Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 97: Opressão

Ao fim da batalha entre Zhan Cheng Gong e Wu Lin, o público ovacionou enquanto os membros da Família Zhan se viram decepcionados, mas nem por isso deixaram de dar os parabéns à vencedora. Os dois foram retirados do palco e acompanhados até a tenda médica montada próxima do palanque.

Não foi preciso a avaliação de um especialista para constatar que Cheng Gong ficaria bem. Para sua sorte, a espada sem fio da adversária causou apenas um corte superficial, nada mais do que um talho na pele. Depois de limpar o ferimento, colocar um curativo e tomar um remédio para dor, ele poderia retornar para a companhia dos integrantes de seu grupo.

Por outro lado, a condição de Wu Lin era um pouco mais complicada, pois seu corpo estava coberto de espinhos. Tirar cada uma das farpas seria doloroso e demorado, e mesmo depois que todas fossem retiradas, existia o risco de lascas menores ficarem alojadas debaixo da pele. Uma coisa era certa: as chances de ela se recuperar a tempo da rodada seguinte se mostravam bem pequenas.

Após os dois serem retirados e os vestígios da batalha varridos para fora do palco, os juízes se juntaram para um breve debate e logo ficou decidido que a responsável por arbitrar a próxima partida seria uma integrante da Família Qin.

Uma mulher cuja impressão inicial era de ser alguém com a idade em torno dos trinta anos ― muito embora a jovialidade de seu rosto não fosse tão confiável ―, subiu no palco, chamando a atenção dos espectadores para si. Quando o burburinho diminuiu e a atenção no que tinha a dizer aumentou, ela anunciou:

― Próxima batalha, Zhan Hao contra Xiao Ning.

Alegre com o anúncio, o público vibrou em euforia. Estavam contentes, pois um dos próximos participantes era um jovem que já havia atingido o Reino do Despertar em tenra idade; era sempre uma inspiração assistir uma pessoa talentosa subir no palco e exibir suas habilidades. Deslumbrar-se com as técnicas de um Despertado era o que fazia do Festival da Geração do Caos um evento tão aguardado pelos Mortais. Além do mais, aquele que representaria a maior das quatro organizações dominantes da cidade não era um sujeito qualquer.

Zhan Hao tinha seu nome conhecido em toda a cidade mesmo antes de se tornar um dos poucos jovens a deixar o Reino Mundano. Filho único de Zhan Huán, irmão mais novo do Patriarca Tengfei, ele sempre foi alvo de olhares invejosos e detentor de grandes expectativas.

Desde a infância, Hao recebeu Pílulas e Ervas Espirituais raras. Seu crescimento e Despertar era apenas uma questão de tempo e ninguém ficou surpreso quando, aos quinze anos de idade, ele deixou o primeiro Reino do cultivo, tornando-se, dessa maneira, um dos prodígios a serem observados.

Seu tio, também um Patriarca e Lorde da Cidade, nunca se casou e portanto, não teve filhos. Isso fez do sobrinho um jovem a ser bajulado por uma entidade de poder considerável. As melhores armas e armaduras estavam sempre ao seu dispor, muito embora, não gostasse da mobilidade que os trajes protetores forneciam. E quanto a espadas, lanças, adagas, facões ou qualquer outro objeto utilizado em combate, ele dispensava, pois sempre gostou de se gabar, dizendo que se inspirou no estilo de luta desarmado do tio e do pai.

Quando o público vibrou com a notícia de que a próxima luta seria a de um jovem tão promissor, Zhan Hao se colocou de frente para o parapeito do palanque e acenou em respostas as pessoas abaixo, agindo como se fosse um imperador retribuindo o afeto de seu povo. Notava-se pelo semblante presunçoso enquanto saudava que adorava ser o alvo de tantas admirações e expectativas.

Após um breve cumprimento em resposta aos inúmeros gritos clamando por sua presença, ele se despediu dos membros de sua Família, dizendo que logo voltaria com a vitória, e saiu em direção ao palco.

Ali do lado, Xiao Ning estava escorado no parapeito, com uma expressão de tédio marcando o rosto. Embora tenha sido convocado pela juíza, ele não demonstrava o mínimo interesse em deixar a sua posição confortável de espectador só para ter o trabalho de descer as escadas e subi-las de novo logo em seguida.

