Torture Princess Japonesa

Tradução: MatheusPD

Revisão: MatheusPD


Volume 1

Capítulo 4: Um Enviado da Igreja

— Que delícia!

Com o garfo e a faca na mão, Elisabeth era só sorrisos.

Esta era a primeira vez que Kaito viu ela sorrir sem um pingo de malícia. A situação era tão anormal que ele teve arrepios ao imaginar o que ela poderia estar tramando. Não era apenas ela, mas a mesa também era motivo de preocupação.

A longa mesa de jantar foi adornada com uma imponente toalha estilo árabe e as cadeiras vazias foram preenchidas com flores coloridas. Os castiçais enfileirados se alternavam entre prata e ouro, com sua luz gentilmente iluminando a prataria.

O aroma de vários pratos bastante elaborados pairava pela sala.

Havia uma cabeça de porco com brioche, uma apetitosa salada de intestinos com um toque azedo, uma tigela de sopa de tripas de cordeiro e uma torta de rim dourado escuro. O prato principal consistia em fígado assado com ervas.

Para finalizar, de sobremesa havia uma torta de maçã com elas cortadas em forma de flores.

Elisabeth estufou suas bochechas com recém preparados pratos um atrás do outro. Grande e exageradas lágrimas escorriam de seus olhos.

— Isso é uma delícia... Realmente sublime! Você tem as minhas bênçãos, boneca!

— É uma honra eu ter conseguido atender aos seu gosto, lady Elisabeth, mestra de meu mestre Kaito.

A automata estava a posta ao lado de Elisabeth. Seus olhos de esmeraldas brilhavam com delicadeza e um gentil sorriso surgiu em seu rosto. Ela estava vestida em um uniforme de serviçal clássico com um adorável chapeuzinho, dando a impressão de que servia a anos no castelo.

Era difícil de acreditar que ela era a mesma pessoa que ficou em fúria um dia antes.

Mesmo guardando algum receio quanto a ela, Kaito lhe fez uma pergunta.

De fato. Além de minha programação de combate, possuo um sistema de memória com mais de mil receitas, assim como outras habilidades úteis. Desde cozinhar e limpar a até jogar jogos e lhe fazer companhia. Eu posso satisfazer a toooodas as suas necessidades, mestre Kaito.

— Opa, opa, opa, vamos com calma. Eu não preciso de nenhum serviço extra.

Kaito balançou suas mãos de um lado a outro. Sempre que ele interagia com esta boneca, ele ficava perdido e sempre que isso acontecia, ela encolhia seus ombros com tanto desânimo que parecia um cachorro abandonado.

— Então é isso? Bem, se você mudar de idéia, por favor, não hesite em me instruir da maneira que achar melhor. Eu existe somente para seu bem , mestre Kaito, não importa o lugar e a hora, atender ao seu chamado é meu maior prazer.

— Que diabos é esse climinha entre os dois?

Cortando um pedaço de torta, Elisabeth subiu sua voz os censurando. Depois de saborear um delicioso pedaço do doce, ela terminou a refeição.

Ela elegantemente limpou sua boca com um guardanapo e se virou para parabenizar a boneca.

— Veja bem, quando meu irredimível mordomo ligou você eu pensei que não houve outra escolha se não te destruir, mas sua aptidão para cozinhar se provou esplêndida. É como dizem: Não existe noite que não se acabe. Minhas congratulações, Kaito. Por hora sua vida irá continuar.

— Nossa, quer dizer que eu estava mais uma vez a beira da morte e não sabia.

— Quer dizer que eu fui útil para o mestre Kaito? Meus mais profundos agradecimentos. Não posso pensar em nada mais honroso nem mais prazeroso!

— Bom, já chega disso. Você é uma serva minha, por isso, em respeito a você, eu lhe dou mais uma vez as boas vindas, porém... Kaito, você precisa dar um nome para ela.

— Um nome?

— Você faria muito bem se parasse de bancar o idiota quando lhe convém. Todas as coisas precisam de nomes e é bastante inconveniente não se capaz de chamar por suas posses.

— É que... Eu não diria que ela é minha posse, porque mesmo sendo uma boneca ela ainda é uma garota.

Kaito balançou sua cabeça com vigor. Possuir algo que é praticamente humano era uma responsabilidade grande mais para ele. A boneca se aproximou dele com suas mãos cruzadas e com as bochechas estufadas.

Curvando seu adoráveis lábios em forma de beicinho, ela implorou para ele.

— Mesmo que isso possa ser imprudente dizer isso, estou certa de ser sua posse. Desde o momento que você me escolheu como sua amante eu me tornei sua eterna companheira, sua soldado, sua arma e seu consolo nas horas difíceis. Vem o que vier eu continuarei sendo sua e sua apenas. Eu peço que sempre se lembre disso.

— Ok, ok, já entendi. Apenas para de falar essas coisas. De qualquer modo seria bom se você tivesse um nome...

Kaito coçou sua nuca enquanto pensava. Ele revirou suas memórias em busca de algo que pudesse usar como referência, mas ele nem mesmo havia nomeado um animal antes, nem mesmo teve muita interação social. Ele podia recordar dos nomes de algumas das mulheres que ficaram com seu pai, mas nenhuma que tivesse vontade de usar como referência. Mesmo a mulher que fez para ele o purin o deixou no fim das contas.

Foi quando Kaito se lembrou de uma doce sensação.

...Ah sim... ela. Teve um tempo em que alguém me amou incondicionalmente.

Um filhotinho branco como a neve surgiu das profundezas de suas memórias. Ele pertencia a um dos seus vizinhos e ficou muito apegada a ele. Quando a visitava, ela sempre vinha com o rabo entre as pernas e lambia as lágrimas de seu rosto. Ele pôde brincar com ela por pouco tempo antes de ter que se mudar de novo, mas Kaito achou melhor assim. Se seu pai descobrisse sua afeição pelo cachorro ele provavelmente a mataria.

Ela foi uma garota bem gentil e seus olhos grandes e entreabertos pareciam de leve com os da boneca.

Mesmo com algumas ressalvas, Kaito se lembrou do nome da cadela e o pronunciou em voz alta.

— Hina... O que acha de Hina?

— Isso soa incrìvelmente idiota, como seu você tivesse tirado de sei lá onde.

— Ei, eu me esforcei bastante pra chegar nele!

— Você é brilhante, mestre Kaito! Este é o nome mais fino entre o céu e a terra, superando o de qualquer humano, demi-humano, homem-besta, monstro mítico ou Deus! Meu mais profundos agradecimentos! De agora em diante eu irei carregar o nome Hina. Hina... Hina. Eu sou a Hina. O nome com que o mestre Kaito me abençoou... Hehehehehehe.

Os ombros de Hina começaram a tremer de forma estranha. Ela parecia estar feliz, mas sua reação era um tanto assustadora.

Justamente quando Hina terminou de ser batizada, o Açougueiro fez sua aparição. Elisabeth comprou grandes quantidades de órgãos dela e os repassou para Hina. Enquanto ela lhe dava com aquilo, Kaito começou a recolher os pratos da mesa.

Aparentemente ter tido uma boa refeição fez com que Elisabeth soltasse a língua. Depois de se curvarem para Elisabeth, Kaito e Hina partiram para a cozinha. Uma vez lá, Kaito colocou os pratos sujos na pia e Hina aproveitou a carne que havia recebido para fazer os preparativos para o jantar.

Vendo ela enfileirar de maneira bem confiante os frascos de tempero, Kaito perguntou a ela:

— Então você consegue diferenciar os sabores uns dos outros?

— Claro, eu possuo os registros da maioria dos temperos desse mundo. Eu também consigo analisar o seu cheiro para descobrir seu nível de degradação e mudanças no sabor resultantes do processo de fabricação, assim eu posso ajustar as quantidades de necessário.

— Nossa, isso é bastante impressionante, Hina.

Kaito a elogiou com profunda admiração. As bochechas de Hina ficaram vermelhas de vergonha.

— Eu recebo seu elogio com grande honra. Falando nisso mestre Kaito, quais pratos você gosta?

— Hum... Eu não tenho nenhuma preferência por comida. Desde que não esteja podre ou envenenado eu fico bem com qualquer coisa.

