Volume 1

Capítulo 10: Faminto por humanos (versão antiga)

 

Enquanto estavam acompanhando a direção indicada no mapa, Mary decidiu recapitular tudo, e perguntou:

— O que sabemos sobre os ghouls até agora?

— Comem carne humana. – disse Lucy.

— Mais fortes e ágeis que humanos. – David veio logo em seguida.

— As principais armas são as garras e presas. – prosseguiu Ethan

— E se regeneram, mas se for na cabeça pode ser que os desoriente um pouco. – Mary finalizava, suspirando porquê de novo teria que lidar com seres que podiam se reconstruir. Internamente ela se questionava quando que isso se tornou uma tendência.

Passado um tempo de viagem, a equipe era vista no alto de morros, já afastados da vila dos Cicatrizes. Lucy e David estavam na moto ainda, observando o horizonte, enquanto Daniel estava ajoelhado no capô do carro, analisando o território à frente.

Na paisagem à frente deles havia diferentes localidades, ruínas de uma cidade, sendo possível ver nelas árvores enormes passando pelos prédios e juntamente do cemitério de concreto, plantas estavam crescendo em todo canto. Ao lado das ruínas havia um imenso deserto com apenas alguns pedaços de construções aparecendo por estarem enterrados na areia.

Do outro lado o cenário destruído ficava menos aparente, os prédios e casas estavam mais preservados, mas ainda continuavam com aparência decadente. Não parecia que viviam pessoas ali, pois sequer haviam movimentos nas construções. Outra coisa que se destacava era que toda essa cidade em ruínas era cercada por muralhas, que, mesmo já rachadas, só tinha uma entrada.

Ethan reconheceu a área tomada por árvores e plantas. Era onde ele e Mary estavam passando um tempo e treinando, e também foi próximo dali que os dois enfrentaram Dex e quase morreram porque ela precisava proteger o menor. Culpando-se por isso, ele olhava para a albina, que não demonstrava muita decepção no olhar, já que ela mesma não podia culpar Ethan, era apenas uma criança ainda, do que adiantaria culpa-lo?

Quando foi reparar nos outros membros da equipe, notou que as expressões deles tinham uma certa tristeza e culpa no olhar. O menino não sabia exatamente o porquê.

— Foi aqui perto, não é, Claire? – Daniel perguntava.

— Foi. Naquela época eu não tinha ideia que singulares podiam causar tanto estrago. – a morena respondia com um olhar mais decepcionado.

— Dar poderes para as pessoas quase varreu o mundo todo, levaram milhões de vidas, e nenhuma habilidade até hoje foi capaz de reverter isso. – dizia Lucy com o olhar cabisbaixo, o que fez todos ali olharem para ela. A ruiva cortava seu dedo com a unha e fazia o pouco sangue que saía levitar. – Por que isso apareceu para os humanos em primeiro lugar? Era óbvio o resultado. É legal utilizar essas habilidades, mas parece uma maldição que hoje em dia você precisa ter para sobreviver.

David acariciou o rosto de sua namorada e em seguida seus cabelos, tentando acalmá-la. Mary, com essas palavras, lembrava de como tudo que ela não conseguiu salvar em sua vida foi por causa de singulares muito mais poderosos, com habilidades num patamar muito maior que o da albina, sejam eles amigos ou família. Após isso ela olhava para frente, observando novamente a paisagem.

Ethan também se lembrava de que sua vida só estava assim por causa de seu poder, uma habilidade aparentemente única, que até mesmo poderia ser uma arma antissingular. Porém, com testes após testes se mostrando ineficientes para ele liberar o poder, junto ao desânimo do menino em querer melhorar, só garantiram para ele servir de moeda de troca e acabar em locais como os que Mary o encontrou.

— Esses “ghouls”, eles podem ter comido alguém da vila, é algo imperdoável de fato. Mas honestamente eu não acho que eles escolheram ter esse tipo de poder. – Mary dizia enquanto colocava sua máscara de tecido no rosto novamente e olhando para Lucy sutilmente. – O que se faz quando só quer viver e não tem escolha?

—Bom... – ela não sabia o que responder.

— É, não é muito legal essa realidade. – a albina respondeu por ela, e em seguida os ventos balançavam os cabelos de todos ali, enquanto Ethan observava sua mestra, intrigado. O olhar dela lembrava alguém cansado mentalmente, mas ainda de pé. – Não que eu goste da realidade.

