Sinfonias Galáticas Brasileira

Autor(a): Yago.H.P


Volume 1

Capítulo 9: Desespero

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Prometeus: Salão de festa principal

— Jack, vou te libertar desse fardo — disse, ainda sustentando Suzuhara.

— Ora, é cruel dizer isso. — Um sorriso sádico apareceu no rosto de Jack enquanto recuava. — Líde com os mechas e me proporcione toda gama de sensações humanas.

Um mecha estava em impasse com o gorila holográfico de Suzuhara, numa batalha de resistência, onde cada um aplicava força em respostas. Mas isso já estava desgastando Suzuhara.

— Não se preocupe comigo, Zeke-san — Ela provavelmente notou meu olhar preocupado, mesmo que eu tentasse disfarçar.

— Sim, mas... — Não esperava por aquilo; ou melhor, havia esquecido que existia um segundo mecha. Este avançou sobre o gorila holográfico e, em um jogo de corpo usando o ombro, arremessou o animal para longe. — Merda!

Os dois robôs, agora livres para avançar, seguiram em nossa direção. Jack mantinha o sorriso sádico enquanto ajeitava o bigode. A cada passo desses colossos, nossos corpos e a estrutura do salão de festas eram abalados. Não tínhamos muitas opções e, Suzuhara parecia já debilitada o suficiente. Pelo menos era o que eu pensava, até ela fechar os punhos com firmeza. Ainda com o braço em volta do meu pescoço, ordenou:

— Vamos, gorila, lute! — A holograma, que já estava caída e piscando, lutando para se manter, recuperou sua força em segundos, começando a se levantar. — ! — Mas ao custo do cérebro de minha oficial sentir. Levou a mão antes fechada à testa.

— Sentimento ou sensação humana, dor... — Jack batia o indicador nos lábios, brincando com eles. — Afinal, a dor é um sentimento? Ou apenas sensação? Sinto que terei a resposta aqui, Hahah! Esplêndido, me dêem as respostas!

Aquele lunático falava sem coerência, seu rosto ainda sarcástico me olhando, seus olhos passavam uma sensação mórbida, difícil até de descrever em palavras.

O gorila, agora de pé, avançou contra a mecha mais à direita, o mais próximo. Como os pilotos estavam focados em mim e em minha oficial, era provável que não percebessem a holograma indo em sua direção. Jack viu a criatura se aproximando, mas apenas observou. O solo abaixo dos pés do gorila rachou com seu impulso, e ele voou alguns metros, caindo sobre o primeiro mecha, que era vermelho.

O piloto tentava desesperadamente remover a criatura de cima de seu robô, mas o gorila não cedia, dando fortes golpes na cabeça do mecha, que ecoavam como uma marreta batendo em metal.

— Ainda falta um. — Mesmo com o gorila distraindo um, ainda restava outro.

Este, de maneira brusca parou e, virou o tronco na direção de seu parceiro que estava sofrendo com os golpes. Ele deu um passo hesitante na direção de seu companheiro, mas Jack começou a balançar o indicador de um lado para o outro.

— Não, não, não. Deixe seu amiguinho e avance sobre eles. — Parou de balançar o indicador e o virou em nossa direção. — Afinal, são nossos alvos... E ver seu amigo desesperado é maravilhoso, outra sensação humana... — Começou a puxar o ar, inclinando a cabeça, parecendo entrar em êxtase. — Magnífico!

O coitado do piloto hesitou um pouco e ameaçou desobedecer às ordens de Jack, mas virou em nossa direção e voltou a avançar.

— Preciso tentar algo. — Aquela katana que eu havia feito na nave e estava guardada em meu braço mecânico, começou a sair por uma espécie de passagem que se abriu em minha mão esquerda. — Consegue ficar aí?

— Acho que sim... — Tirei seu braço que estava envolto do meu pescoço e com cuidado a ajudei a sentar no chão. — Vou dar meu máximo!

