Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 126: O caos se espalha

Como era de costume durante o Festival da Geração do Caos, grande parte dos integrantes da Família Xiao haviam descido para o centro da cidade a fim de participar das comemorações, incluindo figuras proeminentes, como Anciões, Líderes Setoriais e Guardiões. Mas é claro que alguns entre eles acabaram sendo obrigados a permanecer em seus postos.

Embora não seja tão comum o surgimento de monstros vindos da Montanha Ancestral de Jade ― ao menos não tanto quanto é na Floresta das Mil Perdições ―, cultivadores capazes de proteger o território sempre são deixados para trás em dias como esse.

No entanto, é válido dizer que, para todos aqueles seguidores de Enlai e indivíduos que preferem se manter neutros na disputa, foi uma grande surpresa quando praticantes que deveriam estar na cidade surgiram de repente, atacando-os sem o menor aviso.

A maior parte dessas pessoas estavam em seus postos, juntos às suas respectivas equipes, cumprindo o papel que lhes era cabido dentro da Família, quando a ofensiva teve início. Mesmo assim, aqueles homens e mulheres ainda eram praticantes treinados e uma simples tentativa organizada por pessoas capazes de ocultar suas Energias Espirituais não bastaria para subjugá-los de imediato. Porém o maior espanto aconteceu ao perceber que os atacantes eram colegas e vizinhos que todos os dias os cumprimentavam, mas agora tentavam matá-los.

Em poucos minutos após o primeiro ataque, em cujas consequências atingiram até mesmo a cidade, diversos conflitos se espalharam quase simultaneamente por todo o território da Família. Alguns grupos sequer tiveram a chance de reagir quando foram atingidos por ataques covardes de pessoas se escondendo nas sombras, outros defenderam-se no primeiro instante e logo trataram de iniciar um contra-ataque, no entanto.

À medida que a contenda aumentava, gritos de dor e lamentação ganhavam forma, acompanhados de berros ominosos e incitações violentas. Por todos os lados, luzes coloriam o céu com cores hediondas que desejavam arrancar o coração dos hostis e trazer a vitória para o seu lado. O chão tremia lançando vibrações capazes de fazer a terra se abrir em fendas largas e profundas, o ar rodopiava e uivava feito uma tempestade cuspindo lufadas cortantes.

A disputa tinha acabado de começar, arrastando até mesmo algumas pessoas que não desejavam estar envolvidas. Mas o caos aumentava a cada segundo ao passo que o embate entre os poderosos praticantes se intensificava e o número de pessoas envolvidas crescia.

Em um canto perto da fronteira com os Xus:

― Por que vocês fizeram isso, seus desgraçados?! ― gritava um homem em desespero, segurando nos braços o corpo ensanguentado de um amigo, que apesar de ainda apresentar algum calor, tinha os olhos abertos feito um peixe apodrecendo fora do lago.

― O motivo não importa! ― vociferou o outro amigo, que apesar de estar tentando se conter, exibia uma clara expressão de indignação e perturbação diante do acontecido. ― Eles apareceram do nada e nos atacaram de surpresa. Não interessa se é um Líder Setorial ou dois, vamos acabar com eles!

Embora estivesse com uma pessoa a menos, a dupla estava bem mais agitada por ter perdido um amigo do que temerosa por precisar enfrentar cinco praticantes conhecidos.

Seja como for, uma coisa era certa: eles não eram os únicos enfrentando desvantagens.

Em uma parte qualquer do território...

Duas mulheres estavam descendo uma colina às pressas enquanto olhavam sobre o ombro a todo instante, apreensivas. Ambas tinham a respiração ofegante e os olhos e ouvidos bem abertos, atentos a qualquer mudança preocupante. Uma delas exibia uma grande mancha vermelha na cintura do lado direito e um rasgo no vestido, mas isso parecia não incomodá-la, pois continuava correndo a toda velocidade, seguindo a companheira de perto.

― Por que estamos fugindo?! ― perguntou a que não estava ferida. ― Vamos parar e confrontá-los.

― Não! ― repreendeu a outra, que mantinha a mão na cintura, apertando forte para tentar estancar o sangramento. ― Eles são muitos e sem conseguir sentir a Energia Espiritual, não podemos saber se ainda existem outros escondidos. Vamos recuar e nos juntar ao nosso esquadrão. Depois contra-atacamos.

A primeira mulher não ficou muito contente com a decisão, mas respeitou a autoridade da colega. E assim, juntas desceram a colina.

Ao mesmo tempo, em frente ao Salão dos Aprendizes...

― Jingguo! Em nome do Patriarca Dong, eu ordeno que você e seu subordinado se afastem deste lugar! ― exigiu um sujeito baixo, mas de barriga rechonchuda, que vinha acompanhado por uma mulher e três homens. ― Enquanto a desagradável situação não se resolver, nós iremos interditar todas as fundações pertencentes à Família.

― Não seja tão arrogante, Shoushan! ― grunhiu Jingguo, estreitando os olhos castanhos para encarar o inimigo de uma forma intimidadora. ― Nossa função é proteger esse lugar, mesmo de você.