Os hábitos alimentícios que ele teve em sua vida passada eram voltados para a sobrevivência, obviamente. Ele simplesmente ficava grato com qualquer coisa comestível que conseguisse. Hina respondeu cordialmente a afirmação melancólica de Kaito.

— Eu compreendo. Então meu dever será fazer uma comida que você ache deliciosa, mestre Kaito e quem sabe, o que seria um deleite, satisfazer sua vontade... Oh! Meu coração iria se encher de tanta honra e orgulho que eu poderia morrer!

— Baixe a bola, Hina. Morrer por algo assim ai já é demais.

— Entendido! Então eu viverei pra sempre!

Hina acenou com a cabeça, ainda com as bochechas vermelhas, murmurando alguma coisa na linha de "ao seu lado para sempre" e "mestre Kaito". Ela se contorcia de um lado para outro. Kaito vendo toda aquela agitação ficou envergonhado, mas ao mesmo tempo aliviado de não estar mais sozinho naquela cozinha claustrofóbica.

É muito bom ter alguém pra conversar também.

Imerso em pensamentos, Kaito seu virou para a pia da cozinha. A água do castelo estava ligada a um reservatório cheio de undines, espíritos da água responsáveis por purificá-la.

Enquanto lavava os pratos, Hina estava ao lado dele preparando miúdos, com sua faca cortando a um ritmo constante. Em um piscar de olhos as secções desnecessárias foram removidas e a carne foi cortada em perfeitas dimensões. Para assegurar que a carne não sofresse mais danos que o necessário, os cortes tinham sido feitos com rapidez e precisão.

Kaito, sem se dar conta, havia parado de se mexer para ficar olhando aquele trabalho de mestre. Foi nesse instante que Elisabeth gritou.

— Mordomo! Mordomo!!!

— .........

— Kaito!

— Estou escutando. Me diz o que você quer.

Abandonando os pratos sujos e deixando o resto para Hina, Kaito começou a correr. Ele esperava encontrá-la na sala do trono, mas para sua surpresa ela estava ainda na sala de jantar.

Ele abriu a porta e a viu sentada em sua cadeira, balançando sua taça de vinho pra frente e pra trás. Ela vestia uma expressão carrancuda e estava com suas pernas cruzadas. Um novo visitante sentava-se ao seu lado, ocupando o mesmo lugar que o açougueiro estava quando Kaito saiu.

— Aparentemente este homem desagradável tem algo que quer discutir com você.

— Ola, prazer em conhecê-lo... Kaito Sena, se estou correto.

O rosto daquele homem loiro era esculpido como de uma estátua e vestia uma casaca preta.

Suas feições eram gentis e serenas, tanto seu olhar quanto sorriso, ainda sim, ele possuía um ar de desconfiança. Ao olhar para ele, Kaito sentiu um arrepio e seu estômago ficou desconfortável. Ele percebeu que seu nome, sendo ele japonês, foi pronunciado de tal maneira que poucos japoneses falariam tão polidamente.

Sem demonstrar sinais de ter percebido ou não o desconforto de Kaito, ele abriu sua boca com dignidade.

— Meu nome é Clueless Ray Faund. Eu vim como enviado da Igreja para conduzir uma entrevista pessoalmente com você.

— .......... Como é?

— Realmente é seu servo, Elisabeth. Suas maneiras lembram as suas.

Clueless falou em um tom que ficava difícil dizer se estava realmente impressionado ou apenas sendo sarcástico. Kaito deu outra boa olhada para ele, o enviado da Igreja.

Kaito não sabia muito sobre a Igreja deste mundo, mas baseado no fato deles terem conseguido suspender a execução de Elisabeth e ordenarem que ela a caça-se os 14 demônios, ele pôde deduzir que sua influência era bem grande. Diante de tanto poder, a primeira reação de Kaito foi querer fugir, mas se o fizesse podia acabar sendo pior. Ele então se focou no olhar de Clueless, silenciosamente perguntando quais eram as intenções dele.

O enviado se levantou da cadeira, alongou-se e ofereceu uma proposta inesperada.

— Muito bem. Podemos fazer nosso caminho até a Igreja? Eu não quero ter que escutá-lo em um lugar sombrio como este castelo.

— Como? É...bem...Como pode ver eu sou o mordomo de Lady Elisabeth, então eu precisaria da permissão dela.

— Amaldiçoado sej... Pelo visto você só admite ser meu mordomo quando convém. De todo modo, ele fala a verdade, Clueless. Você não pode simplesmente levar meus servos com você. Eu própria fiz este. O conteúdo pode ser péssimo, mas está dentro de um esplêndido golem, por isso não posso abrir mão dele de repente.

— Você pode dizer isso, Elisabeth, mas foi você quem falhou em reportar que havia invocado uma alma de alguém de outro mundo, não foi?

Diante da declaração de Clueless, Elisabeth mordeu os lábios. Pelo visto ele conseguirá acertar em cheio. Kaito estava bastante surpreso com o fato de já terem descoberto que ele era de outro mundo.

Cruzando as mãos, Clueless continuou.

— Entretanto eu não tenho nenhuma intenção de reportar este ocorrido aos meus superiores. Eu diria que eu apenas queria checar os detalhes de como você derrotou o Cavaleiro e o Conde, portanto, esta visita estava fora da agenda inicialmente. Você não acha que ao invés de lidar com formalidades e punições, seria mais construtivo resolver esta questão juntos? Para este fim eu gostaria de falar com este jovem. O que acha disso?

— Ah... Já chega dessa farsa. De todo modo você vai ficar resmungando e tagarelando até eu entregá-lo, estou errada? Tudo bem então. Que chatisse. Mas se você falhar em trazê-lo de volta eu terei sua cabeça!"

— Que boa menina você é, Elisabeth. De fato, esbanja consideração.

Observando a discussão, Kaito não pôde evitar de ficar surpreso. Ele achava que não existisse uma viva alma capaz de se opor a Elisabeth como Clueless fez. Ao acenar para Kaito, Clueless seguiu em frente.

Nenhuma das partes deu a mínima para como ele se sentia. Mesmo estando bastante desconfortável, Kaito seguiu atrás de Clueless pela passagem subterrânea até o circulo de teleporte de Elisabeth.

— Está pronto para partir agora, jovem Kaito? Não liga para a tontura.

Clueless puxou de dentro de sua casaca um colar de prata que parecia ser bem pesado. No final da corrente estava a escultura de uma mulher coberta por um véu.

— Guie-me pelo caminho dos justos.

Ele segurou o colar sobre o centro do círculo, fazendo as runas reluzirem. Gotas carmesins começaram a derramar sobre eles e daí giraram em seu entorno. Quando as rotações atingiram seu máximo, as luzes azuis congelaram, com ambos caindo sobre um novo chão.

Quando a chuva azul de desfez, um porão nitidamente diferente daquele que estavam apareceu diante deles.

— Este lugar é...

As paredes eram feitas de terra batida, dando um sentimento de claustrofobia diferente das de pedra do castelo. O ar gélido era úmido e as paredes eram recobertas por vigas de madeira que iam até o teto, que também era de terra, oque anunciava claramente que estavam no subterrâneo.

— Venha comigo, jovem Kaito. Vamos seguir por aqui.

Colocando seu colar de volta na casaca, Clueless seguiu por uma porta. Ela dava para um túnel com várias lanternas mágicas iluminando o caminho, muito parecido com um túnel de mineração.

Enquanto ele caminhava por aquele corredor cheirando a terra e madeira apodrecida, Clueless falou baixo.

— Estas são as passagens secretas que se estendem por baixo da igreja. Elas se conectam com minha câmara privada.

Eles viraram para outro túnel, o qual havia uma escada caracol bem estreita. No final dela existia uma sala surpreendentemente pequena. Seu interior de madeira era pouco preenchido, somente com uma escrivaninha e um fichário. Em uma das paredes havia um adorno com a mesma imagem invertida de uma mulher com um véu que Kaito havia visto presa ao colar de Clueless. Após olhar mais de perto ele pôde ver uma única lágrima vermelha escorrendo por seu rosto.

Ignorando Kaito, Clueless se ajoelhou e ofereceu suas preces para a mulher. Após alguns instantes ele se levantou.

— Desculpe a demora. Por favor, fique à vontade.

— Ah, obrigado.

