Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 21: Domo

Ser jogado em uma carroça beleza. Ser jogado em uma carroça sendo carregada por uma tarasca fedorenta e sem motorista passou dos limites.

Por um momento eu quis sair da carona devido ao mal cheiro, porém fui convencido de ficar após ver uma senhora ser assaltada e dois policiais, em forma de bola espinhosa, indo atrás dos ladrões.

Também percebi que era comum subir em carroças sem motoristas, pois alguns adultos fizeram, com seus filhos, a mesma coisa que Esmael fez comigo.

As tarascas deles pelo menos pareciam cheirosas. Tinham até talco no pelo.

— Tem um adesivo para escrever me limpe e grudar na carga? — perguntei tampando o nariz.

— Posso te amarrar na carga e deixo você falar pessoalmente com o dono dela. O que acha? — Esmael pegou uma corda das diversas ferramentas que a tarasca carregava.

— Vou ficar aqui mesmo.

Deitei na carroça e mirei o céu. 

O céu de whisky era calmo apesar de me deixar zonzo só de olhá-lo, então talvez eu pudesse descansar um pouco até chegar no Croc. 

No primeiro segundo que fechei minha pálpebra, a tarasca parou bruscamente e fui parar em cima da cabeça dela. 

Ela parou no sinal vermelho, mas não entendi o desespero dela até eu ver minha direita.

Tarascas, alguns felinos grandes e outras criaturas passaram na minha frente como um feixe de luz. Foram rápidas demais.

Qualquer pedestre que estivesse ali viraria parte da pista.

Se eu achava as tarascas da minha cidade velozes, as de de Linfrutes estavam em outro nível.

Elas eram diferentes não apenas na corrida. As de Homur, cidade onde minha nova casa ficava, tinham olhos negros, as de Belomur estavam com olhos azuis.

Quando percebi esse detalhe, Esmael me puxou de volta para a carroça e realmente me amarrou em uma parte da carga.

Fiquei preso em uma pilha de ferramentas, mas por um motivo plausível: a minha tarasca também estava turbinada.

— Lascou! — gritei desesperado.

Assim que o sinal ficou amarelo, os transportes ao meu redor mudaram bruscamente. O cheiro ruim da tarasca se transformou em um gosto de algodão doce azul e uma luz tomou conta da pista devido os olhos dos animais.

Estavam preparados para ligar o nitro deles; foi o que fizeram quando o sinal ficou verde.

Diversos transportes de Paraíso alcançavam velocidades surpreendentes, mas tirei minhas dúvidas se os de Inferno também seria capaz disso.

Arrancamos de uma vez e comecei a rezar para as amarras de Esmael funcionarem.

Aaaaaa! 

Haha! — O xenoprago riu da minha cara quando ela começou a ficar esticada.

Pelo menos não durou muito aquele sorriso. 

Depois de um tempo, entramos em uma zona comercial e um pedaço de fruta verde atingiu a cabeça de Esmael.

Vi que as responsáveis foram crianças, mas elas sumiram em meio a uma multidão saindo e entrando em lojas, supermercados e uma confusão de estabelecimentos.

Eu estava na zona comercial de Belomur, entretanto era impossível achar uma referência para definir minha localização exata.

Nem quando a minha tarasca parou em outro sinal deu certo, pois eu estava envolto de prédios parecidos com tripas confusas. 

Eu tentava ver os outdoors que piscavam seus globos oculares e descobrir o que tinha dentro de cada lugar, porém era impossível.

— Só de curiosidade, como você consegue se guiar por aqui? — perguntei.

— Tem vários métodos, mapas do Meliodes, experiência, dar parasitas em troca de informações e outros. 

Esmael estendeu o braço e projetou um mapa bem na minha cara. 

Eu queria me localizar, não ficar cego, mas foi bom para eu ver todas as informações. Haviam números, nomes estranhos e uma lista gigantesca de endereços.

Se o usuário do Meliodes não ficasse perdido naquela interface, não ficaria perdido em Belomur.

— O que é esse ponto verde? — Indiquei um ponto no mapa piscando.

— Não te ensinaram geografia em Paraíso não? 

— Bem… é porque são usadas coisas além do Meliodes para nos guiar.

— Verdade. Bem… acostume-se com as nossas coisas. — Ele apontou para mim e ele próprio. — Você faz parte desse caos agora.

— Já perdi o que eu tinha em Paraíso, então não considero um caos completo estar aqui. Pelo menos tenho algumas aventuras interessantes como salvar o Croc, que cada vez mais se aproxima.

Pelo mapa, estávamos perto de onde o barco de Sisa estaria. 

Como faltava pouco para chegarmos, pulamos da carroça no sinal mais próximo e fomos para a calçada. 

Desta vez, era impossível eu ficar perdido, pois os outdoors acabaram e a região em que estávamos era um calma e ficava perto do coração de Linfruntes.