― Que assim seja. Ataque!

― Não os deixem entrar!

Naquele instante, a batalha para definir a posse de um importante ponto da Família teve início, mas não foi a única. Todas as principais sedes estavam sendo atacadas, como os salões responsáveis por guardar Técnicas e pergaminhos indispensáveis, o Almoxarifado de Ervas Espirituais e até mesmo os locais conhecidos apenas por um número ínfimo de pessoas, os quais guardavam os maiores segredos dos Xiaos.

Por todo o território, brigas aconteciam, espalhando um verdadeiro caos cujas reverberações chegavam a afetar até mesmo a cidade. A cada minuto que passava, mais pessoas se juntavam ao conflito e isso servia apenas para inflamar a disputa.

A situação dentro da Família Xiao era crítica e se tornava mais grave a cada segundo. Entretanto, a coisa não era muito diferente na cidade onde o caos crescia, espalhando medo e insegurança no coração de muitos.

Em frente aos portões que separavam o território da Família Xiao e a Cidade da Fronteira do Caos, uma multidão se apertava e empurrava, tentando penetrar o bloqueio de cultivadores Zhans que se colocavam no caminho, impedindo qualquer um de passar.

Aqueles membros preocupados dos Xiaos estavam desesperados para fazer alguma coisa. Sentiam-se impotentes e assustados por saber que o lugar no qual nasceram estava passando por um momento conturbado e não conseguiam fazer nada, pois um bando de pessoas de fora haviam decidido se tornar um obstáculo.

A cada tremor e explosão, seus corações paravam, temerosos pelo macabro desfecho que aquele evento poderia sinalizar. Mesmo estando tão distante, alguns deles podiam jurar ter ouvido um de seus familiares gritar, escutado o último suspiro de um amigo, o arquejo melancólico de um amado, uma amada.

A maioria das pessoas estavam participando do festival, mas ainda existiam muitas que ficaram para trás, incluindo crianças e indivíduos debilitados. E isso aumentava a urgência das centenas de cultivadores que tumultuavam na frente do portão fechado que era guardado por membros de outra organização.

― Saiam da frente! ― vociferavam algumas pessoas, indignadas por estarem sendo barradas. ― Isso não tem relação com a Família Zhan!

― Nenhum de vocês irão passar por aqui até que as coisas tenham se acalmado. Essa foi a ordem que recebi e vou cumpri-la! ― declarou o praticante responsável por vigiar a entrada.

― O Patriarca dos Zhans não tem qualquer autoridade sobre nós. Abra caminho e nos deixe passar! ― exigiu uma mulher no meio da multidão.

― Essa não foi uma ordem do Patriarca, mas sim do Lorde da Cidade. E vocês vão obedecê-la, do contrário seremos forçados a agir.

A essa altura já havia ficado claro para todos que aqueles sete homens e mulheres do Reino Virtuoso, e mais um do Espirituoso, não deixariam ninguém passar pelo portão. Mesmo assim, um valente Mundano de 7ª Camada decidiu desafiar a segurança fortificada e tentou driblar o bando, tirando proveito do tumulto.

O corajoso conseguiu dar quatro passos rumo ao portão, passando pela linha defensiva composta pelos representantes do Lorde da Cidade, e por um instante acreditou que conseguiria. Mas então, antes de perceber o que havia acontecido, ele foi derrubado e imobilizado sem qualquer chance de reação.

Encorajado pelo acontecimento, o homem que há pouco discutia com os desesperados integrantes dos Xiaos deu um passo em frente e falou:

― Nós não permitiremos que nada coloque em risco a integridade da cidade e de seus habitantes. Se necessário, iremos usar nossa máxima força.

Após isso, os resmungos apenas cresceram e o clima de hostilidade se intensificou, com muitos dispostos a se arriscar, apesar de existir um Espirituoso do lado deles. Entretanto, poucos entre a maioria decidiram manter a calma e idealizaram um plano.

― Se ficar para confrontar um Ancião, só iremos gastar nossas forças e nunca conseguiremos passar ― disse um dos Guardiões que estava na cidade para apreciar o festival. E o grupo singelo de dez cultivadores o escutou. ― Sendo assim, vamos dar a volta por fora da muralha.

― Mas isso pode levar muito tempo e ainda existe a chance de encontrarmos Bestas Demoníacas pelo caminho ― argumentou o colega.

― E é por isso que vamos passar pelo território dos Xus ― informou o Guardião, confiante em sua estratégia. ― Eles não possuem muitos cultivadores e a maioria dos que são capazes de nos detectar estão aqui.

O grupo ponderou por mais alguns instantes, mas no fim a decisão já havia sido tomada. E juntos partiram rumo a uma das saídas da Muralha Protetora do Caos, com o objetivo de contornar a cidade. Porém eles não foram os únicos que tiveram essa ideia. Diversos outros decidiram seguir a mesma jornada.

Enquanto os mais valentes e preocupados tentavam de todas as maneiras quebrar a linha defensiva formada por alguns especialistas da Família Zhan, os demais Xiaos estavam juntos com as pessoas da cidade. Uma quantidade enorme de homens, mulheres e crianças se apertavam no centro, receosos pela própria segurança.

