Trigo e Loba Japonesa

Tradução: Virtual Core


Volume 4

Capítulo 2

“Hah, é assim que se bebe!”

Cercada por um alegre tumulto na taverna, Holo — agora vestida com roupas de uma garota da cidade — colocava sua grande caneca rústica sobre a mesa.

Uma barba de espuma branca contornava seus lábios, e ela mantinha a mão na asa da caneca como se dissesse: “Outra rodada!”

Um após o outro, os fregueses animados do bar acrescentaram o conteúdo de suas canecas à caneca de Holo, e logo a dela estava cheia novamente.

Embora ninguém soubesse quem eram os dois misteriosos viajantes que chegaram à sua cidade, os dois foram generosos ao tratar os clientes da taverna com bebidas e também bebiam as suas muito bem — sua conduta seria bem recebida em qualquer vila.

Um dos dois era uma moça linda. Eles dificilmente não se deixariam impressionar.

“Venha! Você não pode se considerar um homem se perder para sua linda companheira!”

A bebedeira de Holo garantia que Lawrence fosse convidado a beber também, mas, ao contrário de Holo, ele procurava informações.

Não podia se dar ao luxo de se deixar levar por um estupor.

Ele bebeu apenas o suficiente para não estragar o clima festivo, comendo o que foi trago e, gradualmente, conversando com os moradores.

“Ah, isso é um bom ale, de fato. Existe algum segredo para a sua preparação?”

“Ha-ha-ha, aí está! É Iima Ranel, a senhora desta taverna. Ela é famosa por aqui — seus braços são tão fortes quanto três homens e ela tem o apetite de cinco!”

“Não diga aos viajantes essas mentiras! Sim, aqui está, carne de carneiro frita com alho.”

A mulher em questão, Iima, bateu com uma borda de uma placa de madeira levemente contra a cabeça do homem, depois pousou a comida com eficiência sobre a mesa.

Com o cabelo ruivo encaracolado amarrado para trás e as mangas arregaçadas para expor seus braços de aparência poderosa, uma olhada na estrutura robusta de Iima tornava fácil de entender por que alguns diziam que ela tinha a força de três homens.

A resposta do homem, no entanto, não ajudou a responder à pergunta de Lawrence. “Ai, droga! E aqui eu estava prestes a cantar seus louvores!”

“Então o que você disse agora não foi um elogio? Então você teve o que mereceu!”

Todos na mesa riram. Um homem diferente continuou com a conversa. “A dona aqui costumava viajar com um jarro de cerveja por cima do ombro!”

“Ha-ha, certamente que não,” disse Lawrence.

“Ha! Ninguém acredita na história quando a ouvem pela primeira vez. Mas é verdade, não é?”

Iima, que agora servia os clientes bêbados de outra mesa, virou-se para a pergunta. “Certamente que sim,” ela respondeu.

Uma vez que ela terminou de servir a outra mesa, voltou para aquela em que Lawrence se sentava. “Eu era mais jovem e mais bonita na época. Eu nasci a oeste daqui em uma cidade ao longo da costa. Mas é o destino de tais cidades serem arrastadas pelo mar, e um dia um enorme navio parou no porto e logo a cidade foi engolida pelas ondas.”

Lawrence logo percebeu que ela estava falando sobre piratas.

“Então me misturei com a multidão enquanto corria, e em algum momento, percebi que estava carregando uma jarra de cerveja e um saco de cevada,” lembra Iima, o rosto melancólico enquanto olhava ao longe. Ela dava um pequeno sorriso, mas deve ter sido difícil na época.

Um homem na mesa de Lawrence jogou uma caneca. “Aqui, uma para você também, Iima.”

“Ah, obrigada. De qualquer forma, uma garota sozinha não conseguiria encontrar trabalho em uma cidade estranha nem rezando, e havia rumores de piratas atingindo cidades a três montanhas de distância. Então eu usei a água do rio junto com o meu jarro de cerveja e cevada, e comecei a fazer cerveja. E quem iria beber aquela bebida se não um duque que passava com seus homens vindo de longe para verificar a resistência contra os piratas.”

Iima foi interrompida por aplausos. Ela aproveitou a oportunidade para terminar sua cerveja em um único grande gole.

“Ah, na verdade, nunca fiquei tão envergonhada quanto naquele dia! Logo o duque descobrindo que aquela jovem garota de cabelos emaranhados e cara suja estava tomando cerveja na floresta — por que, quando perguntei sobre isso depois, ele me disse que achava que eu era uma dríade! Acho que ele tinha um olho afiado para essas coisas.”

Novamente aplausos subiram, desta vez de outro lugar. Lawrence olhou e parecia que Holo ganhava outro concurso de bebidas.

“Mas então, você não vai acreditar — o duque disse que minha cerveja estava deliciosa! Ele disse que, como a cidade para a qual eles estavam indo tinha sido saqueada por piratas, ele e seus homens seriam incapazes de tomar uma bebida decente por lá, então ele me pediu para viajar com sua companhia e preparar cerveja para eles!”

“De fato, a jovem donzela ambiciosa, Iima Ranel, achou que as coisas finalmente estavam dando certo.”

“Mas voilá! O duque já tinha uma linda consorte!”

“Ah, está bem, pensei — de qualquer forma minha beleza seria desperdiçada com um nobre tão caseiro. Embora eu tivesse desejado um casaco de pele negra de marta.”

“Então você se tornou a cervejaria pessoal dele?” perguntou Lawrence — mas tão logo ele fez a pergunta, percebeu que não poderia ter sido o caso.

Se ela fosse a cervejaria pessoal de um nobre, dificilmente se dignaria a administrar uma taverna na aldeia de Tereo.

“Ha-ha, não, isso seria impossível. Na época, eu não conhecia os caminhos do mundo, certamente era o meu sonho — mas não. Mas, como agradecimento por viajar com o duque e seus homens, pude jantar em sua mansão absurdamente grande, e recebi permissão especial para vender cerveja com o nome do duque, e isso foi suficiente.”

“Então é aí que começa a história da rara donzela que vende cerveja — chame de ‘O Conto da Cervejaria da Donzela’.”

Iima bateu na mesa uma vez com o punho, dando o impulso para todos que estavam sentados.

“Foi assim que vim a vagar pela terra, fabricando e vendendo, vendendo e fabricando cerveja — muitas coisas aconteceram, mas na maior parte, a estrada era fácil. Mas então cometi um único erro—"

“Sim, Iima visitou Tereo e a tragédia se seguiu!” gritou alguém com um timing dramático perfeito.

Parecia a Lawrence que a história de Iima provavelmente contava a todos os viajantes que passavam pela aldeia.

“Eu nunca bebi a cerveja que eu fiz, entenda,” continuou Iima, “porque eu queria vender cada gota. Eu nunca experimentado, mas quando cheguei a esta vila, tomei pela primeira vez, me apaixonei por ela e, no meu estado de embriaguez, tropecei nos braços do meu honrado marido!”

Lawrence riu ao imaginar o sorriso triste que devia estar no rosto do marido naquele momento enquanto trabalhava na cozinha da taverna. Quanto ao resto da audiência, eles fingiram lágrimas.

“E então eu me tornei a esposa do guardião da taverna. Mas esta aldeia é boa — aproveite o tempo e divirta-se,” terminou Iima com um sorriso agradável, depois deixou a mesa.

Lawrence a observou ir embora com um sorriso inocente no rosto.

“Ah, mas esta é uma boa taverna. Duvido que você encontre o mesmo em Endima,” ele falou.

Endima, capital do reino de Ploania, era a maior cidade da região norte do reino — maior até que a cidade da igreja de Ruvinheigen.

Dizer que algo não podia ser encontrado em Endima era uma maneira comum de exaltar as virtudes das cidades menores e vilarejos de Ploania.

“Sim, você está certo! Você pode ser apenas um vendedor ambulante, amigo, mas você está atento à qualidade.”

Todo mundo gostava de ouvir sua cidade natal sendo elogiada.

Os homens ao redor da mesa sorriram e beberam de suas canecas em uníssono.

Agora é minha chance, Lawrence pensou.

“De fato!” Ele disse. “E a cerveja também é boa. Realmente esta vila deve desfrutar das bênçãos de Deus,” ele continuou, mudando casualmente o fluxo da conversa.

No entanto, suas palavras ficaram suspensas como uma gota de óleo na água.

“Ah, desculpem a minha grosseria,” acrescentou.

Ele ouvira incontáveis contos de outros mercadores que haviam falado o que não deviam enquanto bebiam vinho em alguma cidade pagã.

O próprio Lawrence havia cometido tais erros — e a reação que ele via agora não era diferente de suas experiências anteriores.

“Ah, não, não é culpa sua, viajante,” disse um dos homens, como se para aliviar a atmosfera tensa. “Há uma grande igreja aqui, afinal de contas.” Os outros assentiram.

“A nossa é uma aldeia remota,” acrescentou outro, “então as coisas são um pouco mais complicadas por aqui. E é verdade que devemos muito ao falecido padre Franz. Mas ainda...”

