Sputnik Saga Brasileira

Autor(a): Safe_Project


72 SEASONS

Capítulo 9: Fruto Proibido

Rag forçou os braços e as pernas, mas nem sinal de que se soltariam facilmente. Os cipós tão resistentes quanto aço ameaçando prender até seu pescoço caso não parasse de se debater.

De baixo, uma árvore gigante que agora detinha um rosto — como as árvores sagradas de um videogame antigo —, este que lhe encarava cheio de aflição, misturada num medo que o Transformado nem tentava disfarçar.

Todos os vampiros com os quais lidou até hoje, por mais fracos que fossem, exibiam a característica de serem extremamente orgulhosos. Este, porém, aparentava o total oposto.

"Ele está mesmo com medo de mim? Isso não é uma encenação!?"

Os dentes humanos rangiam, os lábios grossos e os olhos pesados devido às olheiras tremulavam como um trem descarrilhado. A língua de ceiva produzia um som semelhante ao chiado que um gato faz quando se sente ameaçado.

"Ele me pegou! Merda! Ele usou o fruto para me distrair desde o início?"

A situação era ruim, fato, mas sua cabeça insistiu em questionar o que parecia mentira diante de seus olhos.

"Isso é realmente medo ou ele está apenas fingindo?"

Vampiros, seres orgulhosos por natureza que, tal como um tigre está destinado a comer carne, adoram se vangloriar e mostrar seu poder. Um deles mostrar medo era o mesmo que o tigre em questão começar a viver somente de alface.

Não tem como! Rag disse para si mesmo. O vampiro estava lhe enganando, mas este tipo de pensamento estratégico era estranho por si só, ainda mais ao lembrar que se tratava de um Transformado, tipo que normalmente eram animalesco demais para pensar em algo além de matar.

Primeiro a Indulgente robótica, agora essa árvore maldita. O que estava acontecendo com os vampiros dentro do Corredor Sagrado??

Tentou se libertar outra vez, os cipós ainda mais firmes do que antes. O fruto ainda voava incansavelmente ao seu redor, por algum motivo não atacando.

"Se ele está realmente com medo..."

Teve uma ideia. Numa situação de vida ou morte, "boba" era uma palavra sem significado.

— Ei!! Você mesmo! Me solte agora mesmo!

Com a voz mais grossa que foi capaz de emular, o rosto gigante chiou outra vez, um gato assustado. Os cipós afrouxaram um pouco, para que apertassem outra vez quando o vampiro entendeu a intenção.

Droga! A intimidação quase funcionou, mas agora não poderia ser usada outra vez. Restou resmungar, indignado.

— Bo-Boa tentativa, mas eu não vou te so-soltar!!

A voz de um velho rabugento que estava furioso pela criança fedida ter invadido seu precioso gramado.

"Ele realmente não está atuando!?" Decidiu arriscar novamente. — Não quer me matar aqui, não é? Amaldiçoados tem sangue venenoso! Se me matar aqui, o meu sangue vai ser absorvido pelas suas raízes e te matar!

Em resposta, a árvore franziu o cenho mais do que Rag pensava ser possível.

— O Me-Mestre ainda não disse na-nada sobre você, mas eu vou ma-matá-lo! Ninguém aqui tem interesse em estudar o sangue dos Amaldiçoados!! Vo-Você é perigoso!

Os cipós começaram a apertar. Uma estratégia adotada em prol de evitar o mínimo contato com o sangue do Cardeal.

— O Mestre disse que eu não era forte, então eu decidi lutar desta forma! Eu sou muito inteligente, por isso que você perdeu!! Agora morra, depressa!!

Não tinha como um semblante arbóreo clamar tão explicitamente, no entanto, Rag era incapaz de atender ao pedido do esforçado vampiro.

"Eu uso outro Selo? Mas qual?!"

O fogo foi ineficaz anteriormente, então seria arriscado tentar outra vez. O próximo selo seria seguido da penalidade. Se desmaiasse sem eliminar o inimigo num único golpe, seu destino seria selado automaticamente.

"Eu vou perder… por não ter previsto um vampiro medroso!?"

Os cipós apertando aos poucos, não para torturar ou algo parecido, mais como uma maneira de ter certeza de que nada de estranho estava acontecendo.

Como sempre, o demoniozinho surgiu em ambos os ombros, sussurrando incansavelmente:

USE O ATAQUE! USE O ATAQUE! USE O ATAQUE! USE O ATAQUE!!

— CALA A BOCA, PORRAAAAAAAAAAA!!