― Será que eu não posso desistir daqui, não? ― murmurou, deixando escapar um preguiçoso suspiro.

― Se você quiser desistir, tudo bem, mas faça isso direito. ― Parada ao seu lado, ainda um tanto abalada pelo incidente ocorrido durante sua luta, Xiao Shui não apresentou qualquer objeção quanto à desistência do colega.

Isso era algo que ela já havia dito antes e não voltaria a repetir estando na presença de tantas pessoas, mas achava que não lutar, ainda mais agora que os líderes das outras Famílias estavam prestando bastante atenção neles, era o melhor caminho para manter em segredo a verdade por trás do Alquimista.

O tio Chan, que fazia companhia para os jovens, também fez questão de expressar seu apoio à decisão, sendo o mais discreto possível.

― Pequeno Ning, eu não vou me opor e nem interferir em sua decisão, e acredito que o Patriarca Enlai pense o mesmo, mas para evitar qualquer suspeita, o mais apropriado seria você ir até o palco. Não será tão estranho ver um Mundano temendo enfrentar um Despertado. ― Tirando proveito da algazarra para encobrir sua voz, ele falou em um tom baixo e sussurrante, tomando cuidado até mesmo ao mexer os lábios. Apesar de não ter dito nenhuma palavra reveladora, todo cuidado era necessário, ainda mais estando tão perto de ouvidos atentos em busca de grandes revelações.

Olhando de lado para os demais presentes enquanto entreouvia os sussurros do pai e da irmã, Xiao Chan, que ainda tinha muito para entender toda a questão envolvendo Alquimia, não pôde evitar de participar da conversa e deixar sua observação.

― As outras Famílias estão prestando bastante atenção em nós. ― comentou ele, reparando nos olhares de soslaio que os Anciões e líderes ali presente lançavam em direção ao grupo. A despeito da tentativa pífia de disfarçar, no instante em que Ning, um dos representantes dos Xiaos, foi chamado, todos tiveram a atenção dobrada, como se um evento importante estivesse para acontecer. Era evidente que nenhum deles sabiam de coisa alguma, mas, caso conseguissem obter mesmo que uma pequena pista, isso poderia trazer a resolução de um mistério significativo. ― Se eles suspeitarem de algo, isso pode nos trazer problemas. Talvez, não lutar seja a melhor opção.

Apesar de ter acabado de chegar na cidade e ainda existir muitas coisas que precisava entender, Xiao Chan estava em pleno acordo de impedir o alvo de investigações escusas de se expor na frente de tantas pessoas perspicazes. Já seria um grande problema deixar as outras Famílias descobrirem o segredo de Ning, no entanto, ainda era preciso levar em consideração aqueles inúmeros forasteiros presentes na cidade nesse momento.

O tio Chang, como já havia se expressado, também concordava com a opinião dos filhos no que se refere a desistência do afilhado. Entretanto, ainda assim, possuía preocupações legítimas que precisavam ser levadas em consideração.

― Muitas pessoas estão nos observando e qualquer movimento poderá gerar desconfiança. ― disse o 9º Ancião, cauteloso quanto a decisão correta a se tomar. ― Mesmo se você se render alegando estar com medo de lutar, alguns ainda irão desconfiar. Porém, essa parece ser a escolha mais segura a se tomar. ― avaliou, olhando para o afilhado. ― Seja como for, pequeno Ning, a escolha do que fazer é sua. Mas existe uma coisa em que eu gostaria de ter sua palavrar se decidir lutar, sob hipótese alguma use “aquilo”. ― alertou, expressando um semblante sério, enquanto tentava ser neutro e não usar palavras incriminadoras. ― Você está entendendo? Sob hipótese alguma use “aquilo”! ― reforçou o aviso.

Ele desejava ser explícito e usar palavras mais diretas para alertar Xiao Ning, pois sentia que a desatenção era um fator preocupante, visto que o preguiçoso tinha a péssima mania de levar questões importantes levianamente. No entanto, devido aos inúmeros ouvidos atentos os cercando, precisava tomar cuidado com as palavras e tudo o que podia fazer era torcer para ser compreendido.