“Sim, mas ainda assim! Venha o que vier, não devemos desobedecer ao Lorde Truyeo.”

“Lorde Truyeo?”

“Ah, o senhor Truyeo é o espírito guardião desta aldeia. Ele nos traz boas colheitas, ajuda nossos filhos a crescerem fortes e saudáveis, e mantém longe os espíritos malignos. É dele que vem o nome de Tereo.”

“Ah, entendo,” Lawrence murmurou para si mesmo. Isso sem dúvida explicava a grande cobra no quarto da casa de Sem.

Ele deu acenos vagos e olhou para Holo que, apesar do grande clamor de sua bebedeira ter sido o centro das atenções um momento atrás, olhou para ele.

O espírito diante dos olhos dele também não deveria ser subestimado.

“Um espírito de boa colheita, hein? Como mercador viajante, ouvi essas coisas. Este Lorde Truyeo é um espírito de lobo?”

“Um lobo? Ridículo! Como se o espírito de tal demônio protegesse uma vila!”

Foi uma forte reprimenda. Lawrence pensou que poderia usar isso para provocar Holo mais tarde.

“Ah, então ele é —”

“Uma cobra, mercador! Lorde Truyeo é uma cobra!”

Se alguém fosse descuidado, tanto presas envenenadas quanto uma carroça velha poderiam ser igualmente problemáticas, então Lawrence não via muita diferença entre cobras e lobos. Mas os espíritos das serpentes eram bastante comuns aqui nas terras do norte.

No entanto, a Igreja tinha a cobra como sua inimiga jurada. Foi escrito nas escrituras que era uma cobra que causara a queda do homem.

“Eu ouvi lendas de espíritos de cobra,” disse Lawrence. “Uma vez ela desceu das montanhas para o mar e o caminho deixado para trás se tornou um grande rio.”

“Oh, vamos, você não pode comparar Lorde Truyeo com essas coisas! Eles dizem que ele é tão longo que o tempo em sua cabeça é diferente do que está em sua cauda e que ele devora a lua no café da manhã e o sol no jantar.”

“Sim, isso mesmo!” veio uma cacofonia de vozes.

“Além disso, Lorde Truyeo não se parece em nada com aqueles velhos contos de fadas. Afinal, há uma caverna que ele cavou para hibernar não muito longe da vila.”

“Um buraco?”

“Sim. Encontramos cavernas por toda parte, mas esta é uma caverna que morcegos e lobos não se atrevem a se aproximar. Há uma história de um viajante que uma vez entrou para provar sua coragem

— ele nunca retornou. Há uma maldição sobre quem entra — tem sido assim por muito tempo. Até o padre Franz nos disse para nunca entrarmos. Se você quiser ver, não é mais do que uma curta caminhada daqui.”

Lawrence fingiu horror enquanto balançava a cabeça, mas agora percebia por que a igreja da cidade não era usada.

De fato, era um milagre que a igreja não tivesse sido destruída.

Mas depois de pensar por um momento, Lawrence percebeu a razão pela qual a igreja ainda estava de pé.

A cidade de Enberch não estava tão distante.

“Você passou por Enberch antes de chegar aqui, não foi?”

Enquanto Lawrence se perguntava como abordar o assunto, um aldeão fez isso por ele.

“Então você viu a igreja gigante de lá. Um homem chamado Dom Van está no comando e toda geração de bispos são uma ameaça enlouquecedora,” continuou o aldeão.

“Enberch já foi muito menor que Tereo, a história conta,” disse outro. “Eles também foram protegidos por Lorde Truyeo até que um dia os missionários da Igreja vieram, e toda a aldeia se converteu sem pensar duas vezes. Uma catedral surgiu rapidamente, mais pessoas vieram, uma estrada foi colocada, e logo virou uma grande cidade. Então eles começaram a fazer exigências de Tereo…”

“Sim,” continuou um terceiro. “E claro, eles queriam que nos convertêssemos também. Mas graças aos esforços das pessoas daqui duas gerações atrás, eles conseguiram adiar a conversão deixando uma igreja ser construída. Mas não há comparação entre sua grande cidade e nossa pequena aldeia. Eles nos deixam continuar nossa devoção a Truyeo, mas em troca nós pagamos impostos pesados. Pergunte a qualquer um dos nossos avós; eles vão reclamar disso o dia todo.”

Havia inúmeras histórias sobre acordos como esse sendo feitos nas linhas de frente do trabalho missionário.

“Então, foi cerca de trinta ou quarenta anos atrás que o padre Franz chegou,” disse um aldeão.

Lawrence estava começando a entender a situação da aldeia cada vez mais. “Entendo,” disse ele. “Mas soube que uma jovem senhora chamada Elsa agora é responsável pela igreja.”

“Ah, sim, de fato ela é...”

Graças à cerveja, as línguas estavam soltas por toda parte.

Lawrence decidiu que conseguiria respostas para todas as suas perguntas de uma só vez.

“Quando paramos para orar por viagens seguras, fiquei bastante surpreso ao ver uma garota tão jovem usando vestes sacerdotais. Devo assumir que há circunstâncias especiais em torno dela?”

“É estranho, não é?” Concordou um aldeão. “Faz mais de dez anos que o padre Franz aceitou a senhorita Elsa. Ela é uma boa menina, mas como padre? Certamente não.”

“Se a responsabilidade se tornar pesada demais para ela, não seria possível chamar um padre de Enberch?” perguntou Lawrence.

“Ah, sobre isso...” disse um homem, que olhou nervosamente para o sujeito ao lado dele, que por sua vez olhou para o vizinho.

No final, o olhar percorreu toda a mesa antes de o primeiro homem falar de novo.

“Você é um mercador de uma terra distante, não é?” “Er, sim.”

“Bem, então, talvez — bem, você conhece algum homem poderoso na Igreja?”

Lawrence não entendeu imediatamente por que o homem estava perguntando, mas teve a sensação de que, se soubesse, o homem teria contado tudo.

O homem continuou. “Alguém que realmente pudesse falar com o pessoal em Enberch—”

“Hey!” Iima apareceu um momento antes. Ela bateu levemente na cabeça do homem. “O que você está dizendo para nosso convidado? Você quer uma surra do ancião?”

Lawrence quase riu do homem castigado, que parecia um menino sendo repreendido por sua mãe, mas quando viu o olhar de Iima se mover para ele, ele rapidamente reprimiu seu sorriso.

“Sinto muito — deve parecer que estamos escondendo alguma coisa. Mas mesmo um viajante — não, especialmente um viajante — pode entender que toda aldeia tem seus próprios problemas.”

As palavras de Iima carregavam peso, dado seu passado gasto viajando de aldeia em aldeia com um jarro de cerveja em suas costas.

E em todo caso, Lawrence viu a verdade no que ela disse.

“Quando os viajantes chegam, gostaríamos que eles comessem nossa comida e bebessem nosso vinho, e quando eles visitassem outra região, falassem sobre o quão agradável a vila era. É assim que eu vejo de qualquer maneira.”

“Eu concordo totalmente,” disse Lawrence.

Iima sorriu e deu um tapa nas costas dos homens da vila. “E agora seus marmanjos, o último trabalho de vocês é beber e se divertir!” Ela falou, mas de repente seu olhar foi para outro lugar. Ela então olhou para Lawrence e sorriu se desculpando. “Eu gostaria de poder dizer o mesmo para você, mas parece que sua companheira já teve o bastante.”

“Ela não bebe nada faz algum tempo; me atrevo a dizer que ela exagerou um pouco. Não havia muita cerveja na caneca de Lawrence.

Ele bebeu de uma vez e ficou de pé. “Vou voltar para a estalagem antes que ela faça algum alarde. Pelo menos ela ainda não se casou com ninguém.”

“Ha! Ela pode tirar isso de mim, nada de bom vem de uma mulher bebendo!”

Todos os homens riram furtivamente com o comentário sincero de Iima. Parecia haver várias histórias sobre o assunto.

“Vou me lembrar disso,” disse Lawrence, deixando algumas moedas de prata sobre a mesa.

Tinha custado dez trenni servir a todos na taverna, o que ele fez para se encaixar rapidamente.

Ninguém queria um amigo gastador demais, mas um viajante generoso era bem-vindo em todo o mundo.

Uma vez que Lawrence capturou Holo — que estava esparramada sobre uma mesa, aparentemente embebedada em seu estupor — ele saiu do bar, acompanhado com uma mistura de provocação amigável e agradecimento.

Era uma felicidade infeliz que a taverna e a estalagem dessem para a praça da cidade.

Apesar do corpo esguio de Holo, sendo um espírito lobo ela podia comer e beber quantidades enormes — o peso extra que Lawrence agora sentia. Levantá-la custou um esforço.

Claro, isso só era necessário se ela realmente tivesse desmaiado de bêbada.

“Você comeu e bebeu demais.”

Lawrence colocou o braço em volta do pescoço, apoiando-a pelo lado. Assim que ele falou, ela pareceu apoiar um pouco do seu peso sozinha, aliviando seu fardo.

