Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 3: Desacreditado

Os guardas forçaram todos para dentro da cúpula. Tentei fugir após Mustang empurrar um terno cinza, mas fui pego pela gola e atirado no chão. 

Meu pai e minha mãe revidaram ao me verem machucado. Antes de levantarem os braços, foram jogados para dentro da cúpula assim como eu e as famílias restantes. 

Fui deixado entre uma marca de arranhão na parede e um altar. Por pouco não bati a cabeça em uma viga que estava despedaçada.

— Que porcaria está acontecendo? — questionou meu pai. 

— Apenas fique calado — respondeu um terno prata, ficando de costas em seguida.

— Senhor, queremos saber sobre… — Haika tentou arrancar alguma informação, mas o guarda arrancou as palavras de sua boca com uma arma apontada.

— Calados! — Se virou de costas.

Eu me aproximei de Haika e peguei sua mão, suada.

Seus olhos estavam vermelhos, além da pupila. Também deixei os meus da mesma forma.

— Por que a guarda do Palatino tá fazendo isso… mãe? — perguntei encostado nela. 

— Eu não sei. Realmente não sei, filho. — Me abraçou forte.

Enquanto nos auxiliávamos, meu pai tentava convencer outro guarda de nos dar informações, mas conseguiu apenas um arpão apontado.

“Por que estão fazendo isso com a gente? O diano vai acordar e parar eles, né? Ele sempre foi bom para Paraíso. Não vai deixar os ternos pratas nos machucarem, certo?”, pensei.

Infelizmente, ele estava desacordado para agir. Nos braços de sua guarda pessoal, apenas olhava para o alto. O espinho alojado em sua garganta.

A região do seu corpo estava azul como a pele dos biodemônios, ou o que tinha restado deles dentro da cúpula.

Ele era forte, mas, daquele jeito, parecia estar tão fraco. Aquele herói que eu via nos telões de OLED estava pequeno e retraído.

— Abram espaço. — Um dos guardas pegou Palatino e o colocou em cima do altar ao dissipar a dúzia de funcionários restantes.

Como aquele local agia conforme a vontade de um diano, autoridade máxima de Paraíso, uma luz vermelha se acendeu por todo o altar. Era forte o suficiente para me forçar a virar o rosto.

O corpo de diano era uma chave viva, pois a estrutura se mexeu para o lado e, pronto, uma plataforma de descida estava lá.

Os guardas se mobilizaram e pegaram Palatino, que ficava cada vez mais azul, de novo.

E, conforme a situação dele piorava, mais os ternos pratas aumentavam seus temperamentos.

De maneira brusca, pegaram nos braços dos homens adultos e os forçaram para perto da placa. Não cabia muitas pessoas nela, então desceram apenas alguns funcionários e guardas. 

Depois da placa voltar vazia, eu e minha mãe fomos para a plataforma. Descemos e chegamos a um subsolo.

Ao contrário daquela cúpula com cheiro de esterco e lodo, havia um ambiente impecável abaixo de nós.

Era um laboratório como aqueles onde meus pais trabalhavam produzindo alterações genéticas.

Depois que os fungos bioluminescentes sentiram a nossa presença, as cores azuis e vermelhas me fizeram acreditar que talvez o ambiente fosse melhor do que as instalações Tino.

Freezers, agulhas para todos os lados, frascos de diferentes cores e até órgãos sintéticos estavam ali. Tinha alguns poréns. No meio de tudo, haviam câmaras como as usadas para alterar o tom de pele de forma definitiva.

— Cabeças de sabe tudo, diagnostiquem a situação do Palatino. Deve ter sobrado algum tipo de médico entre vocês. — Olhou para mim. — Ou senão a criança morre.

Eu poderia me fingir de desentendido, mas a faca que desceu pela minha garganta não. Fiquei paralisado.

— Eu faço… eu faço. Mas não machuque ele — avisou Haika que entrou na minha frente. 

— Nós fazemos. — Meu pai me colocou atrás dele. — Mas se encostarem no meu filho… — Apontou o dedo para a cara de um guarda.

Mesmo com as ameaças dos humanos mais fortes conhecidos por mim, os ternos de prata não mudaram a feição de raiva e seriedade.

Acabaram por não ligar para os meus pais, por deixarem o diano em cima de uma maca flutuante e por me agarrarem perto de ganchos erguidos.

Cada vez que eu olhava para o arpão, mais o meu coração subia à boca e meu vislumbre daquela cena da bomba de pragas retornava.

“Se eles puxarem o gatilho, vou sofrer como aquele biodemônio? Ou aqueles biodemônios?” As respostas para as minhas perguntas dependeriam dos meus pais.

Os dois esticaram o pulso perto da garganta do Palatino e começaram a mexer em seus Meliodes. O equipamento deles era mais aprimorado que o meu.

Barulhos e símbolos desconhecidos por mim, mas entendível por alguns funcionários, se projetaram em cima do rosto do diano.

Com aqueles sinais, o relatório da saúde foi concluído.

— Traduzam pra nós — pediu um terno prata.

— Há uma possibilidade de salvar ele. Na verdade, é bem fácil de retirar o veneno e inserir um soro. — Meu pai olhou com rosto baixo para um guarda. — O problema é que precisaríamos estar no centro de Paraíso. Neste laboratório, não temos algo do tipo.

— Está mentindo. Parece ter tudo que poderia ter em Paraíso aqui. — Forçou o arpão para a cara do meu pai. Parecia que ameaçar era sua única habilidade além de ser um escroto.

— Biodemônios não moram em Paraíso, suas armas também não. O veneno pode ser azul, mas é diferente do gás da cúpula. Precisaríamos estar no lar dos biodemônios pra achar a origem dele, o que não levaria 10 minutos — relatou Mustang ao desligar o Meliodes. — Atualmente é impossível.

