Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 4: Idas e vindas

Tinha que ser em um lugar cercado por uma barreira verde para procurá-los?

Eles apareceriam? Haika e Mustang não me deixariam no meio dessa floresta, né?

Tentei mexer em uma moita a fim de achá-los. Falhei feio. Deviam estar mais adiante.

Infelizmente, eu não iria aguentar procurá-los por muito tempo, pois cada vez mais a grama artificial ficava apodrecida, sem cuidados, sem vida. Uma hora ou outra, o meu chão acabaria ou eu me juntaria a ele.

O dia estava lindo. Só perderia para o bolo de chocolate da mãe, caso eu a achasse rápido.

Conforme deixava aqueles troncos cheios de vermes para trás, meus dedos adormeciam. Por um momento, pensei que meus pés caminhavam sozinhos, pois não os sentia direito.

Tirei o sapato para aproveitar a grama; também para aliviar o mindinho e prosseguir na busca.

Por mais que eu quisesse, o meu arredor não mudava em nada. O céu cor de whisky permanecia o mesmo, as gramas de limão azedavam da mesma maneira e as raízes das árvores continuavam a me fazer tropeçar.

Corri ao ver um passarinho saindo de um galho, porém bati o dedo em um tronco e caí.

Assustei, pois talvez fosse um terno prata ou coisa pior. Engoli terra no processo, mas mal me importei com o gosto de merda.

Se eu parasse de procurá-los, não ganharia o bolo da mãe, então continuei mesmo sujo de barro.

Minhas canelas doíam como se uma marreta as tivesse atingido. Embora eu quisesse parar para acalmá-las um pouco, eu sabia que seria uma atitude burra.

— Onde estão vocês? — gritei.

A floresta era grande, mas talvez, se alguém me ouvisse, viria me salvar. O problema era que, após disparar o tiro sonoro, percebi que foi uma atitude estúpida.

Se eles ouvissem minha voz, se afastariam mais ainda de mim. Acabei complicando as coisas.

Até pensei em dar um berro extra para atrair alguém e ter um fim ali mesmo no meio das gramas, que de vivas tinham apenas o sangue de alguns biodemônios enganchados que apareceram.

O primeiro sinal de vida tinha surgido pelo menos. Os insetos, segundo Palatino, comiam uma folha.

No meio da praga da sociedade, conforme as palavras daquele roxinho de merda, parei e analisei melhor a situação.

Por que diminuíam tanto esses seres? Eram tão belos e vivos.

Entretanto a diferença entre eles e os ternos prata ficou bem clara para mim. Dos biodemônios, eu me aproximaria sem problemas atualmente; daqueles guardas de vitrine; eu apenas fugiria o mais distante possível.

Agachei para ajudar um deles que estava com dificuldades de erguer o corpo.

Uma moça ainda estava viva, mas por pouco tempo. Ela não tinha mais a parte debaixo, porém ainda teve forças para estender a mão como aquele biodemônio da jaula.

Tentei ajudar a borboleta. Infelizmente, um courve chegou antes de mim e corvejou ao agarrá-la.

Outra vez, uma mão vermelha perdeu a força e não consegui fazer nada há tempo. Mais uma vez, meus olhos ficaram vermelhos além da pupila.

Enxuguei o rosto e fui mais para frente, porém, desta vez, houve uma mudança.

Um barulho surgiu entre as árvores adiante. Diferenciar entre um animal pequeno e uma coisa maior foi bem fácil.

Corri como se a minha vida dependesse disso em direção a uma moita. O problema foi que o mato se abriu antes de eu tirar o pé do chão.

Infelizmente, virar de costas não resolveu nada. Atrás de mim, outro arbusto também se mexeu. Haviam dois seres me cercando.

Para meu azar, não eram meus pais. Acabei ficando sem bolo de chocolate, pois o resgate da floresta tinha chegado.

Eu não consegui tirar muitos detalhes deles, porque cai de cara no chão. Apenas percebi duas coisas marcantes: a pele de gesso deles e chifres brilhando na minha direção.

O que mais chamou minha atenção entre eles foi que nunca vi um socorrista, com uma fantasia completamente branca, usando um boné de cornos. O choque foi tanto que capotei de vez.

⊛ ⊛ ⊛

Meus ombros ainda pesavam depois de eu fechar os olhos. Mas, pelo menos, meus dedos não doíam mais, na verdade, eu sequer conseguia mexê-los.

O céu parecia meio estranho, como se estivesse travado.

Talvez eu estivesse em uma tela de carregamento para colocar os pés nas nuvens. O jeito era esperar algum anjo liberar o acesso.

Enquanto isso, eu fiquei lembrando das imagens que me atormentavam. Como se fosse os arpões dos ternos de prata, elas iam e voltavam.

Quando eu for ao tribunal divino, a primeira coisa que pedirei será para apagar essas lembranças, porque elas me destruíam por dentro.

Ao pensar que comeria um bolo de chocolate da mãe em breve, meu coração ficou até um pouco tranquilo.

Infelizmente, ao focar nele — descobri algo importante.

Tum tum tum!

Eu ainda sentia meu coração batendo, mesmo sabendo que fantasmas não tem coração.

Percebendo isso, tentei abrir os olhos, mas eles estavam grudados como se tivesse gotas de Hiperbond neles. Mesmo assim, eu conseguia senti-los são e salvos.

E não era apenas neles que a cola agia. Dos pés às orelhas, uma espécie de gelatina me cercava.

Certa vez, meu comprimido de limpeza auricular deu pau e meu ouvido encheu de cera. Na prisão atual, era a mesma sensação, ainda por cima, com um zumbido fraco.

Estar preso era óbvio, mas tentei descobrir como, onde, no que ou em quem eu estava encarcerado.