— Bom, mas isso nunca impediu ninguém de tentar achar seu lugar. Às vezes, pra combater a realidade, você precisa aceitar ela, não é? – Claire dizia com as mãos apoiadas na porta do veículo, dando um sorriso sútil

Ethan também fazia e em seguida olha para Mary, que, dentre todos, era a única que parecia demonstrar um olhar de tristeza, porém ficava um pouco difícil de distinguir por causa de sua máscara. O menino tentava, mas não conseguia entender o que se passava na mente de sua mestra.

— É... É, eu concordo. – disse a Assassina de Heróis.

Terminado a discussão, os singulares voltavam para seus veículos e desciam o morro em direção às ruínas. Enquanto o grupo andava pelos destroços, eles observavam em volta e aquela região em especifica era bem quieta.

— Eles estavam por aqui? Como não nos atacaram? – questionou Ethan, pois, ele e Mary estiveram ali não tinha muito tempo.

— Eu sempre estava de vigia. E também, vai saber, talvez eles sempre se mudem para buscar alimento como qualquer predador. – respondeu Mary.

Claire, ouvindo isso, começava a anotar numa caderneta, aproveitando que não era ela dirigindo.

— Se for assim então é mais lógico dizer que eles andam em grupo, como se fossem uma alcateia. – sugeriu David. – O que quer dizer que aquela região ao leste de nós está ficando escassa de humanos, então estão pretendendo ficar mais próximos da nossa vila.

— E se... Aquele “ataque” que sofremos dentro da vila fosse apenas um reconhecimento? – disse Daniel no comunicador.

— Então quer dizer que eles já estão se preparando para movimentar um ataque em grupo. – Mary respondeu, deixando todos mais apreensivos. – Se for verdade o que estamos pensando, vamos ter que matar todos.

— Acha mesmo que eles vão vir todos para cima de nós? – questionou Lucy.

— Você lembra, não é, Mike? – disse Mary. O rapaz recebia a mensagem mentalmente por todos os integrantes ali estarem ligados espiritualmente.

— Sim, aquele ghoul protegendo a semelhante dele e ainda levando-a para longe de nós. Aliás, eu recomendo pararem e irem a pé a partir daqui, estão chegando perto, é naquele prédio. – Mike dizia enquanto estava em sua casa, que também era simples, como a maioria na vila dos Cicatrizes. Ele visualizava um mapa holográfico proveniente de seu poder, na mesa de centro da casa.

— Mas isso é garantia que todos vão agir assim? – Ethan perguntava dessa vez.

— Eu diria para vocês se dividirem, assim vocês podem encurralar eles melhor. – respondeu Mike. Enquanto ele analisava o mapa, Alex chegava bem rápido ao lado dele e entregava uma lata de energético para ele. – Ah, valeu. E também eu acho que vale a tentativa, o Bruno e a Alex estão prontos para agir se algum se aproximar da vila.

— Então só temos que garantir que eles virem o foco para nós. Mike, consegue indicar quantos mais ou menos têm? – perguntou David enquanto todos paravam os veículos e se ajeitavam para ir em direção ao prédio em questão, que parecia ser um empresarial de tão grande, porém abandonado e partido ao meio horizontalmente.

— Consigo ver vários perto da ghoul, vocês não vão gostar, mas tem bastante até onde eu consigo captar. Não sei quantos exatamente, mas eu diria que no mínimo uns quinze, o máximo é melhor nem pensar. – respondeu um pouco apreensivo.

Neste momento, Mary fechava os olhos e, enquanto todos discutiam abordagens, ela se concentrava em algo. Assim que ela abriu os olhos, a albina não parecia muito animada.

— Tem nos destroços perto do prédio também. – disse Mary para todos, que viraram seus olhares para ela, assustados. A singular apontava para os estabelecimentos e casas em ruínas e rapidamente pensava nas possibilidades. – Com certeza eles colocaram alguns ghouls para ficar de guarda e alertar a tempo os outros.

— Então vamos ter que entrar na surdina. – disse Lucy. O grupo então concordou e começou a se organizar para adentrar no território da fera.

A dupla que iria atacar de longe seria Lucy e Daniel, pois Ethan ainda não sabia utilizar armas como rifles de maneira eficiente, muito por conta de ele ainda ser novo, então jamais que ele aguentaria o recuo de uma arma maior que uma pistola. O garoto ficou junto de Claire, e fariam a retaguarda da dupla principal, composta por Mary e David, que no começo se olharam um pouco relutantes, mas só reviraram os olhos e aceitaram a decisão do grupo.

