Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 1: Injusto

 

Em uma abafada noite, iluminada pela lua minguante, havia quatro sons: a contínua canção dos insetos, o ocasional som dos peixes que moravam dentro de um grande lago artificial, o som de várias pessoas — falando e se movimentando — vindo de dentro da enorme casa e o inquieto som dos passos de um único homem na grama — o dono de tudo isso. 

Enquanto perambulava, também rezava aos céus com fervor do lado de fora de sua enorme casa. 

“Por favor, dê força e saúde aos dois...” 

Sua perambulação parou no instante em que foi possível ouvir um choro. Ele comemorou de forma sutil, mas logo, suas preces continuaram com mais força ainda. Subitamente, os sons da casa pararam completamente, deixando o homem apreensivo. Após uma longa espera, a porta de sua casa se abriu. 

— Então, como foi? — perguntou o homem. 

A parteira tentou olhar nos olhos do homem, mas sua visão desceu para a altura do chão. Ela saiu, fechou a porta e caminhou em direção do homem. 

— O bebê nasceu saudável. — Com uma longa pausa seguida de um breve suspiro ela prosseguiu. — Mas infelizmente ela... A mãe não resistiu. 

— ...Pode me deixar sozinho por um instante por favor? 

Ela levantou seu olhar e foi pega de surpresa ao ver um sorriso gentil.  

“O comum seria reclamar de nossa incompetência, me xingar ou chorar... Esse homem está sorrindo? Ah, é mesmo, ele é um Kōhei”, pensou.

Ela acenou levemente com a cabeça e saiu.  

Quando a porta se fechou, seu sorriso forçado se nublou, ele caiu de joelhos e segurando suas lágrimas, começou a lamentar. 

— Por quê? Por quê? Por quê? Por que os injustos prosperam? Por que os traidores e corruptos vivem tranquilamente enquanto um justo não pode nem desfrutar de sua própria família? Isso é o que recebo por seguir o caminho do bem firmemente dia após dia? 

Nessa noite sua resposta foi o silêncio total. Ele não culpou a seu filho ou os responsáveis do parto pelo ocorrido e nem deixou de praticar suas boas ações.  

Mas suas convicções balançaram. 

A beira de um alto morro, observando de cima, uma pequena vila rural, pacata e insignificante, cercada por uma grande floresta que isolava essa vila de todo resto — localizada no interior da província de Quioto, dentro do arquipélago japonês. Se sentava um jovem incomum.

Tanto sua aparência: cabelos castanhos e emaranhados, cobertos por um brilhante lenço azul-claro, quanto sua enorme espada claymore — de ferro puro, que quase ultrapassava sua própria altura nas costas — chamavam a atenção de todos que passavam pela única estrada que atravessava a vila e seguia para outra província. 

— Será que ele leu minha carta?… E quando ele aparecer, o que eu faço? — Somado a tudo isso, ele também falava sozinho. 

Não era de se estranhar que as pessoas que passassem ao redor o encarassem, confusas, algo que o incomodaria bastante — incomodaria, normalmente. 

No entanto, esse também não era um dia como todos os outros, ele não tinha tempo para se preocupar com essas coisas triviais. O jovem estava imerso na expectativa.  

— O que está procurando? — perguntou uma voz vinda de trás do garoto, o pegando de surpresa e causando-lhe um arrepio que percorreu todo seu corpo. Ele se conteve e fingiu não ter se assustado. 

“É um fantasma? Como chegou até aqui sem eu escutar um passo sequer?”, pensou. 

Er... Estou procurando um soldado samurai que chamou bastante atenção na última guerra. Pelos rumores, ele recentemente se mudou para cá. — disse, sem se virar. 

— …E o que você quer com ele? — A voz era masculina, com um tom grave e rouco, típico de uma pessoa com idade avançada. 

— Quero desafiá-lo! Preciso me vingar pela morte de meu pai… E restaurar o nome da minha família, Kōhei! 

Após a resposta do jovem, houve um longo período de silêncio, o que o fez acreditar que estava sozinho novamente. No entanto, após um longo e pesado ciclo de respiração, o homem com voz cansada retomou a fala. 

— Entendo… Te aviso se encontrar esse samurai. 

O rapaz, tomado pela curiosidade, finalmente se virou para descobrir quem interrompeu sua reflexão. 

Ao ver a aparência do homem, a sua expressão calma e confiante transformou-se em espanto. Ele cambaleou para trás, quase caindo do morro.  

Era o samurai que procurava, mas jamais esperaria encontrá-lo daquela maneira. 

Ao contrário do que imaginava, o homem era de uma vitalidade incrível e de uma aparência surpreendentemente comum: olhos escuros e cabelos lisos do mesmo tom, que chegavam até seus ombros e uma altura de um metro e setenta. Além disso, estava em ótima forma, o que era espantoso, uma vez que sua voz poderia ser facilmente confundida com a de um idoso.  

— No fim, nem precisei procurá-lo — afirmou o jovem. 

O que chamou a atenção do jovem e o fez ter certeza de que aquele era o homem que buscava, não foi sua aparência comum, e sim, suas vestimentas: uma armadura ornamentada simples que cobre todo o corpo, exceto o rosto, uma katana e uma wakizashi, ambas sem estampas ou qualquer ornamentação, reforçando a imagem de um guerreiro experiente, que não se importava com a beleza de suas armas, desde que elas cumprissem as suas funções. 

 — Você está enganado. Não encaixo em nenhuma das características que descreveu  — disse o homem, claramente omitindo a verdade. 

— Mas… E essa armadura? 

— Já fui soldado e samurai, mas não mais. Essa é a minha última vez usando isso, apenas por uma questão de formalidade. 

— Então você já se encaixou na descrição que te dei! Mas e os rumores? Você também se parece bastante com Hiroshi, o demônio de Tokyo! 

— Ah… Esse é o meu nome, Hiroshi Mizutani. — Logo após ouvir isso, o jovem apressou-se para pegar sua espada. — E, por favor, não diga mais esse apelido... É vergonhoso — completou o homem. 

Assim que terminou de falar, o jovem deu um pulo na direção do samurai, balançando sua espada desordenadamente de um lado para o outro, mas sem sucesso nenhum em acertá-lo. 

Para piorar, já estava ofegante após alguns golpes. A espada que carregava era certamente pesada demais para alguém com um físico tão medíocre. 

— Você não iria me convidar para um duelo? Pelo menos na minha época, duelos eram bem mais… civilizados — disse Hiroshi, enquanto desviava sem esforço dos golpes de seu oponente, que acabou por cravar sua espada no chão, após um golpe descendente com ela. 

— Real...mente — disse ofegante, o garoto apenas concordou com o samurai para que ganhasse mais tempo e recuperasse o fôlego. — Isso... Era só... Um aquecimento — disse pausando ocasionalmente para tomar ar. 

— É mesmo? — Os ataques de Sota haviam sido tão deploráveis que Hiroshi genuinamente acreditou nessa mentira descarada. 

— Vamos recomeçar isso direito!



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