Eu apenas sorri, um sorriso leve. No final, eu tinha a melhor e mais dedicada equipe da corporação. Devagar, meu olhar foi desviando dela para o mecha que avançava. A cada milímetro passado, minha expressão ia mudando, meu olhar estreitando e o sorriso sumindo, dando lugar a uma face séria. Minha mão contraía-se contra o cabo da katana, pois a firmeza que se segurava uma espada, dizia o quão eficiente seria uma golpe.

— Venha... — Entrei em posição de combate; não podia lutar contra um colosso desse despreparado. Ativei meus nanobots, e todas as partes mecânicas do meu corpo com linhas luminescentes começaram a irradiar um azul intenso. Eu olhei para minha mão e a fechei. — Essa sensação de poder...

Haha! Mais um sentimento! Sentimento de ser forte! — disse Jack, começando a abrir um sorriso mórbido. — Me mostre mais! Mais!

"Maluco, mas depois lido com ele. Agora, preciso lidar com isso." À minha frente, a poucos metros, aquele colosso feito inteiro de aço aproximava-se com voracidade imensa.

Ao dar o último pisão firme no chão, que estremeceu o local, seu punho direito iniciou a viagem, tão grande que provavelmente cobria quase todo meu corpo. O barulho do metal regendo era abafado pelas pancadas que o outro ainda estava levando do gorila.

O punho chegou até mim em instantes. Virei de lado, e o punho passou rente ao meu corpo. Pude sentir o frio do metal e a brisa forte pela enorme massa de ar que ele movimentou no golpe.

Com o braço passando, girei a espada e a ergui, com vigor lancei a ponta até o metal. Ao encostar, um tinir estridente ecoou, e o golpe reverberou na lâmina. Se eu tivesse tentado me manter firme, meus braços teriam sido destruídos, então, sem resistência, deixei-me ser arremessado para trás. Voando alguns metros, caí desajeitado de barriga para baixo, mas minha katana continuou firme em minha mão.

Argh... Droga, do que isso é feito? — Inclinei um pouco meu rosto e vi aquele pedaço enorme de metal vir em minha direção, ignorando Suzuhara. Rapidamente me recompus, levantando-me e preparando outro golpe. Verifiquei minha lâmina para garantir que não havia sofrido nenhum dano, e parecia estar intacta, embora agora ela brilhasse, mesmo que de forma suave, com um tom rosado.— Tomara que funcione...

— Mais um sentimento! Esperança em algo! — Jack batia palmas, apenas observando. Qual era a desse cara? Ele observou o salão em volta, nossos homens haviam feito uma barreira humana com seus corpos, protegendo os civis que estavam encurralados em um canto. — Haha! Sacrifícios! Humanos são realmente criaturas adoráveis!

Os inimigos haviam parado de avançar; havia alguns remanescentes da última onda que Poul e seus homens estavam lidando.

— Comandante! Tudo bem!? — Poul finalmente havia me contatado.

— Bem, é uma palavra forte. — Passei a mão em minha boca, e ao observá-la vi o vermelho do sangue. — Diria que estou vivo, mas então? A situação?

— Por enquanto controlada. Precisa de uma mão?

— Até de duas, mas primeiro lide com os problemas aí. — Virei meu olhar já cansado para o mecha que avançava em minha direção e agarrei a katana com vigor. — E eu lido aqui.

— Certo!

Ah, Poul. Assim que possível, coloque aquele seu plano de evacuação em casos de emergência em prática. — Poul concordou e desligou. Agora eu precisava lidar com a situação aqui. — Agora você, grandão! — Antes de ir para cima da criatura, senti uma dor terrível na lombar, então peguei os remédios que Sarah havia me fornecido e tomei sem ninguém perceber. — Agora sim, estou pronto.

Iniciei uma corrida em direção ao imponente mecha. 

