Trigo e Loba Japonesa

Tradução: Virtual Core


Volume 1

Capítulo 2

A chuva era um verdadeiro aguaceiro. A ameaçadora tempestade finalmente alcançou Lawrence e Holo, mas felizmente avistaram uma igreja mesmo com a visão turva pela chuva e correram para dentro dela. Diferente do monastério, a igreja sobrevivia com dízimos de viajantes e peregrinos que passavam a noite e rezavam por uma viagem segura, portanto Lawrence e Holo foram recebidos calorosamente, sem serem alvo de muitos olhares.

Apesar disso, uma garota com orelhas de lobo e uma cauda dificilmente seria permitida entrar em uma igreja. Holo então cobriu a cabeça e o rosto com um capuz e inventaram a mentira de que ela era a esposa de Lawrence, cujo rosto estava bastante queimado.

Ele sabia que Holo estava rindo consigo mesma sob o manto, mas ela entendia sua relação com a Igreja, então sua atuação foi boa o suficiente. Que ela havia sofrido muitas vezes nas mãos Igreja certamente não era mentira.

Mesmo que não fosse um demônio, mas sim uma encarnação animal, não fazia muita diferença até onde a Igreja se importava. Para eles, todos os espíritos além do deus que adoravam, eram anátemas, ferramentas do mal.

Mas foi através dos portões daquela igreja que os dois passaram facilmente e alugaram um quarto, e quando Lawrence voltou para o quarto depois de guardar a carroça encharcada, ele encontrou Holo, nua até a cintura e torcendo seus cabelos. A água caia em grandes gotas, indignas de suas belas mechas castanhas. O piso já estava cheio de buracos, por isso um pouco de água não faria mal — Lawrence estava mais preocupado em tentar evitar encará-la.

“Ha-ha, a água fria abrandou minhas queimaduras” disse Holo, ignorando Lawrence.

Satisfeita com a mentira ou não, Holo sorriu. Afastando o cabelo que ficou grudado em seu rosto, ela o sacudiu para cima e para baixo em um movimento.

A ousadia do gesto era inegavelmente de um lobo, e não era difícil ver esse cabelo molhado, desalinhado como estava, se assemelhar ao pelo de um lobo.

“As peles vão ficar bem, com certeza. São boas peles de marta, elas vivem nas montanhas, minha espécie também vive por lá.”

“Elas vão vender a preço alto?”

“Difícil saber. Eu não sou uma comerciante de peles, sou?”

Lawrence concordou com a resposta perfeitamente plausível, então começou a se despir e secar suas próprias roupas.

“Ah, sim,” ele, se lembrando. “O que faremos com o feixe de trigo?”

Ele terminou de torcer sua camisa e estava prestes a fazer o mesmo com as calças quando se lembrou da presença de Holo; ele a olhou e descobriu que agora ela estava completamente nua e torcendo a água das próprias roupas. Se sentindo de certa forma envergonhado, se aventurou a ficar nu e fazer o mesmo.

“Mm, o que você quer dizer com ‘o que faremos’?”

“Quero dizer, vamos debulhá-lo ou deixá-lo como está? Assumindo que essa conversa de que você vive no trigo é verdade.”

Lawrence estava brincando com Holo, mas ela apenas mostrou um leve sorriso.

“Enquanto eu viver, o trigo não vai apodrecer nem murchar. Mas se for queimado, comido, ou misturado com o solo, provavelmente desaparecerei. Se estiver ocupando espaço, pode debulhá-lo e mantê-lo a salvo em algum lugar; talvez seja melhor assim.”

“Entendo. Vou debulhá-lo e colocar os grãos em uma bolsa, então. Você que deveria ficar com eles, certo?”

“Seria perfeito. Ainda melhor se pudesse pendurá-lo em volta do meu pescoço,” disse Holo.

Se distraindo por um momento, Lawrence olhou para o decote de Holo, mas rapidamente desviou o olhar.

“Eu esperava vender uma parte dele em outro lugar. Poderíamos separar um pouco para vender?” Lawrence perguntou depois que se acalmou.

Ele ouviu um barulho, se virou para ver a cauda Holo balançando descontroladamente. O pelo da cauda era muito bom, a água escoava rapidamente. Lawrence franziu a testa enquanto seu rosto estava molhado pelas gotas voando, mas Holo não parecia nem um pouco arrependida.

“A maioria das colheitas crescem bem por causa da região. Elas vão murchar logo — essa é a questão. Não vale a pena levar para outro lugar.”

Holo olhou para as roupas que tinha acabado de torcer, mas como não tinha mais nada para vestir, vestiu as roupas enrugadas novamente. Como não eram baratas como as que Lawrence vestia, elas não retinham muita água. Lawrence achava a situação bastante irracional, mas não disse nada e vestiu novamente suas próprias roupas encharcadas e amassadas, então assentiu para Holo.

“Vamos nos secar no grande salão. Com esta chuva, deve haver várias outras pessoas reunidas em torno da lareira.”

“Mm, uma boa ideia” disse Holo, cobrindo a cabeça com o leve manto. Uma vez encoberta, ela riu.

