Volume 2

Capítulo 52: O Curandeiro

Lu-Ji caminhou seguindo o guarda a mando de Long-Hua, eles atravessaram o salão e seguiram por um longo corredor, subiram as escadas por quatro andares e novamente adentraram outra longa passagem.

Mesmo que o mensageiro sentisse medo por fazer todo esse percurso sem saber o seu destino exato, ele sabia que se fosse caso para execução, ali no salão, na presença do rei, seria suficiente.

O guarda parou na frente de um quarto e bateu na porta, pedindo licença para entrar. Em seguida uma voz suave veio lá de dentro.

— Entre.

O guarda abriu a porta e indicou para que Lu-Ji entrasse.

Quando o jovem do clã do vento chegou à porta, viu lá dentro uma pessoa de pele clara e cabelo negros, característica do povo do deserto. Seus cabelo longos caiam sobre o rosto e sua postura passava um ar de elegância.

A pessoa estava sentada em uma cama luxuosa, coberta com os melhores tecidos, que normalmente era reservado aos nobres dos outros reinos. No quarto haviam ainda móveis de madeira entalhada e uma estante de ferro esculpido repleta de livros. Mas a falta de janelas fazia o ambiente ter um ar meio sombrio, e ainda assim a pessoa segurava um livro aberto.

Lu-Ji conhecia tudo aquilo e sabia o valor de cada um daqueles itens, afinal sua família arriscava a vida diariamente para transportar tecidos, joias e madeira através do deserto. Para ter tudo aquilo dentro de um único quarto, significava que a pessoa que estava ali era muito rica ou muito importante para o rei.

Entretanto um fato causava confusão a Lu-Ji, ele não conseguia identificar se a pessoa era homem ou mulher, sua pele e cabelo, assim como a postura elegante eram indícios de feminilidade, porém a estatura e certas proporções físicas eram masculinas.

Se fosse um homem era muito bonito, se fosse uma mulher era muito estranha.

— Entre…

A voz macia da pessoa fez como que Lu-Ji desse dois passos e no mesmo instante a porta se fechou atrás dele. O guarda havia permanecido no lado de fora.

— Seu nome… — A pessoa falou.

— Lu-Ji! E o seu?

— Sou Yu-Kan… — A pessoa disse tirando os cabelos de cima dos olhos, revelando duas pérolas negras que pareciam ver além da alma de Lu-Ji.

— Clã escorpião? — O mensageiro deixou escapar.

— Não tema, jovem do vento… Eu sou um curandeiro apenas…

Um curandeiro? E pela forma de referir a si mesmo no gênero masculino, é homem… — Lu-Ji pensou.

— Vossa majestade me salvou, e a ele eu sirvo com a minha vida… — Yu-Kan continuou — Eu apenas curo, não gosto de matar…

A voz branda de Yu-Kan mantinha Lu-Ji calmo, mesmo que o clã escorpião fosse conhecido por serem os mais brutais em todo o povo do deserto, aquela pessoa que estava na frente do jovem do clã do vento parecia ser mais um anjo como os das lendas.

— Um curandeiro do clã escorpião? Isso é novidade! — Lu-Ji não escondeu a desconfiança.

— E um arqueiro sem mãos, isso também não se vê todo dia… — Yu-Kan sorriu.

Era de conhecimento em todo os clãs que compunham o povo do deserto que os clã do vento treinava todos seus jovens em arquearia, mesmo que eles fossem livres para seguir outras áreas no futuro.

Assim, o clã do vento ficou conhecido como clã dos arqueiros do deserto, e sua força militar era reconhecida por todo o reino do sul e em muitas localidades dos reinos vizinhos.

— Vossa majestade disse que me daria uma segunda chance… — Lu-Ji olhou para os punhos amputados e enfaixados com expressão pesarosa.

— É justamente para isso que ele te mandou aqui… estenda seus braços…

Lu-Ji ficou sem reação com a possibilidade de que aquele curandeiro pudesse regenerar suas mão. Mesmo que fosse uma opção, era muito difícil encontra alguém que conseguia regenerar membros.

A maioria era capaz de recuperar ferimentos leves, profundos e até curar ferimentos em órgãos internos, mas com a capacidade de regenerar partes, Lu-Ji nunca ouvira falar de alguém assim, no máximo em lendas dos tempos passados.

Os braços de Lu-Ji se moveram em direção ao curandeiro, que desatou as bandagens e começou a limpar o ferimento cauterizado. Lu-Ji permanecia com os olhos fechados.

— Nunca vi um ferimento assim em toda a minha vida… — Yu-Kan assustou-se ao ver o ferimento.

— Não foi nenhuma arma ou poder que eu já tinha visto antes, aquilo… É a coisa mais estranha que existe… Pareciam chicotes, mas de fogo…

Yu-Kan parou por poucos segundos como se lembrasse de algo doloroso, em seguida continuou o que estava fazendo.

— É um dos antigos soldados do Deco do Leste…

— Como sabe? Eu não disse nada além do poder!

Lu-Ji abriu os olhos e encarou Yu-Kan, que permanecia olhando para os punhos amputados. O curandeiro parecia concentrado, mas ainda respondeu:

— Ninguém viu seu rosto, mas muitos contam que existia alguém com um poder assim dentre as Pessoas Livres do Leste…

— Se eu tivesse as minhas mãos de volta, faria aqueles desgraçados pagarem mil vezes mais. Faria chover flechas sobre o Leste, faria com que o nome do clã do vento ultrapassasse o continente até as montanhas ao Norte, faria…

— Calma… — A voz macia de Yu-Kan atrapalhou o discurso de ódio de Lu-Ji — Você terá suas mãos de volta… Mas não se foque demais apenas na vingança…

— Como assim? Minhas mãos… — Lu-Ji parecia incrédulo.

Yu-kan levantou os olhos e disse calmamente:

— Eu sou a única pessoa nesse mundo que pode te dar as suas mãos de volta… Mas deverá agradecer à vossa majestade…

— Então você pode mesmo… Eu tinha imaginado, mas não achei… Que seria possível…

Lu-Ji tropeçava nas palavras e mal conseguiu formar uma frase inteira. Ser um aleijado pelo resto de sua vida parecia ser algo inevitável, entretanto ele parecia estar errado.

— Infelizmente… Não é tão fácil… — Yu-Kan parecia cansado — Levará dias até que eu consiga restaurar por completo…

Enquanto o jovem do clã do vento encarava a formação protuberante onde antes havia apenas uma cicatriz cauterizada, o curandeiro se deitou para trás e dormiu. Lu-Ji acho que seria melhor não incomodar e saiu do quarto em silêncio.

No lado de fora o guarda que o trouxera estava lhe esperando.

— Então… Como foi? — Perguntou o guarda.

— Foi ótimo! Em poucos dias serei capaz de cumprir o que prometi à vossa majestade. Eu guiarei meu povo em direção ao Leste e farei com que aquelas planícies sejam cobertas de flechas, cadáveres e sangue dos nossos inimigos!



Comentários