Volume 3

Capítulo 127: Em casa

— Então… — Zita olhava a cama arrumada e um armário pequeno, a única mobília no cômodo — Esse é o seu quarto?

— Sim, eu morei aqui… Acho que ainda moro… — André coçou a cabeça — É complicado.

— Essa é a sua casa. Eu sei exatamente como é, me senti assim quando voltei à montanha de fogo.

— Sim… É estranho voltar pra casa depois de tanto tempo.

Ele jogou duas pedras escuras sobre a cama. Os dois cristais restantes com poder do Rancor. Eram três, mas um foi usado para eliminar os soldados da Aliança depois que Zita perdeu os poderes.

Zita pôs um cristal vermelho ao lado dos outros dois, aquele que foi seu presente de natal.

— Parecemos dois idiotas colecionadores de pedras. — Ela riu.

— Pedras com energia o suficiente para destruir uma cidade. — Ele franziu as sobrancelhas.

— Ou gerar eletricidade por um ano, para essa mesma cidade.

— Se tem uma coisa que eu aprendi, é que o ser humanos tem a capacidade de sempre usar o poder para o mal, mesmo que aquele mesmo conhecimento possa salvar milhões de vidas.

— Por isso que não podemos deixar a Aliança Internacional pôr as mãos nos segredos da magia. Imagina uma combinação de tecnologia militar e magia de destruição em massa…

— Acho que nem mesmo todos os deuses juntos seriam capazes de evitar a destruição dos dois mundos!

André foi até seu guarda roupas e abriu uma gaveta, lá de dentro tirou três pequenas esferas. A primeira tinha uma coloração escura, como se fosse de carvão. A segunda era transparente como vidro, e a última era marfim, como se fosse feita de um osso.

— Então essa e a chave para quebrar o último selo? — Zita perguntou.

— Sim, mas não gosto da chave para o penúltimo…

— Não custa arriscar, se não der certo estaremos ferrados, de qualquer forma. Eu estou pronta!

Ele suspirou e pôs as três esferas na cama, junto com os cristais.

— Vou tomar um banho, depois dessa viagem estou suada e fedendo. — Ela disse.

— Você não fede nunca. — Ele retrucou.

— Isso o impede de me acompanhar em um banho gostoso e demorado?

— Não, eu também preciso tirar a poeira da viagem.

Conforme ela tirava a blusa, André observou a imagem gravada em suas costas, a montanha e o pássaro em chamas, quase desaparecidos. Era como uma marca d’água gravada na pele, quase imperceptível, mas estava lá.

O símbolo de que ele foi uma das escolhidas pelos deuses, cada uma dos 32 tinha algo semelhante em suas costas. Era como significasse que eles carregavam o peso da responsabilidade de serem heróis, em suas costas.

Mas André não tinha. E era por isso que ele nunca foi considerado um dos heróis, e mesmo assim ele não se importava. O “monstro” foi o que mais fez por aquele mundo, mesmo que ninguém se importasse, ele estava satisfeito.

Após tomarem um banho longo e relaxante, o casal encontrou Sônia no salão de refeições, a ex-conselheira da Aliança Internacional estava degustando uma variedade de pratos típicos do Reino do Leste. Junto com ela estavam Baruu e Tibee, pereciam estar se dando bem.

Lídia havia sido convidada a conhecer a oficina de Kai, o que foi uma surpresa para todos. Normalmente, Kai era isolado e antissocial, mas quando ouviu Lídia falar sobre os meios de transporte do mundo dos heróis, quase implorou que ela o ajudasse a construir um protótipo de motor de combustão.

André ficou feliz que finalmente Kai estivesse aceitando ideias de alguém. Mas ainda achava que isso não terminaria bem, por mais que torcesse pelo contrário.

Enquanto isso, na mesa, junto com Sônia, estavam Josiley e Iffy. Quando a garota viu André, correu até ele e deu um abraço. Iffy estava trêmula e com lágrimas nos olhos.

— A Anne está bem? — Ela perguntou, chorando.

— Sim, ela está. — André respondeu, enquanto afagava os cabelos da garota — Ela está sendo mantida sob custódia enquanto fazemos uma investigação. Mas você poderá ver ela imediatamente.

— Obrigada… — Ela disse em meio a soluços.

