Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8

 

Cidade de Revin.
Na casa dos Sanju.


— Toda essa história foi... — disse Edo, procurando a palavra certa enquanto Kishi o olhava.

— Inacreditável? — falou Alissa.

— Satisfatória. Agora temos um melhor entendimento da situação — completou. — Agora temos um caminho para nos guiar, depois de conseguirem os orbes, o que vocês fizeram com eles?

— Gaia estava maravilhado com aquela descoberta, muito mais que os demais — explicou Kishi —, haviam diversos documentos criptografados, então demoramos um pouco para  os decifrar. No fim, descobrimos que os orbes são a chave.

— Eu me lembro de vocês terem comentado, é o portão Guodan? — perguntou a moça.

— É GyoDan. — O senhor Edo a corrigiu — Então vocês abriram o portão e foi assim que esse Noredan se libertou… — Ele estava desacreditado, mexer com aquelas forças da natureza nunca poderia terminar bem.

— Sim, mas não consigo me lembrar de mais nada — Mentiu, ele abaixou a cabeça envergonhado, sabia que havia quebrado um tabu e por conta disso… aquilo tudo ocorreu. — Apenas me lembro que fomos ao Deserto que Caminha.

— Aquele lugar é uma zona de energia mágica imensurável, faz sentido o portão estar lá.

— Esses orbes — interrompeu Alissa —, são a chave para abrir o portão, e também são os itens que aprisionaram os noredans lá. Não podemos selar esse noredan novamente?

— Não é tão simples. Kishi não sabe onde estão os orbes agora e, mesmo se soubesse, nós não conseguiríamos os pegar.

— Por quê?

— A Lótus Negra. — Quando Kishi disse aquele nome, Alissa estremeceu. — Eles têm espiões por toda a parte, qualquer movimento irá chamar a atenção deles.

— Mas para eles você morreu, podemos usar isso a nosso favor.

— Aquele cara da lança mencionou um "noredan elétrico", no mínimo, eles sabem sobre a lenda dos Noredans e sabem que a morte nos deixa mais forte. 

— Então porque deixaram seu corpo lá? Se cometeram um erro desses, é porque não devem conhecer a lenda completa. Vamos atacar agora enquanto estão relaxados, com um pouco de sorte nós-

— Não Alissa! — interrompeu o pai de Kishi. — A Lótus Negra não é um mero grupo de arruaceiros, é impossível para nós vencermos um exército.

— Algo me preocupa — disse Kishi — Os Noredan são uma força de poder desconhecida, as Dez Grandes Famílias adorariam colocar a mão em todo este poder. E se a Lótus decidir vender as informações que tem sobre os Noredans? 

— Não, o rei jamais aceitaria isso. Nesses últimos 3 anos a Lótus Negra deu inúmeros prejuízos às famílias. Saquearam nobres e incitaram o povo à rebeldia. Em pensar que Hakuro, um único homem dominou uma das três maiores forças do reino em uma única noite.

— Que se foda Hakuro e a Lótus! — gritou a jovem irritada, ela não suportava ouvir o nome da Lótus Negra sem se irritar e se lembrar do incidente com seu pai. — Eles são apenas assassinos e mentirosos, dizem lutar a favor do povo e matam inocentes! Não podemos ficar parados, o Kishi tem pouco tempo sobrando.

— Foi a minha imprudência que começou tudo isso. Não podemos agir pela emoção. — Alissa se conteve, mas ainda estava inconformada com o pessimismo deles. — Precisamos de uma pista para achar os orbes, e não temos nada… Eu sinto muito.

— A alopeke — falou o pai de Kishi — foi capturada pouco tempo depois de vocês terem invadido o banco real — Lembrou. — Os soldados da Lótus Vermelha que os capturaram ficaram com seus pertences e devolveram tudo o que foi roubado ao rei. Talvez os orbes estejam em outro banco.

— Não, isso seria tolice. O rei  quase perdeu os orbes uma vez, duvido que esteja em um outro banco qualquer.

— Os orbes tinham um símbolo estranho, não é?  Como ele se parecia? — O questionamento de Alissa pegou o rapaz de surpresa. Ele pediu para seu pai uma folha de papel e começou a desenhar.

Após finalizar, mostrou para eles. O símbolo, "",  que aparecia em cada um dos orbes se mostrou extremamente familiar e Alissa, confirmou suas suspeitas  

— É o símbolo do sacerdote real. — Ela exclamou. — Ele segura um cetro com uma esfera na ponta, nas costas de seu manto está esse símbolo!

