Trauma Longínquo
Capítulo 85: O Que Significa Tudo Isso?
[Jack Hartseer]
Aquele mesmo som de antes, como uma encanação obstruída onde a água escorre pingando em um piso gelado.
Me virei em direção de Zakio esperando o pior.
Com sua mão direita erguida a face dele estava rígida enquanto seus dentes se pressionavam em agonia, o sangue escorrendo de onde deveria estar o seu dedo anelar pingava no chão.
— Z-Zakio. — Me alarmei imediatamente dando um passo em sua direção, porém...
Click!
Outro barulho familiar tomou minha atenção.
Semelhante a um interruptor sendo ativado esse som veio acompanhado de uma linda luz azulada do painel flutuante surgindo diante dos nossos rostos.
[Sacrifícios foram feitos para a deusa Afradia no ponto chave da Dungeon!]
[Provação concluída.]
“Provação, sacrifícios, espera um minuto! Isso significa que...”, meus olhos assustados se desviaram para o símbolo de antes esculpido no chão.
O pouco do sangue que escorreu do braço decapitado de Akira agora havia aumentado seu volume e até transbordava um pouco mais de dentro do círculo no chão, assim lentamente preencheu a estrela de quatro pontas no meio do círculo.
De forma instintiva eu gritei: — Z-Zakio o seu sangue preencheu por completo o símbolo no chão, veja!
Sem compreender nada o guerreiro com cabelo ruivo e uma cicatriz em cima no nariz lançou seus olhos carmesins sob o sangue tingindo aos poucos a estrela entalhada no chão.
Era sem dúvidas lindo, o metal cinzento e vazio sendo banhado pelo vermelho-vinho e aos poucos dando vida a essa figura misteriosa de estrela no chão.
Foi a primeira vez que eu consegui olhar pro sangue e não sentir nada ruim como repulsa. Na verdade, isso não era bom de si pensar, talvez fosse fruto de toda a dor que eu havia sentido até agora, talvez fossem minhas emoções se fundindo com a insanidade crescendo dentro dessa cabeça caótica... talvez fosse...
— Ughn! M-Merda, então o meu ferimento fez isso, a-aliás eu não lembro de ter perdido um dos dedos antes de perder a consciência, porra, isso dói!
A voz impaciente de Zakio e seus grunhidos de dor me tiraram do mar negro que minha mente se tornara.
“É verdade, onde estou com a cabeça admirando o sangue de alguém?! Preciso dar um jeito de ajuda-lo rápido.”, murmurei internamente antes de equipar minha adaga que surgiu envolta em falhas visuais e chiados elétricos sob minha mão.
Rasga!
A lâmina escarlate da Sanguis Blade rasgou um pedaço da minha capa desgastada como se não fosse nada.
— É tudo o que eu tenho, pode ajudar a estancar um pouco do sangramento. — Ofereci a Zakio o pedaço de pano.
Ele comprimiu os lábios com olhos de nojo.
— Isso não vai funcionar nem fodendo, moleque, além de estar danificando seu próprio equipamento atoa não vai estancar totalmente o sangue e tem chances de infecionar também. — Zakio olhou para Akira. — É como aconteceu com ela, mesmo após enrolar esse pedaço de pano todo em seu braço cortado ainda está perdendo muito sangue, por isso fiquei irritado naquela hora. Deveria ter cuidado melhor da sua companheira, tampinha.
Levando esse esporro eu olhei para Akira por cima do ombro, quem diria que mesmo dormindo pacificamente assim ela poderia estar perdendo cada vez mais de sua vitalidade, sou um verdadeiro idiota!
— De qualquer modo, por sorte eu tenho algumas poções em meu inventário.
A voz de Zakio foi engolida pelo ruído dos ventos se reunindo ao nosso redor de forma repentina.
“De novo! É como quando Zakio veio pra cá.”, meus olhos se afiando em conjunto aos seus próprios reflexos.
As janelas flutuantes do S.I.S subiram novamente.
[Um inimigo em potencial para o chefe da Dungeon foi derrotado por Incis Katulis, devido a isso o curso principal será redirecionado ao ponto chave.]
[Todos os sobreviventes serão redirecionados ao ponto chave da Dungeon.]
Em uma investida rápida minha capa rasgada do conjunto Noctia ondulou e em um piscar de olhos Akira já estava em meus braços.
— Zakio, precisamos nos afastar daqui!
— Não me lembro de você ser tão rápido assim.
Nossos gritos ressoando pela sala cinzenta enquanto corremos para longe do símbolo no chão.
