Volume 3

Capítulo 145: Outro Dia Comum

A ansiedade que Brogo sentia era tanta que ela perdeu totalmente a compostura. Diferente de seu típico comportamento sério e agressivo perante os inimigos, agora ela estava tremendo e suando de nervosismo.

Quantos anos faziam desde que ela tinha visto sua irmã pela última vez?

Depois de tudo que passou, o tempo parecia um borrão. Mas ela não esqueceria deixaria que as memórias do que restou de sua família se perdessem, pois foi justamente a lembrança de cada momento feliz que a manteve viva até que Deco a encontrasse e desse um sentido à sua vida miserável.

Mas as memórias de como tudo mudou ainda estavam ali.

O ataque ao acampamento, os inimigos chegando à noite com tochas e espadas, as tendas em chamas, os corpos sem vida espalhados pela areia do deserto, a prima Shi desesperada, Yu se escondendo na areia enquanto Su criava uma distração, seus captores, sua vida como escrava…

Ela lembrava exatamente o que havia acontecido. A riqueza de detalhes que sua mente guardava era assustadora ao ponto dela se perguntar se alguns não eram inventados. Não tinha como uma mente saudável inventar tanta coisa ruim.

Ver sua irmã surgir por detrás daquele monte de rochas foi suficiente para fazer as pernas de Brogo perderam as forças. Ela caiu de joelhos, mas manteve seus olhos direcionados à sua irmã que corria em sua direção com lágrimas nos olhos. 

Não foi difícil reconhecê-la. Apesar de estar mais velha do que Brogo lembrava, Su ainda tinha o cabelo igual ao da sua mãe.

Então elas estavam reunidas mais uma vez.

As duas irmãs separadas pelo destino, após anos se reencontraram no que deveria ser um campo de batalha. Lágrimas nos rostos, soluços, o abraço apertado, o choro de felicidade guardado por mais de duas décadas e a emoção que comoveu todos ao redor.

Algumas poucas palavras de reconforto foram trocadas entre soluços, tão baixinho que somente elas eram capazes de se entender. Não que qualquer outra pessoa precisasse saber o que elas falavam, aquele era um momento reservado apenas para as duas garotas.

A duas ficaram ali, paradas, abraçadas, chorando, até que Long-Hua chegasse.

— Odeio interromper o momento, mas eu e meus subordinados precisamos voltar ao acampamento. E Yu está inclusa.

Brogo soltou sua irmã, e limpou o rosto. Depois voltou à sua forma infantil e, pondo a máscara de volta no rosto, deu as costas a Long-Hua e os outros do Sul. Jairo acompanhou a amiga de volta ao acampamento das Pessoas Livres, no meio do caminho encontraram André os esperando.

Ainda trêmula, Brogo dava constantes olhadas para trás a fim de ver sua irmã. Elas não tiveram muito tempo para matar a saudade, mas aquele abraço falou muito por as duas.

Os dois homens que a acompanhavam não fizeram perguntas, Deco lhe ofereceu um abraço, mas apenas isso. Uma regra não escrita que as Pessoas Livres tinham era de não questionar a individualidade de cada um.

Ambos esperariam até que ela estivesse preparada para falar a respeito do reencontro.

Chegando no acampamento, Brogo recebeu uma recomendação para que descansasse. A própria Adênia fez questão de falar com Brogo em particular e insistir para que a garota de máscara colocasse os pensamentos em ordem antes de voltar ao posto.

Enquanto ia para sua tenda, viu Deco rodeado pelos heróis curiosos sobre o ocorrido com Long-Hua. Ela sabia que ele teria muito o que explicar, pois ao contrário das Pessoas Livre, os heróis não sabiam respeitar o espaço uns dos outros.

Brogo desejou boa sorte a Deco e foi deitar.

— O que aconteceu lá? — Zita foi a primeira a perguntar.

Ela havia aproveitado que André chamou a atenção de Long-Hua e levou Sônia em segurança para o acampamento. A ex-conselheira ainda estava trêmula, e não soltava a bandeja que antes servira para carregar o bule de chá.

— Eu apanhei igual um cachorro, foi isso. — André respondeu.

— Todos nós vimos a surra. — Leonardo comentou — E mesmo usando o seu poder, ele ainda parecia estar brincando com você.

— Aquele é o jeito dele dizer que não queria me matar, mas poderia. — André disse.

— Ele já teve várias chances de te matar, inclusive. — Jaiane acrescentou — E também de matar o Leonardo, Felipe, Van-Nee, eu…

— E por que ele não matou? — Anne, que estava mais afastada, perguntou — Isso nunca passou pela cabeça de vocês?

— Já passou sim. — Lucas respondeu — Assim como o motivo para o André não ter matado nenhum de nós, ele também teve chances. Ou ainda, por que nenhum de nós matou o André?