O cenário permanecia caótico, com corpos espalhados e destroços da explosão decorando o ambiente. Enquanto corria, meu caminho foi bruscamente bloqueado por um corpo; saltei, deslizando no chão ao pousar, mantendo a katana apontada para trás, em uma postura típica de samurai. Logo em seguida, outro corpo surgiu à frente, e mais uma vez saltei, aproximando-me do mecha que desferiu outro soco.

À medida que o punho se aproximava, encarei-o e, em segundos, saltei. Pousei no braço esticado do robô, iniciando meu avanço. Conforme corria, movia a espada da direita para a esquerda e vice-versa, buscando causar pelo menos alguns arranhões.

Ele começou a erguer o braço para me derrubar, mas fui mais rápido. Minhas pernas começaram a brilhar intensamente, superando o restante do meu corpo. Com um impulso monstruoso, praticamente voei, aterrissando no ombro do mecha.

— Ezekiel... Irá me mostrar o sentimento de falha agora? — começou Jack, abrindo um sorriso horrível que quase tomava todo seu rosto. — Pois você sabe que não será capaz de ultrapassar o metal da cabeça...

Segurei a katana com ambas as mãos, posicionando meu corpo como em uma execução, erguendo um pouco a espada. Um sorriso sarcástico se abriu em meu rosto.

— Será…? — O brilho rosado na lâmina intensificou-se. — Odeio gritar o nome de golpe, mas... Este merece...

Pisei firme no ombro de metal, meu quadril girou, seguido pelo tronco e, consequentemente, os braços portando a katana, em um corte descendente hexagonal, que, foi-se em direção a cabeça.

— Dispersar energia! — A lâmina vibrou, o rosa neon intensificou-se, fazendo todas as linhas azuis luminescentes do meu corpo tornarem-se rosas neon. Velocidade e força pareceram quintuplicar; a lâmina viajou até atingir a cabeça do mecha. Ao bater, parecia que apenas iria reverberar e me arremessar para trás, mas desta vez a lâmina começou a ultrapassar. Com um pulso sendo emitido, acabou por causar a passagem da lâmina por toda a cabeça, decepando-a e expondo o piloto.

— Não é que ultrapassou — falei sorrindo, e olhei para o piloto que ficou pálido, arregalando os olhos.

— Você é realmente interessante, Ezekiel… — Jack começou a sair, provavelmente pensando em fugir. — Nos veremos novamente, qual o próximo sentimento que irá me mostrar? 

Pisei na borda da cabine, delineada pelo corte, e finquei a espada no corpo do piloto, encerrando sua vida. Peguei seu corpo inerte e o arremessei ao solo, assumindo o controle do mecha. Ao observar o painel, deparei-me com diversas opções, mas notava a ausência da opção de armas.

“Não tem armas!?” Por isso, limitavam-se a tentar golpear; por um lado, isso era vantajoso, por outro, terrível. Já havia pilotado mechas tempos atrás, durante a última guerra, se é que podia ser chamada assim. Então, possuía certa experiência. 

Voltei meu olhar para Suzuhara, que lutava para manter-se; seu holograma ainda estava sobre o outro mecha, mas parecia cada vez mais lento e fraco.

— Poul! — Contatei-o, precisava de ajuda para algo. — Venha e pegue a Suzuhara; assim que fizer isso, evacue!

— Sim, senhor. Nossa nave está segura?

— Não sei, perdi as comunicações com a Elizabeth. — Manipulei os controles do mecha, semelhantes a dois analógicos gigantes, cada um responsável por um braço; as pernas eram controladas por dispositivos semelhantes a aceleradores nos pés. Pisei nos “aceleradores”, iniciando o avanço. — Sofia também não responde.

— Acha que estão correndo algum perigo?

— Não sei, provavelmente sim. Por isso, precisamos ser rápidos. — Andar naquilo era desajeitado, a cada passo meu corpo tremia inteiro, talvez por já estar avariado; ainda assim, me aproximava do mecha inimigo. — Poul, e os outros comandantes?

— Veja por si mesmo. Olhe para o céu.

