Volume 1

Capítulo 5: Eu e os Aldeões sem Aldeia

 

— Gamz! Por favor, volta pra gente!!!

 

— Irmão!! Não… não pode ser! Por que o seu corpo tá tão gelado?!

 

Depois de escutar essa gritaria toda, Rodis correu em direção à Chem.

 

— Chem, por favor se acalme. Hmm… realmente, sua temperatura baixou bastante, ele está suando frio também. O rosto dele está meio pálido, mas seu pulso ainda é estável. O braço dele está sangrando um pouco, e tem essa coloração estranha em volta da ferida…

 

Rodis parou por um momento, encarando o monstro morto no chão com uma cara séria. E então disse:

 

— Pelo visto ele foi envenenado. Chem, você consegue usar alguma magia de purificação?

 

— Eu ainda não aprendi a usar esse tipo de magia… AH! A gente trouxe algum antídoto nas malas?!

 

— Sinto muito…

 

Rodis balançou a cabeça dizendo que não. Layla está abraçando Carol, impedindo que ela veja o que está acontecendo.

 

Após perceber que não havia nada em seu alcance para salvar o irmão, Chem começou a soluçar enquanto chorava segurando o Gamz em seus braços.

 

— E agora, o que será que eu faço? Se o Gamz morrer, já era…

 

Mesmo sabendo que é só um jogo, meu coração dói ao ver as animações e o diálogo dos personagens.

 

Se eu não soubesse que é um jogo, eu ia pensar que era um vídeo de uma pessoa de verdade morrendo.

 

— Deus, eu imploro! Por favor, salve a vida do meu irmão! Eu faço qualquer coisa pra ter ele de volta… qualquer coisa… hic… hic…….

 

A Chem está chorando tanto que não consegue terminar suas frases mais.

 

O silêncio da noite é interrompido pelos gritos de lamento de uma garota.

 

………………

 

Os personagens estão desesperados, implorando por uma intervenção divina.

 

Intervenção divina? Calma, como que eu pude esquecer meu papel no jogo?

 

Só um milagre pode tirá-los dessa situação.

 

Cliquei no ícone em formato de bíblia e abri a aba onde os Fate Points podem ser usados para realizar milagres.

 

Fui descendo pelo menu até chegar nas últimas opções de intervenções divinas.

 

O milagre “Um médico viajante aparece” parece ser uma ótima escolha.

 

Mas tem um problema, não tem como eu saber se o médico vai demorar para aparecer ou não, e caso ele apareça, ainda existe a possibilidade dele não ter o antídoto certo para aquele tipo de veneno.

 

— Mesmo assim, essa é minha única chance de salvar o Gamz!!

 

Eita, acabei gritando sem nem mesmo perceber. Esse jogo tá me deixando maluco.

 

— Yoshio! Para de gritar! Que horas você pensa que são?!

 

É, imaginei que a minha mãe ia falar alguma coisa do tipo se eu gritasse nesse horário, mas dessa vez eu não consegui evitar.

 

Normalmente, sempre que a minha mãe grita comigo, eu grito de volta. Mas estou tão preocupado com os personagens que perder tempo com isso nem passou pela minha cabeça.

 

Se algum estranho aparecesse na frente deles agora, em um momento tão delicado como esse, eles provavelmente achariam a pessoa suspeita, né? Como se o desconhecido tivesse esperado o Gamz cair para dar as caras.

 

Hmm, já sei. Como já passou da meia-noite, eu vou mandar uma profecia avisando eles.

 

Assim que terminei de me decidir, comprei o milagre que eu queria e aguardei.

 

— Irmão… por favor não me deixe…

 

— Com licença, posso saber o que aconteceu aqui?

 

De repente, uma voz desconhecida pôde ser ouvida seguida por passos. Todos os aldeões se viraram em direção a origem do som. Uma figura desconhecida estava se aproximando.

 

Logo, sua aparência foi revelada pela luz do fogo. Um jovem rapaz de aparência delicada, com uma cintura tão fina quanto a de uma mulher estava parado do outro lado da fogueira.

