Volume 2

Capítulo 77: Destino, Outro Mundo (1)

Lídia se jogou atrás da coluna de concreto, sentindo seu sangue deixar o corpo pelo ferimento de tiro, ela mordia o lábio inferior em uma tentativa angustiante de não gritar de dor. Zita estava ao lado dela, intacta. Lídia não estava satisfeita, se fossem atirar em alguém, que fosse nos heróis, não na secretária.

— Já está na hora de improvisar? — Perguntou a garota de óculos e tranças.

— Vamos esperar o André voltar do banheiro… — Respondeu a ruiva.

Lídia pressionou o ferimento com a mão esquerda, e com a direita sacou a arma que Felipe tinha deixado, conferiu as balas, voltou o pente ao devido local e engatilhou.

— Como foi mesmo que a gente se meteu nessa?

. . .

Horas antes.

André, Zita e Lídia entraram no Santana, o carro deixado por Felipe. No porta-malas estava a pouca bagagem que levariam ao Outro Mundo, apenas o estritamente necessário e a grande mochila de suprimentos que a mãe de Zita havia lhe preparado. No volante ia Lídia, a única dos três com habilitação, ao seu lado Zita com uma expressão apreensiva, e no banco de trás, André com a sua tradicional careta apática.

Uma viagem não muito longa, totalmente entediante e cheia de apreensão. Eles estavam indo para a sede da Aliança Internacional, e nenhum dos três estava confortável com aquilo. Cada um deles havia encontrado um motivo para temer a Aliança.

Assim que chegaram, foram recebidos por dez guardas armados, que os revistaram. Na verdade apenas André e Zita foram revistados, o que deixou Lídia um pouco chateada e ao mesmo tempo feliz. Era ruim ser subestimada, mas eles jamais imaginariam que ela tinha uma arma.

Mesmo com tantas pessoas para os receber, eles ainda tiveram que carregar as suas próprias bagagens, o que Lídia achou uma tremenda falta de respeito. Mesmo assim os guardas queriam que Lídia deixasse a chave do carro com eles. Muito contrariada, ela entregou.

Os três entraram seguindo dois guardas enquanto os outros oito vinham atrás, passando por uma infinidade de corredores, que mais pareciam um labirinto, era como se já tivessem andado quilômetros.

— Ei, falta muito? — Lídia reclamou com um dos guardas — Minhas pernas estão começando a doer.

— Se tivessem dito que era tão longe a gente tinha vindo logo de carro. — Resmungou Zita.

Os guardas fingiram não ouvir as reclamações e continuaram seguindo.

— Não veem que eles querem que a gente não consiga nos localizar dentro desse lugar? — André disse em tom alto — Mas não é possível, pela quantidade de vezes que já passamos por esse corredor, eu já decorei toda a arquitetura do lugar.

Os guardas pararam bruscamente e encararam André, incrédulos.

— Não acreditam? — André disse no mesmo tom anterior — É a sétima vez que passamos aqui, não é tão difícil lembrar daquela cerâmica com o padrão errado por um centímetro no começo do corredor.

— Cara… tu tem uns problemas sérios, né? — Até Lídia ficou impressionada com o detalhismo de André.

Sem dizer nada, os guardas viraram à direita no primeiro corredor, e andando poucos metros abriram uma porta que dava para um amplo salão. O local era totalmente branco, bem iluminado e tinha em seu centro um conjunto de equipamentos semelhantes ao do projeto chaveiro. Só que três vezes maiores.

André, ficou na porta enquanto Zita e Lídia entraram olhando para os lados, avaliando o local.

Lá dentro haviam outros que já os esperavam, André foi olhando e os reconhecendo. Eram: Mirian, a sacerdotisa da água, Gledson, o manipulador das sombras; Arlene, a comandante dos golens; Bruno, o herói da decomposição; Hugo, controlador da gravidade; Augusto, herói do som; e Amanda, heroína de vidro. Além de Wagner, o antigo herói das armas, que teve seu poder retirado.

André só conseguia pensar em como o poder de Amanda fez falta no dia em que Zita teve seus poderes sugados. Mas não era hora de perder tempo chorando pelo passado.

Além dos heróis, estavam na sala, Sônia, Alice e Getúlio, os conselheiros da Aliança Internacional. Pelas caras emburradas e o silêncio que reinava era possível sentir que havia uma tensão forte no ambiente. Haviam ainda algumas dezenas de guardas fortemente armados, dispostos em fileiras perfeitamente organizadas.

André entrou, passando por Lídia e Zita, ignorando os demais presentes e indo diretamente ao equipamento que abriria o portal.