Sem a tampa da cabine, devido ao corte que fizera. Inclinei meu corpo e direcionei meu rosto para o alto. Pelo teto de vidro, pude ver…

— Que merda é essa!? — Acima do teto, todas as naves dos comandantes pareciam navegar à deriva, algumas até colidiam entre si. — Por isso ninguém veio ajudar, maldição! — Soquei a lateral da cabine; minha frustração era enorme.

Mas como? Como conseguiram simplesmente acabar com tantos soldados, tantas naves? Era praticamente impossível; e outra, ninguém avisou? Cortaram as comunicações? Era o lógico a se pensar.

— Poul! Assim que todos estiverem a salvo, verifique todos os canais de comunicações. — Virei meu olhar novamente para o céu, e pude ver a nave capitânia partindo; ou seja, o imperador estava bem. — Estamos sozinhos aqui, cuidado.

— Estou me aproximando... — Essa pausa dramática desordenou meus batimentos. — Puta merda, você tá controlando um mecha? E ele tá sem cabeça praticamente, como?

— Depois eu explico; se já está me vendo, quer dizer que está próximo.

Podia parecer que estávamos próximos uns dos outros, mas não; o salão era imenso, com algumas curvas e salas separadas. Por isso, Poul não podia me ver lutando, apenas sentia os tremores e, quando usava seus olhos cibernéticos, conseguia enfim me ver.

— Poul, antes, verifique em volta. Encontre um cara estranho de monoculus dourado.

Hmmmm… Não me parece ter ninguém assim aqui.

"Merda, ele fugiu."

Um feixe brilhou e apagou ao meu lado, como se uma foto acabasse de ser tirada. Ao virar não encontrei nada. Decidi ignorar.

— Tudo bem, pegue a Suzuhara. — O gorila piscou uma, duas vezes e, na terceira, desapareceu, com o corpo de Suzuhara desabando ao solo. — Lutou bem, garota. Estou orgulhoso, mas deixe o resto com seu comandante… Descanse.

O mecha ameaçou ir na direção de Suzuhara, mas ao dar o passo, sentiu uma força contrária, seguido de duas batidas de metal no seu ombro. Ao virar a cabeça para averiguar.

Boom!

Um soco, bem dado, no meio de sua cara. Isso por si só fez ele recuar e colocar suas enormes mãos metálicas no rosto. Era engraçado, parecia um humano mesmo. Ele logo se recompôs e partiu para cima de mim.

Não fiquei para trás e fui também; íamos em direção a um encontro poderoso. Ele jogou o punho lá trás e preparou o murro; fiz o mesmo, puxei o analógico para trás, fazendo assim o braço do mecha ir para para o mesmo lugar.

Corremos e no último momento pisamos em sincronia no solo, destruindo o chão quadriculado abaixo de nós; em seguida, nossos punhos atrás começaram a viajar para encontrarem-se ao meio, em um choque que ressoou como se toneladas de aço se chocassem, junto a uma onda de ar que deixou o caos dos escombros ainda maiores.

Quase fui arremessado para fora da cabine, agora sem o teto que servia como cabeça. Ficamos em um impasse aparentemente intransponível. Rapidamente, ele projetou a outra mão em minha direção, mirando meu corpo desprotegido naquela cabine aberta.

Puxei o outro analógico, fazendo minha outra mão dar um tapa na dele, lançando-a para trás. Antes que completasse todo o movimento, agarrei seu braço, mantendo-o imobilizado, não estava afim de lidar com outro braço.

“É agora”. Peguei a katana, que estava encostada na parede da cabine.

— Tá ferrado… — Do cabo da katana, pequenas protuberâncias cilíndricas emergiram. Aproveitando a imobilização das mãos do mecha dele, ativei o modo automático para mantê-las assim e ergui a katana ao alto. — Névoa negra!