— Mas… que símbolo é esse? — Perguntou Kishi.

— Eu morava na capital real, e naquele dia a herdeira ao trono havia nascido. Eu vi o sacerdote e alguns outros súditos com esse símbolo. Meu pai disse que era o símbolo do batismo real em que apenas as Dez Grandes Famílias participavam e que ninguém sabe o seu significado.

— O cetro do sacerdote possui uma esfera vermelha — disse o senhor Edo enquanto franzia as sobrancelhas —, a mesma cor de um dos orbes. — Quanto mais sabiam sobre os Noredan, mais percebiam sua conexão com a família real, e a intuição do velho senhor o alertava a tomar cuidado.

— Tudo o que precisamos é tirar aquele cetro do sacerdote e teremos uma das chaves para salvar você Kishi, finalmente temos um caminho para seguir.

— Eu já roubei o rei uma vez e posso fazer isso de novo.

— Vocês estão loucos?! — repreendeu Edo. — Não se invade o castelo de forma tão simplória. Você ter conseguido roubar o banco foi um golpe de sorte!

— Eu libertei esse demônio, é minha obrigação o selar, é o único jeito pai.

— Eu não irei permitir isso.

— Não pedi sua permissão! 

— Você não pode lidar com um reino inteiro sozinho, Kishi.

— O rei, as Dez Grandes Famílias, a Lótus Negra. Nenhum deles nos ajudou quando mais precisávamos! Onde estavam os samurais quando Hinahina foi atacada!? — O pai de Kishi recuou sem saber o que dizer. — Você sabe que não tem outra forma, pai.

— Mesmo assim meu filho, você acabou de retornar...

— Os nobres não se importam com a gente — disse Alissa para o senhor Edo —, somos apenas números de fatalidade, mas esse Noredan é importante. Até a Lótus Negra tentou o eliminar. Precisamos acabar com isso o mais rápido possível.

— Isso é problema meu não de vocês, não quero que se arrisquem — contestou Kishi.

— Você me ajudou quando a Lótus invadiu minha casa — Ela respondeu, abaixando a cabeça — Tenho uma dívida com você.

— Mas eu não pude...

— Eu também estava lá. Eu fui fraca e incompetente, a morte dele também é minha responsabilidade. E mesmo assim, você me salvou.

— Eu sou contra esse plano, mas no dia em que saiu de casa eu não te impedi. Eu também possuo culpa e por isso irei lhe ajudar. — Edo colocou a mão no ombro de Kishi. — É dever de um pai auxiliar e guiar seu filho.

Kishi sabia que não conseguiria convencer eles do contrário, então ainda relutante, aceitou a ajuda dos mesmos.

 


2 horas depois.
Residência dos Sanju.

A noite havia chegado até a cidade de Revin. Alissa dormia tranquilamente no quarto de hóspedes, o senhor Edo admirava o céu estrelado. Não conseguiu dormir, atormentado pela culpa que carregava em relação a seu filho, se questionou mais de uma vez se era um bom pai. Aqueles pontos brilhantes no céu o deixaram mais calmo, ele adorava admirar a Lua e as estrelas.

Kishi chegou em silêncio.

Edo o notou e não disse nada, juntos, pai e filho admiravam a beleza das estrelas e da Lua cheia. Com suas bocas caladas, palavras se demonstraram inúteis. Edo puxou algo de sua roupa e entregou a Kishi.

Uma caixa retangular, de tamanho médio, sua madeira desgastada pelo tempo revelava sua idade avançada. Uma peça antiga que um dia já pertenceu a Kishi.

— Não posso aceitar.

— Você irá precisar, enfrentará diversos inimigos extraordinários e do mais alto calibre.

— Isso não me traz boas memórias, fico surpreso que você tenha guardado.

— No dia em que você partiu, após ter levado aquele cinto dourado para o torneio clandestino eu cogitei me livrar dessa caixa. Mas algo me disse para esperar o momento adequado e devolvê-la a você.

— Eu o desonrei, por que está me dando isso?

— Você se culpa por todas as coisas horríveis que fez no passado. Fugir não ajudará. Aceite e, quando o momento certo chegar, utilize-as para salvar alguém.