Gritos de pavor e arquejos de aflição eram ouvidos em todos os cantos sempre que um barulho anormal tomava conta do que antes era um ambiente festivo. Muitas crianças não resistiram e choraram desesperadas, pois não era normal aquelas luzes colorindo perigosamente o céu noturno.

No entanto, a despeito do pânico que se espalhava pela população, no palco a situação era um pouco mais controlada.

As figuras que governavam as Famílias e a própria Cidade da Fronteira do Caos assistiam observavam o desdobramento do conflito com semblantes resolutos.

― Estranho ― comentou o Patriarca Tengfei, franzindo a testa. A palavra solitária chamou a atenção dos demais líderes, que o fitaram de soslaio, aguardando a conclusão. ― Eu posso sentir Enlai e os outros quando atacam, mas não consigo sentir sequer um único vestígio da Energia Espiritual de Xiao Dong e seus aliados.

Para ele, isso era um acontecimento bastante curioso, que o deixava intrigado.

Ali do lado, a Matriarca Annchi tinha uma expressão severa, de extremo descontentamento. Ela observava as explosões, os lampejos. Escutava um grito ou outro carregado pelo vento e quase podia enxergar as horríveis cenas de matança.

Hunf! ― bufou, aborrecida. ― Rebelar-se contra a própria Família... ― Sua voz trazia um profundo julgamento e censura. ―  Xiao Dong realmente acha que vai se safar disso?

― Se ele decidiu agir, então deve ter um plano em mente ― ponderou Tengfei. ― No mínimo, alguns aliados poderosos.

― Talvez ― grunhiu a Matriarca. ― Ei, você não vai dizer nada?

Annchi mirou o Patriarca da Família Xu, que estava em uma das pontas do palanque. Assim como os outros, ele também tinha o olhar virado para o lugar no qual o confronto acontecia. Porém sua atenção parecia ser outra, pois ele observava o alto, mirando a longínqua montanha.

A poderosa praticante da 6ª Camada percebeu isso e resolveu perguntar:

― Qual é o problema?

― Uma “Tormenta” está vindo! ― A resposta de Xu Jian soou quase como um sussurro temeroso. Seu rosto revelou uma legítima preocupação, a qual colocou rugas em lugares que antes não existiam.

E o mesmo aconteceu com os outros dois líderes, que lançaram olhares apreensivos em direção à Montanha Ancestral de Jade. Não apenas eles, como todos os presentes no palanque ficaram alarmados após receber a informação.

― Você tem certeza? ― indagou Zhan Tengfei.

― Já faz anos que isso não acontece ― observou Qin Annchi, encarando o céu escuro envolvendo a cidade.

― Está um pouco difícil de enxergar, mas se olharem para o topo da montanha, verão que nuvens cinzas começaram a se acumular e estão aumentando de volume muito rápido. ― Embora tivesse certeza do que estava falando, Xu Jian continuava encarando o céu, esperançoso por ter cometido um erro. ― Além do mais, este vento...

Percebendo o quão certo o Patriarca dos Xus estava a respeito de suas afirmações, um novo caos se espalhou pelo palanque e desta vez, nem mesmo os proeminentes Anciões escaparam dos temores que existia na possibilidade de uma tormenta. Os mais jovens, competidores que continuavam por ali após a competição, ficaram pálidos e alguns chegaram a deixar a estrutura às pressas para ir procurar por seus entes queridos, como foi o caso de Xu Meifen. E a maioria dos que permaneceram se encolheram num canto, assustados; embora ainda existissem alguns corajosos.

Jian passou algum tempo olhando a massa densa e cinza que envolvia a Montanha Ancestral de Jade da metade para cima, fazendo-a desaparecer na escuridão da noite. Seu rosto revelava somente preocupação, até que sua expressão mudou, assumindo um toque de urgência e decisão.

― Ushi! ― chamou uma de suas Anciãs. ― Eu irei na frente para averiguar a situação. Quanto a você, reúna todos que estiverem acima do Reino do Despertar o mais rápido possível e me encontre na base da montanha.

Assim que terminou de dar suas ordens, Xu Jian se preparou para sair. Mas antes que conseguisse partir, Zhan Tengfei o interrompeu.

― Espere. Eu irei com você ― disse ele. ― Já que passar pelo território dos Xiaos agora é inviável, o único caminho que leva direto para a montanha é o dos Xus.

― Sendo assim, eu ficarei aqui para o caso de alguma coisa acontecer ― propôs Qin Annchi, disposta a vigiar sozinha cada canto da cidade.

Antes dos dois líderes partirem, o Patriarca Tengfei deu uma ordem muito parecida com a de seu semelhante. Os Anciões de sua Família deveriam pegar todos os cultivadores do Reino Virtuoso e acima e partirem para a montanha assim que estiverem prontos.

Enquanto isso, no quintal da casa do tio Chang, Xiao Ning enfrentava uma situação complicada, pois seu adversário detinha uma força superior a sua própria ou a de suas companheiras de batalha.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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