Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 5: Recapitulação

— Quantos andares faltam? — perguntei à Fepis.

— 1!

— Óti… — fui cortado por um aumento de voz.

— 2! — Ela deu passos rente a porta do elevador. — 3! Chegamos.

Esperei a caixa de alga vermelha e aço abrir e olhei para Fepis, mas por pouco tempo.

A mulher me empurrou e se fechou no elevador, sem mim.

— Foi bom te conhecer, Ui — a voz dela diminuía conforme o indicador do andar subia.

— Fe… pis… — Levantei a mão e a abaixei devagar.

Os controles do elevador estavam bloqueados, então virei de costas.

Reto ao meu sapato, que lambia meu dedo por algum motivo, um pufe de quitina me esperava. O problema era que a almofada estava entre dois assentos ocupados.

Nunca fui bom de chute, mas apostei que eram os dois da floresta, pois um deles tinha um detalhe inconfundível: chifres e uma pele de gesso.

Fiquei de boca aberta para aquela combinação, mas fechei ela após eles se erguerem da poltrona.

Após os barulhos de suas pisadas, percebi algumas sobrancelhas levantadas entre eles e uma inquietação ao se movimentarem.

O xenoprago abriu e balançou a gola de sua jaqueta, talvez para refrescar seu cabelo azul espalhado como os inúmeros detalhes do colete do biodemônio, que coçava a careca perto dos chifres, enquanto andava em direção a uma prateleira.

Ambos ainda fixavam os olhos de erva mate em mim. E, apesar de vestirem os mesmos tons de chá nas blusas e café com leite nas calças, se diferenciavam na maneira de me encararem.

O xenoprago revirava as pupilas como um milk-shake dentro de um liquidificador; e o biodemônio me freezava feito um sorvete.

— Garoto, temos bastante coisa pra conversar — avisou o xenoprago sentado. — Se tá com medo da gente fazer algo de ruim com você, fique. Queremos saber sobre você e o acontecido da floresta. Uma mentirinha e mando você descer naquele elevador, mas sem piso.

— Meu deus, Esmael. O moleque tá tremendo e chegou aqui naquele estado. Aperta o freio — falou o biodemônio, momentos depois de eu engolir saliva.

— Tu sabe que essa é a melhor forma de fazer os porrinhas desembucharem, Elideus. — Apontou o dedo. — Pega a porra da caixa nessa prateleira daí logo.

— Enquanto tento não derrubar isso, senta no pufe do meio, garoto. E fique tranquilo, porque eu não mordo.

Passando perto do biodemônio, ele abriu os dentes, eram afiados, mas apenas para sorrir. Suspirei por um momento.

Aconteceu o contrário quando sentei perto do Esmael. O cabelo de coqueiro rosnou para mim.

— Tem um nome ou não? — perguntou quando o biodemônio depositou a caixa entre os assentos.

— Me chamo Maverick — respondi de forma rápida.

— Certo, Maverick. Tá vendo essa caixa? — Indicou com a cabeça. — Tenta ler aquelas letrinhas pequenas.

Concentrei, mas não consegui aproximar a visão de águia.

— Agora tenta ativar seu dispositivo de braço. — O xenoprago me esperou falhar feio. — Como pode perceber, seus apetrechos sumiram.

— É melhor assim. Não quero nada que venha daquele roxinho mesmo — resmunguei.

Hum! — Se curvou. — Me conta sobre o que esse roxinho fazia na floresta.

— Ele… ele… matou todo mundo. Todo mundo se matou por ele. — Enchi os olhos de lágrimas. — Meus pais se foram por causa dele.

— Eles estão em um lugar melhor — disse o biodemônio. — Pode falar mais um pouco em detalhes? Sei que vai doer, mas precisamos de informações.

Fui direto para a parte da bomba de pragas, pedindo desculpas pela morte do moço e tendo dificuldades de descrever a rosa sangrenta.

Uma mão veio no meu ombro, apenas para me acalmar.

Os dois à minha frente disseram o nome da vítima: Celestial. Lamentaram por um momento, mas logo pediram para eu continuar.

Então, quando cheguei na parte dos drones, minhas palavras saíram dolorosas como mastigar as nozes compradas pelo meu pai. Eu desejei ter a oportunidade de quebrar mais um dente de leite as mastigando.

Distraído ao pensar nele, pulei a parte da corrida na floresta, falei da entrada da cúpula, descrevi a cena dos dardos e parei a história por causa de uma risada.

— Aquele merda finalmente foi de ralo! — Esmael ergueu o punho ao alto. — Palatino está morto!

Sua feição séria e amedrontadora mudou para a mais pura alegria, porém fui seu estraga prazeres.

— Depois disso, os ternos pratas o deitaram no altar pra abrir uma passagem. — Recebi olhares tortos.

— Espera um pouco. — Elideus piscou um pouco e balançou a cabeça. — Tinha uma passagem naquela cúpula?

— Sim.

— Sabíamos sobre a fumaça dela e que tinham grandes chances das máscaras não chegarem a tempo, mas isso é uma novidade. Fale mais e, Esmael, fica quieto. — Apontou ao xenoprago, que se curvou mais ainda no pufe.