Os cilindros começaram a expelir uma fumaça negra, permeando todo o local. Minhas lentes cibernéticas me permitiam enxergar através dessa fumaça, era uma aposta, considerando que ele poderia ter olhos cibernéticos ou seu mecha ter essa capacidade. Saltei da cabine, percorrendo o braço do meu mecha, cruzando até o dele preso no impasse. Avancei sobre, chegando ao seu ombro.

“Até agora nenhuma reação; se ocorrer como espero, ele abrirá a cabine, sem opções e precisando ver.” E assim foi, ouvi o soar de uma passagem hermeticamente fechada e a fumaça branca saindo, revelando a silhueta daquele corpo.

— Yo. — Ele com agilidade olhou para mim, mas já era tarde; minha katana já viajava na direção de seu pescoço. Ao tocar sua pele, ele jogou a mão nos controles do mecha. — Pare! — Ele não parou e clicou; em seguida, minha lâmina cruzou todo seu pescoço, fazendo sua cabeça voar.

Mas sem tempo para comemorar, um som estridente de sirene e uma luz vermelha começou a piscar. Ao pular na cabine, vi algo que assombrou minha alma.

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[Alerta]

Autodestruição ativada

Tempo para explosão: 10 minutos

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— Esse desgraçado! — Apertei o lóbulo. — Poul!

Aí! Que foi!?

— Retire todos imediatamente! — Minha voz ressoava, ecoando o pânico enquanto eu observava o caos. Havia mulheres e crianças, muitos feridos, bebês chorando, pais despedaçados sobre os corpos de seus filhos. O odor de fumaça e desespero impregnava o ar, misturando-se com os gritos agônicos daqueles, que, mesmo, sem informação alguma, pressentiram o perigo.

— Por que!?

— Uma bomba, os mechas vão explodir… — Deslizei a mão pelo rosto, exausto da avalanche de desafios. Os problemas pareciam inesgotáveis. — Uma bomba nuclear de Quantum….

O silêncio pairou, Poul não respondeu; apenas seus berros ecoavam com ordens precisas enquanto ele desempenhava seu papel em meio ao caos.

"Mechas de última geração, equipados com programas de autodestruição nuclear a Quantum enriquecido." Foi isso que li no hangar da nave quando aquele jovem me entregou a prancheta. O poder de destruição disso aqui superou o da Tsar Bomba, a bomba nuclear mais potente por muito tempo.

Uma única explosão poderia dizimar todo o planeta Terra. Sua onda de choque seria sentida na metade do caminho até a lua, fazendo a terra tremer e talvez rachar de fora a fora.

Na época, não questionei; nunca foi meu trabalho. Agora, porém, entendo que deveria.

“Não posso retirá-lo daqui… Droga.” Esses mechas não foram feitos para o espaço. Perderiam potência antes de escapar da atmosfera de Prometeus, mesmo considerando a atmosfera quase inexistente.

“Mas não será possível tirar as pessoas…” Tantas inocentes, que não pediram por isso. Nossa nave não suportaria nem a metade; eram milhares. Ainda tínhamos as naves que alguns trouxeram, talvez uma chance ou esperança.

— Comandante!

— Poul, que foi? Já terminou de evacuar? — Desembarquei do mecha, precisava chegar rápido à minha nave.

— Não, é que….

— O que foi!? Fale de uma vez! — Corri, como se um mau presságio antecipasse a notícia de Poul; meu coração acelerou descontroladamente.

— As naves de todos… Elas foram destruídas…

— O quê!? Não é possível! — Minha respiração se descompôs, meus batimentos triplicaram. Pupilas dilatavam em lentidão, tremores leves me afligiam. — Poul… me diga que é mentira... Não... Eu sei que não é…. — Queria que fosse uma brincadeira, uma mentira… mas não era. — E nossa nave…?

— Está inteira, uma das únicas nesse pátio.

“Jack… Seu desgraçado!” Ele era o culpado; queria ver minha apreensão, queria ver meu lado que eu tentava esconder. Queria me ver desesperado.