Kaito, aceitou a cadeira que ele ofereceu. Quando o fez, Clueless começou a preparar um chá em um conjunto de porcelana que havia sido deixado sobre a escrivaninha. Ele pôs um líquido rosado na xícara, com um aroma surpreendentemente refrescante saindo dela.

— Eu gosto bastante deste chá. Compro ele sempre que vou a minha loja favorita.

— Uh... ah, bem, parece ser muito bom.

— ha-ha, fico feliz que pense assim. Meus subordinados geralmente me criticam por comprar tanto.

Ele piscou, mas, por mais que este fosse um gesto bastante amigável, fez Kaito ficar tenso por algum motivo. Kaito notou que este encontro parecia mais com um interrogatório. Clueless tomou um gole antes de iniciar a conversa com seriedade.

— Eu deveria dizer que nunca imaginei que Elisabeth fosse arrastar alguém de outro mundo para a sua caça aos demônios, mesmo que como servo.

— Bem, não que Elisabeth tenha me falado muito a respeito disso, mas eu já me acostumei, então não é tão difícil. Você quer dizer que é incomum pessoas serem invocadas de outros mundos?

— Espere. Quer dizer que ela não se incomodou em lhe contar sobre isso? Se bem, que ela nunca foi do tipo responsável. "Incomum" seria uma maneira leviana de se referir a isso. Isso está para além de raro. Eu ouvi que vocês compartilharam algumas memórias durante a invocação, mas você e Elisabeth devem realmente estar no mesmo barco ou no mínimo terem naturezas semelhantes.

— Você está dizendo que eu me pareço com aquela mulher?

Kaito instantâneamente ficou sério. Ele não podia aceitar que o comparecem com aquela orgulhosa, arrogante e diabólica mulher. Tomando outro copo de chá, clueless socudio sua cabeça.

— Me desculpe, isso foi muito rude da minha parte. Eu certamente não considero os dois parecidos, afinal eu ouvi dizer que Elisabeth Le Fanu que a crueldade dela começou quando ainda era criança.

Este ponto fez Kaito se lembrar da imagem da jovem garotinha que viu a alguns dias no tesouro do castelo. Ela estava sentada em sua cama com seu corpo pequeno e frágil e com um olhar vazio. Kaito sacudiu sua cabeça para esquecer daquela visão. Ignorando isso, clueless continuou.

— Ela nasceu como a única filha da distinta família Le Fanu. Ela era uma criança fraca que quebrava seus brinquedos e se deleitava com a morte de animais, mas o seu despertar não veio antes dos 16. Foi quando ele começou a torturar pessoas, ganhando grandes poderes mágicos através de sua dor. Com esses poderes diabólicos ela matou ainda mais. Enquanto cometia suas atrocidades, nenhuma entidade, viva ou morta, pôde inspirar medo nela, nem mesmo Deus.

A mão de Clueless apertou mais forte a xícara de porcelana. Uma luz severa brilhou em seus olhos azuis. Até mesmo Kaito pôde notar a hostilidade em suas palavras. Clueless estava conversando animadamente com Elisabeth a apenas alguns minutos, mas agora seu tom era de ódio.

Kaito apertou seus olhos diante da reação de Clueless, com uma dúvida surgindo de sua cabeça.

Obter poder a partir da dor dos outros era o mesmo que os demônios faziam, mas Elisabeth não era um deles. Ela era a Princesa da Tortura.

— Pelo que sei Elisabeth não é um dos 14 demônios, certo?

— Exato, ela não é. Ela conseguiu esta façanha sozinha, sem fazer contrato com nada nem ninguém. Tecnicamente ela não seria capaz de usar o poder dos demônios, mas ninguém além do padre superior conseguiu descobrir como funciona o mecanismo que faz com que consiga transformar a dor dos outros em força. De qualquer forma isso é um fato. Elisabeth é uma mulher maligna com poderes que podem superar o dos demônios. Até mesmo sua existência é uma blasfêmia.

Clueless cuspiu essas palavras, talvez com razão, mas Kaito não sabia como responder. Era verdade que Elisabeth era uma torturadora, uma déspota, uma tirana, entretanto, ela estava lutando contra os demônios e o número de pessoas fortes o bastante para enfrentá-los provavelmente não era alto.

Ele revirou suas memórias sobre ela desde o incidente com o Conde e descobrio que já não tinha receio de servi-la, pelo contrário, ele até gostava do jeito mais inocente que ela eventualmente revelava. Talvez esta fosse uma maneira distorcida de se viver, mas ele se contentava.

Imerso em pensamentos, Kaito ficou quieto. Clueless acenou com um olhar severo, dando a entender que sabia a posição em que o jovem se encontrava.

— Me perdoe. Parece que eu me excedi, embora pense que você, tendo passado um tempo com ela, já saiba disso. Você se importaria de fazer algumas a respeito de seu mundo? Ouvi dizer que em seu mundo as máquinas progrediram mais que a magia, correto?

— Huh? Ah, sim. Aliás a magia nem sequer existe no meu mundo... Pelo Menos até onde sei.

Kaito respondeu prontamente às questões de Clueless, porém, embora seu conhecimento sobre seu antigo mundo fosse bem embasado, ele não sabia nada a respeito de muitas tecnologias industriais das quais se beneficiou em vida, mesmo assim, suas referências pouco detalhadas não abalaram Clueless, até ele terminar seu chá e sacudir sua cabeça.

— Graças a você eu consegui aprender bastante. Você tem meus agradecimentos. A batalha contra os demônios sem dúvida começará a ficar mais difícil daqui pra frente. Acho complicado acreditar que você vai continuar servindo Elisabeth quando ela terminar de matar todos eles.

— É... É isso que você pensa? Quero dizer, meu corpo é imortal, mas eu acredito que ele vai começar a ficar gasto uma hora ou outra.

— Exato e mesmo que você sobreviva, tudo que lhe resta será passar pela inquisição.

— Passar pelo que?

Kaito levantou o tom surpreso. Clueless estava indiferente a sua falta de educação. Enquanto observava Kaito, algo parecido com empatia surgiu de dentro de seus olhos azuis, entretanto, não era o olhar de quem olhava para outro ser humano, mas sim para um inseto.

— Porque está surpreso? É uma medida natural de ser tomada, não acha? A Igreja não pode necessariamente permitir que uma das marionetes de Elisabeth permaneça livre após ela completar sua tarefa. As estacas esperam por ambos vocês. Na melhor das hipóteses você será preso, claro que não antes de ser brutalmente torturado.

— Mas isso... Ok, eu vou ser franco com você. Minha vida já foi um inferno e eu não quero passar por outro. Pra você estar me contando isso é porque você quer propor algo.

— De fato eu tenho uma proposta pra você.

Clueless se projetou para frente na cadeira. Kaito sentiu como se todo aquele ar de mistério fosse finalmente desaparecer. Toda aquela conversa era apenas um prelúdio. Clueless falou atenciosamente, mas os ouvidos que Kaito se recusaram a ouvir o que se seguiu.

— Pense comigo. Eu considero Elisabeth perigosa o suficiente para estar monitorando ela extraoficialmente, assim como aparecendo de vez em quando para ver como está. Depois que a Igreja a capturou, nós garantimos que ela não iria resistir ou tentar fugir, mas, se ela criar um contrato com um dos 13 demônios, seu poder se tornará tão forte que essas garantias não serviram de nada. De fato, se seu poder entrar em sinergia com o de um demônio o resultado será aterrador.

— Tem certeza que ter alguém assim lutando por você é sensato?

— Ela prometeu que nunca faria um contrato com um demônio e o chefe da Igreja, Godot Deus, nos disse para acreditar nessa promessa. Ele também falou que, caso chegasse a esse ponto, ele sacrificaria sua alma e espírito para selá-la... Por mais que ele possua este poder, perdê-lo significaria perder o mais importante membro do clérigo. Me antecipando a tamanha calamidade, eu não posso ficar sentado e permitir o nascimento de um demônio mais forte que todos os outros.

Clueless alcançou algo dentro de sua casaca e mais uma vez era o colar com uma mulher de ponta cabeça sofrendo. Ele cuidadosamente abriu seu compartimento secreto e puxou um frasco.

A pingar seu conteúdo na xícara de Kaito, pode-se ver que se tratava de um liquido incolor. Ao entrar em contato com o chá tornou-o de rosa claro para púrpuro escuro, mas rapidamente voltou ao normal.

