Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 24: Vulnerabilidade

 

Impacto! Corta! Impacto!

O som vibrante das espadas de madeira colidindo umas com as outras tomava o jardim esverdeado e banhado pelo sol.

Meus braços doendo, os ombros pesados e a respiração ríspida somada do suor descendo pela minha testa.

— Intensifique mais. — foi o que disse a senhorita Hordrik ao jogar-se na minha direção com uma finta.

Inclinando seu tronco para frente ela lançou a ponta de madeira contra meu abdômen rasgando o espaço vazio como uma flecha.

Paft!

Ghn!

Eu apenas estremeci com o choque de dor causado pelo impacto e soltei minha espada de madeira para no fim, despencar de joelhos rangendo os dentes.

[Derrota!]

[A Quest treinamento de espadas foi encerrada.]

Meus olhos sem vida foram iluminados pelo painel que gritava o quão patético eu era usando uma “espada” pela primeira vez.

— Isso foi rápido demais, lembre-se, você deve levar seu corpo ao limite se quiser tratar a síndrome de Tenebris de modo recomendável.

Com essas palavras frias a mulher segurando sua espada de madeira, me olhava ajoelhado sobre a grama bufando em exaustão.

— Isso não parece muito justo... — respirei fundo ao recuperar o fôlego, — você até tem um traje próprio pra isso. — acrescentei ao observar as roupas flexíveis de cor cinzenta que cobriam o corpo da senhorita Hordrik.

— Por que não dá desculpas para o S.I.S?

Hã?

Eu voltei minha atenção para o painel flutuante na minha frente.

[Sua Quest diária foi encerrada!]

[1 Exercício incompleto!]

[Penalidade: -7 De força. -20 Pontos de perícia em Lâminas.]

“Que penalidade fudida, isso não é nada balanceado!”, pensei em choque.

Uma leve brisa bateu sobre o gramado e os arbustos, soltando um som suave como as ondas calmas do mar.

O sol da manhã não era quente, mas o meu corpo já se encontrava queimando em transpiração devido a nova rotina que Incis criou para mim.

Na noite anterior ela me revelou que eu fui infectado por essa maldita doença, a síndrome de Tenebris, basicamente se trata de uma maldição que vai consumindo o infectado conforme a tristeza e rancor acumulados em seu coração.

Abalado. Eu me encontrei desamparado diante dessa nova notícia, mal pude dizer uma palavra depois disso, apenas voltei para meu quarto e lá mesmo me deitei consumido pelo medo e insegurança.

“Eu vou morrer? Não vou poder voltar pra casa? Vou continuar vendo aquelas bizarrices como o Abyssus? E o meu Passado? O que eu faço?”

Minha mente ficou muito mais caótica do que ela já era.

— Parece estar bem abalado.

Eu fui puxado do meu mar de pensamentos negativos, pela voz entediada da senhorita Hordrik.

— A síndrome corrompe a mente aflorando as emoções negativas da sua face oculta, — ela soltou a espada de madeira que sumiu em partículas de luz. — conforme ela se expande, suas capacidades humanas de... tomar escolhas, sentir coisas e até mesmo pensar ficam limitadas, chegando no trágico fim de... — fez uma pausa tensa ao passar por mim com um caminhar calmo. — perder todas as emoções ficando em estado vegetativo.

Tum!

Meu coração bateu firme e minha mente pesou junto com essa afirmação, mesmo que Incis já tivesse me informado sobre isso.

Eu tentei instabilizar minha respiração e então me ergui da grama em silêncio.

“Já que é assim, eu realmente preciso continuar me esforçando desse jeito?”

Uma questão solitária se expandiu pela nuvem negra dentro do meu consciente.

Se eu já tava todo fudido assim então não tinha sentido em continuar tentando e fazendo tanto esforço.

“O meu Ranking é o mais baixo, meus poderes... eu mal sei se tenho um e pra compensar ainda tenho uma doença incurável de merda... puta que pariu, o que eu fiz de errado?”, pensei torcendo meus lábios em angústia.

Injusto.

— Hartseer Jack, estou falando com você. — Fui novamente submergido da escuridão pela voz frívola da senhorita Hordrik.

A mão suada dela cobriu o meu ombro com um aperto leve.

— Se continuar assim ficara pior do que já está, vamos dar uma pausa, almoçar, e pela tarde continuaremos com uma nova Quest para a sua terapia.

A criada de olhos azulados e cabelos negros jogou essas palavras como se não fossem nada e apenas soltou meu ombro.

Por algum motivo eu senti um alívio nem que fosse por um mero segundo.

O toque de uma mulher fazia tanta diferença na vida de um homem? Não, acho que seria mais pelo fato de ter alguém que pelo menos se importasse em ajudar, por mais que parecesse tedioso e desagradável para ela.

Passos. Passos.

De costas para mim, a empregada que agora assemelhava-se  mais com um espadachim muito pika — eu nunca pensaria que ela maneja-se armas como espadas tão bem inclusive, — andou até a entrada da mansão com seus longos cabelos cobrindo suas costas e quase ocultando o largo quadril, junto com as nádegas carnudas marcadas pela roupa flexível somada de relevos pontilhados.

— Ma-Mas que porra... — desviei eu olhar com meu rosto corando um pouco.

