Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 5: Sangues Quentes

Tansai é posto em uma maca e levado embora da arena pela equipe médica. Laerte para ao terminar de passar pelo corredor escuro, ficando de frente para outro rapaz.

— Yo — cumprimenta o boxeador, levantando uma mão para saudá-lo. — Ainda não é muito cedo para você estar aqui, Omnislai?

O citado inclina um pouco a cabeça, esboçando um sorriso. Ele tem 1,70 m de altura, é magro, mas bem definido nessas proporções. Seu cabelo tem um tom escuro de verde, longo o suficiente para algumas pontas curvadas tocarem a base do pescoço. Sua expressão resplandece de ânimo como uma criança carregada de energia.

— Desculpe pela intromissão, desculpe, mas! Aquele foi um início e tanto, ainda estou empolgado, tive que vim aqui! hahaha! — Ele respira fundo antes de continuar, aliviando parte do descontrole. — Não esperava que fosse ficar tão forte, Laerte. Talvez não pudesse haver uma luta de estreia melhor que essa.

— Não me bajule, penso o contrário. — Laerte sorri de leve. — Só fiz o meu trabalho.

— Hahaha! Não poderia ser diferente! Estou fervendo!

— Então… você veio para lutar?

O silêncio toma o local, um vórtice se forma ao redor do Omnislai, distorcendo o redor em um emaranhado do que eram tijolos. O seu tênis deixa de tocar o chão, o giro da sua perna tem um aumento súbito de velocidade, tornando-se um borrão, alcançando num instante o rosto do Laerte.

— Eeeh?! — Omnislai congela na posição com a perna erguida, expondo uma expressão confusa. — Não vai se defender?!

O boxeador está parado com um sorriso fechado, apesar de um tênis está ao lado do seu rosto.

— Fora do “ringue” eu sou apenas um civil. — Ele empurra a perna com o lado contrário da sua mão, dando uma indicação para o outro rapaz abaixá-la. — E você também está esquecendo de algo importante, “meu caro rival”.

— Hum? O que quer dizer?

— Você tem que conquistar o direito de me enfrentar. — Ele aponta com o polegar por cima do ombro, inclinando o pescoço para o lado oposto, em relaxamento, ou poderia ser arrogância? — Vai ter que passar pela “muralha” entre nós.

Omnislai vê uma névoa passar pelo corredor e Laerte, chegando até ele; é carmesim e envolve os arredores, inundando a realidade com uma sensação que embriaga os sentidos. Um arrepio percorre seu corpo, sentindo o ar à volta vibrar; o vermelho se remexe de um lado para outro, em uma inconstância de intensidade que rasga as imagens das paredes, formando um túnel grotesco.

O rapaz toma uma postura de batalha, abaixando o centro de gravidade enquanto mantém as pernas abertas: uma à frente e outra atrás. Seus olhos estão abertos ao máximo, com as íris mergulhadas em um foco abissal; uma mão cai sobre o ombro dele, despertando-o para o mundo real.

— Oh! — Omnislai fica perplexo com a mudança abrupta de realidade. Laerte é quem toca no ombro dele, tendo tirado a luva que agora está entre a axila do outro braço antes de fazê-lo, desatando a demais com os dentes.

— Está certo, é natural reagir assim ao sentir uma “hostilidade” tão liberta. É instintivo.

Traçal está com os braços cruzados no corredor oposto da arena, apoiando as costas na parede enquanto os olha. Percebendo que foi notado, decide se virar, deixando o local com passos lentos.

— Você não foi o único que quis me dar um “olá” depois da luta. — Laerte olha de relance para Omnislai. — Ainda acha que vai poder me enfrentar?

Um sorriso enorme se espalha pela face do rapaz, seus olhos estão abertos ao máximo, nem sequer considerando mais o boxeador no campo de visão. Laerte deixa um som abafado de risada escapar, um curto, indo embora do lugar por uma escadaria ao lado.

— Tudo bem querer me enfrentar, mas não foque em mim com um monstro daquele na sua frente.