— Se fizer Elisabeth beber isto eu posso lhe prometer uma morte indolor.

— Você está prometendo isso para mim?

— Estou. Sua existência é uma afronta a Deus e por isso não posso permitir que siga vivendo, entretanto, pelo que pude descobrir, você, depois de ter sido invocado, desejou pela morte, correto? Tendo servido sobre seu jugo, você já deve saber o quanto a dor pode ser aterrorizante. Agora entende o que estou lhe oferecendo? Pessoalmente considero os termos como justos.

Clueless sorrio. Ao se lembrar do sentimento desconfortável que sentiu da primeira vez que se viram, Kaito definiu como válida a sua preocupação. Clueless era arrogante. Parecia que ele estava olhando com tanto desdém para Kaito que já nem conseguia percebê-lo. O pior de tudo era que este homem realmente estava sendo misericordioso.

Kaito engoliu sua retórica, preferindo falar o mínimo possível até voltar em segurança para o castelo.

Clueless sem receber uma resposta mostrou sua insatisfação.

— Você parece indeciso... Muito bem. Para demonstrar a validade de minha proposta, permita-me lhe oferecer o privilégio de observar alguns dos hereges sob minha jurisdição. Queira me acompanhar.

Eles voltaram para a escada caracol. Kaito percorreu o trajeto quase sem fôlego. Foi então que ele percebeu que não haviam cruzado com nenhum outro clérigo e começou a achar estranho.

O caminho levava até outra escada caracol que usaram para subir. No topo da escadaria havia uma porta forrada com tecido, para poder abafar melhor os som. Clueless virou a maçaneta.

— Veja, ouça e aprenda.

Ele abriu a porta e no momento que fez isso um grito agonizante surgiu de dentro. Pessoas grunhiam, gritavam, se contorciam e imploravam pela morte. A espaçosa sala de inquisição por trás daquela porta estava impregnada por um cheiro intoxicante de sangue.

Do outro lado das barras de ferro que cortavam a sala se encontrava uma visão do inferno. Haviam pessoas acorrentadas nas paredes, todas desprovidas de cabelo. Suas peles estavam cobertas por rebites. Suas cabeças cheias de parafusos. Kaito pode ver mais pessoas sendo torturadas por homens vestidos apenas de branco. Uma mulher estava amarrada em uma mesa, convulsionando enquanto era cortada ao meio. Um homem velho implorava pela morte depois de ter seus pés amarrados com ferros incandescentes. Um jovem estava pendurado em um gancho de carne que atravessa suas costas, com sua boca sendo enchida com serragem. Também haviam alguns se contorcendo no chão.

Kaito não sabia dizer como eles ainda estavam vivos. Ele deu alguns passos para trás, mas não conseguia correr do inferno que estava diante dele. Foi quando se deu conta que a proposta de Clueless era realmente um ato de misericórdia.

— Então jovem Kaito, eu espero uma resposta favorável.

Clueless sorriu gentilmente ao entregar o veneno nas mãos de Kaito.

— // — // —

A chuva azul se dissipou e a visão de Kaito voltou ao normal.

Depois de ter usado o círculo de teletransporte para voltar sozinho para o castelo de Elisabeth, Kaito caiu de joelhos. Ele foi atacado pela náusea e pela vertigem. Nada disso ocorreu quando Elisabeth ativou o círculo, porém sua náusea provavelmente vinha do espetáculo que foi forçado a assistir, além do peso da escolha a qual ele foi confiado.

— Droga... Isso... Isso é tão doentio...

Depois de amaldiçoar e cuspir, ele de algum modo conseguiu ficar de pé. Ao caminhar pelo túnel subterrâneo seus passos eram desajeitados. Ele se lembrou do caminho a seguir por conta de ter entalhado com uma faca um mapa em seu corpo e depois ter pedido para Elisabeth curá-lo. A memória de Kaito era muito voltada para suas experiências dolorosas, por isso ele o fez. Elisabeth ficou chocada e ao mesmo tempo impressionada. Aquilo doeu um inferno, mas graças a isso ele se tornou incapaz de se perder naquele labirinto.

— Que asco... Eu nem consigo pensar direito... Tinha algo pra eu fazer depois que voltasse?

Kaito matutava sobre suas tarefas enquanto caminhava. Hina na certa já tinha cuidado de seus afazeres para ele e Elisabeth não devia chamá-lo pelo resto do dia. Ela não se importava muito com ele, então mesmo que ela planejasse perguntá-lo sobre Clueless, isso só aconteceria quando lhe desse na telha. Ele tinha um milhão de coisas para pensar, mas por hora tudo oque queria era descansar. Se pudesse apenas esquecer do frasco de veneno em seu bolso até a manhã seguinte, isso já seria o bastante.

Kaito foi para o alojamento dos servos em direção a seu quarto na esquina. De alguma forma chegou em segurança até sua porta, com o ranger das dobradiças antigas resoando pelo corredor. Quando entrou no quarto algo macio se enrolou em seu rosto.

— Ah?! Em?! Mas o que é isso!?

— Seja bem vindo, mestre Kaito! Eu esperei ansiosamente pelo seu retorno!

Hina apertou Kaito com força. Ele não poderia estar se não surpreso por a ver imediatamente depois de abrir a porta.

Hina era alta, então quando ela o abraçou sua cabeça foi enterrada entre os seus seios. Kaito tentou se soltar e quando conseguiu, Hina fez sua famosa cara de cachorro abandonado, com seus olhos se enchendo de lágrimas. Ele já havia tentado esta tática com Elisabeth sem sucesso, mas ele não tinha a mesma imunidade que ela.

Kaito, sem saber oque dizer, desviou o olhar. O pequeno quarto possuía uma cama e uma cadeira, mas nenhum dos dois tinha sinais de uso. Kaito ficou desconfiado e Hina falou com orgulho:

— Lady Elisabeth me garantiu que você retornaria, mas cada minuto sem você era uma eternidade. Estou profundamente envergonhada de não ter podido acompanhá-lo. Oh! Estou tão feliz que tenha voltado são e salvo. Eu estava tão preocupada que temia que meu peito fosse estourar e minhas engrenagens saltassem para fora!

— Calma, Hina... Você, por acaso, terminou todos os meus deveres e ficou aqui me esperando todo esse tempo?

— Mas é claro! porque a pergunta? Tem algum problema?

— É quem... Sabe... Se você realmente queria me esperar você podia pelo menos ter sentado. Não é como se eu me importasse ou ficasse bravo por isso.

Ao ouvir as palavras de Kaito, Hina ficou cabisbaixa e começou a tremer. Suas bochechas ficaram vermelhas e elas pôs a mão sobre sua boca.

— OH! Para eu ter recebido permissão para dormir na cama de meu precioso mestre! Este é um privilégio recebido apenas por pessoas especiais como namorados ou marido e mulher! Em outras palavras, você está pedindo para que nós...

— Não! Definitivamente não! Me desculpe, mas eu não estou no clima para brincadeiras hoje...

Kaito deixou Hina de lado e colapsou sobre a cama. Quando o fez notou que hávia algo de diferente. O colchão que Elisabeth tinha dado a ele era duro, mofado e, por algum motivo, úmido, mas agora ele estava macio e tinha uma agradável fragância de ervas. Hina provavelmente lavou, secou e perfumou para ele, infelizmente ele não tinha mais forças para agradecer.

Sua mente era uma bagunça. Não importava o quão confortável ele estivesse porque cedo ou tarde ele teria que deixar o castelo como um traidor. Como alguém que matou seu próprio mestre e com a recompensa por isso sendo uma morte indolor. Não importava o quando tentasse, ele não conseguia se imaginar matando Elisabeth.

Quando ela morrer será por sua própria vontade.

Ele não era o tipo de pessoa que alguém como Kaito poderia matar. Ela não era o tipo de pessoa que alguém poderia matar. Kaito sabia oque aconteceria se rejeitasse a proposta. Ele pegou o frasco de seu bolso.

Ao tocá-lo a cama deu um estalo. Um aroma delicado e agradável se aproximou dele. Kaito sabia o que era, mesmo sem abrir os olhos. Hina estava deitado ao seu lado. Kaito suspirou antes de falar novamente com ela.