“O que é tão engraçado?”

“Heh, nunca teria pensado em cobrir o meu rosto por causa de queimaduras.”

“Oh? O que você teria feito?”

“As queimaduras se tornariam parte de mim, assim como minhas orelhas ou cauda. Prova da minha singularidade.”

Lawrence ficou de certa forma impressionado com a sua declaração. No entanto se perguntava impiedosamente se ela se sentiria da mesma forma se estivesse realmente ferida.

Holo interrompeu seu devaneio.

“Eu sei o que você está pensando,” ela falou.

Por debaixo do manto, ela sorriu maliciosamente. O canto direito da boca enrolado em um sorriso, mostrando uma presa afiada.

“Gostaria de me machucar e ver por si mesmo?”

Lawrence não estava totalmente preparado para responder a sua provocação, mas decidiu que se ele realmente sacasse sua adaga, as coisas poderiam ficar realmente fora de controle.

Era possível que de fato essa fosse a intenção dela. Ou mais provável, que fosse apenas parte de sua natureza miserável.

“Sou um homem. Nunca poderia ferir um rosto tão bonito.”

Ao ouvi-lo dizer isso, Holo sorriu como se tivesse recebido um presente há muito esperado e se aproximou levianamente dele. Um doce aroma o circundou vagamente, despertando o corpo de Lawrence. Completamente indiferente à sua reação, ela o cheirou e em seguida se afastou ligeiramente.

“Você pode ter sido pego pela chuva, mas ainda cheira mal. Uma loba pode dizer essas coisas.”

“Ora sua —”

Lawrence deu um soco meio sério, mas Holo desviou habilmente para o lado e o soco pegou apenas no cabelo. Ela riu, inclinando a cabeça e continuando.

“Mesmo um lobo sabe manter sua pele limpa. Você é um bom homem, sim, mas precisa se manter arrumado.”

Ele não sabia se ela estava brincando ou não, mas ao ouvindo isso de uma garota como Holo era impossível de negar. Até onde se lembrava, Lawrence manteve sua aparência apenas boa o suficiente para ajudar em suas negociações, sem se preocupar se chamaria a atenção de uma mulher.

Se seu parceiro na negociação fosse uma mulher, ele poderia até se dar ao trabalho, mas infelizmente, ainda não tinha conhecido uma mulher comerciante.

Ele não sabia o que responder, então simplesmente se virou e ficou em silêncio.

“Sua barba, porém, é bastante agradável.”

A barba de comprimento médio, que crescia no queixo de Lawrence sempre foi bem recebida. Lawrence aceitou o elogio graciosamente, se virando para encará-la, de certo modo orgulhoso.

“Contudo, ouso dizer que prefiro ela um pouco mais longa.”

Barbas longas não eram populares entre os mercadores. O pensamento logo ocorreu a Lawrence, mas Holo desenhou uma linha no seu nariz através das suas bochechas com seu dedo indicador, continuando seu gracejo.

“... Assim como, como a de um lobo.”

Lawrence finalmente percebeu que era feito de bobo. Ele a ignorou e caminhou em direção à porta do quarto, mesmo se sentindo infantil ao fazê-lo. Holo riu e o seguiu. Na verdade, não estava realmente zangado com ela.

“Haverá muitas pessoas ao redor da lareira. Melhor não deixar nada escapar.”

“Eu sou Holo, a Sábia Loba! Há muito tempo viajei abertamente pelos campos de Pasloe em forma humana. Não se preocupe!”

 

As igrejas e estalagens distantes das cidades eram importantes fontes de informação para um mercador. Igrejas, em particular, atraiam todo tipo de pessoa. Uma pousada pode abrigar viajantes pobres e mercadores grisalhos, mas as igrejas são diferentes. Pode-se encontrar qualquer um, desde um mestre cervejeiro até nobres abastados em uma igreja.

A igreja onde Lawrence e Holo tinham parado abrigava doze hóspedes. Alguns pareciam ser mercadores; os outros eram de várias profissões.

“Aha, você veio parar aqui depois de Yorenz, certo?”

“Sim. Entreguei sal para o meu cliente por lá e recebi peles de marta em troca.”

A maioria dos hóspedes se sentavam no chão no salão principal, fazendo suas refeições ou tirando pulgas de suas roupas. Um casal monopolizou os assentos na frente da lareira. Apesar de ser o “salão principal”, não era particularmente espaçoso, então não importava onde alguém estava no salão lotado, a generosa lareira secaria as suas roupas. A roupa do casal não parecia estar molhada, então Lawrence imaginou que provavelmente eram ricos, e tendo feito generosas doações para a igreja, poderiam ficar o quanto desejassem.

Lawrence não estava errado; ele apurou os ouvidos para esperar por um ponto na conversa do casal pelo qual poderia se meter e esperou por esta chance.

A esposa ficou em silêncio, possivelmente por causa da exaustiva viagem, e seu marido de meia-idade o chamou para conversar.

“Mesmo assim, ir e voltar todo o caminho até Yorenz, não seria muito árduo?”

“Isso depende da sagacidade do mercador.”

