Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 16: Mais um Dia

Jay empurra um carrinho de rodas pelo corredor do supermercado, o seu irmão está logo à frente vendo o que deve colocar dentro. Uma música monótona soa constantemente da caixa de som na parede. Jay repara nos arredores enquanto inclinado no transporte, relaxado em tédio.

— Mano.

— O que foi? — Ury cessa seus passos para olhar algumas latas, comparando-as.

— Por que está fazendo compras tão meticulosas?... Não vamos passar muito tempo nessa cidade.

— Precisamos estar bem nutridos para demonstrar o melhor desempenho, algo que comida de micro-ondas ou uma culinária de rua não pode nos prover. 

— Mas sua culinária medicinal tem gosto de merda.

— O importante é o resultado que ela trará para nossos corpos. — Ele coloca a lata no carrinho de mão, voltando a caminhar. — Vamos para o setor de verduras.

“Ele e essas receitas amaldiçoadas, ao menos se ele as fizesse com um pouco de preocupação com o gosto… Do que é feito a língua dele? aço?”

A atenção do Jay é tomada pela vista que tem do lado, fazendo-o abrir mais os olhos que refletem a imagem de uma sessão de macarrão instantâneo.

“MIOJOOOO!!!”, brada em sua mente, suando frio enquanto evita qualquer exaltação que chame o foco do seu irmão, fechando a expressão em seriedade. A embalagem dos pacotes possuem um tatu desenhado em um estilo de desenho animado. “Essa é a minha oportunidade! Depois do setor de verduras certamente iremos direto para o caixa, não terei outra oportunidade, preciso agarrá-la! Certo! Vou pegar um miojo e escondê-lo debaixo dos frascos de tempero!”

Jay estende gradualmente o braço na direção da embalagem.

— Ei! mano.

— O que foi agora?

— Como você vai cozinhar se não tem uma cozinha lá no quarto do hotel?

— Pedi permissão para o chefe dos cozinheiros, posso usá-la em alguns horários.

— Sério que você pediu permissão?... 

Os dedos do Jay tocam o miojo, o puxando com delicadeza da prateleira sem emitir ruídos.

“Ótimo! Tá na mão!”

Ury vira de uma vez, deixando um rastro de luz dos seus olhos; ele acerta a mão do irmão, afundando o dedo avantajado na ligação próxima da base do dedão, causando uma dor latente em Jay, que sente um poderoso arrepio percorrê-lo. O macarrão instantâneo é solto, gerando um baque seco ao colidir no chão.

A missão de levar o miojo escondido... é destruída.

— Por que estava pondo essa porcaria no carrinho? — Ury está em chamas, um dos seus olhos está brilhando como se fosse um ciborgue.

— Tá! Relaxa! Não vou tentar por mais nada que não seja saudável! — Ele fica com as mãos abertas próximas do rosto em uma postura de defesa.

— Espero. O corpo de um lutador não precisa de lixo.

— Seu maldito da língua de ferro! — xinga Jay em sua mente. As lágrimas de decepção escorrem dos seus olhos, ele volta a empurrar o carrinho.

O tempo passa, os irmãos vão ao caixa, pagando pelas compras e, em seguida, indo para o lado de fora com os produtos dentro de sacolas.

— Ah! Espera! — fala Jay. — Esqueci a chave do quarto no caixa!

— Idiota… vá buscar, irei aguardar aqui.

— Sim!

Ele corre até lá, aproveitando que não há mais ninguém pagando para falar sem hesitação sobre a chave com a empregada. Jay, quando está indo embora, solta uma moeda no caixa, sentindo o tempo passar devagar durante o seu avanço até as portas retráteis.

“Não pense que fiquei parado no tempo, irmão.” Um sorriso malicioso se molda em seu rosto. “Fiquei mais forte, ao ponto de poder fazer essa estratégia.” A embalagem do miojo brilha por baixo da sua camisa, presa na cintura por baixo do cinto.

As portas automáticas se abrem, ofuscando o exterior com a luz vinda de um território imerso em claridade, um campo celestial.

“Heh?...” Ao sair Jay não vê o seu irmão do lado de fora. “Aonde ele foi?...”