— ... Pare com isso, Hina. Eu realmente…

— Mil perdões, mestre Kaito...

Novamente ela o abraçou forte. Enquanto gentilmente acaricia sua cabeça, seus cabelos sedosos tocavam seu rosto. Seu toque não era sensual, mas sim afetuoso. Um gesto para acalmar e confortar. Ela passava seus dedos entre seus cabelos. Ele estava bastante surpreso.

Ela estava deitada ao seu lado, com seus olhos verde-esmeralda cheios de brilho e afeto. Parecia uma mulher mimando seu problemático filho. Kaito estava sem palavras diante de tamanha demonstração de afeto, uma a qual ele nunca havia experimentado.

— ... Mas, você parecia cansado e é assim que amantes confortam um ao outro.

Hina o afagava de novo e de novo. Kaito ficou pensando se era assim como as crianças se sentiam quando suas mães faziam o mesmo. Suas mãos eram quentes e seu calor percorria todo o caminho até seu coração, transcendendo a lógica e a linguagem.

Cercado pelas cobertas e pelo calor humano, Kaito começou a sentir suas pálpebras pesadas.

— ...Hina, se você continuar fazendo isso... Eu vou acabar dormindo.

— É isso não é algo bom? Você pode dormir tranquilo. Tudo vai acabar bem, mestre Kaito. Não importa oque aconteça eu vou cuidar de você.

Quando ela suspirou essas palavras no ouvido dele, todo seu stress havia ido embora. Kaito se deu conta do quanto irrazoável ele estava sendo, tanto pela maneira patética a qual ele se encontrava, quanto pelo destino que foi confiado a ele. Aparentemente ele estava carregando o medo de uma morte horrível e agonizante desde que esteve com Clueless.

"Então isso que eu sentia... Era medo."

Ele não sabia o que ia acontecer daqui pra frente, mas no aqui e agora ele estava seguro. Não havia dor e aqui e se alguém tentasse fazer mal a ele, Hina disse que cuidaria dele.

Em sua vida passada, ninguém cuidou dele. Esta foi a primeira vez desde que nasceu que ele se sentiu amparado. Kaito nunca imaginou que algo tão pacífico o esperava depois da morte. Sendo levado por estes pensamentos, Kaito lentamente caiu no sono.

Ele sonhou…

Ele sonhou, mesmo sabendo que era um sonho.

Várias imagens e sentimentos cruzaram como um flash por seus olhos, aparecendo e desaparecendo como a luz de uma vela ao vento.

Aguentou incontáveis machucados. Passou por inúmeras tristezas. As palavras "lembre-se disso" ficaram gravadas em sua pele sempre que ele fazia algo de errado. Uma pequenina, mas quente, língua lambeu suas feridas. Os olhos grandes e redondos brilhando cheios de amor por um pedaço de lixo como ele. A dor e o desespero que ele sentiu no momento que sua traquéia foi esmagada. O lamento pelo fato de não ter conseguido se quer gritar. O Cavaleiro em sua armadura e o seus olhos. Aquela aranha aterrorizante. O sorriso melancólico de Neue. A primeira vez que foi tratado com gentileza. As palavras que Neue deixou para ele. O desejo que Kaito queria realizar, não importasse o quão impossível pudesse parecer.

A visão da pequena e frágil Elisabeth olhando para o mundo a fora. As pessoas massacradas sem misericórdia. Aquela perversa e tagarela garota.

Ele escutou uma voz distante.

— Mas se ele formar um contrato como um dos demônios, seu poder irá aumentar e essas garantias não serão o suficiente para prende-la. Se isso acontecer, ela se tornara muito mais perigosa que qualquer demônio.

— Você embaraça a si mesmo, Conde.

— Você e eu... Nós estamos fadados a morrer, esquecido por toda a criação.

— Tendo vivido uma vida cruel e arrogante como um lobo, eu devo morrer como uma porca imunda.

— ...Esta é a escolha que eu fiz.

Seus cabelos longos flutuavam enquanto ela olhava sobre seu ombro. Kaito percebeu uma coisa enquanto ele estava perdido em pensamentos dentro de seu próprio sonho.

"Ah, é isso. Você não vai sair correndo, vai?"

Não importa quanto dor ou desespero estivesse esperando por ela, porque ela estava disposta a assumir a responsabilidade por todos os seus pecados.

A Princesa da Tortura, Elisabeth Le Fanu irá suportar tudo isso.

Foi quando Kaito lentamente abriu seus olhos.

Hina ainda o segurava enquanto afagava seus cabelos. Em seu rosto ela possuía um sorriso sereno e encantador.

Ela era incapaz de fazer qualquer coisa se não afagar seus cabelos. Sentindo que havia se aproveitado de sua boa vontade, Kaito rapidamente se levantou. Hina estava relutante em deixá-lo ir.

— Você conseguiu descansar? Comparado a antes você parece bem melhor.

— Sim... Obrigado, Hina. Por sua causa eu consegui botar a cabeça no lugar.

Kaito levantou da cama e saiu da sala. Sentindo sua determinação renovada, Hina não se levantou para segui-lo. Kaito parou no meio do caminho e deu meia volta.

Hina estava sentada na cama, com um olhar bastante contente ao vê-lo de novo.

— Me diga, Hina. Você ficaria triste se eu morresse?

— No terrível e pouco provável evento de sua morte, mestre Kaito, eu seguiria o mesmo caminho.

— Não fale assim!

— Bem, como pode ver eu não tenho o mínimo interesse de viver em um mundo sem você.

Kaito sentiu uma dor de cabeça, diante de tamanha resposta. Ele não sabia qual seria seu fim e definitivamente não queria que ela o acompanhasse caso acontecesse o pior. Sem saber o que fazer ele sentou novamente na cama e começou a acariciar seus cabelos prateados. Hina sorriu alegremente e trouxe suas bochechas para perto das dele.

A maneira que ela olhou para ele, sem esconder seus sentimentos, realmente se parecia com a do filhotinho que Kaito conheceu.

Ao pensar sobre as palavras dela, Kaito murmurou como se quisesse confirmar suas idéias.

— Entendo. Eu acho que vou ter que seguir vivendo então...

Ele fez seu caminho até o corredor. Não tardou ele começou a correr, procurando por Elisabeth.

— // — // —

Ele a encontrou na sala do trono. Elisabeth estava sentada sozinha observando a lua pelo buraco na parede. Embaixo dela a floresta escura chacoalhava com o vento. No lugar onde a besta foi empalada já não se encontravam mais traços de seu corpo, mas seu sangue ainda manchava a terra. Eventualmente novas árvores iriam surgir e cobrir aquele local.

— O que aconteceu com o corpo daquele monstro?

— Ele queimou junto com o Cavaleiro, mas isso não importa. Olhe para o céu.

Sua mestra nem se virou para respondê-lo. Elisabeth levantou uma exagerada taça de vinho de sua mesa até acima de sua cabeça, balançando o líquido de um lado para outro. O vinho vermelho refletia na perfeição a luz branca da lua.

— A lua está muito linda esta noite.

Ela deu um gole diretamente sobre o reflexo dela em sua taça e então a pôs de volta na mesa.

Kaito pegou a garrafa sobre uma tigela de prata cheia de gelo feita por espíritos. Ele serviu a ela outra dose, despejando nela o frasco de veneno que estava em seu bolso. A bebida brevemente passou de vermelho-aveludado para um tom doente de púrpuro, em seguida voltando ao seu estado normal. Kaito passou a taça para Elisabeth, que viu todo o processo.

— Muito interessante. Presumo que seja veneno.

— Ele disse para te envenenar.

— Ha ha e que veneno mais fino eu diria. Nem mesmo eu seria capaz de sobreviver depois de bebe-lo. Pegue, já que esta é uma ocasião especial, como forma de agradecimento. Uma taça de vinho de sua própria mestra. Aceite de bom grado.

— Com todo respeito eu vou recusar. Meu estômago vai querer desperdiçá-la.

— Foi Clueless? O que ele ofereceu em troca? Uma morte indolor?

— Como conseguiu adivinhar?

— Não importa se você morrer ou viver, porque o inferno já guardou seu lugar.

Elisabeth falou a seco. Pelo visto parecia que ela sabia mais ou menos oque lhe aguardava. Provavelmente ela não estava escondendo nada, apenas não se importou em dizer.

