Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 1: O Suicídio Perfeito

 

No fundo do poço. Minha vida estava indo de mal a pior. Em tal situação eu só podia manter todos os fardos comigo já que eu era o culpado por tudo no fim.

Minha mente turbulenta e o caos dentro dela se mesclavam com dias repetitivos de problemas e mais problemas, eu estava cansado, bem cansado.

“Jack, você nunca foi nosso filho.”, essas palavras frívolas ditas pelo homem que se intitulava meu pai cravaram-se na minha mente.

A neblina branca do clima frio e solitário deixava tudo ao meu redor difícil de se compreender. Tão complexo quanto meus próprios pensamentos eu diria.

A temperatura fazia os meus dedos ficarem vermelhos. Doía bastante, mas a dor já era algo recorrente na minha vida. Desde quando me dei por gente eu já sentia a negatividade que a dor causava.

De qualquer modo, nesse momento eu estava na rua.

Meus pais me expulsaram de casa já que eu tinha sido responsável por acabar com a harmonia da família, eu realmente deveria ter me mantido na sombra dela.

A família Hartseer, sempre bem tranquila, entretanto em algum momento isso mudou. A tranquilidade foi quebrada com uma correnteza de acontecimentos abruptos uns seguidos dos outros.

As memórias do fatídico dia onde tudo se transformou em uma tormenta sempre acabavam me atormentando.

Eu conseguia sentir o sangue fresco e quente sobre minhas mãos, o olhar dela se esvaindo na lenta e dolorosa morte. Ela estava morrendo bem diante dos meus braços.

“Apesar de tudo... você ainda tentou me salvar, que idiota.”, as suas últimas palavras ecoavam na minha mente como um grito em um quarto apertado.

A imagem de seu sorriso sujo de sangue sempre surgia junto dessas memórias atordoantes. Não, eu nunca pude salvá-la na verdade.

Passos ressoaram pelos cantos escuros da estação de metrô.

Poderia ser algum criminoso ou coisa do tipo — não, seria bom demais pra ser verdade se fosse isso — afinal ele poderia simplesmente acabar com a minha vida ali mesmo, isso iria resolver o real problema de tudo.

Passos!

Os passos da presença ecoaram mais e mais, estavam se aproximando de mim.

Minha ansiedade crescia à medida que a figura oculta se aproximava pela neblina.

Finalmente ela cessou seus passos, bem em baixo de uma das únicas fontes de luz que ainda restava na estação de metrô vazia. A lâmpada florescente do pequeno poste falhava levemente.

— Jack, é você mesmo? Tá tudo bem? — Uma voz piedosa veio da figura iluminada pelo poste.

Longos cabelos loiros acompanhados de uma franja reta e dois olhos azuis, além disso ela vestia um casaco de veludo escarlate, perfeito para esse frio de matar.

— Olha só o seu estado! O que diabos aconteceu afinal? — perguntou ela preocupada. A garota se aproximou com uma face apreensiva.

 — Alice... só me deixa quieto. — respondi desviando meu olhar de forma fria e cruel.

“Por que ela tá aqui? Se fuder.”, eu praguejava ela em pensamentos.

Alice fez um rosto meio relutante e então sentou-se ao meu lado.

Ela limpou um pouco da poeira que havia no espaço entre nós do banco com leves tapinhas.

— Olha só, sei que está sendo difícil, mas Jack, isso é uma loucura. Eu posso resolver tudo, posso conversar com seus pais sobre isso e vai ficar tudo bem, é sério.

Ela me fez essa proposta com olhos piedosos e uma voz calma.

Raiva. Foi a única coisa que consegui sentir, principalmente por causa do tom que ela usou. “Que falsa.” Foi a única coisa que consegui pensar.

Qualquer cara na mesma situação seria facilmente manipulado por tais palavras, entretanto eu já sabia que esse cordeiro era na verdade um lobo.

Foi então que erguendo meu rosto e fixando meu olhar nela, levantei minhas mais sinceras palavras.

 — Nada vai voltar a ser como era antes. Eu não quero sua ajuda, nunca pedi para ter pena de mim. Sua vadia. — Eu olhei profundamente para suas duas pupilas azuladas ao insultá-la.