“Oh ho, interessante!”

“Quando comprei o sal em Yorenz, não paguei uma moeda. Antes disso, eu já tinha vendido a mesma medida de trigo para uma filial da mesma companhia em outra cidade — mas quando vendi o trigo, não recebi nenhum pagamento; assim como não paguei pelo sal. Então realizei dois acordos separados sem usar nenhuma moeda.”

Este sistema de troca foi inventado por uma nação mercantil no sul há cerca de um século. Quando o mestre de Lawrence o explicou, ele agonizou pensando acerca do conceito por duas semanas antes de finalmente compreender. O homem diante dele aparentava nunca ter ouvido falar sobre e parecia igualmente incapaz de compreender, ouvindo a explicação somente uma vez.

“Entendo... que artifício estranho,” ele disse, assentindo. “Resido na cidade de Perenzzo, no meu vinhedo nunca utilizamos tal método ao vender nossas uvas. Será que ficaremos bem?”

“Este sistema de troca foi inventado por mercadores que precisavam de uma maneira conveniente de lidar com as pessoas de diferentes terras. Como o proprietário de um vinhedo, é preciso tomar cuidado para não deixar négociants¹ afirmarem que suas uvas são pobres e comprá-las a preço baixo.”

“Sim. Discutimos sobre isso todo o ano,” disse o homem com um sorriso — mas para os contadores que ele contratou, as discussões acirradas com négociants astutos não eram motivo de riso. A maioria dos proprietários de vinhedos são os nobres, mas quase nenhum deles se envolviam pessoalmente na agricultura ou venda de seu produto. Conde Ehrendott, que geria a região em torno de Pasloe, é visto como altamente excêntrico por causa disso.

“Lawrence, certo? Da próxima vez que estiver em Perenzzo, nos faça uma visita.”

“Farei, obrigado.”

Como era comum entre a nobreza, o homem não deu o seu próprio nome, assumindo que já seria conhecido. É visto como comportamento da plebe entregar o próprio nome.

Sem dúvida, se Lawrence visitasse Perenzzo e perguntasse pelo dono do vinhedo, encontraria este homem. Se estivessem em Perenzzo, porém, um homem da estatura de Lawrence veria que era praticamente impossível simplesmente arranjar uma audiência com ele. Igrejas eram o melhor lugar para estabelecer tais conexões.

“Bem, como minha esposa parece cansada, vou me retirar.”

“Que Deus permita nos encontrarmos de novo” disse Lawrence.

Era uma frase comum dentro da Igreja.

O homem se levantou da cadeira e, junto com a sua esposa, deu um aceno educado antes de deixar o salão. Lawrence também desocupou a cadeira pois o homem do outro lado da sala pediu que ele as trouxesse de volta. Ele então devolveu as cadeiras que o casal havia ocupado.

As únicas pessoas que se sentavam em cadeiras no salão principal eram nobres, cavaleiros, e os ricos. A maioria das pessoas não gostava de nenhum dos três.

“Heh-heh, você não é um homem para brincadeiras, mestre!”

Uma vez que Lawrence guardou todas as cadeiras e voltou para o lado de Holo no centro do salão, um homem se aproximou deles. De acordo com a sua roupa e comportamento, ele, também, era um mercador. Seu rosto barbado parecia jovem. Ele provavelmente não estava trabalhando por si mesmo há muito tempo.

“Sou apenas um mercador viajante como qualquer outro,” disse Lawrence rapidamente. Ao seu lado, Holo se endireitou. O capuz sobre sua cabeça se moveu ligeiramente; somente Lawrence sabia que eram as orelhas se mexendo.

“Longe disso, mestre. Eu desejava falar com aquele homem há algum tempo, mas não consegui encontrar a oportunidade. Mesmo assim, você conseguiu de imediato. Sabendo que é com este tipo de mercador que terei que concorrer no futuro, é difícil não se desesperar.”

O homem riu enquanto falava, revelando um sorriso que faltava um dente da frente, o que dava um certo charme. Talvez ele tivesse arrancado o dente para ter a persuasão de um sorriso tolo. Como um mercador, ele sabe como usar sua aparência para ter o melhor efeito.

Lawrence percebeu que seria melhor não ser descuidado.

Contudo, ele mesmo já esteve em conversas deste tipo quando estava apenas começando, então ele tinha certa empatia com o homem.

“Isso não é nada — quando eu ainda era um leigo, todos os mercadores experientes pareciam monstros para mim. Metade deles ainda parecem, mas ainda estou comendo. Você tem apenas que se esforçar.”

“Heh-heh, é um alívio ouvi-lo dizer isso, senhor. Oh, a propósito, eu sou Zheren — e você provavelmente já deve ter percebido isso, mas estou apenas começando como um mercador. Peço indulgência, senhor!”

“Eu sou Lawrence.”

Lawrence lembrou que quando ele próprio era um novato, ele também tinha tentado iniciar conversas como esta e ficava frustrado com as respostas frias. Estando agora recebendo o convite para conversa de um jovem mercador, ele entendeu aquelas respostas frias.