Ela pôs novamente a taça de volta na mesa, então deu de ombros.

— Você seria tolo em aceitar esta oferta. É um preço alto demais se no fim das contas vai morrer de qualquer jeito. Olhando por cima parece mais ou menos razoável. Se você tentasse buscar refúgio de outros membros da Igreja e evitasse ser capturado por Clueless e seus fanáticos, as chances de você receber misericórdia e continuar vivendo são, pra falar a verdade, bem altas.

— Sério?

— Você vem de outro mundo a final. Seria absurdo lhe acusar de heresia. Se você conseguir sobreviver aos 13 demônios, provavelmente seria tratado como uma de minhas posses, mas há tempo. Hina possui todo o conhecimento necessário para usar o círculo de teletransporte e chegar à Igreja. Faça como quiser.

— Quer dizer... Que está tudo bem se eu simplesmente fugir daqui?

— É claro que não, seu tolo. Você é minha marionete e continuará sendo até o dia em que quebrar, mas, mesmo que desnecessário, você demonstrou misericórdia a mim e isso não vou esquecer. Está livre para fazer o que quiser, apenas não faça em minha frente para não ferir meu orgulho.

Elisabeth voltou a cruzar suas pernas. Ela respirou fundo, soltando o ar devagar e se acomodando no trono. Seu rosto posto em evidência pela luz da lua possuía uma beleza afiada como uma lâmina.

Ela não disse mais nada. Mesmo se Kaito continuasse ali não parecia que novas palavras surgiriam.

Ele deu meia volta sem fazer nenhum ruído, mas contrariando suas expectativas, Elisabeth murmurou baixo:

— Só uma pergunta: Porque não me envenenou?

— Como?

— Você tem odiado os demônios, principalmente depois daquele incidente com o Conde. Por acaso pretende sentar e permitir o nascimento de um demônio ainda mais poderoso que os outros? Tenho certeza que Clueless lhe advertiu sobre isso.

Ela se virou, com seus olhos Carmesins, brilhando sob a luz da lua, fixados em Kaito. Ele ponderou sobre sua pergunta, surpreso por ter sido indagado. Depois de pensar por um momento, ele respondeu com sinceridade.

— Assim como aquele tal líder supremo da Igreja disse, eu também não acho que você seria capaz de firmar um contrato com um demônio. Você vai 'morrer sozinha esquecida por toda a criação', não é?

— Sim, de fato. Eu devo morrer solitária como uma loba e miserável como uma porca. Tudo por minha própria conta.

— Então nem mesmo um demônio estará do seu lado, certo?

Ela torturou pessoas inocentes e empilhou incontáveis corpos. Ela devia ser executada. Elisabeth escolheu uma morte solitária e melancólica por vontade própria.

Seus lábios se contorcem em um sorriso pretensioso. Seus ombros tremeram. Por fim ela começou a rir enlouquecidamente. Ela fez um gesto para Kaito a deixá-la. Ao caminhar pelo corredor, ele observou os vitrais das janelas e a luz da lua que passava por eles distorcida, tentando não olhar para a imagens assustadoras que se formavam no chão de pedra.

— ...Faltam onze então?

Ele fechou os punhos, com seu rosto cheio de determinação.

— // — // —

Na manhã seguinte, com a ajuda de Hina, Kaito se teleportou sozinho para a Igreja. O círculo de teletransporte deveria estar conectado com a entrada da frente do prédio principal da Igreja. As paredes carmesins ao redor dele, uma vez tendo terminado seu trabalho, caíram como uma chuva de sangue, mas após sua visão ter retornado, ele se encontrou em um sala escura feita de terra batida. Esta era a mesma sala que conectava a Igreja ao seu subterrâneo.

Kaito olhou ao redor confuso. De repente ele se deparou com a pior pessoa que poderia encontrar.

— Ora, Ora, não me diga que veio buscar a proteção da Igreja?

Clueless sorria calmamente. Atrás dele estava um bom número de seus seguidores, todos eles vestidos de branco, com seus rostos cobertos por mantos. Uma vez tendo cercado Kaito, o olhar dele era como de um carrasco liderando uma execução.

Ele examinou Kaito como se não passasse de um verme, antes de se pronunciar em um tom cheio de decepção.

— Minhas desculpas, mas seria muito inconveniente para mim se descobrissem o acordo que ofereci a você. Como você aparenta ter recusado, temo que teremos que tratar desde assunto aqui mesmo.

Os homens de Clueless pegaram Kaito pelos braços e o arrastaram. Uma dor percorreu seu peito, com ele deixando escapar um grunhido.

— Minha nossa. Seria chato que você fosse gritando desde aqui, além de mais iria destruir sua garganta. Não que eu me importe, é claro.

De acordo com a direção que estavam indo, Kaito entendeu que não estavam indo para o escritório de Clueless, mas para a sala de inquisição. Aparentemente Clueless não tinha mais razões para seguir acreditando nele. Ele sorriu de orelha a orelha quando alcançou a maçaneta.

— Seja bem vindo, meu caro pecador. Aqui iremos salva-lo e aqui iremos condená-lo.

Ao abrir a porta o som foi igual ao dos portões do inferno.

Eles carregaram Kaito para o outro lado das barras de ferro. Quando os gritos de dor o cercaram, ele já estava em cima de uma mesa no centro da sala. Seus pés e mãos haviam sido amarrados para ele não fugir.

"... Parece que fizeram questão de me darem um lugar no camarote."

Kaito sarcasticamente zombou de seu estado. Ele não havia notado na última vez que esteve lá, mas agora estando a beira de ser torturado, pôde perceber a estátua de uma mulher sofrendo no teto. Ela derramava lágrimas de sangue ao ver através de seu véu as pessoas sofrendo. Kaito se perguntava o motivo de seu luto. Ele não conhecia os detalhes de suas crenças, mas duvidava que essa cena diante dela fizesse parte delas.

Aqueles escolhidos por Deus jamais desejariam por aquele inferno. Mesmo Kaito podia entender isso, afinal era exatamente oque os demônios, inimigos de Deus, faziam.

— Eu mencionei isso antes, mas invocar alguém de outro mundo é bastante raro. Quando te dissecarmos, vamos poder entender como Elisabeth pode lhe invocar. Uma vez tendo analisado o feitiço, vamos conseguir invocarmos pessoas nós mesmo. Não se preocupe, sua morte não será em vão. De fato, isso deveria ser preferível do que ser julgado como servo de Elisabeth. Você será capaz de servir a humanidade e assim se redimir de seus pecados. ah, mal posso esperar!

Clueless olhou para Kaito, quase sem conseguir conter sua empolgação. Seus olhos ardiam, muito diferente de alguns momentos atrás quando olhava Kaito como um verme, ele até reconheceu seu valor, embora este estivesse apenas nos restos dele.

Um de seus subordinados pegou uma faca larga. A pessoa que estava a sua direita tinha um afastador de costela e a da esquerda uma serra de ossos. Eles se aproximaram de Kaito, que a esta altura já estava horrorizado, querendo gritar.

Com seus pensamentos acelerados ele abriu a boca:

— Quando você disse "nós" você quis se referir a você e ao demônio com quem fez contrato?

O sorriso de Clueless congelou. Kaito teve a sensação de que as peças haviam se encaixado. O sacerdote era o tipo de pessoa que era fraca contra ataques repentinos. Na vida passada de Kaito, uma das pessoas que seu pai chantageou era o presidente de uma companhia que estava fraudando seus impostos e este homem tinha exatamente a mesma expressão.

— Acontece que eu estava conectado ao portão da frente da Igreja, mas desde o começo minha intenção era te procurar e no fim das contas acabou facilitando o trabalho. Eu quis correr, mas não consegui... Depois de ver este inferno, eu simplesmente não podia deixar como está.

Kaito conseguiu mover sua cabeça um pouco, o suficiente para ver por trás das barras de ferro. Mesmo agora, um inferno se desenrolava diante dele. Próximo a sua mesa estava um homem com seu peito aberto e seu estômago exposto, contorcendo-se em agonia. Havia uma mulher sendo esticada por cordas cuspindo sangue.