Ao meu redor estavam prédios preservados e perto de uma das raízes da Extratis, que se estendia por toda Belomur, estava o pátio de veículos.

Croc deveria estar ali dentro, mas eu não fazia ideia de onde, pois o pátio não parecia um lugar simples com criaturas acorrentadas.

Talvez elas nem estivessem presas, já que por detrás de um portão parecendo um osso se quebrando, estava um domo gigantesco com uma estrutura gelatinosa no lugar do vidro.

Era um borboletário à moda infernal.

Rezei para que o Croc não tenha aprontado nada lá dentro, pois criaturas saiam e entravam por uma entrada controlada perto do domo. Infelizmente não pareciam bem quando saiam nocauteadas ou pior que isso.

— Ele deve ser o responsável pelos ferimentos dos outros veículos. Não se preocupe com o Croc. Ele sabe se cuidar — acalmou Esmael.

— Tomará. 

Respirei de forma calma e entramos dentro do pátio. 

Não dava para vermos muita coisa de cara, pois havia uma recepção, bem protegida por sinal.

Guardas com uniformes cinzas e com aparatos vivos estavam por toda parte. Fazia sentido estarem ali.

Logo passamos por um diabrete armado até com dentes e nos dirigimos para um recepcionista xenoprago.

— Olá! Tenho um veículo para retirar. — Esmael recostou no balcão.

— Preciso de alguns dados seus.

O recepcionista estava sentado e eu não conseguia ver nada além de sua cabeça. Quando ele se levantou, arregalei os olhos.

Ele tinha um corpo totalmente desigual. Seu braço esquerdo era fino como um palito, sua perna esquerda faltou no treino de perna, mas o resto dos seus membros eram gigantes e fibrados.

Quando eu vi seu antebraço, quase caí para trás. Em contrapartida, Esmael se aproximou dele e os dois deram as mãos.

Os meliodes dos dois sentiram a aproximação e começaram a transferir alguns dados. 

Foi estranho ver o dispositivo mexer no braço dos dois e, por um momento, fiquei feliz por não ter um.

— Você tem um merunio. Não você, mas uma pessoa chamada Sisa que o autorizou a vir cá. — O recepcionista sorriu. — Você pode retirar o barco por agora e fazer o pagamento da multa em até três dias. Caso não pague, bem… esse parasita seu pode ser útil nesse caso.

— Então não tem nada preocupante — Esmael falou.

— Como assim não tem nada preocupante? — questionei enfurecido. 

Ele apenas olhou para mim e deu uma risada, enquanto um guarda se aproximava para nos escoltar até o Croc. Era um diabrete menor do que eu.

— Armas? Drogas? — perguntou o guarda.

Eu e Esmael negamos e seguimos em frente. Desta vez, passamos por um corredor claro com diversos relevos vermelhos e algumas câmeras dentuças prontas para nos devorar.

Segurança em primeiro lugar, então respeitei elas e fiquei no centro do corredor longe delas. Felizmente eu saí do raio de visão delas bem rápido.

Chegamos dentro do domo. 

Eita! — exaltei parando perto da entrada.

Se de fora parecia grande, de dentro nem se falava. 

A sua imensidão era preenchida do teto ao chão. Nas paredes vermelhas e espinhosas, pássaros faziam seus ninhos, primatas pequenos roubavam os ninhos, aves parecidas com a fusão dos falecidos cisnes com pavões abocanhavam os primatas e, no meio da confusão, biodemônios e xenopragos tentavam conter a confusão.

No chão era mais controlado pelo menos, pois havia diversos veículos, tarascas, merunios, felinos grandes, que nunca vi na vida, vivendo em harmonia.

Rrrrrrrr!

Eu pensei na paz e ela foi embora em um pulo de felino para cima de mim. 

Fui alvo de um dos veículos, mas ele perdeu as forças no meio do ar e caiu de boca aberta perto de mim.

— Posso esperar na recepção? — Levantei tremendo.

— Não acho uma boa ideia, garoto. Temos que resolver a questão do seu veículo e você iria virar aperitivo naquele corredor sem mim. 

— Mas, mas…

— Sem preocupações. Esse leo e os outros veículos tem essa coleira para nos proteger. — Ele pegou no pescoço do animal e reativou a coleira. — Vamos em frente.

Nosso objetivo era chegar nos merunios. 

Eles estavam em uma zona de água e não daria para perceber o Croc de longe. Eles eram iguais às cores do Croc e alguns deviam estar debaixo d’água.

A única pessoa capaz de perceber o barco era Esmael.

— Pode me passar as informações do barco para pegarmos ele? — O guarda estendeu o pulso para Esmael.

— Claro. 

Os dois deram as mãos, mas rapidamente soltaram elas e o diabrete estendeu os olhos para nós. 

— Esse merunio…

— Sim. Cadê ele? — perguntou Esmael.

— Receio que alguém de uma gangue local pegou ele.



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