Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 25: Encontros

Ryota suspirou e sua expressão de felicidade aumentou ao ver a respiração se condensar no ar. 

— Tá frio mesmo, hein?

— Bem, já estamos no início do inverno. E seus dedos vão congelar desse jeito. Aqui, usa isso.

— Ah.

Num suspiro fingindo irritação, Zero se aproximou da garota e entregou o par de luvas que usava, ao que ela pegou de forma desajeitada. 

— Mas e você?

— … Só usa. Seus dedos estão ficando vermelhos, desse jeito vão cair duros no chão.

— Nossa, que exagero… Mas, tá. Obrigada.

Ela riu das palavras dele, mas apreciou o gesto. Enquanto falava, Zero se aproximou e a ajudou a colocar as luvas - embora pudesse fazer aquilo perfeitamente sozinha, obrigada. Ainda assim, foi tão gentil que apenas aceitou. 

Elas estavam quentinhas por dentro. Ryota esfregou as mãos, confortável.

— Aonde vamos, agora?

— Ah. Bem, vejamos… Eh… Que tal ali? — gaguejando, provavelmente por ter se perdido na pergunta, Zero apenas apontou para qualquer lado.

— Oh, o Lago Villarin? É um dos maiores do país, não é? O vulcão é tão bonito! Parece uma pintura!

Ambos se aproximaram rapidamente da cerca de concreto e a garota se apoiou nela para apreciar a vista. O extenso e brilhante lago Villarin se estendia por quilômetros à frente e para os lados, cercando Puccón. A pequena cidade do território Minami era famosa por receber centenas de milhares de turistas todo mês para estudarem e apreciarem tudo o que o lugar tinha a oferecer.

Ryota apontou para o Vulcão Villarin, ao longe, que estava coberto de neve. Era, de fato, uma cena linda. Ao longe, podia ver pequenos pontos descendo pela neve - pessoas esquiando -, e uma extensa trilha de caminhada. 

— Sim — respondeu Zero ao comentário dela, passando os olhos por seu rosto distraído.

— Eu queria poder fazer tuuudo, mas só consegui fazer um pedaço da trilha. 

— Tenho certeza que, se pedir, a mestre Fuyuki faria uma exceção especial pra você.

Ryota torceu as sobrancelhas, negando com a cabeça.

— Seria injusto com o resto da galera, não acha? Queria poder aproveitar com todo mundo… Você iria comigo?

— Tudo menos tirolesa.

— Não vai me dizer que tem medo de altura? — riu ela, cutucando o braço dele, ao que Zero riu e deu um tapinha suave em sua mão. 

— Cala a boca, idiota.

Só pelo jeito que a resposta foi dada, ficou claro para Ryota que a resposta era sim. No entanto, com um risinho zombeteiro no rosto, apenas deu alguns passos largos pra longe dele, com um ar convencido.

— Tá fazendo essa cara por quê?

— Naaaaaada. Naaaada mesmo, meu ami- 

Antes que pudesse terminar a frase, caiu na gargalhada quando vários dedinhos cutucaram sua barriga. Zero se aproximou e começou a fazer cócegas sem dó das lágrimas que escorriam dos olhos dela. 

— … T-Tá… Ah… J-Já p-parei… Ah, há, há…!

Um pouco depois, após implorar para ele parar, Ryota cambaleou e se sentou em um banco de madeira para recuperar o fôlego. Deu um chute na canela do outro, quando se aproximou, fazendo bico.

— Besta.

— Idiota.

— Beterraba.

— Tomatinho.

— … Meu rosto nem tá vermelho, seu bobão.

Os xingamentos saiam tão naturalmente que nem ofendiam. Afinal, ela continuava com um sorriso largo e dolorido no rosto. 

— Mentira — ciciou Zero, se apoiando no encosto do banco e olhando-a bem de perto. — Tá vermelho, muuuito. 

E sorriu. Um sorriso pequeno, mas muito bonito. Foi só então que ela sentiu o quão quente suas bochechas e orelhas estavam. E estavam perto. Perto demais um do outro.