A única maneira possível de achar uma dica do que se tratava era abrindo a boca.

Ao contrário dos meus braços, meu queixo conseguia se mexer. Forcei ele para baixo e um gosto de hortelã surgiu na ponta da língua.

Um estalo de lâmpada apareceu na mesma hora, porém não tive tempo para esclarecê-lo, pois a cola amoleceu e caí de joelhos no chão.

“Que coisa melequenta!”, pensei.

A queda me machucou um pouco, mas deixei as dores de lado e foquei em limpar os olhos. Vi tudo e mais um pouco.

Primeiro observei de onde vim: de uma espécie de casulo de melã estourado. Uma raiz de energia azul o alimentava. O impressionante era que não era apenas um casulo desconhecido por mim.

Haviam mais prisões meladas. Algumas ocupadas e outras estouradas.

E, para mais fios do meu coque caírem, entre o chão de algas regenerativas e o teto de fungos bioluminescentes, estava uma moça — voando.

Era uma xenopraga.

Ela bateu suas asas gigantes de abelãs e se virou para mim. Me encarando com olhos profundos como um abismo, arrumou seu gorro abelhudo, coçou seu ombro cor de abacaxi perto da alça do macacão de couro e pousou no chão.

As asas se recolheram e a moça deu passos, que não deixavam marcas no piso, para minha direção.

Fiquei vislumbrado por um momento, pois nunca vi uma pessoa com asas e olhos de abelãs — entretanto eu não era bobo.

Ativei o modo sebo nas canelas e corri para uma porta. O problema era que a abertura precisava de uma mão.

— Me deixa quieto — avisei e me escondi atrás de um casulo. — Sei que meu povo matou o seu, mas não foi apenas você que perdeu pessoas… Aqueles… Sniff! idiotas mataram meus pais e um monte de gente.

— É o seguinte, Ui, o seu pacote de recuperação inclui apenas o físico. Quer contratar o psicológico também? — zumbiu.

— Quê? — perguntei. Minha sobrancelha quase entortou em meio às lágrimas.

— Encararei como um sim. Aqueles dois vão desembarcar uma grana boa, kkk! — Bateu as asas de novo. — Vamos lá. Você perdeu os pais, um pessoal aí, eu perdi o meu pessoal pelo seu pessoal e você acha que quero te matar por uma vingança pessoal pelo meu pessoal?

— Talvez seja isso daí. — Me esgueirei pela borda do casulo.

— Ninguém importante pra mim foi de ralo, então foda-se. Quero é te agradecer, pois nunca tive tanta demanda no consultório. — Riu, mas fechou o rosto em seguida. — Mas apenas eu e uma minoria estamos gratos por você.

— Vai me matar ou não?

— Se eu te matasse, estaria adiantando o inevitável e tenho interesses em você vivo. — Bateu asas e foi para perto de uma mesa que brilhava como a iluminação local, revirando gavetas. — Achei! Ui, se eu te der uma roupa bacana, você engole um pouco o choro pra podermos conversar sobre o que tá rolando?

Concordei com ela. Ficar com a cabeça doendo era ruim, agora, ficar com a cabeça doendo e só de cueca era pior ainda.

Aproximei da mesa.

A moça apontou para dentro da gaveta e depois se afastou. Parou seu voo apenas quando chegou à porta trancada.

— Troque de roupas e me avisa quando acabar. E não tenha medo de alguém sair dos casulos. Eles chegaram antes de você e dormirão por algumas semanas ainda.

— Ok!

Ela abriu a porta, saiu da sala e a fechou.

Sozinho, derramei lágrimas por cada rosto da cúpula.

Tentei esquecê-los por um momento, porém não deu para pegar as peças de roupa sem tremer a mão.

Com uma dor muito maior do que bater o mindinho em um pufe de quitina, coloquei as vestimentas em cima da mesa.

A primeira peça que peguei foi uma regata. A vestindo, me senti desconfortável, pois seu tecido dava uma coceira como os pelos de arrozfálos.

Talvez ficasse melhor com a jaqueta. O tecido dela, em relação ao da camiseta, era diferente. Por fora, era a combinação de algodão com uma camada dura de pele vegetal. Por dentro… uma camada de escamas vermelhas.

“Eles, eles… mataram um bicho pra isso?”, perguntei para mim mesmo. “Deve ter um motivo. Tem que ter.”

Receoso, coloquei ela e, assim, a coceira parou.

A calça era do mesmo tecido da jaqueta, então vesti olhando para o teto e faltava apenas a última peça: um chinelo marrom.

“Calma. Um chinelo?” Peguei a alça do calçado e o joguei no chão.

Foi quando aproximei o dedão que descobri o porquê dele ser tão grosso.

Ui! — gritei feito um louco e cai.

O chinelo subiu pelo meu pé, se expandindo e se fechando como uma meia. Estava vivo.

Terminou seu trabalho no meu joelho e não se mexeu mais.

Para testar se ele não arrancaria meu pé, bati nele. Era duro, mas confortável de se vestir.

Depois de me acostumar com o novo visual, que nunca imaginei existir, fui à porta da sala dos casulos.

— Estou pronto. — Fiz um toc! toc! com a mão e a moça apareceu na minha frente após a entrada se abrir.

— Excelente, Ui.

— Por que desse nome? — questionei sem forçar muito. Ela apenas apontou para meus pés. — Entendi. Mas saiba que eu me chamo Maverick, tia.

— Tia é foda… meu nome é Fepis. — Virou o rosto para uma direção. — No final desse corredor, há um elevador. Vamos pegar ele. Só tenho que te dar uma dica, não aborreça aqueles dois quando chegarmos no nosso destino.



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