Holo arrotou. “Não era meu trabalho comer e beber, mal dando espaço para conversas?”

“Claro, estou ciente disso. Mas você continuou pedindo as coisas mais caras.”

Embora os olhos de Holo fossem mais penetrantes que os dele, Lawrence mal podia deixar de notar a comida e a bebida que Holo pedia para a própria mesa.

“Ah, você é um homem mesquinho. Ah, mas chega disso — preciso me deitar. É difícil respirar!”

Lawrence deu um breve suspiro — parecia que os passos instáveis de Holo não eram um ato, afinal — mas ele próprio bebera um pouco e queria se sentar.

A praça da vila de Tereo, mal iluminada pelas lâmpadas penduradas em alguns dos edifícios que a encaravam, estava deserta.

Embora já tivesse passado algum tempo desde o pôr-do-sol, as formas pelas quais essa vila diferia de uma cidade maior eram claras.

Quando chegaram à estalagem e abriram a porta, a sala da frente estava iluminada apenas por uma única vela apologética. O mestre não estava lá — o que não era de surpreender, já que ele estava bebendo alegremente na mesma mesa que Holo.

Percebendo o retorno de seus convidados, a esposa do mestre saiu, dando uma olhada no triste estado de Holo e sorrindo com simpatia.

Lawrence pediu um pouco de água e subiu as escadas rangentes até o segundo andar.

A pousada parecia ter apenas quatro cômodos no total, e no momento, Lawrence e Holo eram os únicos hóspedes.

Apesar disso, aparentemente um bom número de pessoas veio para os festivais de semeadura e colheita de outono.

A única decoração na estalagem era o brasão de tecido bordado pendurado no corredor, deixado para trás por um cavaleiro que evidentemente havia passado há muito tempo.

Se Lawrence se lembrava corretamente, a crista — agora iluminada por um raio de luar que entrava pela janela aberta — era o símbolo de um grupo mercenário famoso nas terras do norte de Ploania por matar santos da Igreja.

Lawrence não sabia se o estalajadeiro ignorava isso ou se exibia a crista por causa de suas conotações.

Olhando para o brasão, ficou claro para Lawrence como era a relação entre a Igreja e a vila de Tereo.

“Ei, estamos quase lá. Não adormeça ainda!” Enquanto subiam as escadas, os pés de Holo ficavam cada vez menos seguros e, quando chegaram à porta do quarto, ela parecia estar no limite.

Eles entraram, Lawrence supôs que ela estaria de ressaca de novo amanhã, e ele sentiu mais simpatia do que aborrecimento em relação à companheira enquanto a deitava na cama.

A janela do quarto estava fechada, mas algumas lascas de luar encontravam caminho através das rachaduras. Lawrence abriu a janela danificada e expirou a agitação do dia, trocando-a pelo ar solenemente frio do inverno.

Pouco depois, houve uma batida na porta. Ele se virou para ver a esposa do estalajadeiro entrar, trazendo água e algumas frutas que ele não conseguiu identificar imediatamente.

Ele perguntou e ela explicou que era bom para a ressaca — embora, infelizmente, o mais necessitado da cura já tivesse caído no sono. Não faria sentido recusar sua gentileza, então ele aceitou a fruta com gratidão.

Os frutos eram duros e redondos. Dois se encaixam na palma da mão. Quando Lawrence mordeu um, a acidez era tão intensa que fazia suas têmporas doerem.

As frutas certamente pareciam eficazes. Dava até para fazer negócio com elas. Ele fez uma anotação mental para o dia seguinte, se houvesse tempo.

Lawrence pensou na noite barulhenta na taverna.

A velocidade com que Holo se misturava ao clima da taverna era genuinamente impressionante.

Claro, ele explicou o objetivo para ela antes do tempo, bem como a parte que ele queria que ela jogasse.

Quando um par de viajantes parava numa taverna, geralmente eles precisavam suportar perguntas intermináveis dos clientes ou ficar completamente fora da conversa.

Evitar isso custava dinheiro.

Não havia uma maneira fácil de obter moedas em uma aldeia com pouco comércio como essa — mas, a menos que estivesse completamente isolada, Tereo não conseguiria sobreviver sem pelo menos algum dinheiro.

Esta foi a principal razão pela qual os viajantes foram tão bem- vindos. Sem dinheiro, não teriam motivo para entreter pessoas cujos antecedentes fossem completamente desconhecidos.

Em seguida, os viajantes tiveram que comer e beber com vontade.

Eles não tinham como saber a qualidade da comida e bebida que a taverna da aldeia tinha a oferecer. Na pior das hipóteses, um viajante poderia ser envenenado e, mesmo que não morresse imediatamente, poderia ser despido e deixado nas montanhas.

O que significava que comer e beber indicavam confiança na aldeia.

Era importante ter cuidado, mas uma coisa interessante sobre o mundo é esta: as pessoas tendem a não ser insensíveis se sentem que são confiáveis.

Lawrence tinha aprendido essas coisas quando abriu novas rotas comerciais, mas a habilidade de Holo em se encaixar na atmosfera da taverna era ainda melhor do que a dele — e foi graças a ela que ele conseguiu respostas para perguntas difíceis com muito mais facilidade do que havia antecipado.

Embora Iima tenha interrompido sua última pergunta, a visita ainda foi boa. Se fosse uma visita de negócios, Lawrence estaria disposto a dar uma moeda a Holo como agradecimento.

Dito isto, não foi muito divertido vê-la realizar a tarefa tão facilmente quando ele se dava perfeitamente bem sozinho até este ponto.

Com a idade vinha a experiência, ele supôs. E mesmo assim.

Lawrence fechou a janela e mergulhou em contemplação enquanto se deitava na cama.

Se Holo entendesse os caminhos dos negócios, seria claramente o nascimento de uma mercadora de incrível proeza. Com alguém que podia penetrar tão habilmente nos círculos sociais, Lawrence não podia deixar de sonhar com as novas rotas comerciais que poderia abrir. Holo certamente poderia se tornar um profissional assim.

O sonho de Lawrence era ter uma loja em uma cidade em algum lugar. Para a loja prosperar, era claro para ele que duas pessoas trabalhando seriam melhores que uma, e três ainda melhor que duas. Era natural que ele pensasse em como a presença de Holo seria reconfortante.

A terra natal de Holo em Yoitsu não ficava longe e sua localização não era mais um mistério.

Mesmo que não conseguissem descobrir a localização da abadia e mesmo se não encontrassem mais pistas, ainda assim provavelmente encontrariam Yoitsu quando o verão chegasse.

O que o Holo planejava fazer depois disso?

Embora fosse apenas um contrato verbal, ele prometera acompanhá-la até sua terra natal.

Lawrence olhou para o teto e suspirou.

Ele sabia muito bem que a despedida era parte integrante da viagem.

Mas não era apenas do talento de Holo que ele sentiria falta. Quando pensava em suas disputas verbais constantes, a noção de que isso terminaria com suas viagens fazia seu peito doer.

Tendo chegado a esse ponto do pensamento, Lawrence fechou os olhos e sorriu consigo mesmo na escuridão.

Nada de bom viria de um mercador pensando em assuntos externos.

Essa foi outra lição que ele aprendeu em seus sete anos de experiência na estrada.

O que ele precisava se preocupar era com o conteúdo de sua bolsa de moedas.

O que ele deveria estar pensando era em como controlar a gula constante de Holo.

Os pensamentos perseguiram um ao outro na mente de Lawrence até que ele finalmente começou a sentir sono.

Nada de bom viria disso. Nada de bom.

 

Os cobertores esfarrapados do quarto pareciam ter sido cozidos em uma panela, depois secados ao sol. Eles eram completamente inúteis contra o frio da manhã.

Lawrence foi despertado por seu próprio espirro. Um novo dia havia começado.

A essa hora, o pouco calor retido no cobertor realmente valia dez mil peças de ouro — não que ele fosse compensado por isso.

Longe disso — o calor era como uma criança do diabo enviada para consumir seu tempo. Lawrence se levantou e olhou ao lado dele na cama. Holo já estava acordada.

Ela estava de costas para ele olhando para baixo, como se estivesse ocupada com alguma tarefa.

“Ho—”

Ele parou no meio do nome dela — a cauda de repente balançou de um jeito que ele nunca tinha visto antes.

“O-o que há de errado?” ele conseguiu falar.

As orelhas de Holo se ergueram e, por fim, ela se virou lentamente.

O sol ainda não havia se levantado completamente e o ar estava azulado. Os sopros brancos de sua respiração eram visíveis enquanto ela olhava por cima do ombro.

Lágrimas brotaram de seus olhos, e em sua mão havia uma pequena fruta redonda da qual uma mordida tinha acabado de ser dada.

“...Ah, você comeu?” Lawrence perguntou, meio sorrindo. Holo lambeu os lábios e assentiu. “O... o que é isso...?”

“A mulher do estalajadeiro trouxe depois que voltamos para a estalagem na noite passada. Aparentemente é bom para a ressaca.”