Ryota riu de um jeito sem graça e empurrou a cara dele pra longe com a mão, desviando o olhar.

— N-Não tá não.

Sua respiração se descontrolou um pouco quando o rapaz segurou a mão dela, rindo. Ryota se sentia estranha e alguma coisa tinha mudado entre eles. Não tinha acontecido nada demais. Conversavam normalmente, como sempre.

Mas, toda vez que ele a tocava, seu coração disparava. Era esquisito. Nunca aconteceu aquilo antes… Na verdade, talvez já. Uma vez ou duas, talvez. Ela não sabia dizer. 

— Quer um café?

— … Sim. Por favor.

Zero se afastou e correu até uma cafeteria por perto. Ryota suspirou, massageando o rosto enrijecido.

— Mas o que tá rolando, afinal? — resmungou baixinho. — É só uma saída normal. Não tem nada de diferente. É só um… Encontro.

… Encontro?

Quando comentou a respeito com seus amigos na mansão, todos reagiram de um jeito diferente. Eliza ficou nervosa - como sempre -, e disse que precisava vestir algo bem bonito para a ocasião. Fuyuki havia indicado algo semelhante, e ambas a ajudaram a escolher uma vestimenta de inverno adequada. 

Kanami e Sora não pareceram surpresos, mas se entreolharam antes de rirem com o nariz com uma superioridade irritante. Cada um deu um conselho ao seu próprio estilo, dizendo coisas como “Mantenha a conversa”, ou “Faça elogios”. No fim, Ryota acabou acatando todas as ideias, o que tinha resultado naquilo tudo.

O rosto de Zero enrubesceu totalmente ao vê-la. Ele elogiou a aparência dela com o maior gaguejar possível. No começo, houve uma tensão entre eles, mas não demorou muito para que ambos iniciassem uma conversa e passeassem tranquilamente pela cidade.

Houveram vezes que ela o puxou pelo braço. Outras em que ele a pegava pela mão. E estava tudo bem. Era normal, não era? Deveria ser. Mas, pensando agora, enquanto estava sozinha, parecia tudo muito constrangedor.

Principalmente agora, quando ele tava tão perto! Aaaaaaaaaaaaaah, que droga! E o que foi aquela risada dele? Parecia meio diferente… Meu rosto ainda tá doendo… Hmmm...

— Tudo bem?

 Falando no bendito…

O rapaz, segurando dois copos decorados de café, fez uma expressão de preocupação. 

Ela sorriu.

— Sim, sim. 

— Não é o que parece. — Se sentando ao seu lado, estendeu um dos cafés para ela. — Sabe… Se você cansar da minha presença, ou se eu estiver te atrapalhando, você pode falar.

— De onde que você tirou isso? Eu jamais me cansaria de você, bestão. 

Zero fez um apontamento baixo antes de levar uma cotovelada e ter o copo de café roubado. Ryota suspirou.

— Eu só tava pensando numas coisas. Sobre como muitas coisas aconteceram e mudaram, também.

De fato. Não tinha sido só a relação entre os dois que houve uma mudança, mas Ryota acabou se aproximando muito de todos. Fuyuki se tornou uma amiga próxima e estavam sempre conversando sobre alguma coisa diferente. Eliza era alguém que via com menos frequência, mas nunca deixavam de provocar uma à outra de vez em quando, e ela tinha começado a se abrir um pouco mais também. Os gêmeos foram os que mais mudaram após o ocorrido. Kanami sorria com mais frequência e ela estava sempre disposta a conversar quando era um assunto de seu agrado. Sora também teve uma pequena mudança em seu comportamento, embora suas palavras afiadas continuassem as mesmas, mas a hostilidade tenha desaparecido.

Após quase três semanas ao lado de todos, Ryota se sentiu… Em casa. Eles eram sua nova família, ao lado de Zero e Jaisen, que também lhe eram preciosos. 

Mas, mais do que isso…

Será que eu consegui mudar um pouco, também?

Era algo que vinha se perguntando com bastante frequência. Ryota não percebeu nenhuma alteração em seu comportamento - a não ser que agora conseguia dormir melhor, mas era devido a mudança de mês e o passar dos dias. 

