Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 22: Carroça

Esmael já partiu para cima do policial, xingando o suficiente para os bisnetos do diabrete sentirem.

— Quê? — o xenoprago soltou a indignação mais sincera que já presenciei.

— Infelizmente seu merunio está com outra pessoa agora. — O policial apontou para uma região do domo. — Veículos e mais veículos vem para cá. Quase nenhum sai daqui, pois são abandonados, então, assim que eles chegam, eles ficam disponíveis para leilão.

— Croc… — falei de cabeça baixa. 

— O seu barco foi pego rapidamente por uma mulher e acho melhor você desistir de ter ele de volta. Dava para ter ele de volta com processos, mas acho que os juízes da causa morreriam antes de chegar ao tribunal.

— Poderia me dar um nome? — Esmael olhou para o diabrete; e ele chegou perto do ouvido do xenoprago.

— Nevi. Não ela diretamente, mas alguém da trupe dela.

Ganhei na loteria. Se queríamos pegar Croc e sair de Linfrutes na primeira oportunidade, não iríamos mais.

De todas as coisas que poderiam acontecer, o barco de Sisa estar com Nevi foi uma das piores. Sabe-se lá o que poderiam fazer com o Croc.

Minha preocupação aumentou bastante, mas, por algum motivo, a euforia de Esmael aumentou mais ainda. 

Faltava babar de tanta excitação.

— Vamos achar o nosso barco. Não se preocupe — afirmou Esmael para o guarda.

— Eu acho melhor desistirem da ideia.

No mesmo instante, eu e Esmael balançamos a cabeça. 

Não deixaram o Croc para trás. Eu gostava do barco e o xenoprago odiava a ideia de ficar devendo Sisa. 

Ao contrário de nós, o guarda tentou mais uma vez nos fazer desistir da ideia. Ele sabia do poder de Nevi na cidade e ficou preocupado com a minha segurança.

— Não se preocupe, moço! Resgatar um barco será moleza para mim e ele. — Eu sorri, mas os dentes tremeram um pouco.

— Só não morram no processo.

Eu e Esmael viramos para a entrada de onde viemos e voltamos para a recepção. Seja lá onde Croc estivesse, iríamos atrás dele.

— Sabe de algum bicho ou algo assustador por aqui? — Esmael parou pensativo.

— Sei, mas não acho que ajudaria tanto.

— Ajudaria bastante, pois precisaremos tirar informações das pessoas certas. E eu acho que elas estão por toda parte.

Assim que saímos do pátio, o xenoprago apontou para uma tarasca com uma carroça parada e um biodemônio olhando para os lados.

Ele não estava parado. De mão em mão, ele passava uma garrafa com líquido azul para outras pessoas.

Parecia que aquela água deixava as pessoas mais do que bêbadas. Todos que tomavam ela andavam em zigue-zague e oscilavam em seus movimentos.

Esmael sorriu ao vê-la e fomos direto para o biodemônio.

— Olá! Quanto tá o licor abençoado? — perguntou Esmael recostado na carroça do ser.

— 200 falsos. 

— Quer ganhar mais 200? 

— Como?

— Você é dessa região e deve saber que alguém da Nevi levou um merunio do pátio. Me dá um nome que te dou 400 falsos.

— 200 falsos não valem isso.

— Dá para pedir mais nada na boa vontade hoje em dia — resmungou o xenoprago.

Esmael bufou e quebrou uma garrafa na cara do biodemônio, nocauteando-o, mas não parou por aí. Ele tacou o homem dentro da carroça e me apressou para subir junto.

Entendi sua jogada e infelizmente não tinha volta.

De frente para o pátio, alguns policiais vieram checar a situação. Por sorte nossa, o diabrete que nos atendeu mandou todo mundo para dentro e olhou para mim.

— Tragam ele de volta mais tarde! — avisou o diabrete.

Esmael subiu na frente da carroça e pegou a guia da tarasca. Tínhamos que meter o pé do local, mas apenas o xenoprago sabia para onde.

De novo ele me perguntou da criatura assustadora. Quando dei o nome dela, ele partiu em disparada para fora de Belomur e ainda me chamou de gênio.

Sua euforia, no entanto, diminuiu com uma pergunta minha de como ele sabia onde ela ficava. Nunca vi uma feição de desapontamento tão grande na cara de Esmael.

Por algum motivo, ele sabia onde a criatura ficava, mas não queria revelar o porquê. Só de pensar no motivo, ele rangia os dentes.

— Sei por saber. Não me pergunte mais o porquê. Temos coisas mais importantes para fazer com aquele oshi-oni.

⊛ ⊛ ⊛

Era a mesma caverna que eu e Bila fomos pegar as túnicas. Desta vez, entrei por um buraco de mais fácil acesso e menos perigoso.

Vimos a criatura logo de cara. Ela estava recolhida no meio de suas teias.

Os efeitos do nosso combate ainda estavam surtindo efeito, mas, mesmo machucada, ela ainda seria capaz de assustar qualquer um que acordasse de frente para ela.

Se queríamos tirar informações do biodemônio, conseguiríamos tirar sua alma também.

— Vai com calma — falei para Esmael. 