Casquita! — Abaixou sua arma. — Irmãos de prata, acho que teremos apenas uma escolha pra salvar o nosso mestre.

Os guardas se juntaram perto da plataforma. Por um momento, pensei que eles abririam caminho para o outro lado da fronteira para acharem o soro, mas apenas subiram a placa para cima — ninguém estava nela.

A passagem pelo altar, a nossa única saída, foi fechada como um concreto posto no fim do túnel. Se não fosse pelos fungos do teto, estaríamos em um buraco sem luz.

— Sinto muito, mas o que acontecerá aqui será necessário pro futuro de Paraíso — disse um terno prata que se aproximou das câmaras centrais. — Meia dúzia não bastará. É melhor garantir.

De novo e de novo, apontaram seus arpões para nossos olhos vermelhos. Desta vez, nos forçaram para o centro do laboratório.

Ninguém ficou contente de ser empurrado, então socos foram trocados.

Enquanto os golpes dos funcionários eram aranhões de felinos, as marcas deixadas pelos guardas foram de uma fera muito maior.

Revidar a violência dos ternos pratas deu errado, pois ganhamos apenas uma fila formada por nós, os olhos vermelhos.

— Vocês dois! — Um terno prata apontou para duas pessoas da minha frente. — Serão os primeiros.

— O que vão fazer conosco? — perguntou Haika, virando de costas para mim. — Não nos machuque, por favor.

As palavras da minha mãe foram fortes como um tiro de festim, de nada adiantou.

Os guardas pegaram Palatino no colo e o colocaram dentro de uma câmara central. O local o reconheceu e os fungos mudaram para uma coloração dourada.

Os ternos pratas esperaram a iluminação ficar forte e não só abriram o compartimento de Palatino, mas também forçaram outras duas tampas para cima.

Ao ver aquilo, meu pai tentou correr novamente para pegar um arpão, levando outro soco na cara. Ele mal conseguia se manter de pé.

Corri na direção do Mustang, porém uma perna foi esticada na minha frente e deslizei até a parede. Meu dedo da mão se entortou quando tentei amenizar o impacto.

— Filho… — falou meu pai, colocando a mão no meu cabelo, já espalhado. — Vou abrir caminho e você aperta o botão da plataforma pra fugir, ok?

Uhum! — Meu rosto estava encharcado; meu coração; dolorido.

Forte como era, Mustang avançou para cima de um terno prata.

Desta vez, entretanto, apertaram o gatilho de um gancho.

— NÃO!!! — berrei ao ver o peito do meu pai ser perfurado.

Um guarda veio perto de mim e pegou Mustang.

— Precisamos apenas que fique vivo por alguns segundos. Será rápido — falou um guarda, colocando meu pai na câmara.

Haika viu a cena e tentou fazer a mesma coisa que eu: ir para cima de todos os ternos de prata. Mais uma vez, fomos parados.

Minha mãe desmaiou com uma coronhada e eu apenas fui agarrado por um dos funcionários. Se eu tivesse avançado mais um pouco, teria sido enganchado.

— Não podemos fazer nada, garoto. Sinto muito — falou um velho de olhos vermelhos.

— Mas…, mas… meu pai… minha mãe. — Olhei para ele com a visão embaçada.

A minha atenção estava no senhor, porém se desviou depois de um pequeno barulho de tranca.

Os ternos de pratas fecharam a câmara de todos os desacordados.

Rapidamente, um líquido verde subiu até o pescoço deles e o ambiente se tornou uma fornalha.

Meus olhos estavam fixados nos meus pais. Quis gritar no momento, mas não saia nada.

Ao contrário de mim, as câmaras estavam funcionando muito bem.

Depois de um tempo, todos estavam debaixo do líquido por completo. O local cada vez mais quente.

A temperatura foi apenas um dos aumentos do ambiente. O barulho de bolhas de fervura virou um estrondo de explosões perto do centro.

Com aquilo, meu arredor ficou cinza, sem vida e sem sentido.       

Dentro das câmaras, as peles dos meus pais começaram a descolar dos seus músculos, os músculos dos ossos e os ossos do mundo.

— Não… não… — Cai de joelhos.

Eu queria que fosse mentira, porém não era.

Em um momento, os dois estavam ali, no outro, sumiram.

Virei o rosto para o lado. Eu não conseguia virar os olhos na direção onde estavam. Nem sequer eu conseguia ouvir alguma coisa deles.

Se eu ficasse naquela situação para sempre, talvez fosse até melhor, porém algo retomou minha atenção.

O velho me pegou pelo braço.

— Garoto…, você não terá o mesmo destino da minha neta. — Ele me balançou e voltei a ouvir com mais clareza.

Ao meu redor, uma batalha sangrenta estava se desenrolando ao redor de Palatino desacordado, entretanto pouco me importava com o sangue respingando no meu corpo.

— Suba logo! — O velho apertou o botão da plataforma.

Alguns ternos de prata tentaram chegar em nós, mas apenas um deles conseguiu há tempo.

A plataforma chegou embaixo e fui empurrado para ela pela mão enrugada.

Tentei levar o velho comigo, mas ele se concentrou em apertar o botão de subida e em destruí-lo em seguida. A ação foi momentos antes de um gancho entrar por um de seus olhos.

Fechei os olhos e cheguei no térreo, desacreditando em tudo.

Desacreditando em tudo que tinha ocorrido, balancei a cabeça diversas vezes e dei passos para longe daquilo que eu chamava de paraíso.

Saí da cúpula de forma lenta e, onde pararia, pouco me importava. Nesse caso, até Inferno seria bem-vindo.



Comentários