Um jovem mercador que estava apenas começando não tinha nada para compartilhar e só poderia receber.

“Então... esta é a sua companheira?”

Não estava claro se Zheren abordou o assunto porque realmente não tinha nada a compartilhar ou se ele tivesse cometido o erro comum dos novatos de tentar ganhar algo sem oferecer nada em troca. Se isso fosse uma conversa entre veteranos, eles já teriam negociado as informações de dois ou três locais a este ponto.

“Minha esposa, Holo.” Por um momento Lawrence hesitou, perguntando se deveria usar um nome falso, mas finalmente decidiu que não havia necessidade.

Holo se inclinou ligeiramente em saudação quando seu nome foi mencionado.

“Meu Deus, uma esposa e um mercador juntos?"

“Ela é excêntrica e prefere a carroça ao invés de sua casa na vila.”

“Ainda assim, cobrindo sua esposa com uma capa desta maneira, ela deve ser muito preciosa para você.”

Lawrence respeitava de má vontade o carisma do homem; talvez ele fosse um patife da cidade. Da sua parte, Lawrence foi ensinado por seus parentes que era melhor não dizer tais coisas.

“Heh-heh, mas este é o instinto do homem querer ver coisas escondidas. Deus nos reuniu aqui. Certamente você me deixara dar uma olhada nela.”

Que sem vergonha! pensou Lawrence mesmo sabendo que Holo não era realmente sua esposa.

Mas antes que Lawrence pudesse dissuadir o homem, Holo falou.

“O viajante é mais feliz antes da jornada; o latir do cachorro é mais feroz que o cachorro em si, e as mulheres são mais bonitas de costas. Mostrar meu rosto em público destruiria muitos sonhos, logo isto é algo que não posso fazer,” ela falou, sorrindo suavemente por sob o véu.

Zheren só podia sorrir, repreendido. Até mesmo Lawrence ficou impressionado com sua fala eloquente.

“Heh-heh... sua esposa é impressionante, mestre.”

“É tudo que posso fazer para evitar ser um tanto quanto oprimido.”

Lawrence foi mais do que meio-sério.

“Sim, bem... é certamente uma providencia que tenha conhecido vocês dois. Poderia reservar um momento para ouvir minha história?” disse Zheren. O silêncio caiu quando ele mostrou seu sorriso com um dente a menos e se moveu para mais perto do casal.

 

Diferente de estalagens comuns, igrejas forneciam apenas a hospedagem — sem comida. Contudo, a lareira poderia ser usada para cozinhar, contanto que este oferecesse a doação apropriada. Lawrence assim fez e colocou cinco batatas em uma panela para ferver. Naturalmente, a lenha para cozinhar também devia ser comprada.

Levaria tempo para a água ferver, então Lawrence debulhou o trigo que abrigava Holo e encontrou uma bolsa de couro sobrando para guarda-lo. Lembrando que ela disse que queria mantê-lo em volta do pescoço, Lawrence pegou uma tira de couro e foi para lareira. Juntando tudo, as batatas, a lenha, a bolsa e a tira de couro saíram por um custo significativo, então ele pensou o quanto cobraria dela enquanto trazia as batatas de volta para o quarto.

Porque suas mãos estavam cheias, Lawrence não pôde bater na porta — mas as orelhas sensíveis de lobo de Holo puderam identificar seus passos. Quando ele entrou no quarto, entretanto, ela estava de costas para ele pois estava sentada na cama, penteando o pelo da sua cauda.

“Hm? Algo cheira bem,” ela disse, levantando a cabeça. Evidentemente, seu nariz era tão sensível quanto as orelhas.

As batatas estavam cobertas com queijo de cabra. Lawrence nunca teria se dado ao luxo se estivesse sozinho, mas agora que eram dois, decidiu ser generoso. A reação feliz de Holo fez tudo valer a pena.

Lawrence colocou as batatas na mesa ao lado da cama, e Holo imediatamente as alcançou para se servir. Pouco antes que ela pudesse agarra a batata, Lawrence jogou a bolsa cheia de trigo para ela.

“O qu... oh. O trigo.”

“E aqui um cordão, para que possa pendurá-lo em torno de seu pescoço.”

“Mm. Muito obrigado. Mas isso aqui vem primeiro,” disse ela, lançando o trigo ao lado com uma surpreendente indiferença, então lambendo os lábios e alcançando uma batata. Aparentemente comer era prioridade para Holo.

Uma vez que ela tinha uma batata na mão, imediatamente a partiu ao meio. Seu rosto brilhava bastante com satisfação com o vapor que saia da comida. Com sua cauda balançando para frente e para trás, ela parecia inegavelmente canina, mas Lawrence tinha certeza de que se falasse isso ela ficaria irritada, logo não disse nada.

“Então lobos acham batatas deliciosas, não é?”

“Aye. Não é como se nós lobos comecemos carne durante o ano inteiro. Comemos peixe. E as lavouras que os humanos cultivam são ainda melhores que brotos de árvores. Além disso, gosto bastante do hábito humano de colocar carne e vegetais ao fogo.”