Para a mão que olhava, refletindo sozinha, outra se sobrepôs e tocou delicadamente os seus dedos. Ela se sobressaltou, surpresa.

— Sim, você mudou também, Ryota. — disse Zero, como se lesse seus pensamentos. Eles se entreolharam. — E acho que também mudei um pouco. Todos nós mudamos um pouco, todos os dias, ao lado de pessoas novas e enfrentando obstáculos diferentes.

Não sabia exatamente ao que ele se referia, mas tinha certeza de que mesmo um rapaz talentoso e admirável como Zero possuía seus próprios problemas. 

— Bom, eu senti que você mudou um pouco também. — disse ela. — Parece que você se aproximou mais das outras pessoas, além de mim e do tio Jaisen. 

As sobrancelhas dele se ergueram.

— … É mesmo?

— Sim.

— … Eu estava preocupado. Que um dia você fosse ficar mais forte e independente e não precisasse mais de mim.

Ryota piscou, bebendo o café quente, e se virou melhor para o amigo, que apertava os dedos unidos.

— Era uma preocupação muito idiota, vendo agora. E egoísta. Acho que não era sobre você, mas sobre mim mesmo.

Havia um vazio incompreensível nos olhos prateados dele. Mas não era a primeira vez que ela os via.

— Mais do que egoísta, eu era um grande medroso. Ainda sou, na verdade. E continuo tendo medo disso, apesar de tudo.

Zero esfregava os dedos das mãos com nervosismo. As palavras saíram tristes e solitárias. Assim como era o seu coração. Uma criança abandonada por ser insuficiente, por não corresponder às expectativas, por não ser alguém capaz de suportar nada… E foi descartado. 

— Não sei de onde você tirou essa ideia, mas eu nunca te deixaria. Alguém tão importante pra mim, alguém que me inspira e que morro de inveja… Alguém que eu amo tanto. Até parece que eu deixaria pra trás um chato como você. 

Palavras suaves saiam da boca dela e Ryota deitou a cabeça no ombro dele. Inspirou com dificuldade antes de continuar, murmurando:

— Acha mesmo que eu conseguiria continuar vivendo se perdesse mais alguém?

Sentiu o peito doer ao pensar em todos aqueles que já se foram, e quase perdeu o ar só de imaginar em perder qualquer um deles. Principalmente Zero ou Jaisen, que faziam parte da sua vida desde sempre.

— Eu já tinha dito pra Fuyuki antes, e provavelmente já te contei também, mas vou repetir pra ficar bem claro. — Ryota endireitou a postura e o encarou nos olhos. Suas íris azuis refletiam a imagem do rapaz. — Um dia, eu quero viver uma vida normal. Quero ter a minha casinha e um emprego decente. E uma família pra poder contar. Com o tio Jaisen vivendo em Puccón, talvez acabe morando aqui mesmo. É um lugar tão bonito, e seria ótimo estar sempre perto de todo mundo.

Um sorriso largo escapou de seus lábios, que imaginavam o futuro desejado. Zero se manteve em silêncio.

— Daí é claro que quero ter uma família. Casar com a pessoa que amo, ter… Hm… Não sei, talvez um casal? O que vier tá bom. Só quero me tornar uma mulher e mãe competente no futuro, assim como a Stella foi. 

Stella era a mulher ideal. Forte, inteligente, sorridente, carinhosa e sonhadora. Ela também tinha os seus defeitos, como todo ser humano, mas até eles se tornavam bonitos na visão de Ryota.

— E então, vou viver uma vida plena e aproveitar tudo o que vier. Bom, é claro que não vai ser só diversão, e terão momentos difíceis também. E quase nada do que planejei vai dar certo, já que eu sou péssima nisso. — riu, sem graça. — Mas não tem problema. Até meus dias finais, até o dia em que eu morrer e for para o lado da minha mãezinha, vou estar junto de quem amo. E aí… Vou poder dizer com todas as palavras que tive uma vida feliz, com todos vocês ao meu lado.