A garota loira com olhos cor de safira abaixou sua cabeça. Ela levantou do banco e eu vi uma expressão deprimida surgir na lisa e pálida face.

 — Então é assim né? Quem diria que já fomos amigos de infância. Mesmo eu me esforçando assim, você conseguiu me desmerecer desse jeito. — Lágrimas começaram a escorrer pelas bochechas da Alice.

Sua voz estava fraca e falhando um pouco. Que cena deplorável.

 — Você mudou Jack. Eu lembro de quando você simplesmente espalhava aquela gentileza acompanhada do sorriso vívido e ingênuo que só o antigo Jack tinha... Me diga, por que está descontando tudo em mim agora? E-eu entendo que está chateado, mas eu posso me explicar.

Ela continuou falando enquanto suas lágrimas caíam de seu rosto.

Gentileza... um sorriso vívido... não era mais assim.

— Escuta Alice, — pausei ao levantar-me do banco e olhar pra ela fixamente, — vai cuidar da porra da sua vida.

Eu aproximei meus olhos arregalados com suas olheiras cinzentas da face delicada de Alice. Um olhar claro de hostilidade.

Em respostas ela cambaleou para trás assustada.

Nojo, eu só tinha nojo dessa garota. Ela poderia estar realmente arrependida, mas pouco me importava, minha gentileza havia acabado.

Apesar de sermos ótimos amigos no passado quando ela descobriu o segredo da minha família as coisas mudaram.

Eu sabia mais do que ninguém que o único interesse dessa garota era se beneficiar em cima desse ponto chave que inclusive, foi o que levou minha vida por água abaixo.

 — Ok... Então nossos laços acabam aqui. — Alice ergueu-se do chão e se retirou do local. Ela correu enquanto suas lágrimas caiam.

Passos! Passos! Passos!

Sua corrida angustiada e solitária ecoou pela estação banhada pela luz do luar.

Eu dei um suspiro pesado sabendo que nesse momento não havia realmente mais ninguém.

A única pessoa que ainda tentava manter contato comigo era ela.

Mesmo assim eu não consegui sentir nada perdendo alguém desse tipo, uma amiga de infância... bom, não me importava mais quem ela tinha sido no passado, acabou. Acho que se preocupar com isso já seria outro peso no meu coração.

Com minhas mãos relaxadas nos bolsos da minha calça eu observei a linha do metrô, imerso em pensamentos.

Um estranho raio de luz agrediu minha visão.

Eu olhei pro chão e vi um objeto pontudo sendo iluminado pela luz do pequeno poste. “Será que a Alice deixou isso cair?”, pensei eu.

Ao me aproximar do objeto vi que se tratava de uma lâmina bem afiada, tipo um canivete.

Poderia facilmente cortar qualquer coisa apenas passando a parte amolada levemente.

 — Espera... Essa é uma bela ideia. — Eu cochichei.

 

[Alguém Desconhecido]

 

Um vapor brilhante permeou pelo ar. Uma pressão estranha caiu sobre todo o templo.

— Então... já começou. O ponto de ignição está ativo, mas... há uma oscilação na energia? Espera, então isso significa que...

Minha voz congelou quando eu vi a energia azulada evaporar da estátua no pedestal cinzento.

Os ventos ao redor da estrutura de pedra com musgo se agitaram.

A aura de cor safira se espalhou como fumaça.

“Então aquilo era real. Aquela espada e as duas famílias, está tudo interligado... essa coisa veio de outra dimensão?”, minha mente se chocou.

Quebra! Quebra!

A estátua de um cavaleiro segurando sua espada se rachou espalhando o vapor celeste das aberturas.

O tapete vermelho e os potes dourados que preenchiam o local começaram a se deteriorar deixando partículas de luz voarem.

 — Impossível. — Palavras desacreditadas saíram de mim.

Meu celular vibrou por um momento. Com um leve espanto eu tirei o dispositivo do bolso em meu terno.