Não perderia tempo discutindo desta vez. O medo no rosto do vampiro se desfazia aos poucos conforme a face de Rag assumia um tom cada vez mais roxo.

"Droga...!! E-Eu não vou conseguir! Se pelo menos... eu fosse mais forte... Se fosse outra pessoa…!!"

Foi então que Rag, num momento conveniente o bastante para que a determinação lhe desse forças e esperanças para superar algo aparentemente impossível, se lembrou das palavras de Russisch:

Não existe "o mais forte"!

Neste momento, Rag entendeu que ele não tinha inimigos, ninguém tinha. Porém, ao invés de repentinamente se tornar um pacifista, ele teve uma segunda realização.

"É, você está certo, Russisch!" Os ossos estalando conforme os cipós apertavam. "Eu nunca vou vencer se quiser ser o mais forte…"

Mirou o vampiro, ou melhor, a grande árvore com rosto. O cenho, apesar de mais relaxado, ainda era dominado pelo medo e a apreensão, o par de olhos arregalados atentos a qualquer movimento suspeito que a presa pudesse realizar.

"Esse vampiro está realmente com medo de mim, ele já estava antes mesmo de eu aparecer, por isso que ele se preparou e até bolou um plano para me capturar. Ele foi… mais esperto do que eu!"

Rag sorriu, uma ação involuntária dos músculos de seu rosto. Devido ao ângulo, o vampiro foi incapaz de perceber o ato.

"Você está certo, Russisch! Eu não sou e nem preciso ser o mais forte…"

Com toda a força que o corpo numa situação de vida ou morte era capaz de lhe proporcionar, desvincilhou a mão direita dos cipós, esforçando para fazer o mesmo com o braço inteiro, mas não conseguiu.

Hisss!! Morra, morra!! O aperto se fez mais poderoso, mas longe do suficiente para parar o Cardeal agora.

"Ele com certeza tem medo da morte." Tombou a cabeça para trás, capaz de mirar seu alvo atual. "Mas… eu tenho muito mais!"

Com somente um braço livre, ele sacou a única carta que considerou útil para o momento. Sexagésimo Sétimo (67°) Selo! O papel se desintegrou de imediato após ativado, tal como o braço foi recapturado, mas não por muito tempo.

A habilidade contida no selo fez efeito, os galhos menores, seguidos pelos ramos mais grossos e, por fim, o grande tronco principal, tudo estalou numa sequência orquestral, os mínimos movimentos acumulados para no final fazer a grande árvore tombar para frente.

O QUE É ISSOOOOOOO!??? A boca do Transformado foi fechada à força. Ao invés do corpo inteiro tombar pra frente, apenas metade do tronco se inclinava, o peso pendente realizando o trabalho de lentamente estourar a madeira que constituía suas costas, como rasgar um corpo ao meio ao puxar duas metades em direções opostas.

Os cipós afrouxaram finalmente, Rag capaz de minimizar o dano que sofreria da queda ao dar uma incrível cambalhota para frente ao aterrissar. Nunca falhava.

URYAAAA!! Os gritos genéricos demais para se prolongar tomaram conta de toda a floresta, até então, silenciosa.

"Ele não vai morrer só com isto!" De alguma forma, Rag tinha esta certeza.

O selo que usou era o último antes da penitência. Funcionou em partes, mas tinha que finalizar o inimigo antes que viesse a desmaiar a qualquer momento.

TRUNK! O som marcou o separar definitivo das duas metades do Transformado. Metade do corpo tombou para frente, ainda agarrado na terra o pedaço dos lábios inferiores para baixo. Era incapaz — felizmente — até de emitir seus gritos agonizados, mas ainda tinha vida.

"Droga, droga!! Eu não quero morrer! O Mestre me mataria se eu morresse!!" Forçou o olhar para os lados, tentando encontrar seu inimigo. "Eu vou matá-lo! Eu vou matar esse rapaz e usar o cadáver como sustento para me regenerar!!"

Sim! Era um ótimo plano em teoria. Por mais que o sangue fosse lhe causar um pouco de dano ao ser absorvido, bastava expelir de seu corpo o mais rápido possível para minimizar as dores e então absorver o cadáver seco, assim como sempre fez.

"Onde? Onde ele está exatamente??"

Concentrou-se em sentir os arredores, facilmente encontrando o alvo através dos passos apressados. Quando este parou de correr, viu a chance perfeita de o surpreender por trás e com força, mas algo estava errado.

Rag tinha um item em mãos, e definitivamente não era um Selo. Ei, não faça isso!! O vampiro gritaria se sua boca não estivesse incapacitada. Ter o corpo partido ao meio lhe distraiu demais, tanto que se esqueceu de uma parte preciosa que havia caído no chão.