— Quando eu vi este massacre, pude perceber o quão suspeito ele era. Demônios conseguem seus poderes através da dor das pessoas e da discórdia que ela causa em suas almas. Vocês disseram que era em nome da inquisição, mas não era diferente dos demônios... No fim das contas não parecia que estavam apenas torturando pessoas para confessarem suas heresias.

Os coitados a sua volta estavam à beira da morte, se contorcendo em agonia. As piores coisas que alguém podia conceber estavam sendo feitas com aqueles hereges. Aquele tipo de tortura só podia ser obra de demônios.

— Como eles podem estar vivos com seus corpos cheios de rebites, despedaçados e com suas entranhas expostas? Talvez se vocês tivessem tomado providências para mantê-los vivos teriam sido mais convincentes, mas eles simplesmente foram largados à própria sorte. Quando me mostrou pela primeira vez esta sala, eu inconscientemente gravei uma imagem na minha cabeça, então quando pensei sobre isso eu consegui reparar. Suas vidas estavam sendo estendidas com os poderes de um demônio e isso com certeza não foi aprovado pela Igreja.

Quando eles passaram pela entrada subterrânea de Clueless não viram um único membro do clero. Se está câmara de tortura fosse oficial, provavelmente teria mais pessoas in do e vindo, transportando hereges e limpando o lugar.

— Eu também achei interessante que você resolveu matar Elisabeth por conta própria. Quando a Igreja buscou ajuda dela é de se deduzir que não existia outra alternativa. Imagine só: Uma porca massacrando leitões. Mesmo assim foi o que fizeram. Ainda sim você, um suposto membro da Igreja, vem ao castelo dela em segredo e tenta fazer com que eu a mate para prevenir o nascimento de um demônio ainda pior. De início parece uma desculpa válida, mas, depois de se livrar dela, como pretendia lidar com o restante dos demônios? Só podia existir uma razão para você querer se livrar de seu precioso cão de guarda apenas ela matar apenas 2 demônios e é... Porque você é um deles.

Tendo em conta que havia um contratante entre os cavaleiros reais, não parecia estranho se tivesse um dentro da Igreja também. Clueless tratou Kaito como um verme, mas no final foi o próprio que riu mais alto.

— Acertei em cheio, não é, Clueless? Pra ser sincero eu só me dei conta quando Hina me ajudou a colocar minha cabeça no lugar, mas...

— Isso é tudo que tem a dizer? Seu boneco de farrapos.

Clueless sorriu calmo, nem confirmando ou negando as acusações de Kaito, mas ao mesmo tempo estando visivelmente perturbado.

— Bem, agora já fiz minha parte. Eu encontrei o demônio. Eu preparei a armadilha. Agora é a vez da Princesa da Tortura.

— Lamento destruir suas esperanças jovem mordomo, mas nós já fechamos o círculo de teletransporte. Vamos! Cadê sua valentia agora?!

Clueless gargalhou. Os olhos de Kaito, entretanto, não perderam seu brilho. Ele já tinha visto Clueless usar o círculo antes, então previu que isso fosse acontecer. Kaito respirou fundo e exalou rápido. Seu estômago doía.

— Você destruiu um deles. O outro está aqui.

Uma expressão de dúvida se espalhou pelo rosto de Clueless, mas depois de alguns instante ele percebeu e arrancou a camisa de Kaito.

Vários cintos de couro estavam enrolados no seu tórax. Uma luz brilhava por entre as suas frestas. Clueless cortou as amarras com uma serra. Quando conseguiu, descobriu que era a luz de um círculo de teletransporte.

— ...Seu desgraçado.

— É muito útil a quantidade de sangue que este corpo consegue perder sem morrer.

O círculo de teletransporte estava entalhado em sua carne. Os cortes eram profundos, com sangue ainda escorrendo deles. Mesmo respirar causava uma dor profunda. Quando os homens de Clueless o arrastaram, ele achava que iria morrer de tanta dor, porém todo o tempo que ele passou cerrando os dentes valeu a pena.

— Como meu servo você pode usar seu sangue para invocar algo útil para seu lado.

Elisabeth mencionou isso uma vez a algum tempo. O clérigo pegou a serra para tentar gravar mais cortes para destruir o círculo, mas já era tarde. A luz do círculo começou a ficar cada vez mais incandescente. Pétalas carmesins pairavam sobre o ar juntamente com a escuridão. Os olhos de Clueless se encheram de pavor.

— Fique longe... Fique longe de mim! Elisabeth!!!

— Ah, mas como eu poderia resistir depois de ouvir me chamarem com tanta paixão?!

Uma voz de escárnio surgiu, fazendo as as trevas se dissiparem. Pétalas carmesins flutuavam pela câmara, se transformando em gotas que pintaram a sala de vermelho.

Elisabeth encharcada em sangue fez sua aparição através do círculo de teletransporte. Seus elegantes cabelos negros e seu vestido tingido de vermelho dançavam naquele mar carmesin. Ela pousou sobre seu salto-alto, diretamente sobre as feridas de Kaito.

Seu sorriso era sinistro. Ignorando completamente os gritos de dor de Kaito, ela estalou seus dedos.

— Nada extravagante para os peões, serem enforcados já basta

Cordas desceram do teto e enrolaram-se nos pescoços dos homens de Clueless. A maneira como eles se debateram chegou a ser irônica. Seus pescoços fizeram um som alto quando se separaram das suas espinhas, esmagando suas vias respiratórias e estourando suas veias. Os mantos que escondiam suas faces se soltaram.

Seus rosto eram repletos de tumores. Eles já não eram mais humanos. Eles eram lacaios.

— Isso não... Amaldiçoada seja Elisabeth!

As mãos de Clueless tremiam enquanto ele tentava agarrar seu colar. Ele tentou murmurar algo, mas quando fez, algemas de aço prenderam seus pulsos. Seu olhar congelou em Elisabeth e seu sorriso.

— Parece que você é chegado a dor, não é?

Suas algemas foram içadas e seus pulsos estalaram. Ele esperneava de dor. De repente seus braços se soltaram de seus grilhões.

Todo seu corpo logo ficou coberto por uma cor púrpura como veneno. Seus grossos cabelos loiros caíram e sua casaca se desfez. Seus membros continuaram a se retorcer ao ponto dele agora parecer um sapo em carne viva. Ele conseguiu fugir se espremendo entre as barras de ferro e correu pelo corredor.

Por alguma razão, Elisabeth ficou bastante surpresa depois de ver sua forma grande e medonha.

— Aquele homem... Ele possui um incomum amontoado de poder mágico, mas não é um demônio! Ele é apenas um lacaio! Um mero lacaio!

— Sério? Então isso é uma coisa boa, né? Porque você pode derrotá-lo sem nenhum problema.

— Seu idiota! Ele é um membro da Igreja e o único demônio que um membro da igreja encontraria é...

Elisabeth estalou seus dedos. As amarras nos braços e pernas de Kaito se soltaram. Pétalas carmesins se juntaram ao redor de suas feridas embebidas no sangue de Elisabeth. As pétalas criaram um curativo ao redor das feridas. Kaito gemeu de dor quando ela começou a transferir seu sangue para ele.

— O que você está fazendo? Porra, isso machuca muito, Elisabeth!

— Me siga se quiser ou fique, mas eu posso retornar tarde, então procure outro caminho para o castelo se for o caso. Esse tratamento irá te manter vivo até poder receber um melhor.

— "Não seguir você" não me parece uma escolha.

Logo depois de se forçar a ficar de pé, Kaito correu atrás de Elisabeth. Ele havia se recuperado muito pouco da sua perda de sangue. Se conseguisse ignorar a dor, provavelmente poderia seguir ao lado de Elisabeth.

Tendo arrombado a porta, o sapo de carne corria desajeitadamente pelo corredor. A princesa da tortura apontou sua mão para ele. Pétalas carmesins se juntaram e formaram uma roda dentada gigantesca. A roda rolou em direção ao monstro, porém no meio do caminho ela desapareceu, como se tivesse sido repelida por algo.

Kaito pensou por um segundo ter visto um o rabo de um cachorro negro saindo das costas do sapo.

Ele se virou para eles, com uma expressão de alívio e deu de costas mais uma vez, ainda mais rápido que antes.

— Essa reação... Poderia ter sido realmente ele?