Daniel pegava seu rifle e na frente de seu olho surgia algo semelhante a uma mira holográfica, já Lucy cortava a palma de sua mão com a unha e começava a levitar seu sangue. Claire mexia os dedos da mão e as seis adagas que ela havia trazido começaram a flutuar em volta dela, enquanto Ethan apenas garantia que suas pistolas estavam carregadas. Por fim, os braços de David ficavam mais pálidos e com um ar gelado em volta, já Mary apenas estralava seu pescoço e ombros e sacava sua katana, para enfim os seis irem em direção ao prédio.

Daniel se posicionava atrás de um carro destruído, mirando seu rifle, logo após isso seu olho com mira holográfica piscava, tomando uma cor azulada; agora ele conseguia ver melhor no escuro, para poder identificar algo no prédio ou nas proximidades.

Lucy, sozinha, conseguiu saltar alto o suficiente para chegar no terraço de um sobrado destruído. A ruiva então se posicionava ajoelhada na beirada e levitando seu sangue na ponta de seu dedo, como se fosse uma arma também.

Ethan e Claire ficaram atrás de alguns destroços, o garoto suava nervoso e seus batimentos estavam mais que acelerados, o único novato ali, enquanto Claire começava a levitar suas adagas e não parecia tão apreensiva. Porém, na verdade todos tinham um certo nervosismo no olhar, até mesmo Mary, era impossível não ter.

A albina e David então foram na frente, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Os dois encostaram na parede do estabelecimento próximo e olhavam com cuidado pela vitrine quebrada do local.

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Enquanto isso acontecia, nos andares mais altos do prédio, um ghoul observava tudo encostado perto da beirada, porém ele ficava mais intrigado com outra coisa, e não o grupo dos Cicatrizes.

— O quê? Mas como? – a voz masculina diz e então volta para dentro, aparentemente um pouco amedrontado. E o que ele estava vendo aparentemente eram apenas alguns ghouls lá embaixo nos terraços dos estabelecimentos em ruínas, andando silenciosamente para tentar pegar o grupo.

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Mary e David conseguiam ver que aquela era uma antiga loja de conveniência por causa das prateleiras e refrigeradores, mas o que importava era uma silhueta escura ali no meio, parecia ser uma feminina por causa do corpo e cabelos compridos. Ambos os singulares se olharam e começaram a armar um plano apenas com sinais de mão. Pelo que foi possível entender dos gestos esquisitos deles, David iria atrair a atenção da ghoul e assim que ela viesse, Mary iria neutralizá-la.

Por último, a albina dá um sinal de mão para Ethan, que, pelo que ambos tinham praticado, significava “verifique ao redor”. O garoto entendia e fechava os olhos, concentrando-se o máximo que conseguia para sentir a energia de qualquer singular em volta. Aparentemente aquilo era algo que somente Mary e Ethan sabiam fazer, pois Claire ficava um pouco confusa sobre o que os dois estavam fazendo.

— Ei, Lucy, consegue ver? – Daniel dizia no comunicador enquanto mirava seu rifle com silenciador na direção dos terraços.

— Sim, quer que eu ajude? – respondia enquanto também mirava o dedo em que na ponta estava a bolha de sangue flutuando.

— Não estou vendo nenhum movimento no prédio. Só estou achando a forma de se mover daqueles canibais bem estranha. – disse Daniel enquanto via aqueles seres nos terraços dos estabelecimentos andando de forma um pouco esquisita, mas ele logo ignorou esse fator e disparou dois projéteis que acertam na cabeça dos dois ghouls que estavam chegando perto de Mary e David.

— Boa. – Lucy parabenizava Daniel, que até sorriria para se gabar, porém percebeu novamente algo estranho.

Ele aumentava o zoom de sua mira no olho e conseguia ver que, mesmo que aqueles ghouls que havia acertado tivessem levado tiros na cabeça, eles sequer caíram ou fizeram algum som de dor. Quando prestou mais atenção, conseguiu perceber que os canibais estavam se movendo de forma muito bizarra até para o padrão de uma criatura carniceira, como se estivessem um pouco travados.

— Gente, tem algo estranho. – Daniel dizia no comunicador para todos, que ouvem e ficavam apreensivos.