Porém, a despeito da inquietação apresentada por todos ao seu redor, o Alquimista e centro da tensão gerada sobre o palanque, mantinha sua costumeira expressão despreocupada. E após escutar o que os demais tinham a dizer, Xiao Ning falou, usando um tom relaxado:

― Vocês estão se preocupando à toa. Eu vou lá rapidinho me render e volto num instante.

Dispensando mais comentários, ele se virou e rumou em direção às escadas que levavam a saída do palanque.

Vendo-o se afastar arrastando os pés numa postura descompromissada, o tio Chang deixou escapar um suspiro inquieto, enquanto Xiao Shui balançava a cabeça e resmungava. Aquele preguiçoso havia entendido ou ao menos escutado o que eles disseram?

Por outro lado, Xiao Chan levantou o braço e acenou.

― Boa sorte! ― disse ele em tom de despedida, esbanjando um sorriso sossegado. Não adiantava muito ficar se preocupando.

Zhan Hao estava parado no meio da arena, aguardando a chegada daquele que tanto o insultava. Sua suntuosa capa bordô, que trazia estampado nas costas o brasão de sua Família ― um arabesco prateado de vinha de três pontas, com uma fruta em cada extremidade, representando: Essência, Poder e Soberania ― drapejava ao vento, trazendo uma sensação de imponência e supremacia.

Com as mãos apoiadas na cintura e o peito estufado, ele exibia sua melhor pose dominadora, resoluta e inabalável. O público clamava por seu nome, soltando elogios e glorificando os poucos feitos que o fazia ser reconhecido e o tornava uma promessa futura. Sendo aclamado e ovacionado, seu ego ostentoso se inflava a tais alturas que nem mesmo um rei ou imperador poderia alcançar. E isso ficava evidente ao se notar seu nariz empinado, apontado para a lua.

Zhan Hao estava adorando ser bajulado, tanto que, não se importou com a demora da chegada do oponente. Aquele era o seu momento, momento no qual sua fama se elevaria a novas alturas, e aproveitaria cada segundo disso.

Xiao Ning demorou algum tempo para se apresentar e quando subiu no palco, tornou-se notório pela expressão sonolenta em seu rosto que não tinha a menor intenção de levar essa disputa adiante. Não existia apreensão em seu jeito de agir, apesar da possibilidade de enfrentar um Despertado, ou cautela por causa da diferença de Energia Espiritual. A única coisa o acompanhando era um par de olhos mortos e muita preguiça.

Para sua surpresa, quando subiu na arena, ele, que não era conhecido dentro da Cidade Fronteira do Caos pois não dispunha de grandes conquistas e acontecimentos marcantes, foi recebido com aplausos e empolgação. Gritos de encorajamento surgiram aqui e ali em meio à multidão. Eram membros jovens da Família Xiao cumprindo a função de torcida.

Ele ainda possuía a má fama criada e expandida pelos rumores, tanto que, muitos daqueles que portavam o mesmo sobrenome continuavam acrescentando detalhes inventados e debochando durante interações sociais. Porém, após o Evento de Seleção, diversas pessoas deixaram de acreditar nos boatos e passaram a enxergá-lo sob novas perspectivas.

Ao notar os aplausos e todo o resto, Xiao Ning precisava admitir que isso o fez se sentir mais confiante, contudo, no fim, nada disso importava, pois não mudava o que iria fazer.

Quando viu seu adversário subir no palco, Zhan Hao inflou ainda mais o peito e abriu um largo sorriso desdenhoso, que trazia em sua conjectura a sugestão do triunfo e a iminência da retaliação. Em um gesto de afronta, ele se adiantou, ficando frente a frente com o seu rival, e, mantendo uma postura absoluta, falou:

― Estou surpreso por um covarde folgado feito você não ter fugido! ― Sua voz era alta e teatral, buscando alcançar quantos ouvidos conseguisse enquanto proferia seus insultos bem articulados. ― Devo reconhecer sua coragem por se manifestar em minha presença. Pensei que a essa altura já estaria atravessando o Rio Marrom.

Pela sua forma de agir era evidente que almejava arrancar sentimentos de insatisfação e indignação. Suas palavras tentavam de alguma maneira vingar as provocações que tanto sofreu e, da mesma forma, devolver a frustração.

