Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 33: Aflição Tardia

 

— Não se preocupe, sou eu. — respondeu a voz masculina ao finalmente chegar perto da luz passando pela grande janela ao meu lado, assim revelando quem era.

— Renard, da guilda dos R.O.U.N.D.S. Já nos vimos antes. — Acrescentou o homem de pupilas prateadas e cabelo meio espetado na parte de trás, sua franja balançou quando ele estendeu a mão para mim.

A ombreira de metal desgastado dele apertada contra o tecido suave do seu sobretudo.

— Renard da guilda dos R.O.U.N.D.S...

Eu desviei o olhar para o lado ainda meio alarmado, vasculhei em minhas memórias sobre ele e em poucos segundos as cenas do caos em Leycrid me dominaram por completo.

Meu estômago se revirou em puro desconforto.

Ughn!

— E-Ei, não se esforce demais, vamos, precisamos sair daqui garoto. — Renard se ajoelhou passando seu braço por trás das minhas costas para me erguer.

Logo ao me levantar tontura foi o que sobrou.

Meus músculos pareciam meio fracos, mas mesmo assim isso ainda seria melhor do que ficar sozinho nesse lugar.

“Bom, ele realmente não estava mentindo.”, afirmei internamente ao reparar no pequenino emblema dourado acoplado ao peito do sobretudo negro que Renard vestia.

Era o mesmo emblema que Incis tinha naquela ombreira que ela vestia mais cedo e também o mesmo que eu vi na estranha porta dentro da sala de jantar onde me reencontrei com ela.

Bem conveniente eu diria.

Será que ele ainda tentaria me ajudar se eu contasse que matei aquela empregada no meu quarto? Seria um típico clichê me sentir culpado por matar alguém que ameaçasse minha vida, mas porra, o que mais eu poderia me perguntar? Se eu seria preso pela polícia?

As pupilas prateadas de Renard pareciam dois diamantes brilhando na escuridão quando ele olhou de canto pra mim.

— Ok... eu vou te levar até o capitão Zakio, ele está no primeiro andar e...

Vupt! Impacto!

A voz dele foi engolida pelo som estrondoso que veio lá do fundo do corredor. Olhamos assustados na direção do barulho.

As paredes estremecendo, os lustres no teto balançando.

— Mas o que? Capitão!

No fim do corredor um homem bateu contra a parede e deslizou lentamente até o chão, sua armadura com placas metálicas negras acompanhada de uma roupa carmesim de couro por baixo não me deixou dúvidas, era ele.

“Aquele cara da cicatriz no rosto.”, pensei com a face de Zakio surgindo em mente.

Não demorou nem um segundo para que o tal “capitão” no fim do corredor se levanta-se em um estranho desespero.

— Renard, Jack! — gritou ele ao dar um pulo e rolar sobre o chão rispidamente.

Um vulto esbranquiçado passou por trás dele quase se igualando a uma bala.

As caneleiras somadas as joelheiras de metal nas pernas de Zakio se dobrando com o movimento brusco. Do que ele estava correndo afinal? Acho que esse não seria o melhor momento pra me prender em questões como essas, mas ele definitivamente estava desesperado!

Zakio arrancou em nossa direção, suas botas de borracha jogando sons irritantes em contato com a cerâmica.

Partículas brilhantes em uma cor azulada eclodiram ao redor dele e assim aquela grande lâmina retangular surgiu sobre sua palma.

 Eu já havia visto Zakio usando essa habilidade estranha, me senti em um tipo de déjà-vu ou coisa assim, mas não é como se eu já compreendesse como o poder dele funciona.

Bom, não é o foco.

— Q-Que porra é aquela?! — gritei em pânico empurrando Renard pro lado involuntariamente.

Atrás de Zakio um emaranhado de projeteis rasgou os ares, não, eram linhas prateadas percorrendo o corredor.

Pareciam milhares de tentáculos tão velozes quanto as balas da Incis, talvez nem tanto, mas ainda era rápido pra caralho!