Kishi pegou a caixa das mãos de seu pai e a olhou. Seu coração bateu forte em repulsa ao conteúdo daquela caixa, ele não teve coragem de abri-la. Suas mãos tremiam e por um segundo cogitou destruí-la. Mas rejeitou a ideia.

— Espero nunca ter que usar isso novamente — disse em tom baixo.

— Me desculpe meu filho. Quando Sekiro morreu eu devia ter lhe dado suporte, apoio, em vez disso eu o disse para esquecer aquela tristeza e-

— Tudo bem. Está tudo bem.

Uma lágrima desceu as bochechas enrugadas do velho homem que abraçou seu filho o pegando de surpresa. Kishi retribuiu o abraço. As palavras daquele velho homem jamais expressariam de forma correta toda sua dor. 

Quando se soltaram do abraço, seu pai desviou o olhar e voltou a vigiar a Lua. Quieta como sempre sem dizer uma única palavra. Apenas assistindo como uma paciente espectadora. Esperando quando finalmente irá parar de transmitir a luz e começará a recebê-la.

— O senhor diz como se eu fosse o único a sofrer. O senhor Makatosi era seu velho amigo, ele também teve um triste fim.

— Eu conheci Makatosi quando estava no exército da Lótus Vermelha. Dois novatos aspirando grandes sonhos, e o maior sonho dele era ter um filho, vê-lo crescer forte e saudável.

— Tenho certeza que se Sekiro estivesse vivo hoje, ele seria o mais honrado dos homens.

— Está certo. Makatosi foi um ótimo amigo e um excelente pai. — Outra lágrima desceu seu rosto.

— Alissa me disse que o pai dela também fazia parte do exército da Lótus Vermelha. O estilo de combate é o Renso, não é? Por que nunca me disse que esse era o nome?

— Nunca foi importante. Lutar é lutar, não importa o nome que damos a ele. 

— Por que um pacifista como o senhor entrou no exército? — contestou, e viu o olhar longínquo de seu pai atravessar as estrelas.

— Eu era jovem e tolo. Conforme os anos foram passando o combate se demonstrou cruel demais, e então o rejeitei.

— Mesmo assim o senhor me treinou, por quê?

— Queria ensinar disciplina. Autocontrole. E principalmente, queria que tivesse uma opção a mais além de se render. — O olhar de seu pai retornou, agora ele não visualizava mais o passado e sim o presente. — Vamos dormir, precisamos descansar. A menos que os roncos da Alissa lhe impeçam de dormir. — Ele riu.

— Um pouco. — Deixou um leve sorriso de canto, demonstrando seus dentes tímidos. — Já irei. Tenha um boa noite, pai.

— Boa noite filho. — O senhor Edo fechou a porta.

Em sua mente Kishi jurou, que nunca mais iria abandonar seu pai ou qualquer um que fosse importante para ele. Um juramento perante as estrelas, como uma antiga canção dizia. Que os astros, Deus ou qualquer fonte de poder maior o ajudasse a cumprir essa promessa.

Quando um vento forte chegou fazendo-o se sentir arrepiado, ele notou que era hora de se deitar. 

 

 

Quatro dias depois.

Ofegante. Conforme corria e o ar entrava em seus pulmões, ele cuspia sangue, sentindo uma dor imensa. Kishi correu sem parar procurando por seu pai, olhando para todas as direções possíveis, eles se viram pela última vez ali, onde ele está? A cada segundo sua cabeça se contorcia com a ideia de ela estar…

"Não, não pensarei nisso..."

— Kishi! — Seu pai surgiu saindo de dentro de uma casa. — Você está muito machucado, por que não está se curando? O que houve?!

— Eu não consegui vencê-lo, ele.... Ele... — Kishi caiu de joelhos no chão, mesmo com seus olhos negros nenhuma de suas feridas havia se curado. Ele não sabia o que fazer.

Retirando o corpo de uma jovem de suas costas, Edo arregalou os olhos e tampou a boca. Sem acreditar no que estava vendo. A pele havia ficado de cor cinza, suas veias verdes. Fragilidade transbordava tanto quanto o sangue que saía de sua boca. Seu lindo cabelo vermelho agora quase tocava o branco.

— O que aconteceu com ela... — falou incrédulo.

— Eu, eu.... — A cada instante Kishi entrava em mais e mais desespero ao ver o corpo de sua amiga naquele estado. — Não a protegi, não a protegi, não a protegi...

Eu não protegi a Alissa, pai.



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