 

Por mais que seu rosto seja um pouco afeminado, eu tenho certeza que é um homem.

 

Ele está usando um roupão com capuz e uma grande mochila de couro em suas costas, também é possível ver uma bolsa menor presa em sua cintura, como se fosse uma espécie de pochete usada para carregar extratos medicinais.

 

— Quem é você?!

 

Chem trouxe a cabeça de seu irmão para mais perto de si, e o começou  a abraçá-lo com mais força.

 

Rodis, mesmo assustado, pegou a adaga que o Gamz havia usado para matar um dos lobos do chão e se posicionou entre o jovem e o resto do grupo.

 

— Por favor, acalmem-se. Eu sou apenas um médico.

 

Enquanto o médico viajante estava falando, seus olhos se encontraram com os da Chem. Mesmo que tenha sido só um momento, pareceu que eles se encararam por uma eternidade. 

 

A situação é tão absurda que o Rodis ter pego a adaga de Gamz, mesmo não sabendo lutar, foi uma reação surpreendentemente natural e condizente com o que estava acontecendo.

 

Assim que terminei de escrever o texto, pressionei a tecla enter.

 

Como de costume, a bíblia da Chem começou a brilhar ao receber uma nova profecia.

 

De repente o livro se abriu em uma página específica e então caracteres surgiram do nada e começaram a formar palavras até que um texto havia sido escrito sem a ajuda de uma caneta, lápis, ou mão humana.

 

— Um oráculo durante a noite…?

 

Visivelmente confusa, a jovem irmã de Gamz, começou a ler o conteúdo da profecia que havia aparecido em sua bíblia.

 

Normalmente, ela lê em voz alta para que todos saibam o que está escrito na profecia, mas dessa vez a felicidade foi tão grande que ela acabou esquecendo.

 

— Obrigada! Obrigada, Deus!

 

Lágrimas começaram a rolar sem parar de seus olhos.

 

— Enfim… vocês se importam se eu dar uma olhada nele? Talvez eu possa ajudar.

 

— Sim, por favor! Você é a nossa única esperança.

 

Chem instantâneamente concordou em deixá-lo dar uma olhada no Gamz.

 

Os outros personagens estavam meio perdidos, sem entender o motivo dela confiar tanto no estranho. A única coisa que eles podiam fazer no momento era assistir em silêncio.

 

Após terminar de examinar o ferimento de Gamz, o viajante misterioso pegou um pequeno frasco que estava em sua bolsa e derramou um pouco do líquido em cima do ferimento e então deu o resto para seu paciente beber.

 

A expressão de dor foi sumindo pouco a pouco do rosto de Gamz.

 

— Aparentemente o antídoto funcionou.

 

Como se todo o peso do mundo tivesse sumido das minhas costas, eu me permiti relaxar e me encostei na cadeira.

 

Eu estava tão tenso que até mesmo minhas mãos estavam suadas.

 

O pior foi evitado, mas ainda assim eu estou preocupado com os outros aldeões.

 

Cansado de ficar olhando pro teto enquanto pensava, voltei a prestar atenção no monitor. Pelo visto tanto o Rodis, quanto o personagem novo ficaram um pouco surpresos e confusos pelo comportamento da Chem.

 

Chem não está em condições de falar, então a atenção de Rodis se voltou a bíblia caída no chão.

 

Era o oráculo do dia, mesmo sendo madrugada, eu tinha conseguido escrever uma profecia nova porque já havia passado da meia noite. O que eu escrevi era o seguinte:

 

— Pelos poderes do Destino, hei de guiar um doutor até meus fiéis. Ainda é muito cedo para este bravo guerreiro partir. Dificuldades e obstáculos hão de continuar a vir, mas não temam, eu estarei os vigiando daqui de cima.

 

Será que ficou bom? Eu tava um pouco desesperado quando escrevi isso.

 

Pensando bem, se os personagens conseguiram entender aquele meu primeiro oráculo, então eu acho que eles não vão ter problema nenhum interpretando os próximos que eu escrever.