Parece que quanto mais desamparado, mais vulnerável a minha mente pervertida eu ficava, de qualquer modo ela tinha 27 anos e eu só 16, eu não negaria se alguém assumisse que eu era um doente pervertido a essa altura.

“Tudo bem, Incis ainda vai permanecer aqui por 3 dias... até lá acho que posso tentar achar algum caminho ou resposta.”, pensei soltando minha espada de madeira.

O som oco do pedaço seco de orvalho caindo sobre a grama.

“C-como que botava itens no inventário mesmo? A senhorita Hordrik fez isso sem dizer nenhum comando.”, indaguei em pensamentos ao fazer um rosto histérico perante essa questão.

 

 

O tempo dentro da mansão Blazeworth aparentava se passar mais rápido do que lá fora. Eu almocei na mesa de jantar gigante, que incrivelmente tinha 8 cadeiras vazias.

Com exceção da senhorita Hordrik, eu e o senhor Nidrik — o dono da mansão — todos os outros acentos estavam vazios.

Um clima solitário, porém, calmo era o que permeava pela sala de jantar e o som dos talheres batendo contra os pratos era de certa forma a única coisa presente nela.

— A comida está ótima senhor Nidrik. — elogiou a senhorita Hordrik com um tom calmo.

O ricaço apenas olhou para ela e soltou um suspiro meio ríspido, transparecendo uma estranha aflição.

— Senhorita Hordrik, perdoe-me pelo infortúnio, mas hoje ficamos isentos de alguns funcionários, — levantou a voz Nidrik, enquanto cortava sua carne. — tem alguma ideia do que possa estar ocorrendo?

A empregada de olhos azuis apenas espetou um pedaço de carne com o garfo levando seu olhar desalmado para ele.

— Eu notei, suponho que estejam sofrendo com algum tipo de empecilho, como vossa senhoria sabe, parte dos criados não residem aqui, muitos deles são de terras distantes como Seraph e Ataraxia.

Com sua resposta ela apenas abocanhou a comida mastigando lentamente. O olhar frívolo sempre estampado.

Eu apenas continuei calado quando parei pra prestar atenção nos arredores.

“É verdade, está bem vazio se comparado a ontem.”, pensei notando a quietude em toda a mansão para no fim voltar meus olhos para o prato rico do que pareciam ser verduras e carnes.

Naturalmente, estando em outro mundo eu hesitaria em ingerir qualquer coisa desconhecida, mas nessa ocasião resolvi tentar relevar o pequeno receio de comer coisas desconhecidas, até por que a fome tava foda e eu já estava comendo coisas desse mundo a um tempo também.

— O senhor Hartseer tem algum palpite?

A voz meio imponente do senhor Nidrik impediu-me de guiar o pedaço de verdura no garfo a minha boca.

— Palpite? Bom... a-acho que não há muito no que pensar, a própria senhorita Hordrik já disse tudo, talvez estejam com alguns problemas para chegarem em seus horários hoje ou coisa do tipo.

Hmm... — O nobre de cabelos loiros franziu as sobrancelhas levando a mão ao queixo de modo pensativo.

Apesar de tudo ele não aparentava estar irritado, na verdade parecia preocupado com seus criados, algo incomum para os nobres que eu costumava ver em Novels ou Mangás, que eram todos arrombados.

— Enfim, a senhorita Hordrik também é ótima no combate, não é à toa que está na guilda R.O.U.N.D.S, uma exímia dama. — Nidrik entrelaçou seus dedos ao apoiar os cotovelos na mesa, — vendo-a cuidar do senhor Hartseer assim, me lembra dos velhos tempos com a minha mentora. É claro, isso não está sendo feito para te por em situações perigosas, é tudo para tratar da sua enfermidade, senhor Hartseer.

— Obrigado eu acho...

De modo desconfiado eu desviei meu olhar das pupilas coloridas do senhor Nidrik.

“Ele ainda não me fez nenhuma pergunta sobre permanecer na família Blazeworth. Será que Incis contou tudo?”, ponderei em dúvida.

— É verdade. — Um estalo ascendeu minha mente. — O-onde está a Incis? — indaguei para Nidrik que a apenas recostou-se sobre a cadeira forrada e relaxou os ombros.

— A senhorita Katulis, ela esteve a manhã toda no laboratório, e apenas me deu um breve aviso para que não há perturbassem.

Depois de me responder o nobre voltou sua atenção para o prato de comida já fria e pegou os talheres para continuar comendo.

Voltando meus olhos para a mulher calada do outro lado da mesa, não pude evitar um choque súbito.

Bochechas Inchadas e os lábios meio sujos.

Mastiga. Mastiga. Mastiga.

Obrigado pela refeição vossa senhoria.

A senhorita Hordrik já havia raspado seu prato e ainda mastigava restos de comida com suas bochechas meio cheias. Ela passou um lenço sobre seus lábios avermelhados limpando-os.

“E-Ela é algum tipo de buraco negro?”

Como se tivesse escutado meus pensamentos a empregada jogou seus olhos azulados na minha direção.

Um olhar inabalável e sem nenhuma emoção que podia facilmente arrancar minha alma esmagando-a em conjunto do meu corpo com tanta pressão. Era melhor eu só comer logo!



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