O Cardeal agarrou o fruto com força, encarando a larga boca cheia de dentes afiados. Gulp! Uma preparação.

"É como você disse, Russisch, eu não sou o o príncipe Vast…"

As memórias da Catedral Secreta inundaram sua mente outra vez. O fruto batendo as asas em desespero falhava em fugir, tal como aquela pessoa querida. O rosto a se debater enquanto o seu se aproximava, faminto. As memórias a trazer o gosto amargo à sua boca, equivalente a beber o chorume acumulado de meses em um saco de lixo.

"Sim, o príncipe Vast é capaz de salvar todos ao seu redor, mas eu não sou…"

Mordeu a própria língua, usando o acúmulo de seu próprio sangue para limpar o gosto da mistura que residia marcada em brasa em suas memórias.

"Eu não consigo salvar todos, mas eu ainda posso ajudar… QUEM AINDA ESTIVER VIVO!!"

Quando sentiu uma boa quantidade de sangue acumulada, despejou tudo na boca açucarada do fruto vivo, selando qualquer brecha com seus lábios em prol de garantir que nenhuma gota seria perdida.

Os efeitos tão velozes que o Transformado nem foi capaz de agonizar. As chamas usadas anteriormente para tentar queimá-lo agora estavam o fazendo de dentro para fora. A carne — se é que uma árvore podia ter isto — a derreter ao mínimo contato com o ácido vermelho. O fato do fruto ser pequeno acabou acelerando o processo.

"Droga…!! Po-Por que eu fui deixar logo meu coração exposto desta forma, que burrice!!"

Amaldiçoou-se em seus últimos momentos. Devia ser um plano perfeito, sua falha sendo apenas a crença de que ninguém seria louco o suficiente de morder a criatura voadora por conta própria.

Este era o fim, tinha certeza disto. Porém, ao invés do desespero que sempre esperou sentir em tal momento, a visão de um Cardeal praticamente engolindo uma fruta que sequer fazia ideia se tratar do coração do inimigo lhe trouxe um estranho relaxamento.

"Eu me preparei o máximo que pude contra ele, e ainda assim fui derrotado. Talvez este rapaz realmente seja capaz de matá-lo… Hah~, seria ótimo…"

O corpo principal começou a se desfazer, seguido da grama, do céu falso e todo o resto.

— Ei, garoto…

Huh!? Rag cortou o beijo ensanguentado, a fruta se tornando cinzas na mesma hora. Os olhos cravados nos da grande árvore, suas últimas forças usadas para regenerar uma quantidade suficiente da boca que lhe permitisse falar.

— Coloque um fim nisso, derrote Vloid por todos… nós!! Minha mensagem final, adeus!

Ele então se tornou cinzas dramaticamente.

Rag com certeza tinha muitas coisas para processar, mas a primeira coisa que fez depois que a floresta foi substituída pelas boas e velhas paredes de metal do corredor foi se debruçar no chão.

"Funcionou! Foi um risco e tanto, mas deu certo!"

O Transformado se tratava do ambiente por inteiro, do chão ao teto, então o fruto era parte do corpo principal, apesar de não diretamente conectado. Se ele ingerisse o sangue Amaldiçoado, então sofreria as consequências.

Tal pensamento, apesar de perigoso, foi exatamente o que lhe livrou de um destino pior.

"Apesar de ter certa inteligência, ele ainda era um Transformado. Se ele tivesse pensado mais na própria estratégia, eu talvez não tivesse conseguido sair de lá, pelo menos não tão bem quanto eu consegui, quem sabe eu perdesse uma perna ou um braço…" Engoliu seco. — Acho melhor me preparar mais para as lutas daqui em diante, talvez fazer umas anotações em um papel.

Seria mais seguro, tinha certeza de que esqueceria algum detalhe caso fossem apenas notas mentais. Um texto escrito lhe permitiria fazer revisões mais precisas em um determinado plano de ação.

Após tal situação sufocante e de certa forma reveladora, Rag tinha muita coisa para processar. Porém, entre tudo que se passou, havia um pequeno detalhe que o assombraria como uma lembrança vergonhosa pelo resto de sua vida.

"Meu primeiro beijo… foi com uma árvore."

Ele não soube como reagir. ARGH! A penitência dos Selos chegou em seguida, inundando sua mente com um tsunami de informações sobre astronomia que lhe renderia um desmaio de mais ou menos cinco horas.

 

 

 

                                                                                                    

67° Selo: Inclinar e curvar árvores


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