— Eu não podia matar vocês. — André respondeu em seu tom inexpressivo — Meu poder, de alguma forma, sempre falhava. Se não, estariam todos mortos. Ou pelo menos a maioria.

— Não sabia dessa do poder falhar… — Jonas disse baixinho.

— Ah! É contigo mesmo que eu quero falar, Jonas. — André se virou em direção ao herói das barreiras.

Os outros se afastaram, abrindo espaço para os dois.

André deu dois passos largos, encurtando a distância e, encarando Jonas, ele perguntou:

— Quem é Jafah?

— Onde você ouviu esse nome? — Jonas perguntou atônito.

— Long-Hua disse que você saberia me dizer quem é.

— E onde ele ouviu?

— Isso não importa.

— Esse nome não deveria ser conhecido por mais ninguém…

Anne se intrometeu na conversa, dizendo:

—Se o Jonas vai ficar enrolando, eu mesma respondo. É o nome do Cavaleiro de Prata.

— Não é não. — Jonas retrucou — Digo, Jafah é o Deus Guardião. Mas só eu deveria saber disso.

— Então o Deus Guardião e o Cavaleiro de Prata têm o mesmo nome? — André estreitou os olhos — Não pode ser coincidência. Principalmente porque Long-Hua se referiu como “nosso inimigo”…

— Está dizendo que o Cavaleiro de Prata é um deus? — Lucas debochou — O cara que tentou passar a perna na gente para benefício próprio seria um deus?

— Se ele fosse mesmo um deus, poderia ter conseguido o que queria sem precisar de nós. — Kawã concordou com Lucas.

— Além disso, — Zita levantou a mão — nós sabemos que TODOS os deuses foram exilados há séculos.

— Não estou afirmando nem descartando nada. — André deu de ombros — Long-Hua apenas me disse esse nome, praticamente sem motivo ou contexto. Vocês que estão dizendo que o Deus Guardião e o Cavaleiro de Prata têm o mesmo nome.

Deixando os outros com a dúvida lançada, André pegou Zita pela mão e os dois foram para outro lado. Já era muito ele ter falado com os heróis e ainda explicado o motivo para não ter os matado.

Conforme ele saía, os antigos companheiros de aventuras sentaram-se em torno de uma fogueira onde fervia um caldeirão de sopa e foram contar suas aventuras. Alguns exageravam um pouco aqui e acolá, mas era mais por diversão do que para se exibirem.

O assunto de André e Long-Hua foi esquecido aos poucos.

Aos poucos eles foram dispersando e buscando afazeres. Alguns foram ajudar a carregar suprimentos, outro foram ajudar na manutenção das tendas, outros buscaram um local para descanso. Apenas Jonas, Leonardo e Lucas ficaram lá.

O assunto estava prestes a voltar ao clima tenso da guerra. Mas um dos batedores das Pessoas Livres chegou acompanhado por Gledson. 

Após recuperar o senso de equilíbrio por ter se movido pelas sombras com o herói, ele deu uma olhada estranha para Gledson e foi até Jonas. O batedor entregou uma flecha com uma carta enrolada na haste e explicou que ela veio do acampamento de Long-Hua.

Para Jonas. Era o que dizia na parte de fora.

Jonas leu em silêncio, e depois repetiu em voz alta para que os que estavam ao redor também ouvissem:

— Eduardo e Wagner correm perigo. O Cavaleiro de Prata vai tentar captura-los pessoalmente. Eles estão na região de Iátria.

— Por que Long-Hua se daria ao trabalho de fazer uma coisa dessa? — Lucas perguntou.

— Não acho que seja brincadeira dele. — Jonas amassou a carta e jogou na fogueira — aqueles dois fizeram algo perigoso e estão em risco.

— Pode ser uma armadilha. — Leonardo disse.

— Mas pode não ser. O problema é como vamos ajudar os idiotas.

— É por isso que eu estou aqui. — Gledson disse enquanto sua sombra se esticava e dela saía um carro.

— Como você conseguiu um carro? — Leonardo perguntou.

— Longa história…

Jonas foi até Esmeralda e explicou o que estava acontecendo, após isso, voltou até onde os outros estavam e, sem perder tempo, se sentou no banco do motorista. Gledson sentou no do carona.

— Tou fora. — Leonardo disse, vedo que os dois o encaravam.

— Eu também. — Lucas balançou a cabeça em negação.

— Então o Lucas fica na liderança até eu voltar. — Jonas disse e fechou o vidro.

A disposição de Jonas em ajudar Eduardo e Wagner surpreendeu a maioria das pessoas no acampamento. Ele nunca havia sido o maior exemplo de herói, mas estava fazendo o seu melhor para ser um líder decente.



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