— Corra para a nave, verifique e contate a Terra. Informe a situação.

— Estou indo!

Avancei por entre a multidão, um mar de almas perdidas com olhares desesperançados, ansiosos por qualquer vestígio de conforto ou segurança. O som do fogo rugia em uníssono com as gotas das lamentações que permeavam o ar. Entre as fagulhas dançantes, rostos marcados pela aflição buscavam um vislumbre de esperança, mas encontravam apenas a sombra da desgraça ocorrendo.

Crianças, inconscientes da brutal realidade que as cercava, corriam com suas risadas finas, suas mentes eram inocentes incapazes de discernir a tragédia que encontrava-nos. 

De repente, algo agarrou meu terno, interrompendo minha corrida frenética. Ao virar para trás, percebi que era uma criança, com um sorriso tão puro, repleto de inocência.

— Tio, por que está correndo? — Sua voz fina ecoou, e seu olhar curioso buscava respostas, das quais eu não podia oferecer.

Ehh... Eu... — Meu rosto pesava com o fardo das vidas perdidas, mas para aquela criança, eu precisava ocultar a tristeza. Coloquei uma mão atrás da cabeça, forçando um sorriso tolo. Abaixei-me para ficar na altura dela, colocando a mão em seu ombro. — O tio está ocupado. Cadê sua mamãe?

— Ela está dormindo ali. — Apontou para uma mulher no chão. Compreendi a triste realidade da situação. — Ela deve estar bem cansada, não quer acordar... hahaha...

— Sim... Está dormindo... — Levantei-me e a peguei no colo. Ela estranhou inicialmente, mas logo se acomodou. Virei-a para trás e me aproximei do corpo da mãe. — Ela... Não pode ser...

O corpo no chão era o da mulher que examinei após a explosão; naquele momento, seus batimentos já haviam cessado. Provavelmente, sua filha permaneceu ao seu lado o tempo todo. Se eu tivesse sido mais rápido, se tivesse reagido prontamente após a explosão, talvez essa criança ainda teria uma mãe.

— Tio, por que não me deixa olhar para mamãe? — Ela tentava virar seu pequeno corpo para observar a mãe.

— Sua mãe acabou de me pedir para levar você para um lugar seguro. — Antes que ela pudesse contestar, avancei em direção à saída.

Ao emergir do prédio, deparei-me com um cenário desolador. O ar impregnado de fumaça, destroços de naves espalhados, e corpos carbonizados pontilhavam o solo como uma cruel tapeçaria. Apenas duas naves permaneciam inalteradas diante do caos: a Elizabeth, agora um farol solitário, e uma nave de fuga, cujas limitações revelavam-se cruéis diante da magnitude da tragédia e do número de pessoas. O desespero pairava no ar, as pessoas estavam à beira do colapso.

— Poul! — gritei por ele, que veio na minha direção.

— Comandante… Ehh, essa garotinha?

Aproximei-me dele, sussurrando ao pé de seu ouvido sobre toda a tragédia que se abateu sobre essa pobre criança. Ele compreendeu de imediato, forçando um sorriso para tentar confortá-la.

No momento em que seu olhar voltou a ficar fixo em mim, o sorriso amigável que estava adornando seu rosto desvaneceu, cedendo espaço a uma expressão fria e melancólica. Era como se as sombras do passado tivessem se apoderado dele, e eu pude sentir o peso de uma dor familiar em seu olhar. Poul carregava consigo as cicatrizes de perder a própria família para os horrores da guerra, ver a garotinha passar pelo mesmo, foi um gatilho que trouxe de novo essa memória.

— …E então, o que planeja fazer? — Ele lançou um olhar ao redor, testemunhando o caos indescritível, todo o inferno que pairava sobre prometeus. — Em meio a esse tumulto, as pessoas...

— Sim, não temos muitas opções. — Ajeitei a garotinha em meus braços, semicerrando os olhos. — E então? Alguma resposta da terra? E a tripulação, estão seguros?

