinalizou com a cabeça para ela numa mensagem silenciosa de que podia ir tranquila. 

A porta rangeu quando foi aberta. O chá da xícara da duquesa balançou um pouquinho. Um par de olhos cor de sangue a fitavam com raiva por trás. E os esmeraldas se apertaram, brilhantes, acompanhando a saída das duas moças da sala da duquesa.

 



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