 

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Meia hora se passou, os narradores conversam sobre a próxima luta:

— Falta pouco tempo para a entrada dos lutadores — ressalta Gaojung. — Meu coração ainda não está recuperado daquele desempenho do Laerte! hahaha!

— Apesar do efeito daquela luta — fala Malena — estou mais tensa com essa, afinal…

Traçal está no corredor com a silhueta brilhando de leve em branco pela cobertura da aura, enrijecendo os músculos do corpo pela ansiedade no aguardo do confronto.

— …estamos falando da luta do favorito.

— Essa com certeza vai ser o destaque da noite! Na balança, Traçal está pesando 20 kg a mais do que no ano passado, apenas que tipo de preparamento ele fez para este torneio?!

— Estou confiante que ele vai mostrar aquele estilo de novo nessa luta.

— Ah! Então não crer que seja só um rumor?

— Depois de ver a impressão forte que aqueles movimentos deixaram, consegue mesmo acreditar que é só um rumor?

— Certamente que não, hahaha… Foi assustador.

— É… E Omnislai é forte, pode estar até à altura do desafio. Como um dos “quatro”, não podemos subestimá-lo como um lutador menor nessa competição.

— Houve uma luta de treino dele aberta ao público no mês passado, fiquei surpreso quando o vi derrubando todos os parceiros de sparring com apenas um movimento para cada… Ah! Para os que estão assistindo à transmissão só agora, devem estar confusos sobre esse “quatro” que citei. Resumindo, são os lutadores que eu e Malena chegamos a um consenso sobre serem possivelmente os que podem derrubar Traçal e Laerte do favoritismo, sendo mais direto, são os que vemos que  podem derrotá-los apesar das desvantagens!

— Gaojung, você acha que a velocidade dele pode ter efeito sobre a base sólida do Traçal?

— A melhor referência que temos para isso são as batalhas dele contra Laerte. Na semifinal do circuito amador no ano passado e na final de dois anos atrás ele conseguiu envergar o corpo do Laerte várias vezes mesmo com a diferença de peso e altura, tendo limitado bastante o seu jogo de pés. O que ele tem não é só a capacidade de causar dano consistente em oponentes maiores e mais pesados, mas também a de atrapalhar as ações adversárias e induzir erros com a agilidade.

— Então vai ser um “força vs velocidade”, é?

— Não é a primeira vez que Omnislai fica supostamente contra alguém bem mais forte, ele tem as ferramentas para trabalhar isso. Estou confiante que essa será uma luta muito interessante!

Minutos se passam, os narradores prosseguem discutindo, algo que a plateia também faz, alguns juntos de papéis nas mãos com o intuito de ter uma referência de dados. A geração desse clima é proposital, algo comum nos torneios do Holliver, que sempre são longos; não por haver muitas lutas, mas pela pausa entre elas.

O público alvo desses eventos são os indivíduos mais “técnicos”, os que gostam de dissecar e tentar prever os resultados dos combates e, apesar da grande parte do público — se não a maioria — serem de pessoas que não se importam com isso, porém, até para elas a experiência se torna melhor devido a um tempero especial: a ansiedade. A efetividade desse método depende do quão grande são os nomes dos participantes, quanto maior for a glória de conquistas dos envolvidos que entrarão na arena, maior será a empolgação orquestrada para a plateia, conduzindo-a para uma “explosão” que a marcará.

Os holofotes vão de um lado para outro na arena, as luzes piscam para ambientar a aparição dos lutadores. Faíscas vermelhas jorram dos tambores, Traçal surge pela entrada vestido em um longo capuz negro com as mangas rasgadas, expondo os braços robustos. 

— (…) Queimando de uma fúria incontrolável!! — grita Gaojung. — Atacando como uma besta insaciável!! Não poderia haver outro tão merecedor do título de favorito neste torneio, sendo o único ativo no circuito profissional entre todos os 16 lutadores!! TRAÇAL, A FERA INDOMÁVEEEEL!!!

O capuz é retirado com um puxão da mão, sendo jogado para o lado igual lixo. O lutador abre os braços para os lados e põe a língua para fora, banhando-se com a aclamação da plateia. Ele usa calças folgadas de cor verde e uma camisa branca que é justa, mais parecendo roupa casual do que uma de atleta.