— E então? Lembrou de pagar pela “porcaria”? — Ury está com as costas apoiadas na parede ao lado, assustando o outro ao ponto de fazê-lo saltar na direção oposta.

— Tenho que proteger…! — Ele retira o pacote da cintura, tentando levá-lo para longe com o estender do braço; Ury pisa à frente, atirando um soco que pulveriza o miojo em um vácuo circular, restando na mão do Jay apenas uma parte da embalagem.

O rapaz embranquece em desolação, dissipando-se no mundo luz enquanto encara, sem propósito, o nada. “O que é a vida se não apenas um tormento que nos cerca de dor? Nos puxando de volta para o breu ao estarmos a um passo de escapar”, seus pensamentos soam pela vastidão, sem propósito, sem resistência — o desfecho da sua alma chega. Pobre Jay.

 

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Duas vozes femininas gargalham, acompanhadas do riso mais leve do Humine. Eles estão no primeiro andar de um shopping, rodeados por uma movimentação considerável.

O rapaz usa uma camisa social, calças jeans e tênis escuro, usando um colar composto de cordas negras pelo pescoço que está com a ponta por baixo da roupa. As moças vestem tipos distintos de camisas, saias e sapatilhas, que possuem cores fortes, como amarelo e vermelho.

— Aguenta aí! — fala uma delas. — A gente só vai ao banheiro e já volta!

— Claro! Fiquem à vontade!

— Ele é legal, gostei dele! — As moças conversam com sussurros durante a caminhada, o que se prova em vão, pois o assunto chega nitidamente aos ouvidos do Humine, que esboça um sorriso largo de felicidade, corando por baixo dos olhos.

Uma mão robusta desce desde o alto com a palma aberta, estourando sua imagem ao acertar o peitoral do rapaz, fazendo-o jorrar saliva pela boca.

— Eai ninja de araque! Por que esse sorrisão nojento?! hahahaha! — Quem diz é Traçal, levantando os óculos escuros para olhá-lo. Humine está se debatendo no chão pela dor, mantendo uma careta enquanto segura a área atingida.

O robusto está usando uma camisa preta que tem o desenho de um tigre branco espalhando-se principalmente pelo peitoral. Ruídos são emitidos da corrente acoplada ao lado das suas calças, que terminam sobre o sapato escuro.

— T-Traçal!? — Humine se ergue, atualmente quase recuperado da pancada. — Por que fez isso?! — Ele aponta com o braço, enrijecendo-o.

— Não fique irritado, foi só um tapinha. Mais importante… — O rapaz se aproxima do demais, pondo o braço por cima do ombro dele para forçar uma conversa mais próxima, batendo de leve na barriga. — E aquelas beldades? São o que suas?

— Nós nos conhecemos mais cedo… 

— Ei! Não seja esfomeado além da conta, me apresenta a uma delas.

— Não sei se devo… — Humine desvia o olhar para o outro lado.

— Vamos, quebra o galho, vai ser de grande ajuda! Está participando do mesmo torneio que eu, também saiu hoje para descarregar o estresse, não é? Então dá essa força para o amigo aqui. 

— Ah… Tudo bem. Mas não cause problemas.

— Hahahaha! Você é o cara! — Traçal aumenta a força das batidas na barriga, fazendo o outro esboçar uma expressão de dor com os dentes à mostra.

— Eeeei! — chama uma das jovens ao ver os dois, acenando com o braço no alto, se aproximando. — Ora! Quem é esse perto de você?

— Ah, sim… — Humine aponta com as mãos para ele. — Esse é o…

Falta um dia para a progressão do torneio.

 

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Está amanhecendo, o começo do espalhar da luz alcança um dojo, irradiando-se pelas tábuas do solo como seria em um espelho. No centro do lugar — onde a luz ainda não chegou devidamente — está Kaon, sentado, tomando chá; ele observa os efeitos do sol sobre uma árvore e o topo das construções através da brecha próxima do teto. Pássaros voam pelo panorama com seus cantos incessantes.

O rapaz toma uma golada do copo, pondo-o no chão antes de se deitar. Está vestido com uma yukata, coçando o peito esquerdo pela abertura.