 

Mas como dignidade e confiança podem ser perdidas, é melhor eu tomar cuidado com o que eu escrevo e como eu escrevo. Dependendo, se eu mudar muito o jeito que escrevo os textos, eles podem até mesmo suspeitar que a divindade que eles acreditam foi usurpada.

 

Eu queria testar escrever os textos como se eu fosse um Deus mais descontraído, mas eu vou deixar pra alguma outra hora. Talvez quando eu tiver mais Fate Points.

 

Pelo visto o pior já passou. A condição do Gamz estabilizou, ele continua desacordado, mas com uma cara mais saudável. 

 

Agora que eu já usei o oráculo do dia, eu não tenho muito mais o que fazer além de só assistir, mas mesmo assim eu continuei “jogando”.

 

O resto da noite foi pacífico, o Gamz continuou dormindo enquanto se recuperava.

 

Às seis da manhã os outros personagens já haviam acordado e começado a trabalhar.

 

Chem está cuidando de seu irmão.

 

Rodis parece estar ciente de que ele é o único homem que pode proteger os outros agora, então ele está vigiando os arredores enquanto empunha a adaga de Gamz.

 

Carol e Layla estão preparando o café da manhã.

 

O jovem médico tirou um pilão de sua mochila e começou a preparar algum tipo de remédio.

 

— Hmm… então é assim que a medicina funciona no jogo, à base de remédios naturais.

 

Enquanto todos estavam distraídos trabalhando, o jovem rapaz começou a falar.

 

— Minha família é constituída por médicos há gerações. O lugar que estamos agora, é chamado de “A Floresta Banida”, embora seja o habitat de inúmeros monstros perigosos, ervas medicinais são abundantes aqui, por isso eu e meus parentes andamos por essas bandas mesmo assim. Ontem à noite, quando terminei de colher alguns ingredientes para remédios, vi algo parecido com um pilar de luz descendo dos céus aqui perto. Sendo franco, eu estava em dúvida se eu devia ir dar uma olhada no que era ou não, mas meu coração ficou inquieto quando pensei em ignorar e só voltar para casa, então… cá estou eu.

 

— Foi Deus, Deus te guiou até nós.

 

— Na minha família, nós colocamos a natureza acima de tudo, então não acreditamos em nenhum deus em específico, mas… o que aconteceu ontem, realmente pode ter sido algum deles intervindo em nosso mundo.

 

Hmm, então ele é agnóstico?

 

Ele reconhece que os deuses existem, mas não é fiel a nenhum.

 

Mas enfim, será que ele já vai embora?

 

— Por mais que o paciente não esteja com a vida em risco mais, vocês devem continuar cuidando dele, caso contrário, a condição pode piorar novamente. Se vocês estiverem de acordo, eu posso continuar aqui até que ele se recupere por completo.

 

— Ora, por favor! Você pode ficar com nós por quanto tempo quiser! Mas… a gente não tem nenhum tipo de abrigo ainda…

 

Ufa… agora que ele vai ficar com os aldeões por um tempo, eu posso ficar bem mais tranquilo...

 

Mas, como a Chem disse, eles não têm onde ficar, já não tem espaço dentro da carruagem, então se o médico ficar, alguém vai ter que dormir do lado de fora.

 

Por enquanto, eles estão conseguindo sobreviver, mas não tem como saber até quando isso vai durar se eles continuarem assim. Se mais monstros vierem atacar, será praticamente impossível evitar a morte de algum personagem.

 

— Mas se a hora chegar, eu vou gastar meus pontos de novo, quantos forem necessários…

 

Mesmo depois que o Gamz acordar, ele provavelmente não vai conseguir se mover direito por alguns dias.

 

O Sr. Rodis pode tentar proteger a todos enquanto isso, mas… ele não é um guerreiro.

 

Agora, o que eles mais precisam é de um lugar seguro para viver.

