Volume 3
Capítulo 102: Queda da Cidade de Prata (2)
Quando o primeiro tiro ecoou, Jaiane já estava arrumando seu cabelo, enquanto Raniely ainda estava dormindo toda descabelada e babando. Mas não havia como dormir com a barulheira que veio a seguir.
Uma sequência infindável de tiros e gritos prosseguiu, algo estava muito errado. Raniely se sentou na cama desconfortável e tentou olhar pela janela, foi quando o poderoso estrondo fez tudo tremer, e a heroina viu a muralha rachar. Outros estrondos vieram, aumentado o buraco e destruindo casas por toda a cidade.
— O que tá acontecendo? — Jaiane perguntou — Do nada esse lugar se tornou barulhento. Estamos aqui há quase duas semanas e sempre foi tão calmo…
— Acho que alguém está querendo invadir a cidade. — Raniely respondeu.
— Ah, merda! — Jaiane bateu na testa — Quando eu disse que queria uma aventura não era desse tipo… temos que sair daqui antes que sobre para nós duas!
— Não que eu ache que vão conseguir alguma coisa… — Raniely desviou o olhar da janela para Jaiane — Mas concordo sobre cair fora.
Jaiane começou a juntar os poucos pertences e enfiá-los dentro das sacolas de viagem, e depois jogou-as para Ranely. Em seguida vestiu seu casaco de disfarce, atando os dois cintos e dobrando as mangas até a altura dos cotovelos.
Raniely pegou as sacolas e pôs à tiracolo, mas continuou observando pela janela. Havia ocorrido alguns segundos de silêncio, ou pelo menos uma redução no barulho, mas de repente os estrondos recomeçaram e pareciam estar mais perto. Então ela viu uma esfera vindo em sua direção em alta velocidade.
— …taquipariu!
Jaiane se jogou por cima de Raniely e ativou seu poder de desmaterializar. Um segundo depois uma explosão destruiu praticamente todo o quarto onde elas estavam. A pousada se desestabilizou, desabando por cima delas.
Ainda usando seu poder, Jaiane puxou sua amiga para fora da pilha de destroços que sobrou da pousada onde estavam hospedadas nos últimos dias, fingindo serem irmãs aventureiras em busca de dinheiro e fama.
A poeira cobria praticamente tudo, o cheiro de pólvora e a fumaça indicativa de incêndio se misturavam, e a quantidade de destruição e corpos pelo meio de onde deveriam estar as ruas, e as pessoas feridas fugindo, ou pelo menos tentando, faziam a paisagem antes tranquila do bairro comercial da Cidade de Prata parecer um inferno.
Naquele mundo não existia um conceito de inferno no contexto religioso, e nem não precisava existir quando um cena daquelas podia ser vivida.
— Mas que merda! — Raniely exclamou ao sair da pilha de entulhos.
— Ainda bem que ficamos em um lugar alto, senão seria difícil ver a bala de canhão chegando. — Jaiane comentou tirando a poeira do rosto com a manga da camisa.
— E ainda bem que você conseguiu reagir rápido ou eu teria virado purê…
— Desde quando existem canhões nesse mundo?
— Desde que trouxemos pessoas que sabem construí-los e apresentamos às pessoas que tem o material e os motivos.
— Precisamos ajudar essas pessoas. — Jaiane disse olhando para os lados e pondo o seu capuz.
Balas flamejantes do tamanho de uma cabeça humana passavam voando a uma velocidade inacreditável, colidindo com tudo que encontravam. Um prédio apenas não era suficiente para impedir o avanço do projétil, e assim um único tiro era capaz de deixar uma abertura gigante no cenário da cidade.
A quantidade de mortos e feridos aumentava a cada estrondo, e com os desbamento as ruas foram bloqueadas impedindo a fuga dos cidadãos. Enquanto alguns tentavam fugir, outros lamentavam a perda de alguém.
Um marido, um filho, os pais, toda a família… cada um dos sobreviventes tinha um motivo para lamentar, mas se não saíssem daquele cenário de destruição todos seriam esmagados em breve.
— ATENÇÃO! — jaiane gritou o mais alto que conseguiu — Se quisere sair daqui cm vida é melhor virem com a gente!
O grito confiante da jovem quebrou o estado de lamentação de muitos, e estes, buscando um motivo para sobreviver, juntaram-se a outros e seguiram as duas garotas. No início foram apenas 12 pessoas, mas o pequeno grupo chamou a atenção dos demais, que logo se juntaram a eles.