Me afastando da estátua uma sensação estranha de medo cresceu em meu coração. Na tela brilhante do celular estava uma ligação pronta para ser atendida, meu colega de trabalho, Draygun.

Sem hesitar eu aceitei a chamada.

 — Nós temos um problema, Draygun. — exclamei com um tom tenso ao aproximar o celular da orelha.

Minha visão começou a ficar turva e meu corpo passou a suar, era como um aviso pra sair dali o mais rápido possível.

 — Kyla, saia daí agora! — Um grito abafado e desesperado saiu do Smartphone.

 — O quê? Po-por quê?

Vuuush!

Minha pergunta foi respondida. Os ventos ao lado da minha bochecha foram perfurados e meu cabelo balançou.

Um objeto pontudo passou por ele, uma lâmina.

Deixando escapar um leve suspiro de susto eu soltei o celular que caiu sobre chão. Essa coisa poderia facilmente ter perfurado meu crânio.

Meus olhos viraram lentamente para a ponta de metal carmesim que exalava um vapor da mesma cor sobre o lado direito do meu rosto.

Minha respiração parou e meus olhos se arregalaram com meu coração quase saindo pela boca. Um arrepio subiu pela minha espinha.

— Kyla, Kyla, me responda! — A voz de Draygun estava distante. Eu queria apenas gritar por socorro pra ele no celular caído.

Meu corpo ficou congelado de medo. Tinha uma presença. Algo estava me segurando, impedindo-me de correr para o mais longe possível.

Ventania!

 — Falhas, consertar os seus defeitos, agora é a hora. É um destino inevitável, o tempo continua sem parar independente dos conflitos que estejam diante de você. — Uma voz ecoou pelo templo me dando uma leve dor de cabeça.

Ghn! — Eu grunhi com a dor repentina enquanto tentava me manter imóvel. Meus olhos estavam fixados no metal pontudo parado ao lado da minha face.

A lâmina se deteriorou espalhando uma fumaça negra pelo ar.

 — Não se limite apenas em seguir ordens ou provar seu valor aos outros. — disse a misteriosa e distorcida entonação.

Era uma silhueta brilhante como uma estrela no céu da noite, entretanto sua luminosidade era contida por um véu de trevas que cobria tudo ao meu redor.

— Seu destino depende inteiramente de você agora. Siga seu próprio caminho.

A voz da entidade reluzente engoliu o ambiente e a escuridão se dissipou em uma explosão crepitante de luz.

Vupt! Vupt!

No último segundo eu vi dois vultos pularem na minha direção. Minha consciência se esvaiu por completo sendo consumida pela luz.

 

[Jack]

 

Eu me aproximava cada vez mais do grande galpão abandonado. Esse era certamente o local perfeito para o meu “suicídio perfeito”.

Dando um último passo à frente eu adentrei o local. Uma poeira subiu. Era bem sujo e o metal das paredes e teto estavam enferrujados.

Haviam caixas também metálicas totalmente corroídas nos cantos, no centro do teto havia uma abertura aos céus.

A luz da lua passava pelas grades dessa abertura iluminando o centro do galpão escuro. Era como se fosse feito pra me chamar atenção.

Caminhando até a luz eu tirei a lâmina de dentro do bolso. Os meus passos ecoaram. Quanto mais o som se espalhava em meio ao silêncio eu sentia uma tenção caindo sobre mim.

“Isso é medo? Ainda sou capaz de sentir coisas assim?”, essas foram as perguntas que começaram a girar em minha mente.

Sendo totalmente banhado pelos raios lunares, eu cessei meus passos e olhei para cima em direção aos céus.

Eu virei a parte afiada da lâmina contra minha garganta e comecei a suar frio. Meus braços tremiam à medida que a lâmina banhada pelo cinza da lua se aproximava.

Meu sangue ficando frio, os ventos gélidos batendo sobre as paredes de metal, grilos cantando, tudo parecia estar mais intenso do que o normal, uma pressão tanto sobre minha mente quanto sobre meu físico. Esse era o peso do último momento da vida de um ser?

Não. Isso obviamente era medo, mas eu me neguei em pensar sobre tal questão. Eu estava persistente em negar isso, afinal eu só queria morrer.