— Alguém vai ser teletransportado pra cá nesse exato instante!
As partículas reluzentes se formaram sob o círculo mágico banhado de sangue no que nossos passos apressados ecoaram pelo vazio desse salão com um templo no centro.
Se pensar de forma lógica quando Akira deixou seu sangue escorrer pelo círculo mágico foi realmente parecido com um sacrifício igual foi dito na janela do S.I.S.
Então no fim seria fácil deduzir que como recompensa por tal sacrifício outra pessoa seria trazida pra cá uma vez que Zakio havia deixado seu sangue alimentar o círculo mágico também.
“Um inimigo em potencial pro Boss da Dungeon foi derrotado e ainda por cima pela Incis? O que seria um inimigo em potencial e ela está mesmo viva a essa altura do campeonato?”
A confusão se formou em minha mente quando os ventos eclodiram de dentro do pequeno templo no centro do salão.
Um clarão iluminou toda a sala.
Foi então que o silêncio tomou conta do momento por alguns segundos no que a voz de Zakio e Akira se reuniram dizendo um único e familiar nome.
— Incis!
— Incis!
[Oito Anos Atrás]
Era uma sala branca e espaçosa, luzes fortes em seu teto repleto de vigas de metal para sustenta-las enquanto o silêncio consumia uma mente bagunçada pela sede de sangue incessante.
Corpos de crianças desfiguradas em puro carmesim se estendiam por um percurso incerto sob a cerâmica prateada que aos poucos foi tingida pelo líquido vermelho.
No meio dessa sala repleta de cadáveres obstruídos estava uma garota de estatura pequena com cabelos negros bem longos.
O vestido desgastado de veludo sob seu corpo frágil estava manchado, manchado com a vitalidade daqueles que ela havia consumido. Os pequeninos ombros dela subindo e descendo com sua respiração pesada.
Uma voz repentina ressoou de um dispositivo de som na sala.
— Quem diria, a minha pequenina Incis foi a primeira a ascender em apenas 5 dias de tortu-digo, de testes.
A voz feminina e imponente ressoando do dispositivo era de um tom zombeteiro e maligno, algo que fez o coração e amente de Incis ficarem ainda mais abalados.
A pobre garotinha apenas levantou seu olhar por cima do ombro, um dos seus olhos agora consumidos por uma cor escarlate se fixou em uma câmera da sala como se ela estivesse olhando diretamente para a detentora dessa voz que a observava igualmente por trás de um pequeno monitor em uma tela plana.
Sentada graciosamente em uma cadeira confortável estava Lumakina sendo vítima do olhar frio e assassino de Incis.
— Não se preocupe, pequenina, vamos reduzir as descargas de dor daqui pra frente, você foi uma das únicas que teve uma sincronia boa com o DNA vampírico sem contar que foi capaz de aguentar os cinco primeiros dias, em contrapartida sua fome por carne e sangue aumentou de forma animalesca.
Os lábios de Lumakina com um batom negro se moviam de forma calma perto do cristal de voz captando suas cruéis palavras.
“Ela está falando comigo, está falando comigo, comigo, quem afinal... eu sou? O que é todo esse sangue e esse gosto de ferrugem nos meus lábios? Quem sou eu?”, Incis se inclinou para trás respirando profundamente enquanto a voz de Lumakina entorpecia sua mente.
Essa garota a filha do mestre da guilda de terroristas R.O.U.N.D.S agora não era nada mais nada menos que um pássaro preso em uma gaiola, solitária e forçada a fazer a única coisa que conseguia... se alimentar.
Todos os dias um número específico de crianças era selecionado para serem testadas com torturas usando o sangue da raça vampírica e descargas de dor.
Essa era a essência real do projeto Vermiculus Lunae, criar uma frota inteira de soldados perfeitos com habilidades sobre humanas apenas alimentando seu ódio e sede de sangue.
Lumakina se levantou da cadeira ficando frente a frente com seu subordinado mais fiel e ordenou: — Storlyx, precisamos aumentar as sessões de tortura para aqueles que desobedecerem às ordens de seus superiores, faça isso para todos os setores com mais de 5 crianças que não sigam as ordens e regras à risca.
Storlyx comprimiu os lábios sutilmente antes de acenar com sua cabeça em afirmação, seu cabelo loiro e liso balançou levemente.
A mão pálida de sua superior caiu suavemente sob a ombreira negra dele. — Ótimo, é assim que tem que ser. Saiba que que mesmo você estando no topo dos meus subordinados também não pode fugir, se não seguir as regras também terá que sentir dor, então ande na linha Storlyx.