Evidentemente, alguns dos frutos permaneciam em sua boca. Holo fechou os olhos e forçou-se a engolir, então cheirou e enxugou os cantos dos olhos. “Comer isso me arrastaria de volta à sobriedade mesmo depois de cem anos bebendo!”

“Certamente você precisava dessa ajuda.”

Holo franziu a testa e jogou o que sobrou da fruta em Lawrence, depois cuidou de sua cauda ainda afofada. “Não é como se eu estivesse de ressaca todas as manhãs.”

“E graças a Deus por isso. Está frio de novo hoje, devo dizer.”

Lawrence olhou para a fruta que Holo jogara nele. Metade já tinha ido embora. Para ter comido metade da massa do fruto amargo em uma única mordida sem saber o que esperar — não era de admirar que ela tivesse um choque com o gosto. Embora fosse impressionante que ela não tivesse gritado, talvez porque ela foi incapaz de fazê-lo.

“Eu não me importo com um pouco de frio, mas ninguém na aldeia está acordado.”

“Certamente alguém está acordado... mas eu acho que lojas só abrirão mais tarde.”

Lawrence se levantou da cama e abriu a frágil janela, que parecia pouco útil contra uma brisa. Ele olhou para fora; não havia nada além de nuvens de neblina matinal na praça da aldeia.

Lawrence estava acostumado a ver mercadores disputando espaço nos mercados da cidade. O contraste parecia bastante solitário.

“Eu certamente prefiro um lugar mais animado,” disse Holo.

“Nisso eu não vou discordar.” Lawrence fechou a janela e olhou por cima do ombro para ver Holo se enterrando embaixo dos cobertores para voltar a dormir.

“Sabe, as pessoas dizem que os deuses nos fizeram para dormir apenas uma vez por dia.”

“Oh? Bem, eu sou uma loba,” disse Holo com um bocejo. “Não há nada a fazer se ninguém está acordado. Se for para ficar com frio e com fome, prefiro estar dormindo.”

“Bem, estamos aqui na estação errada. Mas mesmo assim, é estranho.”

“Oh?”

“Ah, não é nada com o que você precise se preocupar. Eu simplesmente não consigo entender as fontes de renda das pessoas daqui.”

Holo inicialmente havia tirado a cabeça das cobertas com interesse, mas com essas palavras ela imediatamente recuou para dentro delas.

Lawrence riu ligeiramente da atitude, e não tendo nada melhor para fazer, ele pensou no problema.

Embora fosse verdade que esta era uma estação parada para os agricultores, as aldeias prósperas o suficiente para cessar o trabalho inteiramente durante o inverno eram poucas e raras entre si.

E com base no que Lawrence ouviu na taverna, eles tinham que pagar impostos para a cidade de Enberch.

No entanto, os aldeões não pareciam estar envolvidos em qualquer trabalho.

A aldeia ainda estava muito quieta, como Holo havia dito.

Empregos paralelos para aldeias agrícolas como esta eram coisas como fiação e tecelagem de lã ou fazer cestas e sacos de palha. Esse trabalho não era lucrativo, a menos que o volume fosse alto, então as pessoas geralmente estavam ocupadas com o trabalho assim que o sol nascia. Se os impostos tinham que ser pagos, eles precisavam trabalhar muito mais.

O que era ainda mais estranho era o excelente ale e a comida na taverna na noite anterior.

Na verdade, a aldeia de Tereo parecia, de alguma forma, ter dinheiro.

Enquanto o faro de Holo para comida de qualidade era incomparável, o olfato de Lawrence estava em sintonia com o dinheiro.

Se ele pudesse aprender algo sobre o fluxo de moedas nesta vila, ele poderia fazer algum negócio por aqui, ele pensou consigo.

De qualquer forma, não havia outros mercadores aqui, o que por si só era uma situação que Lawrence gostava.

Ele não pôde deixar de sorrir para si mesmo. Aqui ele estava em uma jornada que não tinha nada a ver com negócios, mas mesmo assim sua mente continuava trabalhando.

Só então, do lado de fora da janela, veio o som de uma porta se abrindo.

O som se destacou claramente na manhã tranquila. Lawrence olhou através de uma fresta na janela. Era o próprio Evan.

Mas ele não estava entrando na igreja como antes — ele estava saindo.

De sua mão pendia um fardo de algum tipo, talvez uma refeição.

Como antes, Evan olhou em volta com cuidado e saiu da igreja. Depois que ele se afastou um pouco, se virou e acenou para Elsa.

Quando Lawrence olhou para Elsa, ele a viu sorrir e acenar de volta em resposta — ela não poderia estar mais diferente de quando lidara com Lawrence.

Lawrence se sentiu um pouco invejoso. Ele assistiu Evan recuar ao longe.

Entendo, ele pensou consigo mesmo, finalmente percebendo por que Evan estava zangado com a disputa entre a igreja que Elsa administrava e aquela em Enberch.

Mas Lawrence era um mercador; sua visão não era tão estreita a ponto de considerar o que ele havia visto como nada mais do que uma cena divertida.

O que seus olhos capturaram era nada menos que uma compreensão do que as pessoas deveriam ganhar.

“Eu sei para onde estamos indo hoje.”

“Hmm?” Holo tirou a cabeça debaixo dos cobertores, olhando para Lawrence com curiosidade.

“É a sua terra natal que estamos procurando e, no entanto, por que eu estou trabalhando tanto?”

Holo não respondeu imediatamente, em vez disso sacudiu as orelhas rapidamente enquanto espirrava e esfregava o nariz. “É porque eu sou muito importante, não?”

Lawrence só podia suspirar com a resposta desavergonhada dela.

“Mataria você me poupar dessa conversa de vez em quando?” “Você é um mercador.”

“Grandes lucros exigem grandes compras. Nada se ganha de compras pequenas.”

“Hmph. E quanto à sua pequena coragem, hein?” Foi um bom retorno; Lawrence não tinha resposta.

Lawrence fechou os olhos, com isso Holo riu e continuou. “É mais difícil para você se mover quando estou com você, não é? Esta é uma pequena aldeia, e os olhos nos seguem onde quer que a gente vá.”

Lawrence só conseguiu falar um “oh.”

“Se eu pudesse agir, eu faria — mas tudo o que eu faria seria ir até aquela garota insolente na igreja e arrancar sua garganta. Por favor, vá e encontre a localização da abadia. Posso parecer preguiçosa, mas não quero nada além de ir até lá e ouvir o que o monge tem a dizer.”

“Entendido,” disse Lawrence para acalmar as chamas das emoções de Holo, que queimavam como um feixe de palha.

Embora às vezes ela fosse completamente transparente com seus sentimentos, outras vezes ela escondia suas paixões sob um véu de apatia.

Ela era uma companheira problemática, mas, mesmo assim, suas palavras eram certeiras. Era porque ela era importante para Lawrence que ele fazia tudo isso.

“Estarei de volta ao meio-dia, o mais tardar,” disse Lawrence.

“Traga-me um presente,” veio a voz abafada de Holo debaixo dos cobertores. A única resposta de Lawrence foi seu habitual sorriso triste.

 

Ele desceu as escadas e cumprimentou o estalajadeiro pálido enquanto caminhava ao lado do balcão, depois se dirigiu para o estábulo, tirando um saco de trigo da carroça antes de ir para o lado de fora.

Mesmo sem trabalho agrícola, as pessoas começaram a acordar quando o sol já estava alto. Aqui e ali, aldeões cuidavam de suas hortas ou cuidavam de seus porcos ou galinhas.

Enquanto ontem ele tinha sido recebido apenas com desconfiança, algumas pessoas agora olhavam para Lawrence com sorrisos. A noite de folia pareceu surtir algum efeito.

Alguns não conseguiram sorrir, devido à ressaca.

Mas, de qualquer forma, parecia que ele havia sido mais ou menos aceito como viajante, o que era um alívio.

Um maior reconhecimento tornava mais difícil se mover.

A impressão de Holo estava correta. Enquanto Lawrence ficava impressionado com o seu entendimento, ele também sentia uma pontada de ciúmes.

Seu destino, enquanto refletia sobre tais pensamentos, era naturalmente o moinho de água de Evan, onde planejava perguntar sobre Elsa.

Lawrence não era Holo. Como tal, ele não tinha intenção de tentar descobrir a natureza do relacionamento de Evan e Elsa.

Mas, para conquistar Elsa, solitária e reclusa, seria mais rápido Lawrence falar com Evan, que parecia ter uma melhor compreensão de suas circunstâncias.

Enquanto percorria o caminho pelo qual havia conduzido sua carroça no dia anterior, Lawrence acenou com a cabeça para um homem que estava arrancando ervas daninhas de um campo do lado de fora da vila.

Lawrence não tinha nenhuma lembrança do homem, mas aparentemente ele esteve no bar ontem à noite pois ele sorriu e retornou a saudação.

“A pé, né? Para onde você está indo?” O homem perguntou. Era uma pergunta razoável.

“Eu estava pensando em moer o trigo.”

“Oh, o moinho, eh? Cuidado para não ser enganado!” Provavelmente era uma piada comum quando se ia moer o trigo.