— Pode deixar.

Antes dele compreender minhas palavras, ele subiu na carroça, desacoplou a tarasca da carga e empurrou a carroça com o biodemônio para cima do oshi-oni.

O dorminhoco foi parar bem na frente da criatura após a carroça pular de uma rampa espinhosa. 

Eu coloquei a mão na cabeça e metade dos meus cabelos caíram nesse momento. O plano era dar um susto no coitado, não deixá-lo traumatizado.

— Você vai matar ele! — alertei.

— Sossega um pouco. O oshi-oni não matará ele de imediato. Você sabe muito bem. E também tem um detalhe importante sobre esse bicho. 

Esmael correu em direção à criatura. Por um momento pensei que perderia meu hospedeiro, porém na verdade perdi a metade restante dos meus cabelos quando vi os dois próximos.

Jurei que aquilo fosse impossível, mas o xenoprago estendeu a mão e o oshi-oni a acariciou como um animal doméstico.

Os dois se conheciam.

— Conheço esse daqui há um tempo — falou Esmael.

— Eu também… — Corri de volta para a tarasca, mas o xenoprago me interceptou.

— Era esse oshi-oni que você pegou as túnicas, né? 

— Sim.

— Tem duas maneiras de fazer as pazes com ele. A primeira é dando um braço seu para ele comer, a outra, é oferecendo uma comida apimentada. Acho que vi algo do tipo dentro de um barril da carroça. 

Fui de volta à carga à procura de comida. Rapidamente achei ela, pois o cheiro a denunciou quando cheguei perto dela.

A comida era uma pimenta tão ardente que nem as cores aguentaram a queimação e terminaram pretas. Talvez fosse uma mercadoria que o biodemônio venderia.

Tirei o chapéu para os clientes dele. Minha barriga ardia só de olhar para as pimentas dentro do barril.

Se o oshi-oni realmente gostava de comida apimentada, a pimenta iria servir. 

Até tive uma ideia de como acordar o biodemônio de vez.

Hehe! 

Peguei duas pimentas em um pano e fui em direção à criatura. Ela estava parada em cima do dorminhoco pronta para colocá-lo em um casulo.

— Vim aqui para fazer as pazes. — Estendi a mão com a comida retirando uma pimenta.

O oshi-oni estava em teias, então desceu por uma até mim. 

Como eu o machuquei, ele ficou relutante e cheirou a pimenta por um bom tempo. No final, ele mordiscou a comida e soltou um sorriso torto.

Agora era a hora de utilizar a outra pimenta. 

Chamei Esmael para perto do biodemônio e me aproximei do dorminhoco. 

Perto do rosto dele, percebi que ele acordaria em breve, porém quis apressá-lo mais ainda.

Com a pimenta em mãos, a quebrei no meio rente ao rosto dele. Não quis deixá-lo em chamas, então apenas joguei lascas pequenas em sua face.

De imediato, ele levantou no susto e eu corri para trás de uma pilastra. 

— Água, água! 

Ele pediu água, mas ganhou apenas uma vista desesperadora. De cima dele, Esmael estava sentado de pernas cruzadas em cima da cabeça do oshi-oni. 

— Olá! — falou o cabelo de coqueiro.

— Misericórdia! — Vi a alma do biodemônio saindo por um momento.

— Lembra daquela informação que pedi? 

— Eu não posso falar nada. 

Mesmo suando que nem um peixe-arqueiro fora d’água, o biodemônio negou dar um nome para nós depois de várias tentativas.

Esmael tinha que forçá-lo um pouco mais, então deu um tapinha na cabeça do oshi-oni.

A criatura agarrou o biodemônio com as patas e o começou a enrolar. Deixou apenas a cabeça dele para fora.

— Não me mata. — O biodemônio se debatia.

— Então fale um nome e de preferência um local também. Estou com pressa, sabe?

— Box! Ela pegou aquele merunio e saiu com ele para a base da Nevi. 

— Obrigado pela informação.

Ótimo. O Croc estava com a pessoa mais maluca que vi em Linfrutes.

Não queria nem saber o que aconteceria quando eu falasse para Bila e Sisa a nossa nova informação e muito menos a situação atual do Croc.

Tudo que eu queria era ir embora de Linfrutes o mais rápido possível, mas cada vez mais vejo que a minha estadia vai demorar.

— Vamos voltar, Esmael — falei.

— É melhor.

O xenoprago pulou do oshi-oni e deixou o biodemônio dentro do casulo. Eu já ia esquecendo dele também, mas parei na saída.

— Esquecemos de soltá-lo — avisei.

— Eu não. — Esmael apenas bocejou enquanto o coitado ficava maluco.

— ME AJUDA!!!

Olhei de cara fechada para Esmael. Deixar o biodemônio para morrer ali me daria insônias piores do que eu já tinha.

Onizinho, daqui uns 3 dias você solta o meliante e deixa ele viver a vida dele, beleza? Vamos deixar essa tarasca ali e vocês cooperam entre si — falou Esmael e por algum motivo o oshi-oni entendeu a mensagem.

— Onizinho? 

— Não fui eu que botei esse… Esquece. Vamos logo avisar as duas.



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