— Depois disso, descemos e perdi eles. — Abaixei a cabeça, não querendo lembrar daquele gancho ou daquelas câmaras.

— Como, como, COMO ELES MORRERAM? — gritou Esmael, se levantando.

— O Palatino foi colocado em uma câmara e meus pais… — fui interrompido por uma mão me erguendo ao alto.

— Ela tinha um líquido verde e tudo ficou quente? — questionou como um raio.

— Sim, mas me solta. — Apertei o pulso dele. — Por favor. Tá doendo!

Os dedos do biodemônio apareceram e forçaram o braço do xenoprago para baixo.

Eu fiquei sentado no chão com medo.

— Queríamos ele morto, mas ganhamos algo bem melhor, né? — perguntou Elideus. — Será que tem como pensar na situação atual?

— Tem razão. Agora temos uma chance e — pausou Esmael— temos uma oportunidade de ouro com nós agora.

— Ainda estou pensando nisso, mas sim, temos. — Deu tapinhas no ombro do xenoprago.

O biodemônio pegou a caixa em cima da mesa e a trouxe para perto de mim.

Me recolhi no momento. Quando ele desempacotou tudo, desacreditei.

— Você só ficava falando isso durante o caminho pra cá. — Me deu a caixa.

Soltei um sorriso tão doloroso e, ao mesmo tempo, tão reconfortante que não consegui distinguir o motivo de eu começar a chorar mais ainda.

— Bolo de chocolate. Aproveite! — Sorriu com seus dentes pontiagudos.

Era igual ao da minha mãe. Os granulados de chocolate, o creme achocolatado, as cascas de cacau, tudo era tão parecido.

Até o cheiro era delicioso.

— Toma a colherzinha aqui. — Elideus me deu uma mini colher. — Eu ficaria bem triste se você deixasse esse bolo cair, porque foi difícil de fazer ele. Não acha melhor comer ele no pufe?

— Prometo — falou Esmael, cruzando os dedos bem na minha cara — que não vou te machucar.

— Não liga pra ele. — O biodemônio me ajudou a levantar.

Voltei ao pufe, mas deixei ele rente ao do careca chifrudo desta vez.

Pelo menos minha oportunidade de experimentar o bolo chegou.

Quase quebrei o prato com a colher e comi o primeiro pedaço.

O gosto me lembrou do sofá de casa e todos os feriados em que eu passava com a mãe e o pai.

O bolo de Elideus não ficava nem um pouco atrás dos da Haika. Mas algo estava diferente no dele.

A cada mordida que eu dava, mais minhas lágrimas paravam de cair e mais energético eu ficava.

Quando terminei de comer tudo, fiquei barrigudo e um cheiro de final de chuva entrou na sala.

Com toda certeza, o bolo foi a melhor coisa que aconteceu comigo nos últimos dias.

— Obrigado pelo bolo. — Sorri, de forma fraca, mas sorri.

— Pronto. Podemos ir agora? — questionou Esmael.

— Ele ainda tá perdido, irmão — respondeu Elideus com ar melancólico.

— Mais do que os piolhos na sua careca é impossível. — Desbloqueou os controles do elevador.

— Temos que subir pra Fepis primeiro.

O biodemônio indicou uma lixeira. Fui até ela e me deparei com uma boca.

Estiquei o braço com os resíduos e dentes voaram na minha direção. O lixo foi devorado. Eu contei os dedos em seguida e ainda eram dez.

Ao mesmo tempo que eu joguei o lixo, o elevador chegou. Nós três entramos nele.

Naquele silêncio, cutuquei Elideus, pois eu queria pedir algumas informações sobre o que estava acontecendo.

— Por enquanto, apenas estamos tentando te manter vivo — respondeu ele.

Chegamos ao andar desejado e logo as portas se abriram.

Fepis estava mexendo em um dos casulos.

— O Esmael não matou o Ui? Vai chover hoje. — Voou para perto de mim.

— Estou vivo, eu acho.

— Bom, bom. É o seguinte, Ui, já se olhou no espelho? — perguntou.

— Não.

— Vocês deixaram a bomba pra mim, né? — Ela esticou o braço e abriu seu Meliodes, a interface era bem diferente do meu, pois a dela era bem mais bagunçada e velha.

Fepis fez a tela dela de espelho.

Coloquei a mão no olho e mexi no meu coque, que estava amarrado. Eu estava diferente.

Minhas pupilas de escarlate foram para um tom acinzentado e meu cabelo marrom foi mudado para um verde.

— A partir de agora, Maverick, você não é mais um cidadão de Paraíso — falou Fepis, desligando o dispositivo. — Já deve ter percebido que não está rodeado pelo seu povo, né?

— Sim.

— Não foi apenas sua aparência que mudou um pouco, mas também seu nome. Maverick morreu na floresta. Seu novo nome é Prefe, um biodemônio que estava na floresta e perdeu seus pais.

— É o seguinte: Prefe… que nome de arrombado… — zombou Esmael — temos que ir pra nossa casa. Qualquer pergunta que você tiver, se virá pra encontrar as respostas durante uma voltinha em Inferno.



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