Dizem que a língua de um gato não suporta comida quente, mas lobos não parecem ter este problema. Holo segurava metade da batata na mão e colocou todo o pedaço na boca de uma vez depois de soprar duas ou três vezes. Lawrence sentiu que ela tinha abocanhado mais do que podia mastigar, e de fato ela logo pareceu se engasgar. Lawrence a passou um cantil de água, e com isso Holo conseguiu engolir a batata.

“Whew. Isso foi bastante surpreendente. Gargantas humanas são tão estreitas. É um tanto quanto inconveniente.”

“Lobos engolem as coisas inteiras, certo?”

“Mm. Bem, não temos isto, por isso não podemos mastigar à vontade.”

Holo puxou as bordas dos lábios; presumivelmente ela estava falando sobre suas bochechas.

“Mas já me engasguei com batatas no passado, é verdade.”

“Oh ho.”

“Suponho que as batatas e eu não sejamos compatíveis.”

Lawrence se conteve em dizer que sua gula não era compatível, e não as batatas.

“Antes,” ele preferiu falar, “você disse algo sobre ser capaz de dizer quando alguém está mentindo?”

Ao ouvir a pergunta, Holo virou-se para encará-lo em meio a uma mordida, mas de repente desviou o olhar e moveu a mão.

Antes que Lawrence pudesse perguntar o que havia de errado, ela parou sua mão, congelada no ar como se tivesse agarrado alguma coisa.

“Ainda há pulgas.”

“É esse seu bom pelo. Aposto que é uma adorável cama para elas.”

Transportar pele ou bens tecidos frequentemente envolvia tirar suas pulgas, dependendo da estação. Lawrence falava por experiência própria, mas Holo parecia muito chocada, e estufou seu peito enquanto falava com orgulho.

“Bem, você tem um bom olho para qualidade se pode notar isso!” Ela disse altiva. Lawrence decidiu manter seus pensamentos para si mesmo.

“Então é verdade que consegue separar a verdade da mentira?”

“Hm? Oh, mais ou menos.” Limpando a mão que tinha agarrado a pulga, Holo voltou sua atenção para a batata.

“Então, quão boa você é nisso?”

“Bem, eu sei que o que você disse sobre minha cauda agora não foi um elogio.”

Lawrence, atordoado, não disse nada. Holo riu alegremente.

“Não é perfeito, entretanto. Pode acreditar em mim ou não... como quiser,” disse Holo impiedosamente, lambendo o queijo de seus dedos.

Ela saiu por cima novamente, mas se ele fosse reagir, isso só daria ela outra oportunidade. Lawrence se recompôs e tentou novamente.

“Então deixe-me lhe perguntar isto — a história daquele rapaz é verdadeira?”

“Do rapaz?”

“A pessoa que falou conosco na lareira.”

“Oh. Heh, ‘rapaz’, você diz.”

“Tem algo de engraçado?”

“Do meu ponto de vista vocês dois são rapazes.”

Se ele tentasse contra-atacar ela apenas brincaria ainda mais com ele, então Lawrence sufocou a resposta que emergia dentro dele.

“Heh. Contudo, ouso dizer que você é um pouco mais crescido do que ele. Quanto ao seu rapaz, me parece que ele estava mentindo.”

Lawrence se acalmou; isto confirmava suas suspeitas.

Durante a conversa no salão, o jovem mercador Zheren tinha falado com Lawrence sobre uma oportunidade de lucro.

Havia uma determinada moeda de prata em circulação, que estava prestes a ser substituída por uma moeda com uma maior concentração de prata. Se a história fosse verdadeira, as velhas moedas de prata tinham uma qualidade pior do que suas substitutas, mas seu valor final seria o mesmo. No entanto, ao ser trocado por outras moedas, as novas moedas de prata valeriam mais do que as antigas. Se alguém soubesse de antemão qual moeda seria substituída, este poderia comprá-las em massa, em seguida, trocá-las por novas moedas, realizando o que equivalia a um lucro puro. Zheren afirmou que sabia qual moeda entre todas as que circulam no mundo seria substituída, e compartilharia a informação em troca de uma parte do lucro. Já que Zheren certamente teria feito a mesma oferta para outros mercadores, Lawrence não podia simplesmente engolir a história toda.

Holo olhou para o espaço, como se pensasse na conversa, então colocou o pedaço de batata em sua boca e engoliu.

“No entanto, não sei qual parte é mentira, nem entendo os pontos mais delicados da conversa.”

Lawrence assentiu e considerou. Ele não tinha, na verdade, esperado mais do que isso de Holo.

Supondo que a própria transação não era uma mentira, Zheren deveria estar mentindo sobre as moedas, de alguma forma.

“Bem, especulação da moeda em si não é tão raro. Ainda assim...”

“Você não entende por que ele estava mentindo... né?”

Holo arrancou um broto da superfície de sua batata e comeu o resto. Lawrence suspirou.

Ele tinha que admitir que ela já tinha dominado ele faz tempo.

“Quando alguém está mentindo, o que é importante não é o conteúdo da mentira, mas a razão por trás dela,” ela falou.