— Sobre a tripulação, foram afetados por um gás sonífero que se espalhou pelos dutos de ar. Quanto à terra... — Seu olhar desceu ao chão, refletindo a falta de esperança no momento. Suspirou profundamente antes de continuar: — Nenhuma resposta.

Sem comunicação com a terra, ficamos em um impasse, dependentes deles para enviar socorro. Olhei ao redor, testemunhando o desespero que se espalhava entre as pessoas, muitas correndo sem entender completamente a magnitude da tragédia. Consultei o relógio, ansioso por saber quanto tempo restava.

Tempo restante: 5:22min

Faltava pouco, e restava apenas uma alternativa, a última carta na manga.

— Já sei! — Uma explosão ecoou, e ao fixar meu olhar na origem, vi a última esperança desmoronar dos céus, as naves dos comandantes à deriva caíam em chamas. — Maldição! Não há outra opção... Poul! Prepare a nave para partir!

— Sim! — Ele olhou ao redor, seus olhos encontraram os meus, suas sobrancelhas arqueram. — E as pessoas... O que faremos?

Fixei um olhar vazio em sua direção; não era necessário palavras. Ele compreendeu, bateu no meu ombro e partiu. Iniciei uma corrida desesperada em direção à última nave de evacuação, projetada para abrigar pelo menos 500 mil pessoas. Uma nave colossal, porém, tínhamos cerca de 1 milhão de vidas aqui, entre moradores e visitantes.

Tempo restante: 4:12min

— Com licença. — Abri caminho entre a multidão agitada, ignorando olhares impacientes. — Licença. — Desviei de alguns homens ansiosos. — Sai da frente! — Empurrei alguém obstinado. — Sai da minha frente! — Finalmente, alcancei as portas.

Ao chegar lá, deparei-me com algo que já imaginava: a cruel divisão de classes sociais. Milhares de pessoas aglomeravam-se atrás de cercas, desejando entrar na nave para escapar, mesmo sem ter conhecimento da bomba, instintivamente percebiam o perigo. No entanto, eram barradas pelos guardas; somente a elite tinha passagem garantida, os únicos destinados à salvação.

“Malditos... Contenha-se, Ezekiel”. Respirei profundamente e, na porta, exibi minha patente.

— Comandante Ezekiel. Exijo que permitam a entrada dessa criança.

Tempo restante: 4:12min

— Você é o pai? — indagou o homem responsável pela autorização de entradas.

— Não, apenas a encontrei — respondi, afagando as costas da menina, que havia adormecido apesar do tumulto. — Leve-a, é uma ordem.

— Lamento, senhor, sem a mãe, não podemos determinar a classe social dela.

Ouvir aquilo inflamou minha alma, meu olhar endureceu, sobrancelhas franzidas. Estavam categorizando até as classes sociais na elite, inserindo status e poder até nesse momento. Este mundo… Não, esse universo era verdadeiramente podre. A vida estava sendo decidida por quem detinha mais poder.

— Escuta aqui seu desgraçado... — Já estava farto, comecei a alcançar minha arma, escondida sob o sobretudo. Estava pronto para cometer uma loucura. — Você ir-

— Filha! — Meu olhar se voltou rapidamente; era impossível, a mãe dela estava morta. Era algo inimaginável. — Estava te procurando.

— Você- — Antes de dizer mais alguma coisa, finalmente percebi quem ela era; a filha de uma das famílias mais proeminentes da terra... Mas por quê? Isso não importava, contanto que salvasse a criança. — Sua filha se perdeu.

Entreguei a criança em suas mãos, e ela adentrou na nave. No final, até entre a elite, havia pessoas boas. Deixando a criança em segurança, corri em direção à nave, afinal, o tempo não estava ao nosso favor.

Tempo restante: 4:12min 

Cheguei a nave estava na hora de zarpar, e  carregar um peso pelo resto de minha vida.

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Notas:

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