Raniely ordenou que quem estivesse em condições de carregar algo deveria ajudar, seja levando um ferido, itens de valor para a sobrevivência do grupo, como água, comida ou medicamentos.
Com muita dificuldade o grupo atravessou a parte mais destruída da cidade, entrando em um bairro onde ainda haviam casas de pé e ruas possíveis de se andar. Mas naquele lugar havia uma concentração enorme de pessoas.
Uma armadilha. Levar todos para um mesmo lugar e depois atacar com toda a força, essa foi a conclusão de Jaiane.
— JAY! — O grito de Raniely chamou a atenção das pessoas ali.
Antes que Jaiane conseguisse reagir, ela viu uma balada canhão em alta velocidade indo em sua direção. Mesmo se ela ativass seu poder, as outras pessoas seriam atingidas pelo impacto ou pelos destroços.
Na cabeça da heroina tudo pareceu estar acontecendo muit devagar, como se a bala estivesse parada no ar. Ela podia ver cada detalhe ao seu redor, as pessoas assustadas, os prédios ameaçando ruir, a fumaça escura… mas havia apenas silêncio, nada dos estrondos e gritos.
Ela não entendia o que estava acontecendo. Seria esse um momento pré-morte? Ou a tensão do momento despertara algo desconhecido em seu poder? Seria apenas imagiação? Ou talvez ela estivesse dormindo e não passasse de um pesadelo.
Jaiane juntou as duas mãos e deu um grito mudo, sem tirar os olhos do projétil mortal. Tudo voltou a se mover, ela ouviu os grito e explosões, a fumaça voltou a subir, pedaços dos prédios voltaram a cair.
Jaiane sentiu a bala do canhão atravessar seu corpo, adentrando o solo alguns metros atras dela. O sentimento foi difeente de quando ela se desmaterializava, não foi a mesma sensação de cócegas de quando ela atravessava um objeto sólido.
Ela ficou lá, de pé, parada, até Raniely chegar gritando seu nome. Jaiane caiu sobre os joelhos, a fadiga lhe corroía, e seu corpo estava doído.
— O que você fez? — Raniely perguntou trêmula.
— E-eu… n-não… não sei. — Jaiane olhava para as próprias mãos.
— Aquela bala de canhão atravessou tudo isso aqui sem causar dano! — Raniely disse — Não vai me falar que você usou seu poder na área toda.
— Nem cheguei a penser nisso…
— Então o que você fez?
— Sabe a bala? — Jaiane olhou sorrindo para a sua amiga — Eu apaguei a exist~encia física dela por alguns segundos…
— E como que você fez isso, menina?
— Sei lá.
— Tudo bem, o importante é que salvou a todos nós.
Raniely ajudou su amiga a se levantar, e juntas guiaram a multidão de sobreviventes até o trecho de muralha mais próximo, onde Raniely forçou uma abertura com uma sequência de disparos de flechas mágicas, o seu poder.
O grupo seguiu na maior velocidade possível em direção oposta ao acampamento dos invasores. Reunindo os sobreviventes no topo de uma colina, as duas iniciaram o processo de primeiros socorros e triagem das pessoas, delegando responsabilidades de acordo com suas capacidades.
Olhando para a Cidade de Prata, Jaiane viu a nuvem de fumaça se tornando cada vez maior, as flâmulas azul celestes já não balançavam em cima dos muros da cidade, e sim as bandeiras verdes do Reino de Aço.
— Que merda… — Raniely não conseguiu dizer mais do que isso.
— Por que Stanis fez uma coisa dessas? — Jaiane perguntou.
— Porque ele está sendo manipulado pelo Cavaleiro de Prata! — Uma voz respondeu atrás delas.
Quando se viraram elas viram Victoria e mais uma outra jovem de cabelos vermelhos. Jaiane e Raniely se afastaram rapidamente, a arqueira ativou seu poder e criou uma duzia de flechas giratórias no ar direcionadas a Victoria.
— Calma. — A heroina guardiã da Rainha de Cristal disse — Estamos aqui para ajudar apenas.
Raniely olhou para Jaiane, que parecia estar mais relaxada, mas não com a guarda baixa. Ela desfez suas flechas e pôs as mão nos bolsos do casaco.
— Então me diga: Por qual motivos deveríamos acreditar em você?