A voz de Elisabeth estava tingida por um medo incomum. Mesmo que seu inimigo fosse apenas um lacaio, ela desembainhou a sua espada.

O sapo de carne subiu rapidamente por um escadaria, arrombando a porta em seu final. Depois de ver o sapo, um simpático e velho clérigo gritou, caindo de costas e derrubando os pergaminhos que carregava. Um grupo de fiéis se esconderam atrás de outro clérigo, que aparentemente os estava guiando. Kaito não esperava que a Igreja fosse uma organização tão comum assim.

O caminho daquela aberração levava a uma arrumada sala feita de mármore. Ele continuou correndo, derramando seu veneno pelo caminho. Quando se aproximou da sala de orações, Elisabeth empunhou sua espada em sua direção.

As trevas se enrolavam em um longo padrão vertical, com uma gaiola, pouco mais que o suficiente para uma pessoa, se formando ao redor de seu inimigo, que liberou grandes quantidades de veneno ao seu redor. Mesmo que conseguisse quebrar as barras, as correntes deveriam servir para contê-lo, porém no momento seguinte o corpo de Elisabeth tremeu, fazendo ela cair de joelhos.

— Ah... Meu corpo.

A gaiola tremeu, voltando a virar trevas e pétalas. As correntes por sua vez também perderam seu poder, caindo no chão e logo em seguida desaparecendo.

— Elisabeth

Caracteres escarlates podiam ser vistos ao longo de seu corpo. A habilidade de Kaito tentou decifrar seu significado, mas falhou. As escrituras estavam presas nela como se fossem queimaduras. Sua reação foi tão dura quanto a aparência daquelas marcas.

Então essas são as algemas que a Igreja colocou nela, mas porque ativaram justamente agora?

— Isso queima... Por...Porque? Quem...?

Mesmo ela estando de joelhos, proferiu um olhar cheio de ódio para aquele a seu lado. Em cima do altar estava um clérigo com seu colar em mãos balançando de um lado a outro enquanto rezava. Após cada verso, os caracteres no corpo de Elisabeth se inflamavam mais e mais. Ela gritou com ódio assassino:

— Não sou eu, seu idiota! Aquele é quem deveriam estar atacando, seu tolo!

O sapo em carne viva se moveu entre os adoradores, destruindo os bancos, enquanto adentrava cada vez mais na Igreja. Um grupo de guardas finalmente havia chegado, mas o lacaio os esmagou sem piedade. Embaixo de sua gigantesca barriga estavam seus ossos quebrados, segurados apenas por suas armaduras. Nem mesmo em meio a esta confusão o clérigo havia para com suas preces.

Kaito correu alguns passos e então estendeu sua mão.

— Vou pegar isso emprestado, meu velho!

Ele arrancou o colar de seu pescoço, jogando-o para longe. Elisabeth se levantou e começou a correr como uma flecha, mas ainda estava coberta por sérias queimaduras. A princesa correu mesmo atormentada pelas escrituras, com Kaito não tardando a acompanhá-la.

O corredor foi banhado com o sangue dos corpos multilados. Sua quantidade aumentava cada vez mais conforme iam andando. Parecia que estavam guardando uma imponente porta, que agora estava destruída. Um impressionante escritório estava por trás dela. Um homem vestindo diadema e vestimentas feitas com ouro estava sentado em uma cadeira de veludo já sem vida e esmagado da cintura para baixo. A parede atrás dele foi deixada em pedaços, revelando uma passagem secreta coberta de todos os lados por um superfície florescente com as palavras de Deus.

A cada passo que o sapo dava, seu corpo chegava a espumar de tantas queimaduras, com Elisabeth não sendo diferente. No instante em que entrou naquele corredor, os caracteres em seu corpo se incendiaram novamente, com ela dando um grito de agonia.

— Aaaaaaarg! ah, ah!

— Elisabeth, não seja estúpida.

Preocupado, Kaito se apressou em ajudá-la. Enquanto ele a levantava, teve de aguentar a dor em seu estômago. De algum modo aquele monstro ainda estava vivo e até mesmo já estava no final do corredor. Ele encostou na parede e começou a implorar, deixando um as lágrimas escorrerem de seu rosto.

— Oh, milorde, eu estava enganado, cego pelo por poder, por isso deixei o senhor selado. Se eu tivesse confiado em você eu nunca teria feito tal coisa, mas agora eu me ofereço de corpo e alma. Eu irei libertá-lo em sinal a minha devoção, então, por favor, me livre daquela mulher demoníaca.

O sapo de carne vomitou alguma coisa. Dentro de uma massa de catarro ele tirou uma chave dourada. Depois de intricadamente recitar as palavras de Deus e oferecer suas preces, ele colocou a chave no que parecia ser apenas uma parede. Um barulho de click foi ouvido e a parede sacudiu violentamente antes de finalmente desaparecer. Trevas profundas e um vento afiado saíram de seu interior. No centro daquela escuridão estava uma cadeira de ferro e nela um homem de cabelos negros.

O homem lentamente levantou sua cabeça. Seus cabelos pretos emaranhados e desarrumados e seus olhos carmesins brilharam. Pelo que Kaito pode observar das suas expressões faciais, ele possuía uma certa beleza andrógina, mas no instante que pode enxergar melhor sua garganta secou com e intimidação. Aquele homem era aterrorizante. Ainda que tivesse uma bela forma humana, ele não o era. Ele era algo repulsivo. Seu rosto, porém, parecia familiar.

Sem fazer nenhum som, suas amarras se queimaram até as cinzas. O homem se levantou sem pressa, como se estivesse se levantando de seu trono. Envolto em uma roupa de prisioneira, ele arrancou uma agulha de suas costas, com o sangue jorrando, isso sem alterar em nada sua expressão. Seus olhos eram vagos, como de alguém que acabou de acordar.

Clueless rastejou em direção àquele homem e implorou por misericórdia. Sem nem mesmo olhar para o sapo, ele levantou a perna e a baixou, fazendo com que seus olhos se soltassem com o impacto. Um sangue vermelho-escuro se esparramou pelo chão. Da cabeça do lacaio, que foi esmagado, saiam pedaços de seu cérebro, tudo isso sem alterar as emoções de seu assassino, como se ele apenas tivesse esmagado um inseto qualquer que cruzou seu caminho.

Foi quando ele viu Elisabeth de pé na entrada pela primeira vez. Sua frieza foi substituída por um incompreensível sorriso afetuoso.

— Elisabeth.

Sua foz, preenchida por um fervorosa adoração, era a mesma que Kaito escutou quando estava no tesouro do castelo.

— Vlaaaaaad!

Elisabeth lançou Kaito para longe. Ela correu empunhando sua espada, mas cortou apenas o ar. Centenas de correntes cercaram aquele homem como um enxurrada, mas as escrituras ainda queimavam sua pele, por isso seu ataque não surtiu muito efeito, mesmo assim ainda eram fortes para transformar o Cavaleiro em pedaços. O rabo de um cachorro negro surgiu do nada, bloqueando cada um dos ataques.

Saido das sombras estava um cachorro negro, sentado ao lado daquele homem. Ele possuía um pelo lustroso e músculos ondulados. Seus olhos e sua boca ardiam como o fogo do inferno. Mesmo sua forma não sendo horrenda como a dos outros demônios, Kaito sentiu que ele era mais perigoso que qualquer outro que haviam enfrentado. Por alguma razão, Kaito não conseguia sentir medo. Frente a frente com a morte em pessoa devia ter feito com que seus sentidos congelassem.

Aquela coisa está em um patamar completamente diferente dos outros.

O cachorro negro balançou sua cabeça. Com um movimento tão polido que chegava a ser belo, então partiu para cima de Elisabeth com suas garras afiadas. Antes que conseguisse cortar seu corpo esbelto, o homem deu ordens para ele parar. Os dois então desapareceram, como uma miragem.

A pressão sufocante que preenchia aquela sala foi embora. Kaito pode observar tudo do corredor. Após finalmente chegar de volta à prisão, ele olhou ao redor incrédulo.

— Pra... Pra onde eles foram? Mais importante. Quem era aquilo?

— O Kaiser.

— O que?

Elisabeth respondeu a questão com uma voz abafada. Ao ver que Kaito ainda não havia se dado conta da situação, ela repetiu:

— O Kaiser retornou para seu reino.

— // — // —

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