“Quantos anos você acha que demorei para entender isso?”

“Oh? Você pode ter chamado o tal do Zheren de rapaz, mas vocês dois são iguais para mim,” disse o Holo orgulhosa.

Em tempos assim, Lawrence desejou que Holo não parecesse tão frustrante uma humana. E pensar que esta jovial Holo tinha compreendido há muito tempo os princípios que ele tanto sofreu para entender, isso era demais para suportar.

“Se eu não estivesse aqui, o que você faria?” perguntou Holo.

“Primeiro descobriria se era verdade ou não, e então fingiria acreditar na história dele.”

“E por que?”

“Se fosse verdade, eu poderia lucrar apenas seguindo a proposta. Se fosse mentira, então alguém em algum lugar está tramando alguma coisa — mas ainda posso sair por cima se ficar de olhos e ouvidos abertos.”

“Mm. E dado que eu estou aqui, e já te disse que ele está mentindo, então...”

“Hm?”

Lawrence finalmente percebeu o que estava lhe escapando. “Ah.”

“Heh. Viu, não tem mais nada com o que se preocupar. De qualquer forma você vai fingir ter aceitado a proposta dele,” disse Holo, sorrindo. Lawrence não tinha réplica.

“Eu vou ficar com esta última batata,” disse Holo, apanhando a batata da mesa.

Da sua parte, Lawrence estava envergonhado demais para sequer dividir a batata que tinha na mão.

“Eu sou Holo, a Sábia Loba! Quanto tempo acha que eu já vivi a mais que você?”

O humor de Lawrence só piorou com ela se preocupando com seus sentimentos. Ele deu uma mordida vingativa em sua batata.

Se sentia como um aprendiz viajando com seu professor mais uma vez.

 

O dia seguinte era belo com céu limpo de outono. A igreja acordava ainda mais cedo que os mercadores, por isso, pela hora que Lawrence levantou, a rotina da manhã já havia acabado. Lawrence previu isso e não se surpreendeu, mas quando ele saiu para ir ao poço lavar o rosto, ficou chocado ao ver Holo saindo do salão de adoração com os membros da Igreja. Ela estava de cabeça baixa e vestia seu manto, mas mesmo assim ela parou para conversar agradavelmente com os fiéis.

A visão de um fiel conversando com a deusa da colheita, cuja existência se recusam a reconhecer era divertida, embora Lawrence não tivesse a coragem de pensar assim.

Holo se despediu da congregação e silenciosamente se aproximou do Lawrence pasmo. Ela apertou as mãos pequenas na frente de seu peito e falou.

“Senhor, dai-lhe coragem ao meu marido.”

A água do poço estava gelada devido ao inverno próximo; Lawrence a derramou sobre a cabeça de qualquer forma e fingiu não ouvir a risada de Holo.

“Está bem mais importante, a Igreja,” disse Holo.

Lawrence balançou a cabeça para se livrar da água, assim como Holo tinha feito com sua cauda no dia anterior. “A Igreja sempre foi importante.”

“Dificilmente. Eles não eram assim quando vim do norte. Eles sempre falavam sobre como um deus e seus doze anjos criaram o mundo e como a humanidade o pegou emprestada. A natureza não é algo que pode ser criado. Mesmo assim, pensei comigo mesma, ‘Quando foi que essas pessoas aprenderam a contar essas piadas?’”

Essa deusa da colheita de vários séculos de idade falando como um filósofo natural criticando a Igreja, o que tornava isso ainda mais pitoresco. Lawrence se secou e se vestiu. Ele não se esqueceria de deixar uma moeda na caixinha de dízimo que estava preparada ali. Era esperado quem este deixasse dinheiro se tivesse usado o poço, e as pessoas da igreja verificariam. Qualquer um que não deixasse uma doação teria coisas de má sorte ditas sobre ele. O Lawrence em constantes viagens, precisava de toda a sorte que pudesse conseguir.

No entanto, o que ele jogou na caixa era uma moeda de cobre gasta e escurecida que mal poderia ser considerada dinheiro.

“Suponho que seja um sinal dos tempos... muita coisa mudou.”

Presumo que ela se refere à sua terra natal, dada a expressão desolada no seu rosto.

“Você mesma mudou tanto assim?” perguntou Lawrence.

“...” Holo balançou a cabeça sem palavras. Era, de alguma forma, um gesto muito infantil.

“Então tenho certeza que sua terra também não mudou.”

Apesar de ser jovem, Lawrence já passou por muita coisa. Já esteve em muitas nações, conheceu muitas pessoas, e adquiriu uma grande variedade de experiências, de modo que se sentiu qualificado para dizer tanto.

Todos os mercadores viajantes — até mesmo aqueles que tenham fugido de suas casas — não conseguiam evitar sentir carinho pela terra natal, já que enquanto estivesse em uma terra estrangeira, este só poderia confiar nos seus conterrâneos.

Holo assentiu, seu rosto emergindo ligeiramente sob o manto.

“Mas seria uma desgraça para o nome da Sábia Loba ser confortada por você,” ela disse com um sorriso, se virando e voltando para o quarto. Ela o deu um longo olhar que poderia ser interpretado como gratidão.