Entretanto, a despeito de sua tentativa banal, Xiao Ning mantinha uma expressão relaxada e até mesmo permitiu-se soltar um longo bochecho ao mesmo tempo em que coçava a cabeça.

― Eu não quero nadar. ― disse ele, em um tom arrastado e sonolento. ― Para ser sincero, fiquei cansado só de descer aquela escada. E pensar que daqui a pouco vou ter de subir de novo... ― soltou outro bocejo. ― Ah! Que pena. E eu já estava até começando a me acomodar. ― suspirou.

― Você pode fingir que não se importa ou que não sente medo em estar na minha presença, mas seu disfarce não irá me enganar. ― declarou Zhan Hao, gesticulando os braços de um modo bastante espalhafatoso. ― Posso sentir o pânico em sua voz. Muito bem, para demonstrar minha clemência e grande bondade, aqui e agora, tendo todas essas pessoas como testemunhas, irei lhe dar uma chance para se redimir de suas transgressões. Faça isso e prometo que serei brando.

Não apenas suas palavras ou o tom de sua voz, mas seu comportamento no geral, balançando os braços e articulando os movimentos para acompanhar o que tinha a dizer, era de um exagero incoerente.

Vendo aquilo, Xiao Ning não pôde evitar de comentar enquanto exprimia uma sorriso divertido:

― Você é bastante dramático, sabia, Pomposo? Já pensou em fazer aulas de teatro? ― brincou. ― Além do mais, pelo que eu preciso me desculpar?

― Maldito! ― rugiu Zhan Hao, erguendo o punho direito fechado. ― Eu tenho um nome e exijo ser chamado por ele!

Hm... É mesmo? Tem certeza que não é Pomposo? ― debochou, sem a intenção de ser debochado.

― Como ousa usar de sarcasmo e ainda insultar a honra da senhorita Xia? ― ralhou Zhan Hao, apontando um dedo acusador.

― Eu não estou sendo sarcástico. ― respondeu Xiao Ning, em cuja expressão modorrenta no rosto revelava o pouco interesse na conversa. ― E também não estou insultando ninguém. ― afirmou, convicto.

― Ainda se atreve a negar? ― retrucou Zhan Hao, bastante dramático ao exprimir a voz e proferir a acusação. ― Você a envergonha em público com pedidos descabidos, a importuna durante passeios e a perturba por efeito da mera apresentação de sua presença.

A cada imputação seu tom se elevava alcançando novas alturas, encorajado pela certeza de ter a razão como aliada. Sua empolgação se tornava mais evidente e dramática a cada instante, acompanhada por movimentos hiperbólicos e gesticulações desmedidas. Estar certo ou errado se tornava um detalhe, ao passo que o ego era impulsionado pelas exclamações do público, que vez ou outra suspiravam e reagiam igual a espectadores deslumbrando de uma peça enternecedora.

― O único que está envergonhando a pequena Xia é você, não percebeu isso não? ― Xiao Ning se mantinha alheio às acusações, mas era difícil ignorar a tolice que estava ouvindo. ― Ela já falou que eu não estou incomodando e até mesmo prometeu me emprestar algumas moedas de ouro depois (já que é rica), e, ainda assim, você se recusa a escutá-la.

― Quando foi que a Srta. Xia prometeu emprestar-lhe dinheiro? ― questionou Zhan Hao, estranhando a aleatoriedade da afirmação.

Ahahah! Acho que posso ter entendido errado. ― Xiao Ning esboçou um sorriso relaxado e coçou a cabeça. Não tinha feito nenhum pedido durante o encontro que tiveram mais cedo, porém, podia jurar que ouviu ela falar em “compensação”. ― Seja como for, eu não tenho interesse em lutar. Ei, juíza ― chamou, olhando de lado, para a responsável por julgar essa partida. ― Eu me rendo.

A declaração repentina pegou muitas pessoas de surpresa, deixando a maior parte dos espectadores e a árbitra da Família Qin sem reação. Mas não demorou muito e uma onda de vaias e queixas se iniciou, acompanhada por insultos e indignações. Mesmo aqueles que aplaudiram a chegada de Ning se revoltaram diante da ação covarde.