A ameaça calma de Lumakina somada aos seus lábios curvados em um sorriso macabro fez um calafrio subir pela espinha do soldado.
— Afirmativo, vossa majestade Lumakina.
Passos. Passos. Passos.
Ela deixou a sala com passos calmos pairando pelo ar enquanto Storlix desceu seu olhar levemente até a tela do monitor.
A luz azulada banhando a mesa e todo o resto do local mal iluminado refletiu sob uma das pupilas sem vida do soldado quanto ele pensou consigo mesmo.
“Experimentos e torturas, soldados perfeitos. Lumakina é suja como nunca, maldito dia em que resolvi virar um cavaleiro de Zykron, no fim aqui dentro nos só somos meros soldados ou no linguajar da própria rainha Lumakina, meros subordinados.”
Repulsa, culpa, ódio, tristeza.
Tudo isso se misturou dentro do solitário jovem de cabelos loiros e pupilas azuladas.
Viver pela justiça e ser como um herói protegendo os mais fracos, Storlix tinha esse sonho desde criança.
— E pensar que o império prega a justiça e igualdade mesmo cometendo tais atrocidades, de qualquer modo não há mais volta. — Sussurrou ele a si mesmo. — Eu preciso continuar até acabar com a impureza nesse mundo, preciso acabar com o lixo que tirou toda a minha família de mim, esse é o meu único objetivo aqui dentro.
Impacto!
Um som metálico ressoou pelo corredor branco.
As portas de metal puro e o vidro temperado, o silêncio solitário alimentando o ar pesado.
No distrito 7 onde eram mantidas 10 crianças por cela estava a tal Incis Katulis.
Storlyx não desviou o olhar nem um segundo dessa única cela já que por trás daquele vidro temperado havia um cenário devastador para qualquer um.
— V-Você vai sozinho comandante Storlix?
— É perigoso, podemos ir com você.
As vozes inseguras dos dois companheiros do cavaleiro loiro com vestes negras diziam a ele que o ser trancafiado na sela diante deles era com certeza algo mórbido e difícil de se lidar.
Entretanto...
— Hmph. — Storlyx abaixou a cabeça levemente em resposta. — Não vai ser necessário, vocês podem me esperar do lado de fora, essa garota pode estar fora de controle agora, mas ainda é só uma garotinha.
O som de engrenagens se movendo, a porta cinzenta com algumas luzes Neon se levantando.
O número 01 era destacado na porta.
Quando Storlyx deu um passo para dentro dessa cela finalmente aberta ele compreendeu de verdade o quão no fundo do posso ele estava.
— Olá, vieram me torturar de novo pelo jeito. — A voz fraca de Incis ressoou enquanto ela continuava estática no meio da sala ensanguentada.
Storlyx não via sua face já que a garota estava de costas para ele.
Os olhos azuis do cavaleiro mais fiel de Lumakina viajaram lentamente sob os cadáveres sob o chão gelado.
A carne vermelha exposta sob marcas de mordidas e cortes ferozes, o sangue seco que tingiu a cor pura prateada do piso somado a uma única figura de pés em meio a essa carnificina cruel.
O estômago de Storlix a borbulhar mesmo que sua feição não demonstrasse nada.
Foi então que Incis se virou para o cavaleiro loiro dizendo: — Me diga uma coisa cavaleiro de Zykron, o mundo sempre foi injusto assim?
Os olhos dele se arregalando.
A garotinha com o rosto sujo de sangue e olhos dessa vez dourados continuou ao virar-se completamente r no fim observá-lo com uma face serena.
— Alguém como você que faz parte desse tal império que o meu pai tanto luta para derrubar realmente se importa com a justiça? O que é a justiça?
O corpo firme de Storlyx congelou com essa única questão que foi guiada pelas vibrações da voz rouca dessa garotinha monstro.
“Justiça e injustiça... ela nem ao menos sabe o valor dessas palavras, é só uma criancinha boba!”, ponderou ele mordendo o lábio em um impulso de raiva.
— Calada. Eu só vim aqui pra fazer o meu trabalho.
— Uau, que voz bonita e que frieza, parece até que suas emoções se foram. — Incis agarrou uma das mãos sob sua face. — parece que as coisas estão cada vez mais confusas, eu não sei, não sei como isso foi acontecer, mas se você vai me prender e me levar para aquelas macas de tortura de novo eu não ligo, não ligo mesmo, eu não ligo. — Os dedos dela começaram a se enrijecer enterrando as próprias unhas sob sua pele suja de sangue.