O espadachim de cabelo meio ruivo fugindo dos milhares de fios apenas brandiu sua gigantesca lâmina com um arremesso.

Vuuush!

O vulto branco da lâmina girou como uma hélice para no fim se desfragmentar em partículas de luz.

A silhueta de Zakio irradiou em flocos reluzentes e seu corpo foi materializado no ar já bem próximo de nós, assim ele agarrou sua espada novamente.

Um teletransporte.

Hah! — ele rugiu girando o espadão em direção aos fios que foram todos rebatidos ao mesmo tempo.

Faíscas estourando pelo ar.

O som estridente estremeceu meus ossos. Cada um dos fios sendo desviados de seu alvo ao colidir com a grande espada.

Aterrissando sobre o chão o espadachim parrudo relaxou os ombros sem olhar para trás. Que exibido de merda.

— C-Capitão Zakio, o que significa isso?!

— Não abaixem a guarda, está vindo e parece ser bem poderoso.

“Poderoso? Eu só tenho uma adaga suja de sangue aqui!”, gritei mentalmente ao apertar o punho da Moon Blade perdido em receio.

Todos nós olhamos para o fim do espaçoso corredor.

Passos ressoaram, dando entrada para o novo personagem desse Show caótico.

A figura com uma postura calma tinha curvas realçadas por um tipo de manto negro que ocultava quem era.

Havia uma grande abertura no lado direito do tecido escuro que ela trajava dando visão para uma perna forte e bem pálida acompanhada de um salto-alto que tocou sobre o piso após subir o último degrau da escada, que dava acesso ao andar onde estávamos.

O salto-alto da cor obsidiana fez um som oco e suave por todo o ressinto no que um calafrio subiu pela minha espinha.

Oho... parece que você realmente não era tão fraco, Jack Hartseer, seus amigos fizeram questão de acabar com tudo mesmo que eu já tivesse feito um plano perfeito, que interessante.

Clink!

O som familiar do pequeno isqueiro tendo sua tampa aberta adentrou meus ouvidos fazendo um ponto de exclamação piscar em minha mente.

— Essa voz, esse barulho... não pode ser. — Meus olhos se arregalaram.

 Uma presença avassaladora tomando conta de tudo ao nosso redor.

Essa figura mesmo que oculta pela escuridão ainda tinha um pequeno brilho azulado nos seus dois olhos, eles queimavam em um poder que exalava em vapor no meio do breu dentro do capuz que dificultava ainda mais sabermos quem era, ou melhor, dos dois que estavam comigo saber até porque eu já tinha um palpite em mente.

“Senhorita Hordrik?!”, mordi os lábios de medo apenas por pensar.

Analisando melhor, a senhorita Hordrik era boa em combate, pelo menos quando treinei com ela seus movimentos eram bizarramente rápidos.

É claro que ela estava pegando leve comigo também, mas será que Zakio e Renard conseguiriam lutar se ela fosse realmente a pessoa no final desse corredor?

A insegurança fez meu corpo tremer na medida que Renard passou por mim tomando a frente.

— Chega disso, qualquer um que ameace o capitão é um inimigo.

No mesmo instante uma camada reluzente da cor de sangue e também meio transparente revestiu as paredes junto do chão.

Um arrepio percorreu pelo meu corpo cansado.

Era muito familiar ao sentimento que eu tinha quando a senhorita Hordrik penetrava minha alma com suas pupilas da cor safira.

[Perigo! Um combate se aproxima!]

O painel flutuante que surgiu sob meus olhos não mentia.

As janelas abruptamente se racharam despedaçando-se em cacos de vidro, de cada uma vultos distorcidos pularam.

Vupt! Zuuush!

Renard pulou para trás enquanto Zakio balançou sua pesada espada para cima dilacerando as partículas de ar.

Em poucos segundos sangue banhou as paredes e o piso do corredor foi preenchido de corpos decapitados.

Meu coração acelerou.

Renard se manteu na minha frente, em sua mão uma grande lança com uma ponta de cor meio esmeralda surgiu.