Estavam todos muito ansiosos para ver a disputa do único sobrinho do Patriarca Tengfei e também um cultivador da 1ª Camada do Reino do Despertar e a rendição apenas servia para prolongar a espera.

Enquanto o público se alterou, dividindo-se entre as reclamações e a zombaria, o tio Chang e os demais membros da Família Xiao que detinham conhecimento do segredo, embora não se sentissem à vontade com a suspeita que a atitude poderia levantar, ficaram aliviados em saber que não precisavam mais se preocupar em ser expostos.

A única exceção foi a 2ª Anciã Ah-kum, que reprovou a rendição. Apesar de entender os benefícios de manter o suspense e a discrição, desejava ver uma batalha emocionante. Para ela, a vida não tinha graça sem correr riscos.

Ao ouvir o anúncio do participante, a juíza se adiantou e questionou:

― Você tem certeza que quer desistir? ― Não era incomum esse tipo de coisa acontecer ao longo das disputas, mas, geralmente, as desistências só começavam a partir da segunda rodada, quando o cansaço e os ferimentos passavam a se acumular. Mesmo estando em desvantagem de poder, os jovens costumavam tirar proveito da oportunidade para testar os próprios limites.

Ignorando os numerosos gritos de reprovação e vaias vindo do público, Xiao Ning, que não estava mais dedicando a mesma atenção a aquele que deveria ter sido seu oponente, abriu a boca para responder:

― Sim. Eu não quero me machu...

No entanto, antes que fosse capaz de terminar a fala, de repente foi interrompido.

― Seu covarde! ― vociferou Zhan Hao, batendo o pé contra o piso da arena. ― Parece que eu lhe dei méritos demais antes, mas, no fim, não passa de um rato! ― acusou, engrossando o tom de voz. ― Mesmo depois de ter cuspido tantas ofensas, você foge tal qual o pusilânime que é?

― Pusi... pusi... ahn? ― Xiao Ning franziu as sobrancelhas, conforme tentava repetir a estranha palavra que acabara de ouvir.

― Enfrente-me, se tiver a coragem! ― continuou Zhan Hao, tornando-se cada vez mais exacerbado, ao passo em que os gestos teatrais se intensificavam. ― Aqui e agora, colocar-te-ei em seu lugar para que jamais volte a difamar o nome alheio! ― Suas palavras carregavam a emoção de uma pessoa determinada e a crença inabalável das próprias verdades.

― Não importa o que você diga, ainda não pretendo lutar. ― Entretanto, apesar das tentativas do adversário, Xiao Ning se mantinha calmo e indiferente. Desconsiderava cada uma das acusações.

― Um covarde da cabeça aos pés! ― bufou Zhan Hao, revoltado. ― Não me surpreende que a Srta. Xia tenha rompido o noivado. Deve ter sido uma vergonha ficar comprometida a tal existência miserável por tanto tempo. Mas pensando bem, sem pai e sem mãe, um órfão miserável, é compreensível tamanha incompetência. ― Sendo observado por milhares de pessoas, ele se empolgou nas acusações. ― Seus pais devem estar decepcionados, assistindo do outro mundo a desgraça que o filho se tornou.

― O que você falou, pirralho? ― Neste momento, uma mudança súbita, mas ainda sútil, sombreou a expressão de Xiao Ning. As sobrancelhas se juntaram e os lábios franziram, ao passo em que os olhos se estreitaram e a sonolência murchou.

Sem notar a alteração causada na outra parte, Zhan Hao prosseguiu com seu discurso difamador, dispensando qualquer medida ou discernimento em suas palavras:

― A mãe morreu pouco depois do filho nascer e o pai, assassinado por Bestas Demoníacas. A fraqueza e covardia estão no sangue. Sua mãe deve estar comemorando no túmulo por não precisar ver o fracasso que sua esperança se tornou.

― Você parece estar bastante determinado a se tornar meu inimigo, seu moleque insignificante! ― O ar ao redor de Xiao Ning de repente se tornou mais pesado e uma atmosfera opressora se espalhou pela arena. Seu rosto foi marcado por uma expressão soturna e qualquer sinal de desleixo se tornou uma vaga impressão distante.