— É bom ver que você não mudou nada nesses dez anos…

— Eu sei que você não gosta da Anne…

— E ela não gosta de mim.

— … Mas peço que não a machuque, por favor.

— Claro que não. Você me ajudou naquela vez, não foi? Eu e mais uma galera te devemos uma das grandes.

— Não devem, todos têm me ajudado muito. Até receberam minha família, depois de tudo.

— Também tenho que agradecer mais uma vez pelo que fez por todos nós. — Zita disse.

Iffy sorriu, mesmo com os olhos marejados, e abraçou Zita.

— Nós vamos comer alguma coisa, enquanto isso, se quiser ir conversar a sós com Anne… — Zita disse, tentando acalmar Iffy.

— Desde que não tente libertá-la.. — André adicionou.

— Vou pedir para um guarda levar você até ela, e deixar que conversem.

Iffy assentiu e seguiu um dos guardas indicados, descendo por uma longa escadaria circular em direção à prisão da Montanha Solitária.

Por mais que doesse em Zita, usar uma pessoa amada para enfraquecer a outra, ela não via escolhas. Em tempos anteriores, foi ela mesma a pessoa usada, e como tudo havia acabado tornou-se um trauma insuperável para ela.

Outra pessoa também parecia insatisfeita.

— Por que está jogando tão baixo? — Sônia perguntou.

— Não é jogar baixo. É assim que fazem as coisas aqui, apenas estou seguindo o senso comum desse mundo. — André respondeu, voltando à sua expressão típica de poucos amigos.

— Quando você foi preso eu te visitei. — Zita disse baixinho.

— Me senti bem quando te vi…

— Mesmo que eu tivesse sido a culpada por te colocar ali?

— Eu estava mais chateado pelo lance da garganta queimada, o interrogatório foi uma merda… E podia ter deixado eu tomar um banho antes.

Zita baixou a cabeça e ficou alguns segundos em silêncio. Sônia também ficou em silêncio, mas encarando André, talvez imaginando o que mais ele havia passado de ruim e que nunca foi mencionado nos relatórios dos heróis.

— Se não fosse por você, nem sei o que teria acontecido comigo depois de perder o controle. — Zita voltou a olhar para ele.

— Eu sei. — André disse — Teria sido controlada por um deus metido a besta, matado todo mundo e agora estávamos todos mortos e cremados.

— Como consegue fazer piada com isso? — Sônia reclamou.

— Não é piada. — Zita disse — Também acredito que seria totalmente possível que isso tivesse acontecido.

— Mas o pior de tudo foi acordar fedendo em uma masmorra. — André suspirou.

— Agora sim ele está fazendo piada… — Zita comentou.

— E é por isso que eu sempre vou ao banheiro antes de qualquer ocasião importante.

— E agora ele está falando sério!

Sônia fez uma careta de nojo e sacudiu a cabeça e voltou a experimentar as comidas típicas e conversar com as duas garotas do Leste. André aproveitou o silêncio repentino para perguntar a Tibee:

— E o que aconteceu com Felipe?

A garota tocou os lábios com o dedo indicador como se estivesse pensando, em seguida respondeu:

— Resumindo: Ele ficou aqui por um tempo lendo o teu diário, depois deu uma volta pelo continente, foi até Motog, teleportou para dentro da banheira da Shiduu…

— E saiu vivo? — André levantou uma sobrancelha.

— … e agora está indo para o extremo leste.

André e Zita encararam Tibee por alguns segundos. As palavras tinham faltado.

— Extremo leste? — Sônia perguntou entre duas garfadas.

— É onde fica a morada dos deuses… — André sussurrou.

— Mas você mesmo disse que os deuses estão presos entre o limbo e a existência.

— E esse lugar fica no extremo leste!

Sônia deu outra garfada no que parecia ser um tipo de farofa com carne e vegetais, e perguntou:

— E o Valmir? Foi com ele?

— Aaaah… Aquele cara… — Tibee congelou.

— Ele tá pegando a Shiduu! — Baruu falou.

André ficou mais assustado do que com a notícia anterior, sentando-se à mesa, pegou um prato e encheu de comida, enquanto dizia:

— Acho que Anne e Iffy precisam de um tempo para conversar. Enquanto isso, vocês duas, me atualizem das fofocas.



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