 

Enquanto eu fritava meus neurônios tentando encontrar uma solução pra esse problema, o jovem médico exclamou:

 

— Ah! Quanto a isso… se eu bem me lembro, existe uma mina abandonada aqui perto. Lá vocês vão conseguir se abrigar da chuva e do vento, se vocês tiverem sorte, talvez os móveis usados pelos antigos trabalhadores ainda estarão lá.

 

Caramba, sério? Poxa, que bom! Ele parece estar acostumado a andar por essa região, e ele disse que tem um lugar que pode ser usado como abrigo nas redondezas. Esse cara é um anjo!

 

Todos concordaram em ir pra lá, pouco tempo depois a carruagem estava partindo em direção a caverna.

 

Rodis estava pilotando a carruagem enquanto o jovem rapaz estava sentado ao seu lado dizendo as direções, Gamz estava deitado no interior da carruagem junto com os outros.

 

A viagem durou cerca de quinze minutos.

 

O lugar ficava no sopé de uma montanha, havia um grande arco de metal na parede onde as entradas ficavam. 

 

São duas entradas, uma porta dupla grande e um pouco mais ao lado uma menor.

 

— A porta maior é para as carruagens passarem, a menor é a principal.

 

Realmente, a porta dupla é grande o suficiente para carruagens passarem por ela, já a outra é de um tamanho normal.

 

— Pelo o que eu sei, todas as veias de minério daqui se esgotaram, o lugar foi completamente abandonado quando encontraram uma nova caverna para explorar. Esse lugar, além de ser uma mina, era como uma casa para aqueles que trabalhavam aqui.

 

O jovem abriu a porta maior e convidou os outros para dentro.

 

Logo em seguida a câmera do jogo trocou, mostrando o interior da caverna.

 

— Caramba, até que o interior é bem grande, muito mais espaçoso do que eu esperava.

 

Lá dentro tem espaço o suficiente para acomodar os aldeões, a carroça e ainda por cima sobrar espaço.

 

Diferente do que eu pensava, a mina não é só um corredor gigante em linha reta. O local é meio arredondado, existem até mesmo alguns “cômodos” com portas.

 

Pelo visto já faz um bom tempo desde que a mina teve algum visitante, o lugar está bem empoeirado e com algumas teias de aranha.

 

Mas mesmo assim, os aldeões estavam pulando de felicidade por finalmente terem encontrado um lugar melhor para viver. Claro, comparado a uma carruagem prestes a quebrar, este lugar parece uma mansão de luxo.

 

— OLHA SÓ, QUE LEGAL! SÃO QUARTOS! TEM ATÉ MESMO CAMAS DE VERDADE AQUI DENTRO!

 

Quando Rodis abriu uma das portas e viu o que tinha dentro, ele ficou tão alegre que nem percebeu que estava gritando de felicidade.

 

— Sim, como eu disse antes, os trabalhadores meio que moravam aqui… então, eles cavaram alguns buracos para servirem como quartos.

 

O médico estava explicando o que sabia do local, mas os aldeões estão tão empolgados com o novo abrigo ao ponto de ninguém estar prestando atenção no que o jovem viajante estava dizendo.

 

Todos estavam focados em explorar a caverna.

 

— Nossa, aqui tem até mesmo uma corrente de água funcionando… e pelo visto o fogão de pedra e os equipamentos utilizados para cozinhar estão praticamente intactos também.

 

— Ebaa! Que legal, né mamãe?

 

— Sim, mas antes de qualquer coisa, precisamos fazer uma faxina nesse lugar!

 

Carol está pulando de um lado pro outro, enquanto a Layla está olhando pro local com uma expressão determinada e com uma das mãos em cima do bíceps de seu outro braço.

 

Finalmente eles conseguiram encontrar um local seguro para ficar…

 

Os portões que servem como entrada para a caverna também são bem grossos e reforçados com uma estrutura de ferro, então destruí-los não será uma tarefa fácil para os monstros.

 

Agora sim estamos um passo mais próximos de começar a construir um vilarejo de verdade.



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