Enquanto a sua atitude fosse de uma pessoa muito velha e astuta, Lawrence poderia lidar com isso.

Era o seu lado infantil que achava difícil.

Lawrence tinha vinte e cinco anos. Se vivesse em uma cidade já estaria casado e levando sua esposa e filhos para a igreja. Sua vida estava na metade, e o comportamento infantil do Holo penetrou seu coração solitário.

“Ei, o que te atrasa? Se apresse!” gritou Holo, olhando para ele por cima do ombro.

Fazia meros dois dias desde que Lawrence conheceu Holo, mas parecia fazer muito mais tempo.

 

Lawrence decidiu aceitar a oferta da Zheren.

No entanto, Zheren não podia simplesmente confiar na palavra de Lawrence e entregar a informação; nem Lawrence poderia se dispor a pagar adiantado. Ele teria que primeiro vender suas peles. Assim, os dois homens decidiram se encontrar na cidade portuária de Pazzio e assinar um contrato formal perante uma testemunha pública.

“Bem, então vou seguir meu caminho. Quando você chega em Pazzio, procure uma taverna chamada Yorend; vai ser capaz de entrar em contato comigo por lá.”

“Yorend, não é? Muito bem.”

Zheren sorriu com o seu sorriso encantador novamente e se foi, levantando seu saco de frutas secas por cima do ombro enquanto caminhava.

Além das negociações, a tarefa mais importante que um jovem mercador enfrenta é explorar as várias regiões, se familiarizando com os moradores locais e seus bens, e ter certeza de que seu rosto seria lembrado. Para conseguir isso, o melhor era levar algo bem preservado que poderia ser vendido em igrejas ou estalagens e se usado como uma desculpa para conversar, como fruta ou carne seca.

Lawrence observava Zheren, sentindo certa nostalgia do tempo em que ainda não tinha adquirido sua carroça.

“Não vamos com ele?” Holo perguntou enquanto a forma de Zheren desaparecia ao longe. Tendo verificado que não havia ninguém por perto para vê-la, ela começou a arrumar sua cauda.

Possivelmente porque tinha que cobrir seus ouvidos com a capa, ela não se preocupava em ajeitar seu cabelo castanho, apenas o amarrava com uma corda de cânhamo. Lawrence sentiu que ela poderia ao menos penteá-lo, mas ele não tinha pente para oferecer. Ele resolveu adquirir um pente e um chapéu quando chegassem a Pazzio.

“Choveu ontem o dia todo, então ele vai ser mais rápido de pé do que nós na carroça. Não há necessidade para ele se atrasar conosco.”

“Verdade, os mercadores estão correndo contra o tempo.”

“Tempo é dinheiro.”

“Ho-ho! Um ditado interessante. Tempo é dinheiro, não é?”

“Desde que tenhamos tempo, podemos ganhar dinheiro.”

“Verdade. Embora eu não pense assim,” disse Holo, lançando um olhar para sua cauda.

Sua cauda magnífica era longa o suficiente para passar por de trás dos joelhos. O pelo abundante provavelmente teria um bom preço se tosquiada e vendida.

“Imagino que os fazendeiros que de quem cuidou ao longo de tantos séculos se preocupavam com o tempo.”

Assim que Lawrence falou, percebeu que provavelmente não deveria ter dito. Holo olhou para ele como se dissesse: “Eu vou deixar você escapar com essa,” sorrindo impiedosamente.

“Hmph. O que você esperava? Os agricultores não se importam nem um pouco com o tempo. É com o ar que estão atentos.”

“Não entendi.”

“Eles acordam no ar do amanhecer, trabalham na fazenda no ar da manhã, retiram as ervas daninhas no ar da tarde, fazem cordas no ar chuvoso. Preocupam-se com as suas plantações no ar ventoso, os veem crescer no ar do verão, celebram a colheita no ar de outono, e no ar do inverno eles esperam pela primavera, eles não pensam no tempo — assim como eu, eles notam apenas o ar.”

Lawrence não podia dizer que ele entendeu tudo o que Holo falou, mas algumas partes ele entendeu. Concordou, impressionado, o que pareceu satisfazer Holo; ela estufou o peito e aspirou com orgulho.

A autoproclamada Sábia Loba evidentemente não sentia a menor necessidade de humildade.

Neste momento, uma pessoa que parecia ser outro mercador viajante surgiu do outro lado da estrada.

Embora as orelhas do Holo estivessem escondidas pelo manto, sua cauda estava à vista.

O transeunte olhou para a cauda do Holo, entretanto não falou nada.

O mais provável era que ele não percebeu que era uma cauda. Lawrence imaginou que, se fosse ele, pensaria que tipo de pele que era e o quanto valeria.

Mesmo assim, ao se tratar de manter um rosto sério, era uma questão totalmente diferente.

“Você é rápido o suficiente, mas te falta experiência.”

Aparentemente, depois de ter terminado de pentear, Holo colocou sua cauda de volta por baixo da saia dela e falou. O rosto sob o manto era o de uma garota que estava no meio da sua adolescência, que ocasionalmente mostrava um comportamento de alguém muito mais jovem.