Lawrence sorriu em resposta e continuou para o moinho.

Um mercador dificilmente era de confiança, exceto para outro mercador. No entanto, havia ocupações que estavam em uma situação ainda pior.

Embora o próprio Lawrence não tivesse dúvidas sobre o Deus da Igreja, que afirmava que todos os ofícios e ocupações eram iguais, lembrou-se de que o povo de Tereo não tinha nenhum amor pelos servos daquele Deus.

O mundo simplesmente não era como se desejava. Estava cheio de dificuldades.

Com a colheita terminada, os campos de trigo pelos quais ele passava enquanto percorria o caminho entre a colina e o riacho estavam bastante desolados, mas logo a casa do moinho apareceu.

Evan pareceu ouvir os passos do mercador quando se aproximou e abriu a cabeça para fora da entrada. “Ah, mestre Lawrence!”

Ele parecia alegre como sempre, embora ser chamado de “mestre”

depois de ter conhecido o rapaz apenas um dia antes, irritou Lawrence.

Lawrence levantou o saco de trigo e falou. “Você tem um pilão livre no momento?”

“Eh? Eu tenho, mas… você já está indo embora?” Lawrence entregou o saco para Evan, balançando a cabeça.

Era razoável supor que, se um viajante estava moendo trigo, ele estava se preparando para sair.

“Não, eu vou ficar em Tereo por um tempo ainda,” disse Lawrence.

“Ah, que bom! Apenas espere um momento, então. Vou moer isso em uma farinha extremamente leve, você vai ver.”

Ocorreu a Lawrence que Evan poderia estar tentando acalmá-lo para ganhar uma chance de deixar a vila. Evan pareceu dar um pequeno suspiro de alívio quando voltou para o moinho.

Lawrence o seguiu e ficou imediatamente surpreso.

Apesar de seu exterior sombrio, o interior do moinho era limpo e bem mantido com três grandes pedras de moer.

“Que belo moinho,” disse Lawrence.

“Não é? Pode não parecer muito do lado de fora, mas trituro todo o trigo de Tereo,” disse Evan orgulhosamente enquanto conectava o eixo que girava a roda do pilão com o poço que vinha da roda d'água.

Ele então estendeu uma vara pela janela, desfazendo a corda que impedia a roda d'água de girar.

Imediatamente a roda ganhou vida, movendo a pedra com um som profundo e estrondoso.

Verificando que tudo estava se movendo como deveria, Evan jogou o trigo de Lawrence em um buraco no topo do pilão.

Agora tudo o que tinham que fazer era esperar a farinha acumular na placa embaixo da pedra.

“Eu não vejo trigo faz um tempo. Nós vamos pesar mais tarde, mas meu palpite é que a taxa será talvez de três ryut,” disse Evan.

“Isso é muito barato.”

“Barato? E aqui eu estava preocupado que você achasse muito caro.”

Em lugares com altos impostos, Lawrence não ficaria surpreso se o valor de Evan fosse triplicado.

Mas talvez três ryuts parecessem altos para alguém não familiarizado com o mercado.

“Os aldeões são muito tensos quando se trata de moagem. Mas se eu não coletar na íntegra, sou eu que vou ter que suportar a ira do ancião.”

Lawrence riu. “Isso é verdade em qualquer lugar.” “Você também já foi moleiro alguma vez?”

“Não, mas uma vez trabalhei como cobrador de impostos. Era pelo imposto do açougueiro na carne. Coisas como quanto de imposto eles deviam por abater um porco, entende.”

“Huh, então é assim que é feito, hein?”

“Limpar carne e ossos contamina o rio e cria muito lixo, por isso é tributado para pagar a limpeza — mas é claro que ninguém quer pagar.”

Os direitos de tributação foram leiloados para o maior lance pelos funcionários da cidade. A oferta ia diretamente para os cofres da cidade, e o vencedor poderia então cobrar os impostos à vontade. Quanto mais impostos se arrecada, maior o lucro — mas se o cobrador de impostos não for bem-sucedido, ele se arrisca a uma grande perda.

Lawrence fizera isso duas vezes quando estava começando como mercador.

O esforço que a coleta acarretava e o dinheiro que produzia eram totalmente desproporcionais, ele descobriu.

“No final, eu teria que chorar e implorar para que as pessoas pagassem. Foi horrível,” disse ele.

Evan riu. “Eu entendo perfeitamente!”

Lawrence sabia que essa história de dificuldades compartilhadas avançaria um bocado na conquista da confiança de Evan.

Agora, ele pensou consigo mesmo enquanto ria com Evan.

“Por acaso, você disse que todo o grão de Tereo é moído aqui?”

“Sim, é verdade. Houve uma grande colheita este ano, então não é minha culpa que demorei tanto tempo para moer, mas eles reclamam comigo constantemente!”

Lawrence não pôde deixar de imaginar Evan ficando acordado a noite toda, cuidando do pilão.

Mas Evan riu da lembrança, aparentemente feliz, depois continuou. “Então, você mudou de ideia desde ontem? Está planejando fazer negócios de trigo em Tereo?”

“Hm? Bem, dependendo das circunstâncias...”

“Eu aconselho você a desistir,” disse Evan categoricamente.

“Os mercadores são particularmente ruins em desistir.”

“Ha, falou como um verdadeiro mercador! Mas você só precisa ir até o ancião para entender. Foi decidido que a aldeia deve vender todo o seu grão para Enberch.” Enquanto falava, Evan verificava o progresso do pilão, cuidadosamente escovando a farinha no prato de pedra com uma escova de pelo de javali.

“Ah, então Tereo é parte do feudo de Enberch?” Se isso for verdade, isso tornaria ainda mais difícil explicar a vida preguiçosa dos aldeões.

Sem surpresa, Evan olhou para cima e falou com orgulho. “Somos iguais a eles. Eles compram nosso trigo; nós compramos outras coisas deles. Além disso, quando compramos vinho ou roupas da Enberch, não pagamos impostos. Impressionante, não é?”

Quando passou por Enberch, Lawrence viu que era uma cidade de relativamente grande.

O termo pobre poderia ser muito duro para Tereo, mas a vila certamente não parecia capaz de confrontar Enberch.

Era impressionante, então, que uma vila tão pequena conduzisse o comércio com termos tão favoráveis.

“O que eu ouvi na taverna era que Enberch cobrava impostos pesados sobre a Tereo.”

Evan riu. “Isso é história antiga. Quer saber por quê?” Ele cruzou os braços como uma criança arrogante. Era mais engraçado do que irritante.

“Eu adoraria,” disse Lawrence, abrindo as palmas das mãos em convite.

Evan de repente desdobrou os braços e abaixou a cabeça. “Uh, desculpe. Eu também não sei,” ele disse timidamente. “M-mas mesmo assim—” ele se apressou a acrescentar. “Eu sei quem foi responsável por fazer as coisas dessa maneira!”

Naquele instante, Lawrence sentiu algo que não sentia há muito tempo — o prazer de estar um passo à frente do outro. “Padre Franz, não foi?”

“Ah! Er — como você sabia?”

“Chame isso de intuição do mercador.”

Holo sem dúvida teria sorrido desagradavelmente para ele se ela estivesse lá, mas às vezes Lawrence queria se divertir um pouco. Desde que conheceu Holo, ele sempre foi o destinatário de sua provocação. Fazia algum tempo desde que ele teve a oportunidade de ser o distribuidor.

“I-incrível. Você é um homem a ser levado em conta, senhor Lawrence.”

“Lisonja não vai te levar a lugar nenhum. Meu trigo está pronto?” “Oh, er — sim. Um momento.”

Lawrence sorriu levemente com a pressa de Evan, depois suspirou para si mesmo.

Pode ser perigoso ficar em Tereo por muito tempo.

Ele tinha visto de vez em quando lugares como esta vila e a vizinha Enberch.

“Ah sim. De fato, serão três ryuut. Mas, como não tem ninguém aqui, se você guardar segredo, você não precisa...”

“Não, eu vou pagar. Um moleiro tem que ser honesto, não acha?”

Evan segurava um recipiente de medição com a farinha de trigo recém moída. Ele sorriu impotente e aceitou as três moedas de prata enegrecidas que Lawrence ofereceu. “Certifique-se de peneirar bem antes de fazer pão com ela,” disse ele.

“Eu irei. Aliás —,” começou Lawrence. Evan já havia começado a cuidar do pilão agora que seu trabalho estava terminado. “Os serviços da igreja aqui sempre começam tão cedo?”

Lawrence esperava surpresa de Evan, mas o garoto estava apenas curioso quando se virou. “Hm?” Ele então pareceu entender a implicação por trás da pergunta e sorriu. “Não, dificilmente. Não é ruim no verão, mas tenho certeza que você concordará que está muito frio para dormir no moinho no inverno. Eu durmo na igreja.”

Lawrence já esperava isso, então foi fácil para ele figir um natural “Ah, entendo.” Ele continuou. “Mesmo assim, você parece ser bem próximo da senhorita Elsa.”

“Hm? Ah, bem, ha-ha-ha...”