Sem me dar conta, lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos. A umidade se espalhando lentamente sobre minhas bochechas e caindo pelo meu queixo... eu tinha me tocado da gravidez de tudo isso.

Era uma loucura completa de fato. Como eu sequer havia chegado a esse ponto?  

Bom, eu imagino que o próprio destino contribuiu para que eu chegasse a esse ponto, eu estava realmente em desespero.

A única coisa que realmente faria a diferença seria isso, destruir a mim mesmo, minha própria existência. Foi essa minha conclusão.

Eu empurrei a lâmina pra dentro da minha garganta com todas as forças do meu corpo, mas uma queimação tomou conta dos meus braços.

Os músculos travaram.

 — Gh! Mas que merda?

Tive uma sensação estranha, era como se algo acabasse de me acorrentar.

Uma força inexplicável estava impedindo que eu rasgasse minha garganta mesmo que eu estivesse usando todas as minhas forças para esse infame ato.

Minha visão ficou turva subitamente.

Eu tentei forçar meus braços, mas escutei um barulho agudo que adentrou os meus ouvidos violentamente. Dor de cabeça e náuseas se manifestaram sobre mim.  

 — Ugh! — Minha voz se distorceu enquanto eu tentava enterrar a maldita faca na minha garganta.

“Droga! Por que não consigo... por que não consigo me matar?”

Minha visão passou a oscilar, tudo o que eu via eram vultos borrados ao meu redor.

De repente uma escuridão começou a tomar tudo e transformando-se em uma verdadeira nebulosa negra se expandiu pelos arredores como uma cortina.

A cortina de trevas cobria não só a luz, mas também todo o cenário que me rodeava, fui deixado no completo vazio.

 — Frustração... você está frustrado, não é?

Uma voz ecoou pelo cenário sem cor.

Eu tentei olhar para os lados, para os cantos, só que meu corpo estava completamente congelado, totalmente inerte no meio da escuridão.

A única coisa que consegui fazer foi movimentar meus olhos pelo meio do abismo.

“Vozes... estou louco?”, indaguei em pensamentos.

 — Entendo, você é alguém crucial aqui... aquele que apenas sofreu grande parte do tempo.

A misteriosa voz engolia a escuridão deixando minha mente caótica.

“É um julgamento final? Já morri?”, pensei em confusão.

 — Não. Você ainda está vivo, eu sou aquilo que você procura, sou a causa de todo o seu sofrimento e também todas as repostas para suas dúvidas... talvez eu seja a felicidade?

“Acabou de responder meus pensamentos!”, pensei totalmente chocado.

Mas isso nem era o mais impressionante. Uma luz branca surgiu no meio do completo breu, foi aí que eu realmente fiquei abismado.

A imagem de uma linda figura com um vestido branco e brilhante preencheu minha visão ofuscando-a por um instante, foi estonteante.

Não consegui identificar quem era ou o que era, a luz me deixou atordoado e confuso, confesso que fiquei curioso. Quem diria que alguém na beira de um suicídio sentiria isso.

A silhueta brilhante como um diamante se aproximou lentamente.

Passo. Passo. Passo.

— Raiva, tristeza, medo, rancor.... use tudo isso como suas armas, procure as suas respostas usando disso como ponta pé.

A voz ficou distante e cada vez mais difícil de se compreender.

“Meus olhos estão... fechando. Eu não sei. Não sei o que está acontecendo, me sinto confuso.”, minha mente foi se esvaindo enquanto meu corpo parecia estar se desfazendo.

Os batimentos do meu coração ficaram fracos de repente.

Eu não estava perdendo a vida ou coisa assim, era algo muito mais difícil de se compreender do que isso.

Como estar afundando em um oceano profundo e solitário...

 — Use a raiva e a angústia como arma.

A voz se desfez na escuridão juntamente com a silhueta cintilante que também se apagou como uma chama. As trevas foi o que sobrou.

Não havia mais nada.

Sem som, sem cor, sem forma, o completo vazio.  Meus olhos já estavam fechados quando minha mente se apagou por completo.



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