— E agora “ele”! — Dessa vez é Malena que faz a apresentação. — Um dos poucos homens que conseguia se opor a Laerte no circuito amador! É baixo, mas em compensação, rápido como um raio!! Repentino como a queda em uma armadilha de estacas! causando mortes inimagináveis!! OMNISLAI, O MATADOR DE GIGANTES!!!

Faíscas azuis jorram, porém o participante não aparece; no corredor escuro entra parte da luminosidade da arena. O atraso faz um funcionário se aproximar do Omnislai, que está alongando as pernas no interior daquele lugar mesmo que já tenha sido chamado.

— S-senhor, é o seu horário para entrar, por fa-

— Não se preocupe!

O rapaz dispara em uma corrida, surgindo de uma vez do lado de fora já freando com os dois pés juntos; todos se assustam, com exceção do adversário. As faíscas param de jorrar, os holofotes se estabilizam.

— UAU!!! — Gaojung arregala os olhos. — Mal vi ele chegando!

— Será que ele se atrasou por ficar perdido? — indaga Malena.

— Estamos falando de lutadores, uma chegada dessa tem que ser por capricho! Hahaha!

Um funcionário pega o capuz jogado pela arena, com a saída dele, as entradas são seladas pela descida de grades de ferro.

Omnislai está com o cabelo amarrado em um rabo de cavalo, usando apenas um calção e tênis de cano alto como Laerte. Um costume de vestimentas vinda do circuito amador.

O juiz conversa com os dois, a última etapa para a luta poder começar. Os dois lutadores se encaram, ficando clara a diferença gritante de físico entre eles.

— Ei, tampinha — fala Traçal — Pensa que poderá fazer algo aqui?

— O que quer dizer? 

— Acredita que pode me ferir? Acredita que pode durar? Acredita que pode fazer meu tempo aqui valer a pena?

— Ah… — Omnslai se manteve sério até esse momento, destruindo isso com a expansão de um sorriso. — Que ironia, estava prestes a te perguntar as mesmas coisas.

— HÃ?!! — Veias ressaltam na testa do Traçal, suas íris somem, mas seu sorriso macabro continua estampado na face. Ele se vira para o juiz, dizendo: — Ei! Comece isso logo!

— Esse foi o sorteio de batalha mais intenso para a primeira rodada — diz Gaojung —, prometendo ser a mais acirrada de toda a noite! Oh! O juiz deu o sinal! Está para começar!

O público está barulhento por todos os lados. Os figurões na sala VIP estão de pé, observando a arena pelo vidro ou as grandes telas pelo lugar, havendo, por essa sala, várias máquinas de cassino com bordas de douradas, brilhando constantemente pela reflexão da luz dos lustres acima. Os garçons servem vinho e outra bebidas; dados rolam, roletas giram, causando felicidade ou decepção para pessoas distintas em seus cessarem.

Um quadro de apostas está exposto na maior tela desse local, tendo nele as fotos dos dois lutadores e embaixo deles o total dos valores apostados pelas pessoas ali. O dinheiro colocado em Omnislai totaliza “25.031.790,00 L”,  e em Traçal “62.860.907,10 L”.

— Holliver podia ter aberto apostas pela internet. — comenta um senhor de idade, que está sentado numa poltrona. — As quantias aqui não estão empolgando em nada.

— Você sabe como ele é — fala um homem próximo. Ele está na meia-idade, tendo uma barba longa e escura cobrindo toda a boca e queixo. — Na primeira rodada ele limita bastante justamente para as apostas serem maiores nas demais.

— Hahaha! Aquela raposa. O que ele ganha com isso?

— Vai saber… Mas é uma pena… 

— E O APITO SOA!!! — brada Gaojung. — QUE A SEGUNDA LUTA, COMECEEEE!!!

A plateia estremece. Traçal e Omnislai tensionam os rostos, girando os troncos em sincronia para se socarem.

— … pois essa é uma luta em que eu colocaria muito dinheiro.



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