Se você misturar orgulho, felicidade e constrangimento, adicionar um pouco de água e amassar até ficar macio, você vai ter algo como a expressão de Evan naquele momento.

Tal receita certamente cresceria bem quando assada no fogo do ciúme.

“Quando visitamos a igreja ontem para pedir instruções, fomos tratados com certo desdém. Ela simplesmente não escutava nada do que eu dizia. Ainda esta manhã, ela parecia tão gentil como a Santa Madre. É uma surpresa.”

Evan riu nervosamente. “Bem, Elsa é bastante mal-humorada para alguém tão tímida quanto ela. Sua timidez a faz ela parecer um rato selvagem quando conhece alguém. Se ela realmente quiser seguir os passos do padre Franz, terá que parar.” Ele desligou a roda d'água do pilão e habilmente recolocou o cordame na roda d'água.

Seus movimentos suaves e competentes combinados com as palavras que falou fizeram Evan parecer mais velho do que realmente era.

“Mas ainda assim,” ele continuou, “já faz algum tempo desde que ela esteve tão animada. Eu suponho que você chegou na hora errada. Na noite de ontem, ela estava muito feliz. Ainda assim... é estranho. Por que ela não mencionou que você tinha visitado? Aquela garota geralmente me diz até quantos espirros ela teve naquele dia.”

Enquanto Lawrence sabia que Evan estava apenas conversando, ele realmente não tinha interesse no assunto. Mas se quisesse se aproximar de Elsa, ele precisava de Evan.

“Certamente é porque no final, eu também sou um homem,” disse ele.

Evan ficou em silêncio por um momento, depois desatou a rir.

Finalmente ele falou: “Então ela estava preocupada que eu teria a ideia errada! Aquela garota boba!”

Lawrence olhou para Evan e percebeu que ele tinha muito a aprender com o rapaz, apesar de sua idade mais jovem.

Problemas desse tipo eram até mais complicados do que negócios.

“Mas o que a deixaria tão alegre depois de ficar tão irritada?” O rosto de Evan ficou sombrio. “Por que você pergunta?”

“O humor da minha própria companheira muda com mais frequência do que o clima da montanha,” disse Lawrence com um encolher de ombros.

Evan fez uma pausa, se lembrando de Holo. Ele finalmente pareceu aceitar a declaração de Lawrence.

Ele deu um sorriso simpático. “Deve ser bastante difícil.”

“Certamente é.”

“Infelizmente eu não sei o quanto posso explicar. É simplesmente que, no caso de Elsa, um problema persistente terminou.”

“O que significa?”

“Bem,” Evan começou, mas depois se cortou. “Me disseram para não falar sobre isso com pessoas de fora da vila. Se você realmente precisa saber, talvez possa perguntar ao ancião...”

“Ah, não, se você não pode falar sobre isso, tudo bem.”

Lawrence se retirou com facilidade, mas é claro que havia uma razão para isso também.

Ele já havia reunido informações mais do que suficiente.

Mas Evan agora parecia preocupado por ter de alguma forma prejudicado Lawrence. Seu rosto ficou repentinamente apreensivo. Ele procurou algo para dizer. “Ah, mas — posso dizer que se você for agora, ela provavelmente vai falar com você. Ela realmente não é uma pessoa má!”

Dado que até o ancião da aldeia fingiu ignorar a abadia, Lawrence duvidava que o problema fosse tão simples. Mas seria uma boa oportunidade para ir falar com Elsa mais uma vez.

De qualquer forma, ele agora tinha um plano.

Supondo que suas previsões estivessem corretas, ele funcionaria.

“Bem, então,” disse ele. “Suponho que eu vá falar com ela novamente.”

“Acho que você deveria.”

Decidindo que não havia mais nada a ser ganho aqui, Lawrence disse, “Bom, estou indo agora,” e se virou para sair.

“U-um, senhor Lawrence!” Evan falou apressadamente.

“Hm?”

“É... é difícil ser um mercador viajante?”

No fundo dos olhos inquietos de Evan havia uma determinação.

Lawrence não conseguia zombar do garoto. “Não há emprego no mundo que não seja difícil. Mas… sim, está sendo uma boa vida.”

Lawrence admitiu para si mesmo que era bom de uma maneira completamente diferente desde que conhecera Holo.

“Entendo... eu acho que você está certo. Bem, obrigado!”

Embora ser um moleiro exigisse honestidade, havia uma diferença entre a honestidade e a falta de arte.

Se Evan se tornasse um mercador, provavelmente seria bastante popular, mas, na verdade, obter lucro exigiria muito trabalho, Lawrence sabia.

Naturalmente ele não disse nada disso, simplesmente levantando o saco de couro de farinha moída como agradecimento ao sair do moinho.

Ele subiu o caminho que corria pelo riacho, imerso em pensamentos.

Evan alegou que Elsa lhe contava até o número de espirros que ela deu em um dia. A declaração deixara uma impressão estranhamente profunda em Lawrence.

Ele podia imaginar Holo relatando o número de suspiros que ela respirava em um dia para transmitir suas inúmeras dificuldades e ressentimentos.

Qual era a diferença?

Então, novamente, uma calma e adorável Holo seria muito estranho. Como ela mesma não estava presente, Lawrence não pôde deixar de rir da ideia.

 

Ao voltar para a praça da aldeia, Lawrence viu algumas barracas abertas — não o suficiente para ser propriamente chamado de mercado, mas havia mais do que alguns aldeões reunidos.

No entanto, parecia que a reunião era menos sobre a compra de coisas e mais sobre fazer conversa fiada. Não havia a atmosfera tensa que vinha das pessoas se esforçando para comprar o mais barato possível e vendendo tão caro quanto podiam.

Segundo Evan, Enberch comprava todo o trigo de Tereo a um preço fixo, e o povo de Tereo podia comprar os produtos de Enberch sem impostos.

Era difícil acreditar, mas se isso fosse verdade, explicaria as vidas vagarosas que os cidadãos de Tereo pareciam levar.

As aldeias eram muitas vezes subordinadas a cidades vizinhas, os próprios aldeões ficavam presos pela necessidade de trabalhar todos os dias simplesmente para comprar vinho, comida, roupas e o gado necessário para a vida cotidiana, mas que eles eram incapazes de produzir.

Tal vila venderia suas colheitas a uma cidade e usaria o dinheiro para comprar o que os aldeões precisassem.

Mas, para comprar os vários bens trazidos para a cidade, precisavam de moedas. A única maneira de levantar dinheiro era vender o trigo para os mercadores da cidade, convertendo-o em dinheiro e depois usar os fundos para comprar bens desses mesmos mercadores.

A questão era que, enquanto os aldeões precisavam de dinheiro, os mercadores da cidade não necessariamente precisavam do trigo da aldeia.

O desequilíbrio de poder significava que a cidade poderia forçar os aldeões a vender mais barato e, em seguida, aumentar os preços de seus próprios bens com coisas como tarifas.

Quanto mais terrível a situação financeira de uma aldeia, mais facilmente uma cidade poderia tirar vantagem disso.

Eventualmente, os aldeões seriam forçados a pedir dinheiro emprestado, e sem esperança de pagar, eles se tornariam escravos, forçados a enviar todos os seus produtos para a cidade.

Para um mercador viajante como Lawrence, essas cidades escravas representavam excelentes oportunidades. A moeda exercia um poder terrível em tais lugares, e todos os tipos de mercadorias podiam ser compradas por preços absurdamente baixos.

Mas, naturalmente, uma vez que uma aldeia tivesse garantido uma fonte de renda, seria capaz de resistir novamente à influência da cidade, colocando a cidade em uma posição ruim. Nesse ponto, os argumentos se tornariam constantes, se repetindo indefinidamente sobre esse ou aquele privilégio — mesmo assim, Tereo parecia estar livre de qualquer conflito.

Embora ele não soubesse como Tereo evitava tal situação, Lawrence tinha uma noção dos problemas e riscos que enfrentava como resultado.

Depois de comprar alguns figos secos em uma barraca com um mestre que parecia pensar que ter a loja aberta era o suficiente, Lawrence voltou para a pousada.

Quando chegou lá, Holo estava dormindo na cama, totalmente livre das preocupações do mundo. Lawrence riu silenciosamente.

Ela abriu os olhos enquanto Lawrence se aproximava. Uma vez que seu rosto finalmente saiu de debaixo dos cobertores, a primeira palavra que saiu de sua boca foi “comida.”

Como não tinha certeza de quanto tempo levariam para ir tão longe, Lawrence tinha sido extremamente econômico com suas provisões enquanto viajavam. Ele decidiu que deveriam terminar o que já tinham.

“Tinha tudo isso de queijo sobrando? Eu só me contive porque você disse que não duraria,” disse Holo.

“Quem disse que você pode comer tudo isso? Metade disso é meu.”

Assim que ele pegou o queijo e cortou ao meio com uma faca, Holo olhou para ele, seu rancor era óbvio. “Você não teve um bom lucro na última cidade?”

“Eu não expliquei a você que já usamos tudo?”