Patas se movem rapidamente pelo chão, sendo notadas pelos sentidos dele, levantando-o ao conquistarem sua atenção — Kaon vê uma barata correndo pela borda do lugar. Antes que ele avançasse sobre ela, seu foco é tomado pelo soar de uma voz feminina por detrás da porta:

— Kaon, está aí? Fiz biscoitos e trouxe alguns para acompanhar seu chá. — O tom dela é manso, banhado por um ar de gentileza. — É raro você vir direto para cá ao acordar… 

O inseto chama a atenção do rapaz mais uma vez por entrar no seu campo de visão e, em seguida, desaparecer ao passar pela abertura debaixo da porta, alcançando os pés da moça. A prateleira é jogada para o alto junto de um grito agudo, que se prolonga, talvez perpetuamente. Kaon caminha com relativa pressa na direção da entrada, um sorriso discreto se molda em seus lábios.

— Kaon! Me ajudeee! — Seu tom indica a proximidade do seu desabar em lágrimas.

O som da porta abrindo soa, o vento carrega as folhas de uma árvore para o alto, levando-as pelo céu.

 

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Kimai anda pela rua com uma mão no bolso, uma rua pequena se comparada com as do centro da cidade, até sobre a movimentação das pessoas. Ele desfruta do tempo com a visão dos arredores, transitando sem pressa ou destino.

Um caminhão próximo da esquina tampa a sua visão, impedindo-o de prever a vinda de um projétil no rumo do seu pescoço; sua pupila afunda, ele levanta o braço como um borrão vermelho, agarrando o objeto sem dificuldade até… estourá-lo?...

Kimai fica confuso, reparando que está segurando o que sobrou de uma bola. O som de uma garoto chorando surge soando alto.

— Sério?... — O rapaz olha para a criança se acabando em lágrimas à frente, vendo uma menina de maria chiquinha se aproximando dele com uma expressão furiosa, expondo a falta de um dente na fileira superior.

— Seu “bad boy”! Olha o que fez!

— “Bad boy”?...

— Valentão!!

— Valentão?... Minha impressão foi de terra abaixo com esse acidente… 

Kimai suspira com um sorriso, esfregando o cabelo da menina, aturdindo-a ao ponto de tirá-la do modo raivoso para um estático; perdida com a situação.

— Certo, esse “valentão” irá se desculpar, então me perdoe. — Ele levanta a cabeça, direcionando-a ao garoto. — Ei guri!

Tal para de chorar graças ao chamado. 

— Tem algum lugar perto que venda uma bola tão boa, ou melhor, que aquela que estourei?

Algum tempo se passa, eles estão de volta a esse lugar. O jovem está com os olhos arregalados concentrados na sacola que segura à frente, uma repleta de bolas.

— N-não ache que vamos te perdoar só porque comprou algumas outras! — brada a garota.

— Muito obrigado, senhor. — O garoto se curva, falando em um tom modesto, como um empregado, o que impressiona a jovem. — Me lembrarei disso pelo resto da minha vida. Usarei essas bolas todos os dias, 24 horas, para honrar os presentes.

— Hahaha! — Uma gota de suor surge no rosto do Kimai, que fica desconcertado com essas palavras. — Não exagere… 

Ele esfrega o cabelo da criança, fazendo-a se erguer para a postura normal. 

— Afinal você ainda tem que ir para a escola. Use uma por vez até que ela não sirva mais, assim devem durar bastante.

— E-entendi… 

— Só vocês estavam jogando? Onde estão os seus amigos?

— Um está viajando e os outros não puderam sair hoje — responde a menina.

— Que chato. — Sua boca bufa pela lateral, dando lugar a um sorriso; ele gira uma bola com a ponta do indicador, deixando-a cair no chão para firmar o pé por cima. — Então… por que não jogamos?

As crianças se empolgam, Kimai chuta sem exagerar na força, jogando o objeto por entre os dois.

— Vão ficar parados?! — O rapaz passa pelas crianças com uma corrida. — Se não se esforçarem, não vou deixar que toquem nessa bola nenhuma vez! Hahaha!

A dupla o persegue, rindo enquanto todos se movimentam pelo asfalto, bagunçando seus cabelos pelo vento.



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