Zhan Hao sentiu a mudança como um sopro hediondo exalado da boca infernal de um abismo profundo. Cada instinto de autopreservação em seu corpo foi ativado, à medida que uma sensação tirana afligiu seus pulmões, roubando-lhe o ar e mergulhando sua mente num torpor desvairado e profano.

― Garoto, antes de cruzar essa linha, é bom saber que a morte é um privilégio guardado somente aos meus oponentes! ― A voz de Xiao Ning exprimia um tom grave e imperioso; seus olhos assumiram tal frieza sepulcral que era como olhar nos olhos da morte enquanto essa chamava seu nome e guiava sua alma através de uma dança blasfema até os umbrais de um mundo execrável.

Sentindo um pavor ominoso, Zhan Hao saltou para trás, mantendo um espaço seguro entre ele e a criatura inominável que se colocava em sua frente. Não sabia de quais terras amaldiçoadas aquilo vinha, mas um pavor desumano tomou conta de seu coração, afogando sua sanidade no intocável e inexplorável profundo obscuro.

A despeito de toda a valentia e determinação demonstrada mais cedo, ele estava apavorado com a aterrorizante súbita mudança apresentada pelo inimigo. Sua respiração se tornou pesada, conforme gotas de suor frio começavam a brotar e escorrer ao longo de sua testa. Seu rosto assumiu uma tonalidade cadavérica, como se o sangue correndo por suas veias tivesse sido drenado em algum ritual ímpio e suas pernas tremiam ameaçando ceder.

O jovem sobrinho do líder da Família Zhan não foi o único a ter os sentidos alertados. A juíza responsável pela partida, que estava em um canto da arena, ao sentir a alteração na atmosfera e a manifestação de uma palpável intenção sanguinária, prendeu a respiração e se preparou para a batalha. Mesmo ela, uma Virtuosa, não conseguia se manter alheia ao tenebroso episódio que recaiu sobre a arena; tratava-se de uma Opressão jamais sentida em toda a sua vida.

Zhan Hao sabia, pela lógica, que sua vida não estava em perigo, pois se algo de extremo acontecesse, haveria todos aqueles especialistas por perto para intervir e seu tio, um Soberano, também estava logo ali. No entanto, isso não o impediu de sentir o mais primitivo dos medos. Seu coração palpitava e até mesmo a palma de suas mãos e suas costas passaram a suar frio. Era certo que nada lhe aconteceria, mas era difícil ignorar o receio e calar a voz em sua cabeça alertando para o perigo iminente.

Por um instante, ficou sem saber o que fazer, como reagir. Até que...

Ahahahaha! ― Xiao Ning caiu na gargalhada. Seu sorriso extrovertido, semelhante ao de um velho desajuizado, reverberou pelo palco, quebrando a tensão. ― Um pirralho catarrento feito você não tem o que é necessário para ser meu inimigo! Ahahahaha! ― Sua risada zureta chamou a atenção de todos aqueles que haviam ficado cautelosos, levando estranhamento e dúvida as suas expressões.

― Qual... qual o seu problema? ― Zhan Hao ainda parecia bastante assustado, mas a mudança súbita e controversa trouxe de volta um pouco da coragem que tinha perdido.

Ignorando a pergunta feita, Xiao Ning falou:

― Mas sabe de uma coisa, garoto? Você é arrogante demais. Parece que seus pais não lhe ensinaram boas maneiras. ― Exibindo um sorriso travesso, ele olhou para o lado, mirando a juíza, a qual, julgando pelo semblante confuso e cauteloso, demonstrava não ter se recuperado completamente da apreensão, e questionou. ― Ei, eu posso retirar minha desistência?

Ela, por sua vez, balançou a cabeça, livrando-se do estranhamento gerado por toda a situação, e informou:

― A partida ainda não havia começado oficialmente, então, não há problemas.

― Entendo. Nesse caso... ― Com um movimento de mão, Xiao Ning retirou a lança de ébano que havia recebido de presente da 2ª Anciã de dentro da Bolsa de Armazenamento. Ele segurou o cabo e girou a arma entre os dedos, demonstrando certa maestria. ― Muito bem, Pomposo. Eu irei lhe ensinar uma lição no lugar de seus pais! ― declarou, exprimindo um sorriso malicioso.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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