Não havia nada de demais no futuro imaginado por ela. Uma vida comum, como qualquer outra, era a mais desejada pela garota. E era, também, a mais valiosa em seu ponto de vista.

Afinal, aqueles dias rotineiros e calorosos foram tirados dela de repente, e sequer teve tempo de agradecer a todos ou se desculpar. Então, agora, tudo o que Ryota queria era fazer com que os dias em que estivesse ao lado de quem amava fossem especiais. Sempre. Para que jamais se esquecesse deles.

O abraço a envolveu subitamente e foi por muito pouco que o copo de café não caiu no chão. A respiração dele estava entrecortada, e seu coração, disparado. Ryota piscou, um tanto envergonhada e nervosa pela situação, e deu alguns tapinhas nas costas dele...

— … Eu vou realizar o seu futuro. — ciciou ele, com a maior certeza do mundo, mas carregando uma emoção indescritível na voz. — Se for ao meu alcance, farei isso acontecer, com certeza. Quero que seja feliz.

Ryota riu com a garganta, os olhos ardendo. Ela piscou para conter as lágrimas.

— Então é melhor você continuar puxando a minha orelha quando eu fizer alguma besteira, e quero que confie o seu futuro a mim também. Quero que se apoie mais em mim… Que fale mais do que sentiu, ou do que está sentindo, como fez há pouco. Tá?

Zero fungou, inspirando fundo.

— Tá.

E então expirou, se afastando do abraço para olhá-la nos olhos. 

— Caham!

Os dois quase caíram no chão de susto quando uma terceira voz surgiu de repente. Se afastando para o mais longe possível um do outro, ambos se viraram enrubescidos para a dupla.

— Sinto muito, interrompi alguma coisa? — zombou Sora, com um sorriso maldoso escapando dos lábios.

— Não, jamais. — respondeu Zero, o encarando com raiva de volta.

Ao lado, Kanami riu com o nariz antes de voltar para a expressão neutra profissional de sempre. Isso, inclusive, era algo que fazia muito tempo que não viam.

— Peço perdão pela intromissão, mas a duquesa deseja vê-la, senhorita Ryota.

— Eu?

Os gêmeos assentiram juntos e Ryota se ergueu. Parecia algo sério. Olhou para Zero como que pedindo desculpas em silêncio por precisar ir, mas ele apenas sorriu para ela e acenou com a cabeça.

***

— Mas é preciso que você venha comigo, Kanami…?

Kanami inclinou a cabeça, e respondeu:

— Normalmente, não. Porém hoje é um dia especial e a mestre pediu para que eu o fizesse.

Uaaaaah. O que será que tá rolando? Ela até tá falando de um jeito mais formalzão…

Já fazia algum tempo desde que haviam andado assim, uma ao lado da outra, caminhando seriamente em direção à sala de reuniões da duquesa. O sol se escondeu atrás das nuvens e um vento gelado passou quando pararam em frente à porta de correr.

— Com sua licença, senhorita.

Após as palavras neutras da guardiã, que prontamente deu espaço para entrarem, ambas viram a garota de cabelos brancos sentada em sua poltrona, escrevendo algo. Ou melhor, parecia estar assinando algum documento.

— Bem-vindas e obrigada por virem imediatamente.

— Aconteceu alguma coisa?

Fuyuki estreitou os olhos, cruzando os dedos das mãos acima da mesa. O ar parecia entrecortado na sala. Havia uma tensão estranha no ar.

— Vocês demoraram, hein? Já tava achando que não queriam ver minha carinha linda!

Uma voz masculina e aguda soou por trás de Ryota, que nem teve tempo de se virar antes de uma mão segurar sua cabeça e balançá-la para os lados de forma brincalhona. Ela reconheceu quase que imediatamente a pessoa parada de pé ao seu lado com um grande sorriso.

Os cabelos negros encaracolados e os olhos brilhantes faziam parte do seu carisma, assim como o jeito irritante e totalmente descontraído de falar. Fuyuki sorriu ao perceber a presença dele.

— Sasaki?!

— E aí! — exclamou ele de volta, erguendo a palma da mão. — Saudades?



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