Faíscas esverdeadas brilharam ao redor da pontiaguda lança suja com musgo.

— Para trás garoto.

— Eu odeio dizer isso, mas Jack, tente não se pôr em perigo. — Zakio retrucou ao balançar sua espada gigante novamente, limpando-a do sangue.

Passos! Passos! Passos!

Ambos arrancaram em linha reta na direção do oponente que se ocultava nas sombras do fim desse corredor que agora parecia muito maior.

Passos ferozes prontos para destruir qualquer coisa que estivesse pela frente.

Renard pulou por cima de Zakio girando sua poderosa lança e antes mesmo de tocar o chão lançou-a na reta do oponente.

Skill On! Arma Link!

Skill On! Arma Link!

Suas vozes dominaram o cenário ao mesmo tempo que foram entoadas.

A investida feroz prosseguiu com Zakio também jogando sua espada que viajou os ares juntamente da lança.

Mais inimigos pularam pelas janelas intermináveis, cada um usando um tipo de arma diferente indo de facas de cozinha até coisas que não necessariamente fossem armas, como tesouras de jardinagem.

Zakio se esquivou de um chute logo em seguida contra-atacando com um poderoso chute giratório até parecendo um tornado fodão.

Renard por sua vez pulou contra uma das paredes chutando-a para no fim ganhar impulso suficiente e acertar em cheio outro inimigo que iria perfurar as costas de Zakio com uma espada, um dos guardas da mansão.

Seus movimentos sincronizados eram capazes de neutralizar cada um dos oponentes sem nenhuma dificuldade, parecia uma dança.

Na medida que ambos atravessaram o corredor pude ver uma estranha aura emanar da camada avermelhada que revestia as paredes e o piso.

“Isso não me cheira bem.”, foi o que eu disse em pensamentos antes mesmo de soltar um grito.

— Espera... Cuidado!

Meu grito desafinado foi o que sobrou quando consegui enxergar a figura no fundo do corredor erguer uma das mãos e selá-la apertando com o força o punho.

Nesse instante, nesse momento, Renard cruzou a distância como um míssil e agarrou sua lança.

A espada de Zakio se desfragmentou em poeira reluzente e a lança de seu companheiro foi envolvida por um grande círculo brilhante igual ouro, que continha um desenho estranho no meio.

“Um círculo mágico?! Ah, isso aqui ainda é um Isekai no final das contas.”, ponderei ao ver a lança sendo destorcida moldando-se em uma nova arma.

A lança agora tinha duas grandes lâminas divisórias em cada lado da sua ponta principal que seria usada para atacar, na segunda extremidade onde não deveria haver nada, uma esfera nebulosa flutuava e dentro havia um círculo mágico irradiando.

— E-Eles fundiram as armas! — pensei em voz alta.

Renard avançou balançando a nova arma enquanto seus joelhos se dobravam e seu corpo inclinava para frente como um Ninja.  

Vupt!

Ele chutou o piso lançando-se aos ares. Seu sobretudo negro balançou em pequenas ondas.

Com uma acrobacia maluca e bem foda girou com tudo a lança meio espada jogando a extremidade retangular de duas lâminas pra cima do seu alvo, a figura encapuzada no fim do corredor.

Raios azulados de energia emanaram do ataque, refletiram na cerâmica e nos cacos de vidro jogados pelo piso.

Um barulho avassalador, algo como um rugido de um leão, não, um dragão!

Esse estrondo poderia engolir qualquer pingo de confiança ou arrogância que um ser pudesse demonstrar, meu corpo estremeceu.

A vibração do impacto percorreu até mesmo pela minha pele fazendo-me suar em pura covardia e temor no que meu grito rasgou minha garganta molhada de sangue.  

— RENARD, NÃO!

— Kukuku! Ahahaha! É inútil! — Uma risada poderosa e de tom forte ressoou dos fundos do corredor.

Era tarde demais, eu percebi tarde demais.



Comentários