— Estranho já é esse mundo. – Claire devolvia para ele.

— É sério, tem algo que não sei nem se é comportamento de ghoul. – o atirador responde.

Nesse momento, Ethan conseguiu perceber algo, e a energia que ele sentiu era grande o suficiente para até mesmo Mary, que sentiu mesmo estando afastada. Os dois se viraram na direção dos telhados em que a ruiva e o atirador estavam.

— Lucy, Daniel! – ambos, que sentiram aquela energia, gritaram para eles.

Porém, assim que escutaram os gritos de aviso, não tiveram tempo nem mesmo de virar-se para trás, pois ambos receberam um baque por trás junto de uma dor tremenda em suas costas enquanto viam respingos de sangue em suas frentes. Assim que entenderam que haviam sido atingidos, Lucy e Daniel gritaram de dor por seus peitos terem sido atravessados por mãos com garras afiadas.

Enquanto o sangue derramava no chão, o restante de seus companheiros olhava aquela cena e ficavam extremamente chocados, com uma certa carga de temor no olhar. David e Claire gritaram por seus entes queridos e correram na direção deles enquanto Ethan ficava tão aterrorizado que tremia suas pernas e caía no chão em choque.

Assim que David saiu correndo para tentar alcançar Lucy, a silhueta dentro da loja destruída se virou para eles e, tão rápida quanto se virou, pegou impulso e saltou na direção do singular gélido de maneira tão brutal que até rachou o chão que usou de base.

David olhou para trás e viu uma mulher com a boca aberta em sua direção, os dentes caninos afiados e garras em suas mãos, porém, curiosamente, ela não rugia e até tinha um olhar um pouco vazio, parecendo morto.

Antes que fosse mordido fatalmente no pescoço, Mary chegou rapidamente ao lado do singular e cravou sua katana na boca da ghoul, perfurando desde a entrada até o outro lado, na nuca e ainda movendo a espada para o lado, rasgando totalmente a boca dela.

Enquanto isso, Claire tentava desesperadamente lançar suas adagas com força total de sua telecinese na direção do canibal que perfurou Daniel.

Entre os dois singulares afetados, Lucy era a única que parecia continuar consciente e tentando se libertar, pois os ghouls os agarraram e iriam tentar devorá-los.

Quando olhou para Daniel e tentou chama-lo, só conseguia ver o atirador com um olhar vazio e sua arma no chão, seus braços não tinham força para isso mais, e, antes que pudesse fazer qualquer coisa, uma mandíbula afiada cravou no ombro do singular e arrancou um pedaço dele. O ghoul então engoliu aquele pedaço e, assim como a que atacou David, sequer emitia algum som e parecia travado até para comer carne.

Lucy, vendo aquilo, exibiu uma expressão de puro ódio. O sangue que saía de sua boca e manchava seus dentes, além do que saía de seu peito atravessado, começavam a ferver devido à sua adrenalina, porém a um ponto que saía vapor de tão quente, junto disso, suas veias ficavam mais saltadas e sua pele mais avermelhada.

A ruiva então, antes de ser abocanhada, consegue sair do agarro do ghoul na pura força, mesmo que isso tenha feito o buraco em seu peito piorar.

Ignorando o ferimento, que para qualquer um seria fatal, pois era possível ver os ossos quebrados de suas costelas junto de seu pulmão perfurado, Lucy se virou para o canibal e saltou para cima dele sem remorso, este que tentou atacar com suas garras, novamente, com um padrão esquisito de movimento, um pouco travado.

Enquanto ia na direção do canibal, era possível perceber que Lucy muito mais ágil que antes, tanto que conseguiu desviar facilmente do golpe de garra do ghoul e ainda sacou sua faca, cortando o peito dele bem no lugar do coração.

Assim que se levantaram novamente, Lucy não se importou de levar uma garrada bem no rosto, pois isso permitiu a ela enfiar sua mão com tudo no corte feito no peito dele e agarrar seu coração.

A ruiva então começou a gritar de raiva, utilizando seu poder de maneira como nunca antes havia feito, os membros do ser começam a tremer sem parar, junto da cabeça, até que chega um momento que o sangue circulando era tão intenso que simplesmente explode todas as extremidades daquele ghoul, voando sangue e ossos para os lados, inclusive no rosto de Lucy, que demonstrava um olhar totalmente revoltado.

— Lucy... – disse David enquanto a olhava, preocupado.



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