Na verdade, ele pagou suas obrigações restantes de uma vez em Kumersun e em uma cidade vizinha.

Ele fez isso parcialmente como uma precaução para o caso de sua busca por Yoitsu levar muito tempo — o que poderia levá-lo a perder o prazo de pagamento — e também porque carregar muito dinheiro era simplesmente imprudente.

Ainda sobrou algum dinheiro depois disso, o que ele deixou com uma empresa comercial. O poder de uma empresa estava em suas reservas de caixa. Claro, Lawrence estava ganhando juros nesse negócio, mas Holo não precisava saber disso.

“Você só precisa me dizer uma vez — eu entendo isso. O que quero dizer é que você ganhou dinheiro, mas eu não recebi nada.”

Doeu em Lawrence ouvir isso.

O negócio em Kumersun ficou fora de controle por causa do mal- entendido de Lawrence, mas Holo não recebeu nada por seu trabalho.

No entanto, se ele mostrasse fraqueza agora, o aperto do lobo só iria apertar.

“Como você pode dizer algo tão sem vergonha depois de comer e beber tanto?”

“Nesse caso, faremos uma comparação cuidadosa da quantidade de dinheiro que você ganhou e do quanto eu gastei?”

Atingiu onde doía, Lawrence desviou o olhar.

“Você fez uma boa quantia com as pedras que eu comprei daquela mulher-pássaro. Para não mencionar—”

“Certo, certo!”

Com seus ouvidos capazes de discernir qualquer mentira, Holo era pior do que qualquer coletor de impostos.

Se Lawrence se esforçasse mais, só aprofundaria a ferida.

Ele desistiu, empurrando todo o queijo para Holo. Ela riu. “Oh, obrigado.”

“De nada.”

Certamente, era raro agradecer e ainda permanecer tão aborrecido quanto Lawrence.

“Ah, como estão indo as suas investigações?” perguntou Holo.

“Mais ou menos.”

“Mais ou menos? Então você encontrou metade das instruções que precisamos?”

Lawrence sorriu. O que ele disse poderia ser interpretado dessa maneira, tinha que admitir. Ele pensou por um momento e depois respondeu: “Se eu tivesse ido à igreja, eu poderia ter sido ignorado como ontem. Então fui ver Evan no moinho.”

“Ah, indo atrás da pessoa cujo relacionamento com a garota não é simples. É mais sensato do que eu esperava de você.”

“...É.” Lawrence pigarreou e chegou ao ponto. “Você desistiria de ir para a abadia?”

Holo congelou. “...E o motivo seria?”

“Há algo estranho nesta aldeia. Parece perigoso para mim.”

Holo estava sem expressão. Ela mastigou um pedaço de pão de centeio no qual havia espalhado um pouco de queijo. “Então você não está disposto a se arriscar ao perigo para procurar a minha terra natal?”

Então é assim que vai ser,  Lawrence pensou, cerrando o queixo.

“Isso não é — espere, você está fazendo isso de propósito.”

“Hmph.” Holo mastigou o pedaço de pão rapidamente, engolindo-o em um piscar de olhos.

Era difícil saber quantas palavras ela havia engolido junto com o pão, mas seu rosto deixava seu descontentamento claro o suficiente.

Lawrence essencialmente entendeu seu desejo de chegar à abadia e fazer suas perguntas o mais rápido que pudesse, mas talvez esses desejos fossem mais fortes do que ele imaginava.

Mas a pouca informação que tinha reunido na vila, juntamente com a experiência que ele tinha acumulado como um mercador que tinha visto muitas outras cidades e vilas, levou-o a acreditar que seria perigoso continuar procurando a localização da abadia, enquanto estivesse em Tereo.

Até porque —

“Se eu estiver certo, acho que a abadia que estamos procurando é a igreja de Tereo.”

Não houve mudança na expressão de Holo, a não ser pelos tufos de suas orelhas ficarem de pé.

“Vou falar o meu raciocínio ponto por ponto. Você está pronta?” Holo tocou um tufo da orelha e assentiu levemente.

“Primeiro, Elsa obviamente sabe onde a abadia está, mas finge ignorância. Se ela está escondendo essa informação, isso significa que, por qualquer motivo, ela não pode falar sobre assuntos da Igreja. Além disso, quando fui até a casa do ancião ontem fazendo a mesma pergunta, ele também pareceu saber — e também fingiu que não.”

Holo fechou os olhos e assentiu.

“Em seguida, de todos os edifícios da aldeia, apenas a casa do ancião é maior que a igreja. No entanto, se você lembrar das conversas na taverna de ontem, verá que a Igreja não tem muito respeito aqui. Os aldeões adoram o espírito de cobra local que os protegeu por eras — não o Deus da Igreja.”

“Mesmo assim,” disse Holo, “eles não falaram do padre Franz como alguém que fez bem para a vila?”

“Sim. O ancião disse a mesma coisa. Então fica claro que o padre Franz fez algo para beneficiar a vila — mas não foi salvá-los pregando a palavra de Deus, o que significa que ele fez algo que os beneficiou materialmente. E descobri o que foi há pouco tempo, conversando com Evan.”

Holo estava cutucando um pedaço de pão com o dedo. Ela inclinou a cabeça.

“Essencialmente, ele criou um contrato entre Tereo e Enberch que é desproporcionalmente favorável para a Tereo. É por isso que todos na aldeia podem ficar tão ociosos agora que a colheita do trigo acabou. Eles não têm preocupações financeiras. E não foi outro senão o padre Franz que fez de suas vidas o que elas são negociando um contrato incrivelmente favorável com Enberch.”

“Mm.”

“Então a disputa entre Tereo e a Igreja em Enberch, que Evan mencionou quando estávamos entrando pela primeira vez na cidade, deve ser sobre isso. Geralmente, as disputas internas da Igreja acontecem sobre quem assumirá os cargos vagos do sacerdócio ou dos bispos, problemas com a doação de terras ou discussões sobre a doutrina religiosa. A princípio, presumi que o problema estava em Elsa — por ser tão jovem e uma mulher — encarregar-se da igreja. Mas mesmo que seja essa a razão, a verdadeira causa é outra coisa.”

Elsa desejava, acima de tudo, herdar a posição do padre Franz. Um homem em roupas de viagem aparecera na casa do ancião, enquanto Lawrence estava visitando, e Evan disse que os problemas de Elsa tinham sido resolvidos no dia anterior.

Baseado no mapa das relações que Lawrence conhecia muito bem, ele chegou a entender a situação rapidamente.

“Enberch iria querer destruir a relação que existe atualmente entre ela e Tereo. Não sei como ou quando o padre Franz conseguiu executar o contrato, mas tenho certeza de que Enberch o quer tão morto quanto o padre Franz está agora. O caminho mais rápido seria pela força das armas, mas infelizmente Tereo também tem uma igreja. Podemos supor que a razão pela qual Enberch não recorreu à força há

muito tempo é porque a igreja de Tereo tem adeptos. Então o que fazer? Eles precisam que a igreja da aldeia desapareça.”

O mensageiro que chegara à casa do presbítero no dia anterior poderia ter trazido um documento de alguma igreja distante que reconhecesse Elsa como a sucessora do padre Franz ou uma carta de algum nobre com apoio promissor.

De qualquer forma, ficou claro que algo havia garantido a posição de Elsa.

“Os aldeões daqui não escondem que adoram um espírito pagão. Se fosse para ser reconhecido como uma aldeia pagã propriamente dita, Enberch teria a desculpa de que precisa para atacar.”

“Se fosse tão simples como saber como chegar à abadia, não haveria necessidade de mentir sobre isso,” disse Holo. “Mas se a abadia está na aldeia, eles devem escondê-la.”

Lawrence assentiu e fez sua sugestão novamente. “Então não podemos abandonar isso? Dada a situação, a existência da abadia seria uma desculpa perfeita para Enberch atacar, o que significa que o povo de Tereo continuará a escondê-la de nós. E se, como suspeito, a abadia for a igreja, então o monge que procuramos é o Padre Franz. Seu conhecimento dos antigos contos pagãos pode ter sido enterrado com ele. Não faz sentido provocar problemas quando não há nada a ganhar com isso.”

Além disso, Lawrence e Holo não tinham como provar que não estavam ligados a Enberch.

A maioria dos teólogos não estava disposta a aceitar a declaração “Eu não sou um demônio” como prova de que um deles não era, de fato, um demônio.

“Além disso, isso envolve espíritos pagãos. Se isso der errado, poderíamos ser rotulados como hereges e estaríamos com sérios problemas.”

Holo suspirou, coçando a base de suas orelhas. Parecia que ela estava tendo dificuldade em alcançar o lugar que coçava.

Ela pareceu entender que a situação que enfrentavam era grave, mas não estava disposta a desistir tão facilmente.

Lawrence limpou a garganta e tentou novamente. “Eu entendo que você quer coletar informações sobre sua terra natal, mas acho que há um perigo aqui que devemos evitar. No que diz respeito à localização de Yoitsu, as informações que coletamos em Kumersun devem ser mais do que suficientes. E não é como se você tivesse perdido sua memória. Nós não teremos que ir muito longe para...”