Contudo, suas palavras soavam como de alguém bem mais velho.

“Ainda assim, este ficará mais sábio com a idade.”

“Quantas centenas de anos que você acha que vai demorar?” Lawrence se adiantou a sua tentativa de provocá-lo.

Surpresa, ela riu alto. “Ah-ha-ha-ha! Você é bem rápido, não é?”

“Talvez você esteja apenas velha e lenta.”

“Heh-heh. Sabe por que nós lobos atacamos pessoas nas montanhas?”

Lawrence foi incapaz de acompanhar a súbita mudança de assunto de Holo, então só pode responder com um confuso “Er, não.”

“Porque queremos comer seus cérebros e ganhar seu conhecimento.” Holo sorriu, mostrando suas presas.

Mesmo se ela estivesse brincando, Lawrence estremeceu inconscientemente, sua respiração acelerou.

Alguns segundos se passaram, ele percebeu que tinha perdido.

“Você ainda é um filhote. Dificilmente páreo para mim.”

Holo suspirou. Lawrence segurou as rédeas com força e sufocou uma expressão frustrada.

“De qualquer forma, você já foi atacado alguma vez por lobos nas montanhas?”

Era uma sensação estranha, uma garota com orelhas, presas, e uma cauda me perguntar isso. Ele estava tendo uma conversa com um lobo — o mesmo lobo cuja presença nas montanhas ele temia.

“Já. Talvez... oito vezes.”

“Eles são bastante difíceis de lidar, não são?”

“São. Posso lidar com cães selvagens, mas lobos são um problema.”

“Isso é porque eles querem comer vários humanos, para conseguir o seu —”

“Sinto muito, está bem? Então pare.”

Na terceira vez que Lawrence foi atacado por lobos, ele fazia parte de uma caravana. Dois dos homens da caravana foram incapazes de sair das montanhas.

Seus gritos ecoavam nos ouvidos de Lawrence mesmo agora.

Seu rosto era inexpressivo.

“Oh...”

Aparentemente, a perceptiva loba sábia notou isso.

“Eu sinto muito,” disse uma Holo arrependida, se encolhendo e quase tremendo.

Lawrence foi atacado por lobos muitas vezes. Com as memórias dos encontros passando por sua cabeça, ele não estava com disposição para responder.

Splish, splosh, os cascos do cavalo soavam na estrada lamacenta.

“...Você está bravo?”

Que loba astuta — ela deve saber que se perguntasse dessa forma, ele seria incapaz de responder verdadeiramente que estava com raiva.

Então ele respondeu. “Sim, estou bravo.”

Holo olhou para Lawrence em silêncio. Quando ele olhou de volta para ela com o canto do olho, ele a viu fazendo beicinho — isto era tão charmoso que ele quase a perdoou.

“Eu estou bravo. Não faça mais piadas como esta,” finalmente se virou para ela e disse.

Holo assentiu resolutamente e olhou adiante. Ela agora parecia bastante mansa.

Após um período de silêncio, ela falou novamente. “Os lobos vivem apenas nas montanhas, mas os cães têm vivido com os humanos. É por isso que os lobos são adversários mais difíceis.”

Ele provavelmente deveria tê-la ignorado, mas isso dificultaria conversas posteriores. Ele se virou ligeiramente em sua direção e deu um sinal de que estava ouvindo.

“Hm?”

“Lobos só sabem que são caçados por humanos, e que eles são terríveis criaturas. Então, estamos sempre pensando sobre o que fazer quando entram em nossa floresta.”

Holo encarava diretamente para frente enquanto falava, tão séria quanto Lawrence jamais tinha visto antes. Ele não achou que ela inventou essa história; ele assentiu, lentamente.

Mas havia algo em sua imprecisão que o preocupava.

Você já —”

Mas Holo o parou antes que ela pudesse continuar. “Há coisas que simplesmente não posso responder.”

“Oh.” Lawrence se repreendeu por falar sem pensar. “Sinto muito.”

Então Holo sorriu. “Agora estamos quites.”

Alguém de vinte e cinco anos de idade não era, ao que parece, páreo para uma Sábia Loba.

Não houve mais conversa, mas não havia mais atrito entre os dois. O cavalo se arrastava, e logo o dia passou e a noite caiu.

Um mercador nunca continuava suas viagens após escurecer quando tinha chovido. Se a carroça ficasse presa na lama, sete em cada dez vezes, significava que os bens teriam que ser abandonados.

Para ter um lucro firme como um mercador viajante, este tinha que minimizar as perdas, e a estrada estava cheia de perigos.

Holo subitamente falou, aninhada na pilha de peles sob um céu que ela prometeu estaria limpo no dia seguinte.

“Os mundos em que vivemos, você e eu, são bem diferentes,” ela falou.


Nota:

1 – Palavra de origem francesa para comerciantes de vinhos. Compra uvas (e fabrica vinho com elas) e/ou compra vinhos (para envelhecer e vender sob sua própria marca).



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