Storlyx deu um passo para trás enquanto sua postura era quebrada pelas palavras e ações dessa garota.
“Essa menina foi totalmente quebrada!”, disse ele internamente enquanto tudo o que seus olhos assustados podiam ver era sangue.
As unhas de Incis rasgavam a pele de sua própria face, arranhando a si mesma sem parar ela levantou a cabeça pra cima repetindo uma única frase.
— Não ligo se me machucarem mais, não ligo, não ligo, não ligo, não ligo, não ligo, não ligo, não ligo não ligo, não ligo, não ligo, não ligo não ligo, não ligo, não ligo, não ligo!
Isso era o fundo do posso, sim, definitivamente esse era o limite.
O limite de até onde a ambição e egoísmo pode ir, Storlix não lutava nas forças especiais de Zykron por justiça e nunca lutou, no fim a justiça nunca existiu e era isso que essa pequena garotinha foi forçada a aprender.
Contorce. Rasga! Contorce. Rasga!
O som grotesco da carne sendo arranhada e o sangue sendo cavado pelas unhas de Incis quando ela se ajoelhou no chão gritando sem parar.
— O QUE É A UM MUNDO JUSTO? O QUE SIGNIFICA ISSO SENHOR CAVALEIRO!? HAHAHA! É ENGRAÇADO, MINHA MÃE FOI MORTA PELO IMPÉRIO E MEU IRMÃOZINHO LUTA JUNTO COM MEU PAI TAMBÉM! A MAIS DE ANOS ELES LUTAM PRA TENTAR DESTRUIR ESSA TAL DE INJUSTIÇA PRA PROTEGER OS FRACOS, SÃO COMO HEROÍS SABE?! QUE ENGRAÇADO, É INÚTIL, É INÚTIL, INÚTIL! — Os dentes da garotinha gritando expostos, todos sujos de sangue.
“Incis Katulis... eu sinto muito.”, foi a única coisa que Storlyx conseguiu proferir dentro de sua mente tomada por tristeza e escuridão no que seus punhos se fecharam firmemente.
Quando o cavaleiro loiro saiu de dentro da sela ensanguentada seus dois companheiros estavam com faces perturbadas.
Storlyx olhou para os dois e apenas disse: — Levem-na para a sala de testes pra DNA.
— E-Eu me assustei, pensei que aquela monstrinha iria te devorar.
— Sim, capitão Storlyx, ela começou a gritar igual uma maluca, foi perturbador. Talvez ela sempre tenha sido uma vampira e por isso foi a que teve mais sucesso em aceitar o DNA vampírico, aquela coisa não é normal, ela comeu o corpo das outras crianças que estavam morrendo de fome na sala.
Storlix apenas se retirou dando as costas para ambos.
O coração pesado desse homem em busca de uma justiça falsa parecia se corroer em questionamentos, preso em uma gaiola invisível.
“Monstros não se perguntam nada como o significado de proteger e lutar, monstros são as criaturas sem vida que caminham pelas Dungeons atacando tudo e todos, isso sim são monstros de verdade. Incis Katulis era como eu, porém no fim teve esse destino injusto, nesse mundo não existe justiça, é tudo uma mentira e eu luto por essa única mentira só pra alcançar o meu objetivo.”
Era o fim de mais uma noite em Zykron.
As três luas douradas reluzindo no alto de um céu escuro repleto de estrelas que se assemelhavam mais a uma poeira se espalhando lentamente pelo cobertor azul-escuro.
O palácio principal do reino de Zykron se destacava quase que perfurando as luas no alto com suas duas torres pontiagudas, ao redor desse castelo flutuante havia uma grande auréola reluzente que provia a força gravitacional necessária para sustentar tal construção nas alturas, porém logo abaixo um amontoado incontável de arranha-céus e rodovias se entrelaçavam.
As luzes de diferentes cores irradiando por cada canto da cidade próspera em tecnologia, armas, educação e trabalho.
Era como um paraíso para qualquer um.
— Aqui é soldado Renard Shadoky, passando as coordenadas atuais para iniciar a operação.
No topo de um prédio essa voz solene viajou pelos ventos da noite, um único homem com um grande sobretudo cinza ondulando sem parar observava a gigantesca riqueza do reino Zykron.
— Afirmativo, nos encontraremos no ponto principal do setor 1. — A voz chiada que o respondeu saindo de um pequeno dispositivo auditivo em sua orelha o fez dar um sorriso destemido.
— Entendido, Renard Shadoky iniciando a operação de resgate.
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