“Escute, você —” Holo o interrompeu de repente, então fechou a boca como se tivesse esquecido o que dizer.

“Holo, me ouça.”

Ouvindo Lawrence chamar seu nome, o lábio de Holo se torceu ligeiramente.

“Então, para que eu não entenda errado, quero que você me conte claramente o que você espera aprender com esses contos pagãos?”

Holo desviou o olhar.

Lawrence não queria que suas perguntas soassem como um interrogatório, então modulou cuidadosamente seu tom enquanto falava. “Você quer saber mais sobre o espírito do urso que... er, destruiu sua terra natal?”

Ainda olhando de soslaio, Holo não respondeu.

“Ou é... algo a ver com seus amigos?”

Essas eram as únicas possibilidades que Lawrence conseguia pensar.

Para Holo ser tão teimosa, tinha que ser uma dessas duas coisas. Talvez fosse as duas.

“E se for, o que você faria?” os olhos de Holo estavam penetrantes e frios.

Eles não eram os olhos da orgulhosa loba perseguindo sua presa.

Eles eram os olhos de um animal encurralado que atacaria todos os que ousassem se aproximar.

Lawrence escolheu suas palavras com cuidado. Elas vieram com uma velocidade surpreendente.

“Dependendo das circunstâncias, existem alguns riscos que vou correr.”

Em outras palavras, o ganho potencial teria que equilibrar o risco.

Se Holo realmente precisava de informações sobre o odiado espírito do urso que destruiu sua terra natal ou sobre o destino de seus velhos amigos, Lawrence estaria disposto a ajudar.

Apesar de sua aparência jovem, Holo não era criança, e Lawrence esperava poder avaliar suas próprias emoções e tomar decisões lógicas. Se ela o fizesse e ainda pedisse a ajuda de Lawrence, ele estava preparado para respeitar sua decisão e assumir os riscos que ela pedia.

De repente, Holo relaxou os ombros tensos e descruzou as pernas. “Tudo bem, então.” Ela continuou. “Está bem. Você não precisa se preparar para um surto da minha parte.”

Claro, Lawrence sabia que não devia aceitar as palavras de Holo pelo seu valor aparente.

“Ouça — eu gostaria de dar um tapa na cara da garota insolente e fazê-la me contar tudo, dado o que você disse. Além disso, eu simplesmente gostaria de saber tudo o que eu puder sobre Yoitsu. Você também não gostaria de ouvir falar de sua terra natal?”

Lawrence assentiu concordando. Holo retornou seu aceno, parecendo satisfeita.

“No entanto, acho que a ideia de você arriscar ao perigo por minha causa é um pouco preocupante. Nós temos uma noção justa de onde Yoitsu fica, não é?”

“Ah sim.”

“Então, não precisamos nos arriscar por isso.”

Apesar da declaração de Holo, Lawrence permaneceu desconfortável.

Enquanto tinha sido ele quem sugeriu abandonar as investigações, ele estava disposto a apoiar sua decisão.

Ouvi-la concordar tão prontamente, ele se perguntou se ela estava mentindo.

Ele não disse nada enquanto pensava sobre isso. Holo se sentou na beira da cama, colocando os pés no chão.

“Por que você acha que eu não falo da minha cidade natal para você?” ela perguntou.

Lawrence não pôde deixar de demonstrar surpresa com a pergunta.

Holo sorriu fracamente, embora não parecesse que ela estivesse zombando dele. “De vez em quando eu me lembro de coisas sobre minha cidade natal, coisas que eu gostaria de me gabar. Memórias eu gostaria de te contar. Mas eu não conto porque você é sempre tão atencioso — como você está sendo agora. Eu sei que reclamar de você ser muito gentil é o auge do egoísmo. Mas é um pouco difícil para mim.” Enquanto falava, ela arrancou pelo de sua cauda. “Honestamente, se você fosse simplesmente um homem mais perspicaz, eu não teria que dizer coisas tão embaraçosas.”

“Me... me desculpe.”

Holo riu. “Ainda assim, ser um pouco afetuoso é um dos seus raros pontos positivos... É um pouco assustador para mim.”

Ela se levantou da cama, dando as costas para Lawrence.

Sua cauda, grossa como uma pele de inverno, balançou para frente e para trás em silêncio. Ela se abraçou, abraçou os ombros e depois olhou para Lawrence. “Aqui estou, sozinha e indefesa, mas você não pula para me devorar. Sinceramente, você é um macho assustador.”

Lawrence deu de ombros sob o olhar de Holo, o que parecia desafiá-lo. “É preciso ter cuidado. Algumas frutas são mais azedas do que parecem.”

Os braços de Holo caíram para os lados, e ela se virou para encarar Lawrence, sorrindo. “Ah, é verdade, elas podem ser insuportavelmente azedas. Mas,” ela disse, lentamente se aproximando dele, seu sorriso inabalável, “você está dizendo que eu não sou doce?”

O que seria doce em alguém que faz coisas assim? Lawrence pensou consigo mesmo. Ele assentiu imediatamente, como se dissesse: “Sim, é exatamente o que estou dizendo.”

“Oh, ho, você tem audácia.” Holo sorriu.

“Algumas coisas precisam ser amargas para serem saborosas — cerveja, por exemplo,” acrescentou Lawrence rapidamente.

Os olhos de Holo se arregalaram em aparente surpresa antes que ela rapidamente os fechasse, como se tivesse deslizado e cometido um erro. Sua cauda balançou quando ela disse: “Hmph. As crianças não devem beber bebidas alcoólicas.”

“Oh, na verdade, não podemos deixar que eles fiquem de ressaca.”

Holo amuou intencionalmente e bateu com o punho no peito de Lawrence.

Deixando a mão lá, ela baixou o olhar.

Parecia que de alguma forma eles estavam em algum tipo de brincadeira tola.

Lawrence pegou a mão dela gentilmente. “Você realmente vai desistir disso?” ele perguntou lentamente.

Qualquer um com uma mente tão esperta quanto a de Holo já teria separado rapidamente o que era razoável do que não era.

Mas assim como os espíritos não podiam ser compreendidos apenas pela razão, as emoções não eram facilmente controladas.

Passaram-se vários momentos antes de Holo responder.

“Me perguntando dessa maneira... não é justo,” ela disse baixinho, segurando a camisa de Lawrence. “Se eu puder aprender alguma coisa sobre Yoitsu, meus amigos ou aquele terrível espírito de urso, então eu quero saber. O que aprendemos com a mulher-pássaro em Kumersun está longe de ser suficiente. Era como sentir sede ainda tendo apenas algumas gotas de água saciar,” Holo murmurou fracamente.

Sendo muito cuidadoso agora que ele tinha entendido a verdadeira natureza dessa conversa, Lawrence respondeu: “O que você quer fazer?”

Holo acenou com a cabeça uma vez. “Posso... pedir isso a você?”

Suas palavras deram a sensação de que, se ele fosse abraçá-la, seu corpo seria suave e flexível.

Lawrence respirou fundo e respondeu: “Deixe comigo.”

Holo ainda estava olhando para baixo. Sua cauda abanou uma única vez.

Embora ele não tivesse certeza do quanto de seu estado atual era genuíno, ainda era o suficiente para fazê-lo pensar que o risco valeria o ganho potencial. Ele não pôde deixar de se perguntar se estava bêbado.

De repente, Holo olhou para cima e revelou um sorriso destemido. “Na verdade, eu tenho uma ideia.”

“Oh? Diga.”

“Bem, sobre isso...”

Holo expôs seu plano; era simples e claro. Lawrence suspirou suavemente. “Você está falando sério?”

“Não vamos chegar a nenhum lugar sendo cautelosos. E agora a pouco não perguntei se poderia pedir isso a você? Não perguntei se você se arriscaria por mim?”

“Mesmo —”

Holo sorriu, mostrando suas presas ligeiramente. “‘Deixe comigo’, você disse. Isso me fez muito feliz.”

Os contratos escritos eram compostos com descrições detalhadas, de modo que não havia espaço para interpretação.

Mas os contratos verbais eram perigosos porque não só poderia haver discussões sobre o que havia sido ou não dito, mas também era difícil dizer se alguém deixara espaço para interpretação.

Sem mencionar que o oponente de Lawrence aqui era uma centenária e autoproclamada sábia loba.

Ele tinha baixado a guarda o tempo todo acreditando que tinha a iniciativa.

“Eu tenho que tomar suas rédeas de vez em quando, afinal,” disse Holo, alegremente.

Ele só tinha respondido tão galantemente porque parecia que ela estava dependendo dele.

Lawrence se sentiu patético por ter sonhado que tal situação existia.

“Claro, se não der certo, vou deixar as coisas com você. Então...” ela disse, pegando a mão dele com suavidade. “Agora eu só quero pegar sua mão.”

Lawrence cedeu.

Ele não poderia ter afastado a mão dela mesmo que quisesse.

“Então está certo! Vamos comer e avançar!”

A resposta de Lawrence foi breve, mas bastante clara.



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