— Bela geringonça! — Ele disse alto — É maior que o último! Por acaso aqui também tem um daqueles que suga o poder dos heróis? Tipo o que fizeram com a Zita e o Wagner…

— Cale-se e seja profissional… — Alice reclamou com o mesmo tom de voz.

— Eu estou sendo profissional. — André deu de ombros sem se virar — Mas vocês estão sendo um bando de pau no cu. Roubam o poder de uns, exploram e ameaçam outros, e ainda querem que a gente chegue aqui sorrindo?

— Cada um de nós deve fazer um sacrifício pessoal…

Antes que Alice conseguisse terminar a sua frase, André desapareceu de seu campo de visão e reapareceu ao seu lado. Quando ela o viu, ele já segurava uma mecha de seus cabelos loiros.

— Então que tal começarmos sacrificando você?

Assustada e sem palavras, tudo que ela conseguiu foi ficar o encarando, enquanto os guardas do local rapidamente sacavam suas armas e apontavam em direção a André. 

— Seus guardas são bem rápidos, apostos que se eu a matasse, eles me matariam no mesmo instante.

Alice deu dois passos rápidos para o lado, saindo de perto de André, mas sem perdê-lo de vista. Ela não conseguia entender como ela tinha desaparecido da primeira vez, mas não deixaria que fizesse uma segunda.

— Estou brincando! Estou brincando… — André disse em meio a uma risada, enquanto levantava as mãos — Quanto mau humor…

Ele caminhou de volta para perto de Zita e Lídia sob os olhares de todos os presentes no local. Ficando entre as duas com as mãos nos bolsos, André abriu um sorriso leve, o que chamou muito a atenção de Lídia, pois ela estava mais acostumada com uma expressão azeda.

— Tem algo errado… — Ela pensou.

Tentando não o encarar demais para não levantar suspeitas, ela passou a vista pelo local, conferindo as pessoas, observando suas localizações, armas, posturas e expressões. Nem ela sabia o que estava procurando, apenas seguia dicas que Felipe lhe dera tempos atrás de como agir em situações desse tipo.

Notando que depois da ação exagerada de André, os três haviam se tornado o centro das atenções, ela simplesmente desviou o olhar e puxou conversa para disfarçar.

— Oh, André… — Lídia sussurrou — O que está acontecendo? Você mudou do nada desde que a gente chegou aqui…

— Estou sendo um espião do Leste! — Ele respondeu.

— Não entendi.

— E nem precisa entender, apenas avalie a situação e veja o que está errado.

— Fala dos guardas? — Zita se intrometeu.

— Exato! — André respondeu.

— Então aquilo que você fez… — Lídia abriu um sorriso — Achei que era coisa da minha cabeça.

— Você também viu? — Zita perguntou, enquanto passava o olhar pelos guardas no salão — Ou está fingindo acompanhar a nossa linha de raciocínio?

Lídia abriu um sorriso de vitória, e se pondo de frente a Zita, explicou:

— Quando o André ameaçou a água de salsicha ali, todos os guardas sacaram as armas, mas não foi sincronizado. Cerca de vinte e cinco deles miraram imediatamente em direção ao André, uns quinze miraram em outras pessoas, inclusive em nós, mas dez deles permaneceram com as armas apontadas para baixo, olhando fixamente para a conselheira Sônia, como se esperassem um comando.

— Bem observado! — André comentou.

— E o que você acha que isso significa? — Zita instigou.

— Que deles seguem ordens da conselheira Sônia, uns vinte e cinco seguem a Alice, então os demais estão do lado do conselheiro Getúlio. Ou seja, eles não estão agindo como um grupo unido, e cada um tem seus próprios motivos.

— Uma avaliação interessante, bem próxima da minha, com diferença em pequenos detalhes… — André comentou — Mas agora não é momento para discutir isso, acho que vai começar.

Ao mesmo tempo Getúlio chamou a atenção de todos e começou um discurso eloquente, mas Lídia não estava interessada em ouvir. Ela estava mais curiosa com as próximas ações de André.

Assim que o homem grisalho de terno terminou de falar o equipamento foi ligado, gerando um som forte e um brilho leve em formato circular. O brilho foi se formando ao mesmo tempo em que o chiado aumentava, com poucos minutos o portal estava completo. Logo que ele se completou, uma fila de militares fortemente armados se formou para serrem os primeiros a passarem.

— Algum conselho antes de atravessarmos? — Lídia perguntou com um sorriso e um pouco de ansiedade.

— Sim! — André respondeu calmo e sério — Vá ao banheiro, caso contrário, se tivermos algum contratempo, você terá que fazer nas calças!

Lídia olhou com expressão confusa para o herói, mas Zita confirmou.

— Ele está falando por experiência própria…



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